A Encantadora de Letras

A Encantadora de Letras

Parte I

Em meio a uma confusão territorial essa menina nasceu e seus pais logo souberam que ela era diferente das outras crianças incluindo seus irmãos. Especial. Ela era a filha caçula de três irmãos. Sua irmã mais velha já estava para se formar em professora, pois naquele tempo já se saía do ensino médio com um curso. Sua irmã era mestre nos números e cálculos. Formara-se em contabilidade. E ela?

Ela era apenas um bebê inocente que sorria quando gostava, chorava quando tinha fome e dor e dormia como um anjinho alheio ao que se passava ao seu redor. Essa menininha crescia a cada dia cercada pelo amor dos familiares e brincava com letras e números.

Lembra-se que falei que ela era especial? Pois bem. Devido a complicações no parto ela nasceu com uma leve paralisia facial. Mas sua família a ensinou que ela não era diferente de ninguém, nem inferior. Poderia fazer tudo que as outras crianças faziam. E fez. Foi uma criança saudável. Deu todas as dores de cabeça possíveis aos pais.

E nisso a nossa menina foi crescendo e passou a conviver mais com outras crianças. Passou a ir aprendendo sobre a vida. Nem tudo foram flores e outras pessoas que não sabiam lidar com alguém tão especial quanto ela a fizeram chorar algumas vezes. Mas nesse caminho ela encontrou defensores leais, amigos verdadeiros que mantém até os dias de hoje. São como irmãos de outras vidas.

Esse novo amigo ensinou um lado novo da vida a essa menininha e possibilitou a ela a percepção de que algumas coisas que rondavam seu intimo pudessem sim ter alguma lógica e ela precisava saber que não era sozinha nesse novo mundo. A Encantadora de Letras conhecia então o arco Iris da vida. Lugar esse que lhe renderiam boas surpresas e algumas ruins também.

Parte II

Desde pequena, a encantadora notou que suas colegas de escola falavam dos meninos e ela não via essa coca-cola toda neles. Já as meninas… o jeito de sentar, o gingado, o rebolado no andar, a delicadeza de arrumar as coisas em seus devidos lugares. Os sorrisos e perfumes. Ah, as meninas.

Mas por ela também ser menina e os dogmas católicos alegarem ser pecado, a menina ocultava e tentava abafar isso em seu intimo. E ela afundava-se na ostra. Em um castelo de muros grandes e de larga espessura. Impedindo qualquer sentimento mais profundo de entrar e sair do muro.

Mais uma vez o tempo passou e quando ela encontrou o Semeador de Sorrisos foi apresentada a um mundo de pessoas como ela. Com sentimentos e conflitos ao dela. Viu que não era nenhuma aberração e poderia sim viver como qualquer ser humano.

Com a ajuda do Semeador ela passou a viver livre das amarras e angustias que a dominava. Conhecer seus limites através dos longos passeios que davam pelo Arco Iris tornou-se sua diversão e também um alivio. Poder sair um pouco da sua casca.

Sua família percebeu que a Encantadora estava feliz. Sorria mais. Saia mais. Tinha finalmente um amigo. Sua beleza estava mais evidente, aflorada. Isso não passou despercebido aos olhos dos conhecidos do Arco Iris. Uma pessoa em especial lhe chamou atenção.

Morena dos olhos cor de mel, sorriso doce, jeito encantador e personalidade forte. Sentiu seu coração bater quando cruzou seu olhar castanho com os olhos cor de mel. Através do Networking do Semeador descobriu que aquela jovem era a Contadora de Estrelas.

Através dele também conseguiu aproximar-se da Contadora. A principio era apenas uma amizade. Saiam juntas para passear, ir ao cinema, ao teatro, jogar conversa fora. Olhar as estrelas, ir à biblioteca central ou comprar um sorvete e sentar para tentar tomar já que mais derretia do que era degustado.

O Semeador sempre dizia que elas formavam um bonito casal, mas a amiga dizia ser apenas amizade. Mal ela sabia que a Contadora tinha procurado seu amigo e aberto o jogo quanto aos seus sentimentos.

Queria a Encantadora pra si. Havia se perdido nos olhos castanhos assim que os viu pela primeira vez. Guardou em segredo durante todo esse tempo no qual saiam juntas, mas aquele sentimento começa a sufocar-lhe.

Pensava mil formas de declarar-se sem perder a amizade e não tinha encontrado até lembrar-se do Semeador. Sabia que era ele o confidente do seu amor, mas não sabia se ele a ajudaria. Contou o que lhe afligia observando suas ações. Que foram indecifráveis, diga-se de passagem. Ao final do relato ele tomou uma decisão que mudaria o rumo dessa história.

Parte III

A Contadora de Estrelas vinha de uma família tradicional da sua cidade, mas estava morando na capital por conta dos estudos. Foi por conta deles também que conheceu um grupo de jovens com pensamentos liberais, como diria sua mãe.

Esse grupo a apresentou a outras pessoas e assim foi crescendo seu ciclo de conhecidos. A Contadora por vim de uma cidadezinha onde a maior parte da população trabalhava com o gado e cultivo de hortaliças tinha como diversão participar das rodas de viola dos empregados de seu pai.

Foi assim que aprendeu a tocar violão e cantar. Sua voz encantava quem a ouvia e quando cantava com a emoção a flor da pele era capaz de amolecer até o coração mais endurecido. Certa vez a ouviu cantar em um bar que frequentava a viu ser ovacionada pelo publico e algumas jovens a atirar-se.

Uma serenata. Seria através dela que chegaria ao coração da Encantadora. Sua amiga era movida a letras e melodias/livros e canções e uma serenata a emocionaria muito. Deixaria que a Contadora montasse um repertorio. A ideia havia sido dada. Agora era por em ação. Para tal, o Semeador explicou-lhe como agiriam e elaboraram o plano.

Alheia a tudo isso a Encantadora passeava em seu lugar preferido quando precisava pensar. Refletir sobre sua vida nos últimos tempos, suas conquistas pessoais e descobertas sentimentais. Queria conversar com seu irmão do coração, mas este havia desaparecido. Ligara em seu celular e dava caixa postal. Em sua casa não estava e não tinha ideia de onde procura-lo.

A água límpida e quente da praia do Farol a acalmava sempre que se sentia em ebulição interna. Desde pequena mantinha uma ligação com a natureza, principalmente com as água do mar. Uma tia sua que era adepta da religião de matriz africana certa vez a disse em uma conversa que seu orixá protetor era Iemanjá. Considerada a rainha do mar e mãe dos orixás.

Desde então sua ligação tornara-se mais especial. Quando desejava uma resposta para suas inquietações era certo encontrá-la no mar. Nesta tarde em especial não queria respostas. Sentia-se estranhamente feliz. Pressentia algo bom a acontecer. Era muito intuitiva e confiava em seu sexto sentido. Viu o por do sol rosa sobre o mar e assim que escureceu voltou para casa.

Às 20 horas o telefone da casa da Encantadora tocou. Sua mãe, uma senhora simpática atendeu e cumprimentou o amigo de sua criança passando o telefone em seguida.

– oi amigo, por onde você andou? Liguei-te e seu telefone não atendia.

-desculpa meu bem. Descarregou e eu não vi. – tentou justificar com menos palavras possíveis. Sua amiga sabia quando ele mentia. – liguei pra ti fazer um convite. Vamos ao parque da cidade. Vai haver uma apresentação de novos cantores e sei que gostas de musica.

-Hum! Você não me faria esse convite a toa. O que escondes?

-por que acha que escondo algo? Não posso lhe fazer um convite inocente?

-Hum! Não. Conte-me logo a novidade. – sorria. De certo seria algum novo rapaz.

-esta bem. Estou de olho em alguém. – menti por uma boa causa. Ouviu a gargalhada de sua amiga dizendo saber ser esse o motivo. Ela aceitou. Desligaram o telefone com intenções diferentes. Ele ligou para a Contadora para contar a novidade. Ela foi arrumar-se.

Parte IV

Às 21 horas em ponto o Semeador estava em frente a casa da jovem buzinando. Foram o caminho conversando sobre banalidades e cantando as musicas conhecidas que tocavam na radio. O rapaz havia combinado com a Contadora que quando chegassem ele daria um jeito de avisa-la.

O parque estava com a fachada iluminada. Assim que adentraram o portão o Semeador pediu que a amiga fosse andando na frente que ele havia esquecido algo no carro. Assim que saiu, ligou para a outra dando o breve recado.

A Encantadora andava pelo parque achando linda a decoração, mas estranhava o fato de não haver ninguém ate o presente momento. Quando se aproximava da concha acústica localizada no centro do parque ouviu acordes de violão e reconheceu a musica.

Sorriu ao ver quem estava no centro do palco a cantar e encantar seu coração. A musica então… Não poderia ser outra. A letra encaixava-se perfeitamente no momento pelo qual estava passando. Passou a prestar mais atenção na cantora. E cantou junto. Duas vozes. Dois corações. Um desejo.

-“ … Não dá para esconder/Nem quero pensar se é certo querer/O que vou lhe dizer/Um beijo seu/E eu vou só pensar em você… “

A Contadora de Estrela esperava ansiosa pela ligação do seu novo cúmplice enquanto dava os “toques finais” na iluminação do parque com a ajuda do zelador. Assim que sentiu seu celular vibrar atendeu afoita e para sua felicidade sua amada já estava nas redondezas.

Já havia passado e repassado as musicas que pretendia tocar para que a noite de sua amada fosse especial, mas quando a viu andando apenas uma melodia se fez ouvir. A melodia dos corações apaixonados quando encontram sua complementação.

Imediatamente lhe veio à mente uma musica que a muito não cantava e que cabia perfeitamente no que lhe vinha a acontecer nesses últimos dias desde que a menina tímida dos olhos castanhos cruzou seu olhar e flechou seu coração. Lembrou-se de sua cantora predileta a cantar essa musica. Pediu ajuda dos céus. Agora era tudo ou nada. Queria essa menina e faria de tudo para conquista-la.

Parte V

Assim que adentrou o parque o Semeador logo encontrou uma desculpa para que a amiga seguisse sem ele. Voltou para o carro e avisou a Contadora que estava feito. Deixara a Encantadora no parque e estava a sair. Viu que o carro da Contadora estava Eli não era preciso se preocupar com transporte de sua amiga. Ela estava em boas mãos.

Sabia estar ariscando uma amizade de anos, mas sabia também que sua amiga não era feliz antes da aparição da morena. Via a áurea de encantamento ao redor das duas. Cansou de falar que daria namoro, mas sua amiga sempre negou. Seu faro nunca o enganou e não seria agora que iria falhar. Intimamente sabia que daria certo.

Seguia dirigindo pelas ruas do centro da cidade em direção a uma casa noturna. Já havia feito sua boa ação do dia agora cuidaria da sua diversão noturna. Um moreno talvez ou quem saiba seria um loiro a alegrar sua noite.

A musica findou-se e ambas continuaram paradas. Olhando-se. O silencio das palavras era traduzido pelos olhares. A Encantadora foi caminhando até a beira do palco. A outra colocou o violão na capa e sentou-se ficando na mesma altura.

Os olhos de ambas brilhavam como estrelas no céu. Deixando claro que havia desejo ali. Os rostos aproximaram-se e um beijo doce, sem pressa e com o sabor adocicado do mais puro mel aconteceu. E perderam a noção do tempo nos braços uma da outra. Quando o beijo se encerrou ficaram olhando-se. E então a Encantadora sorriu.

– Vocês me enganaram direitinho.

-Não te enganamos. Era uma surpresa.

-Percebi. Linda surpresa. Amei. Mas como conseguiu convencer ele a te ajudar? – perguntou sentando-se ao seu lado.

-Não foi fácil. Contei a ele o que vinha sentindo e ele viu verdade em mim. – disse e roubou um beijo.

– Muito lindo. Aquele safado me deixou aqui na entrada e disse que tinha esquecido alguma coisa no carro.

-Ele tinha que me ligar, era o combinado.

-Ele vai me pagar. – sorriu enigmática. – Mas por agora tenho coisas mais interessantes a fazer e pensar.

A sessão de beijos reiniciou-se. Após minutos que mais pareceram horas de beijos trocados e mordidas estratégicas a Contadora mostrou o pequeno lanche que havia feito para ambas. Comeram deliciando-se com as brincadeiras de casal. Quando a Encantadora pensava que nada mais poderia acontecer veio a ultima parte da surpresa. De volta ao palco com seu violão na mão, a Contadora cantou para sua amada.

-“ Guarde seu sorriso só pra mim/que eu te dou o universo em meu olhar/se sentir na pele um arrepio/são meus dedos te tocando pra te contar. Sou fã do seu jeito/sou fã da sua roupa/sou fã desse sorriso estampado em sua boca. Sou fã dos teus olhos/sou fã sem medida/sou fã numero 1 e com você sou fã da vida.” – descendo do palco com o violão parou em frente a sua amada e fez o tão esperado pedido. – Anjo, você aceita ser a minha musa, minha namorada?

A Encantadora ficou a olhar o rosto amado a sua frente e por um instante recordou todo o caminho que trilharam ate ali. Seus momentos de tristeza e os de alegria ao lado de seu amigo depois junto aquela que seria seu amor.

Via ternura, carinho, respeito no olhar de sua amada. Viu que se ela por ventura recusasse aquele pedido feito de forma tão doce deixaria seu anjo triste, mas não seria obrigada a nada que não quisesse.

Ali entendeu e sentiu o que era ser amada por alguém de verdade. Amar é querer o bem do outro mesmo não sendo ao seu lado. A prova de amor que lhe deste ao montar aquela surpresa com a ajuda de um cúmplice.

A Contadora começou a se perguntar se tinha sido o momento certo de se declarar diante do silencio demorado de sua flor. Seu semblante começou a fechar como ficava quando se preocupava.

-Aceito ser sua namorada, meu amor. É tudo que mais desejei por meses. Poder te chamar de amor sem medos e receios.

Com um beijo selaram esse momento mágico. A partir daquele dia a vida da Encantadora mudou e tudo coloriu, floriu. No dia seguinte ela contou ao amigo como havia sido o encontro e o pedido de namoro.

Sua alegria era visível. Diria até palpável. Seus familiares sabiam, mas nada diziam. Se a princesa da família estava feliz eles também estavam. A vida seguiu. O namoro também. Teve seus altos e baixos como qualquer outro casal, mas houve também respeito, cumplicidade, ternura e amor. Foi eterno enquanto durou.

Fim



Notas:



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