A Chuva das Rosas

A Chuva das Rosas

Quando me levantei, naquele dia frio e seco, não imaginei que poderia esperar uma tarde chuvosa, a caminho de casa, olhando para o céu que, do nada, tomou os tons cinza com nuvens carregadas e nervosas, prontas para lavar o mundo. O capim era seco e a terra vermelha que o vento acariciava, levantando poeira, fazia a população implorar para que a água viesse do céu; julho, nesta região, é inverno e o frio fazia com que a vida fosse seca.

Mas neste dia 13 de julho, os mais velhos que tiravam sustento da terra comemoravam, pois seria a chuva das rosas. Olhando pela janela do carro, não acreditei na mudança repentina do tempo. Lembrei-me do seu Zé, há uma semana atrás, me falando que hoje choveria.

Foi com alegria que percebi a terra se tornar lama e o vento levar o seu cheiro ao meu nariz; entretanto não contava que este se tornasse tão bravio e começasse a varrer as arvores do meu caminho, me forçando a parar naquela casa à beira da estrada.  Era pequena, com uma área na qual me abriguei; eu amava a chuva, queria me molhar, pular nas poças d’agua que se formavam voltar à infância, há tanto esquecida.

Mas me faltava à companhia das outras crianças e percebi que brincar sozinha não teria graça. Aquele pedacinho de chão me lembrava do meu antigo lar, antes da modernidade tomar conta da minha pequena cidade. Sempre preferi a simplicidade.

No horizonte, as nuvens gritavam e expeliam clarões que chegavam aos meus olhos, e assim. como o clarão, ela surgiu. Segurou em minha mão e me puxou para a chuva.

— Venha!

Ela disse com a voz melodiosa, prendendo o riso.

— Já lhe conheço há tanto, mas você nunca me viu. — Gritou, pois o barulho da chuva abafava o som de sua voz.

— Sim, eu nunca te vi. — respondi, olhando atentamente para a estranha que, ao mesmo tempo, era como se a conhecesse de outro tempo.

— Era porque tu nunca paraste para me olhar, sempre passaste por aqui com tanta pressa, a caminho de teu lar ou de qualquer outro lugar, que nunca prestaste atenção.

— E qual é seu nome, como devo te conhecer?

— Por hoje, Rosa. Aqui eles me conhecem como chuva das rosas.

Balancei a cabeça concordando, e continuamos a caminhar pulando entre as poças de chuva, sorrindo e brincando; uma hora ela era criança, em outra ela era mulher.

— Rosa — chamei-a.

— Sim?

— Por que tu me escolheste?

— Porque tu foste desatenta e esqueceste que há tanto a observar e a viver. Mas tu tens direito de passar esta noite comigo.

Novamente concordei, intrigada com Rosa que tinha varias formas, e sempre que a olhava, estava diferente. Eram tantas mulheres dentre as quais já amei e que o tempo levou deixando suaves vestígios, e o gosto amargo do não realizado, e planos falhos, mas, às vezes, tomava forma de um rosto desconhecido.

— Sabes por que tenho formas de tantas? —Me perguntou, se divertindo com minha confusão.

— Não.— Eu estava no limite da curiosidade, não sabia o que era aquele ser.

— Porque tu nunca se prendeste a uma. Embora tu quiseste.

— Mas eu amei cada uma.

— Sim, não há duvida disto. Entretanto, para cada uma, tu desististe no meio do caminho.  Sempre foi escolha tua, ou delas.  Mas vim lhe dizer que a certa ainda há de aparecer.

Parei no meio da chuva, olhando para Rosa, que continuava a pular e a girar. E quando percebeu que eu estava parada, olhando-a, veio em minha direção.

— Vou lhe apresentar algo do seu futuro amor, entretanto tu não a veras, apenas sentiras o teu toque.

Guiou-me para dentro do quarto, fechando a porta, nos deixando no escuro onde apenas distinguia sua forma de mulher. E com toques leves, começou a me despir, tirando peça por peça e logo pegou uma toalha, a qual não sei de onde surgiu, e secando meu corpo nu, me guiou para a cama.

— Tu saberás que é ela, pelo toque das mãos.

Concentrei-me quando senti as mãos dela deslizar, dedilhando minha pele, eriçando os meus pelos.

— Neste momento ela sonha contigo, mas não vera teu rosto. Talvez demore, não sei o tempo. Mas saberás que é ela pelo beijo.

Ela tomou meus lábios, calma, suave, degustando e me apertando, fazendo minha respiração falhar e acelerar.

— E quando ela fizer amor contigo, tu se sentiras completa. Mas devera ficar atenta senão a perdera.

Senti as mãos leves dela, me penetrando suavemente, me fazendo soltar pequenos gemidos, enquanto os dedos saiam e entravam em mim.  E logo, o meu liquido transbordava pelos dedos e língua dela. Eu estava em outra dimensão, na qual eu havia entrado e só sairia quando ela, a chuva me permitisse.

Fechei os olhos cansados e sem energia, escutando a voz melodiosa dela, a chuva, a rosa, tantos outros nomes que ela teria; um ser tão antigo e desconhecido que eu tinha certeza que nunca mais encontraria em meu caminho.

— Tu saberás quando a encontrar, mas nunca se esqueceras de mim, que lhe avisei; vou partir e tu acordaras em teu lar. Tudo o que eu posso fazer é isto, uma leve pista do seu destino, mas teu futuro não depende de mim.

Assim deixei o sono me levar embora, mergulhando em sonhos repletos de risos de uma estranha criatura que gostava de brincar com o destino. Acordei em meu quarto; no celular apresentava a data, ainda era 13 de julho. Entretanto o dia amanheceu com chuva que caia mansamente às 7 horas da manhã, fiquei confusa imaginando que meu relógio tinha dado algum problema ou se hoje era um dia que se repetia em minha vida, o qual não sabia se era uma dobra no tempo. Levantei, tomei um banho, me arrumei e sai na esquina onde encontrei o senhor José e o saudei.

— Dia, seu Zé! O senhor sabe que dia é hoje?

— Dia, filha, hoje é dia 13. — Como poderia ser dia 13, me lembro claramente de tudo que havia feito, inclusive do encontro perturbador com o estranho ser que capturou minha alma.

— O senhor tem certeza? — Ele balançou a cabeça, fazendo sinal positivo e sorrindo.

— Claro, filha. Marco claramente os dias, desde que minha Rosa saiu de casa. — Me assustei, nunca havia imaginado que seu Zé tinha uma filha, alias sempre fui tão alheia às coisas e fiquei assombrada com a coincidência do nome ser o mesmo fornecido pela mulher de varias formas.

— E quem é Rosa? — Perguntei demonstrando interesse.

— Minha filha, a senhora vai conhecê-la, ela estava estudando, mas chega hoje e vou busca-la na rodoviária. Sabe que engraçado a senhora me perguntar isso justo hoje.

— Por quê?

— Porque hoje é dia da Chuva das Rosas, e foi num dia assim que conheci minha amada esposa e foi por isso que coloquei o nome da nossa filha de Rosa.

Olhei para o Seu Zé, meio que desacreditando no causo. Coincidências existem ou nós que a inventamos? O senhor humilde tirou o chapéu, dobrou, exibindo sua careca entornada por cabelos grisalhos, me pedindo para sentar no banco da praça com ele enquanto me contava sobre aquele dia.

— Há quem diga aqui na cidade, que este dia é especial para encontrar quem se ama, ou fazer algo importante na vida acontecer. Mas sabe, filha, o que eu acho é que, as pessoas são desatentas e todos os dias são iguais. O que marca este dia são os longos meses que a chuva não vem e ela aparece neste dia 13, como se fosse para nos lembrar que ainda há esperança, que como nem sempre é sol, nem sempre será chuva.

Concordei com ele, agradeci pela conversa agradável e pela sabedoria; e continuei meu caminho esperando conhecer Rosa, mas não foi preciso esperar muito, pois assim que me levantei me deparei com ela, descendo do taxi e indo em direção ao seu pai.

FIM



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