A dupla face da moeda

A Dupla Face da Moeda

-É sério? Vocês discutiram novamente? – Minha irmã perguntava pela terceira vez.

-Sim, Melissa. Nós discutimos. – Bufei enquanto sentava no sofá.

-E agora? Mamãe e papai vão te matar. – Ela sorria. – Será possível que vocês não ficam umas semanas sem brigar?

-Ela me irrita. – Disse exasperada. – Aquele nariz arrebitado, aquela pose de superiora, aquele olhar expressivo que faz com que eu me sinta nua. Aaaaaaaaaaaaah! – Gritei enquanto saía pela porta da cozinha para o imenso quintal que dava para o lago do sitio da família.

-Será possível que ela não percebe? – Melissa sorria.

Andei pelo sitio a esmo até me sentar embaixo de uma macieira. Olhava aqueles campos e lembrava-me de quando era pequena. Meus pais e os pais dela eram amigos desde antes de eu sonhar em nascer e sempre conviveram bem.

Meu pai, Rogério Policarpo Quirino era criador de cavalos de raça (machador e etc) e nas horas vagas (dele) prestava consultoria em empresas. Conheceu minha mãe, Joana D’arc de Sousa em uma noite de bebedeira num barzinho vagabundo (onde ela era garçonete) com um amigo de faculdade.

Amigo esse que se chama Henrique Santiago Diaz (prefere ser chamado de Santiago) e junto com a senhora Marieta Muniz Moreira, apresentados em um show de musica instrumental ao ar livre e apaixonados instantaneamente. O tal do amor à primeira vista.

E dessa união nasceu ninguém mais, ninguém menos que a garota que mais me irrita na face da terra Lavínia e Liliana Moreira Santiago Diaz. Ambas morenas com traços latinos, assim como tio Henrique. Lily é um amor de pessoa e o amor em pessoa. Tão doce, tranquila, o perfeito contraste da irmã.

 Lavínia é de uma personalidade forte, decidida, determinada embora seja de poucas palavras. Basicamente seu olhar amendoado diz tudo. Exceto quando nos enfrentamos. Uma descarga elétrica percorre nossos olhos e eu simplesmente não resisto à imensa vontade de provocá-la.

Da junção dos meus pais nasceram duas bênçãos. Melissa de pele clara, cabelos negros e olhos cor de mel, a cópia do papai. E Emilia (eu) sou mulata, cabelo cacheado e olhos castanhos, o retrato fiel de mamãe.

Eu e Lavínia fazemos aniversario no mesmo dia e nossos pais sempre acharam interessante à ideia de fazer nosso aniversario junto. Sempre odiei, mas era voto vencido. Pararam quando fizemos doze anos. Graças a Deus. Sempre estudamos-nos mesmos colégios, na mesma sala, temos muitos amigos em comum e ela ainda teve a petulância de escolher a MINHA melhor amiga para ser a Best dela. Aff.

Quando entrei para a faculdade de Arquitetura foi uma briga em casa. Meu pai queria que eu fizesse Administração por motivos óbvios e minha mãe queria que eu escolhesse o que deixaria feliz. Depois de uma semana sem falar comigo ele parabenizou-me já que passei com uma excelente colocação em uma das universidades federais mais concorridas do Brasil. Lavínia por influencia do pai cursou Administração e estagia no escritório do meu pai.

Acho que nunca entendi o real motivo da nossa amabilidade e antipatia. É quase que automático quando uma chega perto da outra que a troca de “gentilezas” começa. Para ela tudo que eu faço esta errado. Minha bissexualidade, meu espírito aventureiro, meus eventuais atrasos em reuniões sociais, a facilidade com a qual troco de namorados. Esse ultimo extrapola todos os níveis. Mel diz que é demonstração clara de ciúmes e eu tenho plena convicção de que pode ser tudo, menos ciúme. Aquela mulher não sentiria isso por mim, nossa relação é de ódio mutuo. Estava tão entretida em meus pensamentos que não senti quando alguém sentou próximo a mim.

-Desculpe. – Ouvi aquela voz rouca e baixa dizer causando-me um arrepio.

-O que? – Não havia prestado atenção no que ela falou.

-Me desculpe… Por tudo. – Ela pronunciou em tom baixo.

-Quando você diz “tudo” esta se referindo a tudo que ocorreu no dia de hoje ou tudo que vem ocorrendo há treze anos? – Tinha que me certificar.

-Todos esses anos, Emilia. – Revirou os olhos.

-Ah! Eu só queria confirmar. – Disse atirando uma pedra que achei no lago. Ela sorriu baixinho e eu achei aquele som divino, não pude deixar de comentar. – Olha! Ela sorri. – a olhei esperando o insulto.

-Sim, sorrio para quem o conquista. – ela respondeu olhando o lago.

-E eu o conquistei? – Meu coração parecia que iria sair do peito com a demora da resposta. Não me lembro de ter sentido essa sensação.

-É. Conquistou. – Ela disse e eu sorri como se tivesse ganhado o melhor presente do mundo. Ela riu da minha expressão. Ela olhos para seu relógio de pulso e disse em tom brincalhão. – Já podemos entrar para o livro dos recordes por conseguir manter um dialogo sem brigas, gritos ou xingamentos por mais de quarenta minutos.

-Palhaça. – Sorri gostando da brincadeira. Ela tinha senso de humor. Como não vi isso?

Ouvimos buzinas e ao se virarem viram seus pais saindo de seus respectivos carros. Levantaram e caminharam em direção aos quatro juntas em meio a uma conversa descontraída.

Narradora

Tanto Melissa e Liliana que estavam trocando beijos perto da janela principal quanto os pais das jovens observavam aquela interação nova. Era como se elas sempre tivessem se tratado de forma cordial.

Ao chegar em frente aos pais ambas ganharam beijos e ajudaram a levar algumas sacolas para dentro da casa. O resto da tarde e inicio da noite foram tranquilos. Emilia e Lavínia não mais se viram. A primeira foi cavalgar e a segunda preferiu ficar em seu quarto. Enquanto tentava ler seu livro Lavínia sentia-se traída por seus pensamentos que constantemente a levava em direção a Emilia.

Deve ser por causa da trégua. – insistia nessa linha de raciocínio.

Uma batida a tirou dos seus devaneios e uma cabeça apareceu na porta tirando-lhe um sorriso. Deu espaço para sua companhia sentar. As irmãs encararam-se por alguns minutos.

-Acabou a guerrinha ridícula de vocês? – Liliana perguntou mansamente.

-Estamos em trégua.

-Hum! E já se “pegaram”? – a jovem sorriu.

-Não. Esta louca? – Lavínia surpreendeu-se com a pergunta da irmã. – Nada a ver. Não existe possibilidades de isso acontecer.

-E se existisse?

-O que você bebeu? Ela me detesta.

-Irmãzinha, você já pensou que todo esse ódio entre vocês pode ser o inverso? – o olhar da outra não escondeu a surpresa na opção incluída na pergunta.

Sem aguardar a resposta, Liliana deposita um beijo na testa da irmã e deixa-a pensando. Ao fechar a porta atrás de si, braços sedosos circulam sua cintura fazendo a moça sorrir. O perfume no ar entrega sua dona que vem a ser a pessoa cujos olhos enfeitiçaram-na.

-Amor, será que é tão obvio que elas não veem?

-Sim. Dei a entender isso para minha irmã cabeça dura.

-Emi é tapada o suficiente para não compreender. Será que devo chacoalha-la?

-Não. Deixa que elas se resolvam. Agora que tal tomarmos um banho no seu quarto para o jantar? – sorria maliciosa.

-Será um imenso prazer e satisfação imaginável. – a outra gargalhou enquanto seguiam para o quarto.

Meia hora depois o jantar se iniciava com o som das risadas dos presentes e musica ambiente. A troca de olhares entre as quatro jovens era intensa. Um par de olhares cobiçosos e outro confuso. Assim que a sobremesa foi servida todos puderam sair da mesa.

Lavínia sai pensando não ter sido notado sua ausência pela porta lateral da casa que tem sua fachada de madeira rústica enquanto por dentro é uma casa trabalhada em carvalho enegrecido e decorada com cores alegres. Senta-se em um banco e fica pensando na meia conversa que teve com sua irmã.

-No que pensa?

-Qual o inverso do ódio? – responde a pergunta anterior com outra.

-Ódio não tem inverso. O ódio é um sentimento tão forte que seu paradoxo só poderia ser o amor.

-Seria possível amar alguém por um longo período e não perceber?

-Sim. Tudo é possível. – Emilia diz olhando em seus olhos.

Após um tempo que mais parecia infinidade Lavínia se pronuncia. – Acho que te amo. – Sem tempo uni seus lábios aos lábios da outra. Saboreiam-se, provam-se, as línguas desbravam outros céus. Os corpos aproximam-se enquanto as bocas continuam unidas, mas tudo que é bom pouco dura. O ar se faz escasso e o beijo cessa.

As duas mantêm os olhos fechados guardando as texturas e o doce sabor. Os olhos abrem-se junto com um sorriso. Emilia segura em sua mão entrelaçando seus dedos enquanto olham a lua esplendida a brilhar no céu. A mulata sussurra mais para si do que para sua bela acompanhante ouvir.

-Porque não percebi antes? Sempre esteve embaixo dos meus olhos. Amor e ódio, as duas faces da moeda.

Ao olhar para o lado viu os olhos amendoados da outra brilhando enquanto contemplava a noite estrelada. Sabia que precisariam de uma ou umas conversas, mas por hora nada faria ou falaria. Deu um beijo em sua bochecha, apertou o enlace das mãos e sorriu mirando seu olhar para o alto enquanto seu coração batia calmo como se estivesse em harmonia. E de fato estava. Na harmonia proporcionada pelo correspondido amor.

Fim

“O Fim é apenas o Inicio.”



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2016 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.