A FILHA DO NOIVO

8. Eu vou te encontrar

Olhava os carros passando, algumas pessoas caminhando, era uma segunda feira e não tinham muitas pessoas na rua, os feriados hoje em dia são aproveitados em sua maioria em casa, todos cansados da rotina ou se preparando para encará-la novamente, Clara e Bela estavam quietas e isso me deu tempo para ficar com meus próprios pensamentos desconexos. A tarde estava dando lugar a noite quando chegamos e por vezes me lembrei dos momentos naquele quarto de hotel, cada vez que olhava para o motivo dos meus mais recentes suspiros ganhava um sorriso. Paramos o carro em frente a casa e descemos, eu apenas observava a todos e acompanhava seus sorrisos, observava o carinho que rodeava aquele lugar, de alguma forma estava apenas tentando memorizar aqueles momentos.

– Filha, pega a bolsa da mãe que ficou no carro. – Saí em silêncio, eu não estava triste, apenas estava precisando de uns momentos, me sentia culpada, mas ao mesmo momento estava feliz.

– Yousef, o que você está fazendo aqui?

– Vim buscar minha amada noiva.

– Pode esquecer. – Tentei voltar para dentro, mas ele me segurou com força. – Socorro, socorro! – Gritei o mais alto que pude.

– Sem escândalo se não serei obrigado a usar essa belezinha aqui. – Senti o cano da pistola em minha testa, ele me arrastava e eu tentava me jogar no chão. – Para com isso, Kayla!

– Kay? – Ouvi a Bela me chamando. – Kay, cadê você?

– Entra, Bela. – Yousef atirou em sua direção e por intervenção divina ele errou. – Não faz isso, Sef, eu vou pra onde você quiser, mas não machuca ela.

– Vejo que sua nova irmãzinha te conquistou. Você vai entrar nesse carro agora.

– Eu entro, só não atira nela. – Olhei para onde a mulher estava. – Não tenta fazer nada, por favor. – Ela veio se arrastando. – Por favor. – Ela parou no meio do caminho quando ele apontou a arma para minha cabeça.

– Se sair daí eu acabo com ela. – Me jogou no banco de trás e entrou no carro, arrancando logo em seguida.

– Eu vou te encontrar, eu juro. – Ouvi quando ela gritou.

– Cadê a Kayla? Bela, cadê a Kayla? – Vera me perguntava e eu simplesmente não conseguia responder, estava sufocando, mas eu precisava fazer uma coisa antes. Peguei o celular e disquei um número.

– YWT3723, encontre e me avise. – Deixei o corpo cair na grama. – Aquele louco a levou, Vera, ele levou a Kayla. – A mulher foi amparada por Lena e Clara, meu pai apenas me olhou. – Ele tinha uma arma, pai.

– Já falou com quem ajude?

– Sim, já havia deixado de sobreaviso mais cedo, parecia que eu estava pressentindo.

– Muito bem, vou ver como a Vera está, não faça nenhuma besteira. – Ele me olhou e eu peguei o carro. – Eu vou te encontrar, Kayla, nem que isso seja a última coisa que eu faça.

– Por que você está fazendo isso, Yousef?

– Eu te amo, Kayla, será que é tão difícil assim de perceber? – Ele socou o volante.

– Quem ama jamais ameaçaria com uma arma, Sef, uma arma.

– Se você amasse alguém como eu te amo saberia que por amor fazemos qualquer coisa. – Parou o carro no meio de uma estrada de terra. – Não vai doer, só preciso que você fique bem quietinha para passarmos pelos pedágios. – Veio com uma seringa em minha direção, se eu tentasse desviar seria pior, apenas deixei ele injetar o que quer que fosse.

– Eu te odeio. – E adormeci.

– O que você tem pra mim, Vinícius?

– Yousef Mouhammad, vive no Brasil há dez anos, não filiado a nenhum grupo terrorista, mas descobri que ele saiu de Israel fugido, agressão e ameaças.

– É bem característica, já descobriu o carro?

– O satélite ainda está buscando, fique na linha, Novaes quer falar com você.

– Spollatto, é bom falar com você de novo. O que temos aqui, sequestro, alguém que conhece.

– Sim, filha da noiva do meu pai. – Falei séria tentando manter a atenção em todos os carros que estavam em minha frente.

– Iremos encontrá-la. Ainda fica muito tempo por aqui?

– Não sei, Novaes, passa o telefone para o Vinícius, por favor. – Ouvi o silêncio da linha por uns segundos. – Vinícius, encontre a localização desse carro o mais rápido possível.

– Estou tentando, Spollatto, sabe que esse sistema ainda é lento para esse tipo de localização.

– Faça o possível, preciso que encontre o mais rápido possível. – Desliguei e voltei minha atenção para a estrada, meu telefone tocou de novo. – Alô.

– Belinda, onde você está?

– Estou bem, Vera, estou procurando o carro daquele maluco.

– Por favor, minha filha, não vá se machucar também. Seu pai disse que você conseguiu pegar a placa.

– Sim, Vera, YWT3723. – Ouvi ela passando a placa para alguém.

– A polícia está aqui, não tente fazer nenhuma loucura.

– Não farei. Fique calma, logo ela estará conosco novamente. – Desliguei o telefone. – Eu vou acabar com você, seu desgraçado, direto para a prisão israelense.

Passei mais de duas horas na estrada e nada, Vinícius ainda não havia me retornado, estava entrando em desespero, parei em um posto de gasolina e perguntei se haviam visto alguém com as características de Yousef, nada. Cheguei no Rio já passava das oito da noite, entrei em meu apartamento e liguei novamente para Vinícius.

– Rua Barata Ribeiro, o carro está no estacionamento do Clube Israelita. Pelo que me parece haverá uma cerimônia pela manhã. – Não respondi, apenas peguei minha arma e dois cartuchos cheios.

– Pai?

– Sim. – Ouvi ele pedindo licença. – Alguma coisa.

– O carro está em Copacabana. Estou indo para lá agora.

– Leve reforços.

– Não precisa, é apenas um homem louco com uma arma, ele não irá me ver.

– Tome cuidado, qualquer novidade me avise.

– Pai, não conta nada para Vera.

– Não se preocupe, há algo a mais, não há?

– Sim, eu estou apaixonada por ela. – Ele pigarreou.

– Não deixe que isso interfira.

– Não deixarei. – Deliguei o telefone, coloquei a mochila nas costas, arma no coldre e distintivo no bolso junto das algemas. Eu não tinha nenhum colete ali e não chamaria reforços. – Você consegue, Belinda. – Respirei fundo e saí.

– Água, por favor, eu preciso de água. – Tentei me levantar e não consegui, tanto minhas mãos quanto minhas pernas estavam amarradas na cama.

– Finalmente você acordou!

– Yousef, me solta, por favor.

– Não mesmo, ficará quietinha até o sol nascer, casaremos assim que o rabino chegar. – Veio com uma garrafa de água e me levantou um pouco para que eu bebesse. – Pedi para uma mulher vir lhe aprontar, recomendo que descanse, amanhã será um grande dia para nós.

– Não faça isso, Yousef, você não é assim.

– Não sou? Kayla, eu estou esperando para me casar com você há quase três anos e quando penso que o dia está próximo você simplesmente termina comigo como se eu não fosse nada.

– Você precisa de ajuda, Sef. Me tire daqui, procuraremos ajuda juntos.

– Não! – Socou meu rosto. – Cale a boca que eu preciso escrever os seus votos. – Me encolhi o máximo que pude e chorei em silêncio, apenas me lembrava de minha mãe, minha tia, minha prima, nos momentos que passei ao lado da Bela, ah, bela, eu adoraria poder dizer que eu te amo. Senti o olho atingido pelo soco fechar, todo meu corpo doía, as cordas estavam apertadas demais. Deixei meu corpo relaxar e dormi, amanhã seria o último dia da minha vida.

Estava parada no estacionamento a algumas horas e nenhum movimento chamou minha atenção, estava tudo estranhamente silencioso. Andei por de trás dos carros evitando ao máximo chamar atenção de qualquer segurança que pudesse estar ali, me mantive a espreita e nada, entrei no prédio e todas as luzes estavam apagadas, entrei em cada porta, vasculhei cada canto. Cheguei até a capela, estava enfeitada. – Droga! Eu não posso ter chego tarde demais. – Continuei caminhando até o final do corredor e achei uma placa. – “Yousef e Kayla, 8:20 am.” – Procurei por um lugar seguro para aguardar, já estava quase amanhecendo e logo o lugar ficaria cheio de gente.

– Eu não sei bem, parece que o rapaz está mesmo com medo de ser enviado para o inferno.

– Relações sexuais antes do casamento é realmente repugnante, não sei como ele ainda pode querer casar com uma mulher libertina.

– Cada um sabe onde o sapato há de encaixar, pelo que ele pagou devemos apenas abrir a boca para dizer que estão casados. – Estava escondida embaixo da mesa onde os homens estavam.

– Ela não me parece feliz com isso.

– A mulher não precisa estar feliz para ser recebida como esposa. – Percebi quando eles sentaram, devagar saí de debaixo da mesa.

– Se alguém gritar leva uma bala. – Apontei a arma para os dois homens que estavam ali. – Quero saber onde está a mulher que irá casar hoje!

– Não sabemos!

– Eu juro, não sabemos, apenas fomos informados do casamento.

– Por que quer nos matar por isso? – O homem estava de joelhos com as mãos atrás da cabeça.

– Não quero mata-los, quero que colaborem comigo, esse homem é procurado por crimes.

– Faremos o que quiser, mas não nos mate.

– Tem algum lugar que possamos conversar? – Eles apontaram uma porta. – Levantem. – Os homens foram andando em minha frente e logo estávamos de frente um para o outro. – Ele sequestrou essa mulher, a obrigou a vir até aqui. Eu quero que vocês comecem o casamento normalmente, estarei escondida, se tentarem algo levarão uma bala bem na cabeça.

– Não tentaremos nada. – Alguém entrou no lugar chamando pelos dois.

– Já sabem. – Eles abriram a porta e eu me escondi.

– Shalon, irmãos.

– Shalon.

– Está tudo pronto para meu casamento?

– Sim, está tudo pronto.

– Minahd está arrumando minha bela esposa, estou começando a ficar ansioso.

– Se acalme, irmão, tudo correrá bem.

– Ficarei aguardando na porta, que tudo corra bem. – O homem saiu e sai do meu esconderijo.

– Ele é completamente louco. Vocês não sairão da minha vista. – Abri a porta devagar e mandei que os dois passassem, voltei a me esconder na capela, bem embaixo de onde eles iriam começar a celebrar o casamento. Mandei uma mensagem para meu pai conseguir reforços, seria melhor, as coisas seriam feitas mais rápido.

– Menina, o que aconteceu com seu rosto? – A mulher me perguntou assim que Yousef saiu do quarto.

– Por favor, me ajude, ele está louco, me deixou amarrada aqui. – A mulher abriu a porta e olhou para fora.

– Um homem sempre tem seus motivos, eu não posso ajudar, venha, vamos limpar esse rosto e te deixarei bonita para seu dia. – As lágrimas voltaram a cair, ninguém me encontraria naquele lugar. Família, me perdoe.

– Minha futura esposa já está pronta, Minahd?

– Sim, senhor. – Aproveitei que a mulher se virou e peguei a lixa de unha, ela era de ferro, serviria para meu propósito, escondi na manga cumprida do vestido.

– Kayla, você está linda. – Me afastei quando ele tentou me tocar. – Sem armas. – Levantou seu colete. – Venha, está quase na hora, apenas sinto por não poder esperar minha família.

– Por favor, Yousef, ainda dá tempo de parar com isso, não vê que está machucando a nós dois?

– Não estou machucando ninguém, pelo contrário, esse dia é o mais feliz da minha vida. – Segurou meu braço com força e me arrastou por um corredor. – Esse dia consegue superar o dia que te conheci. – Entramos em uma capela e ele me arrastou até o altar e os homens começaram a cantar. Aproveitei que Yousef largou meu braço e puxei discretamente a lixa.

– Não, não faz isso. – Vi quando Kayla puxou uma lixa de metal da manga do vestido.

– Yousef Mouhammad, você aceita essa mulher como sua esposa, promete respeitar, amar, devotar e seguir a tradição familiar Israelense em sua casa?

– Sim. – O homem olhou para Kayla. – Eu gostaria de falar algumas palavras em nome de minha amada noiva. – Os rabinos o mandaram prosseguir. – Sabemos que passamos por muitos momentos difíceis, mas finalmente estamos atingindo o nosso objetivo maior que é o matrimônio… – Enquanto o homem falava eu recebi mensagem do meu pai. “Homens no local, pode começar os procedimentos”. Vi a mão de Kayla forçar a lixa contra o próprio corpo e não aguentei, saí de debaixo da mesa de celebração e o joguei no chão.

– Yousef, você está preso por sequestro, ameaças de morte, agressão. – Ganhei o primeiro soco e o homem virou para cima de mim.

– Sua vadia, o que está fazendo aqui? – Forcei meu quadril e o dominei novamente, não antes de revidar o soco no rosto. Tirei a algema e prendi seus dois braços.

– Você está preso, tem direito a um advogado e caso não tenha como pagar por um, o governo irá disponibilizar um defensor público, ah, mas esqueci, você será deportado de volta para o seu país. Espero que as leis de lá sejam mais rigorosas que as daqui. – A polícia chegou e logo atrás Vera com meu pai. Deixei que os homens levassem Yousef para as medidas necessárias.

– Minha filha! – Vera correu em direção a Kayla que estava paralisada. – Oh, meu Deus, o que esse monstro fez com você!? – A abraçou então as duas começaram a chorar, me aproximei de meu pai.

– Bom trabalho, agora você precisará explicar tudo. – Bateu levemente em minhas costas.

– Precisamos de uma ambulância. – Falei com um dos policias do local. – Não sabemos pelo que ela passou. – Me aproximei de Vera e Kayla.

– Como você…

– Podemos falar sobre isso depois? Primeiro eu quero cuidar de você. – Andei até onde havia uma cadeira e a coloquei sentada. – Eu disse que te encontraria.

– Você disse, só não sei como fez isso.

– É uma longa história. – Peguei a lixa que estava no chão. – O que pensava fazer com isso aqui?

– Acho que você sabe o que eu faria… – Abaixou a cabeça e as lágrimas voltaram a cair.

– Não chore, por favor. – A abracei e logo os para-médicos chegaram, a colocaram em uma maca. – Eu vou te encontrar lá, Vera vai com você.

– Eu ainda não entendi o que aconteceu, Bela, mas serei eternamente grata a você. – Me abraçou e seguiu atrás de Kayla.

– Foi arriscado, filha, mas fez um bom trabalho.

– Não pude esperar, mesmo sem saber se ele estava armado ou não, Kayla estava disposta a se matar. – Abaixei os olhos.

– Vou até a delegacia ver como ficarão as coisas, não o deixarei sair de lá.

– Obrigada, pai. – Segui em direção ao meu carro e deixei finalmente toda a emoção tomar conta. Chorei, sorri, soquei o volante do carro e finalmente dei a partida para o Hospital. – Kayla Martins, ela deve ter chegado há poucos minutos.

– Sim, ela está em atendimento ainda, siga o corredor e vire à direita. – Fiz o caminho e encontrei vera sentada na sala de espera.

– Vera!?

– Bela, sente-se aqui.

– Como ela está? – Me sentei ao seu lado.

– Parece que bem, estão apenas fazendo mais alguns exames. – Me olhou. – Você também deveria ver esse olho. – Tocou de leve.

– Não há necessidades, apenas um olho roxo.

– Será que agora pode me explicar?

– Eu sou agente da DGSE – Direção Geral da Segurança Externa com sede na França.

– Então a revista é mentira?

– Não, oficialmente eu sou editora chefe de uma revista em Milão, gosto mesmo desse meu trabalho, mas ocasionalmente sou mandada para missões. Não é um segredo, apenas gosto de poupar aqueles que amo. Fiz alguns contatos e descobri que ela estava ali, agi quando me pareceu certo.

– Graças a você a Kayla está de volta, a salvo. – A enfermeira veio até nós.

– A visita está liberada. – Seguimos a mulher até o quarto e a encontramos sentada na cama.

– Boa noite! – O médico falou assim que entramos. – Bem, essa mocinha aqui está bem, apenas algumas escoriações e edemas nos braços, nas pernas e no rosto, fora isso ela está muito bem. Aconselho apenas algumas sessões de terapia, não é fácil passar pelo que ela passou.

– Obrigada, doutor. – Vera disse já abraçada ao corpo de Kayla, que me observava.

– Como está se sentindo, filha?

– Aliviada, saber que ele está preso e não vai voltar a me perturbar. – Fiquei quieta próximo a porta, apenas assistindo à interação mãe e filha, aliviada por ela estar bem, aceitaria até ela não me perdoar por não ter contado, mas estava agradecida por ela estar viva. O médico passou por mim novamente.

– Os exames de sangue estão normais e todos os outros também, a substância que comentou era apenas sonífero, talvez ainda sinta um pouco de sono hoje e amanhã, depois disso tudo estará bem. Já está liberada. – Apertou a mão de todos e saiu.

– Pode me ajudar a levantar, mãe? – Vera a ajudou. – Eu quero conversar com você, mas hoje eu quero apenas descansar.

– Eu entendo. – Olhei para Vera. – Me ligue se precisar de qualquer coisa.

– Se cuide, minha filha, trate de descansar também. – Me deu um abraço e observei as duas saírem. Entrei no carro e fui direto para a delegacia.

– Em que pé estamos, pai?

– Ele passará por uma série de processos aqui em cárcere, sem direito a fiança, após isso será deportado para Israel já com a pena decretada aqui, além da que ele pegará por lá.

– Bom, mas há chances de ser diagnosticado como atormentado psiquiatricamente?

– Há essa possibilidade, caso seja atestado será imediatamente deportado, de um jeito ou de outro ele não ficará em liberdade.

– Isso me deixa tranquila.

– Como a Kayla está?

– Bem, já recebeu alta e foi para casa com Vera.

– Logo ligarei para saber se ela quer que eu vá, deixaremos que elas tenham seu momento.

– Sim, eu esperarei alguns dias, caso ela não queira mais me ver voltarei para Itália.

– Se acha que será melhor para você…

– Quero apenas o melhor para ela. – Dei um abraço nele e voltei para meu apartamento.



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