A Ilha - Livro 1

16. A Ilha

― Aqui olha.

Vanessa pede a mão da chefe e ela obedece soltando uma risada.

― Não ri. É sério.

Vanessa pega uma das mãos dela e as leva ao peito da chefe.

― Você guarda coisas lindas aqui, que eu só vejo de vez em quando, e hoje eu vi. O que você acabou de fazer pela empresa, ninguém faria. Você tomas as melhores decisões nas melhores horas. E você tem essa coisa, um coração enorme, que eu admiro tanto, mas tanto!

― Ah, para, Van. Eu sou tão simples.

Victoria fingia que não estava balançada com as palavras de Vanessa, ao mesmo tempo que amava ouvir aquilo, guardava certo sentimento de receio do que aquelas palavras significavam. Por fim ficou com muito medo de Vanessa ter percebido seus flertes e ter correspondido e agora seria tarde demais para fugir. Convenceu-se que nunca havia beijado uma mulher antes e se aquela fosse a hora iria desmaiar novamente.

Sentindo com as mãos o peito arfante de Vanessa, estava a centímetros do rosto da assistente.

― É isso. Só isso… Eu estarei aqui para você no que você precisar. Sempre.

Seria estranho beijá-la?

Vanessa sentia que os flertes da chefe para com ela eram meios de fuga de algo que ela ainda não havia interpretado bem. Sabia com certeza que havia certa tensão entre a chefe e Martina, ela só precisava se convencer de que aquilo era uma rixa, uma briga e não um amor do passado ou algo assim. Enquanto não descobrisse isso, não fazia sentido investir seus sentimentos por completo naquele amor.

Ela conhecia muito bem Victoria para saber que ela era campeã em indecisão no quesito sentimentos e relacionamentos.

Sabia que se beijasse Victoria ali naquele momento, ela a assustaria, a afastaria e daria muito mais trabalho para reconquistá-la do que esperar o final da missa. O que a mulher tinha de excelente gestora tinha de péssima amante.

― E eu estarei aqui para você também, Van.

Pela primeira vez desde que começara a ter surtos de lesbianice para com Martina e sentiu-se flertar com sua assistente, Victoria teve bom senso e chegou à conclusão que passara dos limites.

Estava a usar a assistente para esquecer que Martina existia. Mas esquecer-se do que, exatamente? Afinal, a ruiva sempre iria existir. Fugir dela era completa tolice. Ponderou que não tinha nada que esquecer, e que, grande era a chance, Martina nem pensasse nela.

O que não podia fazer era usar aquela pobre alma, pura e genuína para fins quase que recreativos. Vanessa aparentava bem aos olhos e principalmente seu caráter, que era o contrário ao de Martina.

Enquanto Vanessa era o retrato do equilíbrio e da harmonia, Martina era a própria personificação da ousadia, uma aposta ao infinito de possibilidades. Victoria prometeu-se dali para frente ser mais honesta consigo e resoluta com seus sentimentos, assim como era profissionalmente.

― Bom, eu vou trabalhar um pouco, fazer umas pesquisas no meu computador. Eu tenho que saber exatamente quem é essa princesa que todos querem o corpo.

Victoria levantou-se metade constrangida, metade aliviada. Vanessa riu e levantou-se após a morena.

― Reservo a Bombardier 6000?

― Com certeza. 9 horas de voo!

Vanessa seguiu para uma das mesas onde pudesse trabalhar. Pensou em perguntar a Victoria se ela iria sozinha. O correto seria que Martina acompanhasse a CEO, pois de fato, foi fantástico como ela se saiu com a imprensa. Vanessa sabia disso e queria verbalizar, porém parte dela se opunha ferozmente.

Acompanhava Victoria com o olhar, cada passo, sem que ela percebesse. Até que se sentou e atendeu ao celular.

― Alô? / Oi, Martina. / Não, tudo bem. Eu estou melhor, obrigada. / Nossa, chocante mesmo. / Sim. / Concordo. / Sim! / Eu respeito a dor daquele povo, eu entendo a cultura deles, mas temos de pensar racionalmente. Não faz sentido perdermos o nosso fôlego com essa situação. / Você o que? / Muito bom, muito bom mesmo! / À noite conversamos melhor. / Você vem? / Se achar que deve ir, me avise. / Vanessa está reservando a aeronave. / Até mais tarde!

Victoria pareceu estar numa conversa bastante equilibrada e profissional com Martina. Martina conseguira que mais três países se juntassem nas buscas ao avião. Além disso, a ruiva achava uma boa oportunidade para a imagem da empresa não só visitar o Reino Unido, mas outros países em volta onde detinham o maior número de tripulantes no voo, a França e a Alemanha, respectivamente. Isso mostraria que a preocupação não estava apenas com os Britânicos, mas sim com todos os passageiros.

― Van, será que dá para você viajar comigo dessa vez?

Se tinha uma coisa impossível era viajar com Vanessa, pois quem iria estar lá tomando conta de tudo quando Victoria não estivesse? Geralmente quem tomava o cargo de CEO quando Victoria tirava férias era Maximiano. Vanessa ficava com a tarefa de fazer tudo rodar apropriadamente.

― Não sei, Vic. Adoraria. Mas você sabe como é. Não vou nem discutir com você.

― Irei precisar de um intérprete para Francês e Alemão, talvez.

― Eu irei providenciar. Mas se não me engano a Martina fala essas duas línguas… Isso se ela for com você, claro.

Vanessa corou de leve percebendo a expressão da chefe que deveria estar se perguntando como ela sabia tantas coisas sobre Martina. A verdade era que Vanessa havia feito seu dever de casa muito bem e Martina de fato era bem difícil de ganhar, se fosse considerar a intelectualidade e o conhecimento.

― Falei com o pessoal de operações. O Bombardier estava em quarentena após um período de manutenção, mas já está disponível.

― O que? Mas o avião é novo. Sabe quanto esse brinquedinho custou para a empresa?

― Nem imagino.

Vanessa não tinha ideia de números. Sabia que Victoria não fazia questão de luxo, apenas de segurança. Os Weber tinham propriedades em praticamente todos os continentes devido ao fato de a empresa ter alcance ilimitado no globo terrestre. Só não havia voos para a lua!

― Pois prepare-se: quase 170 milhões de reais!

― Sabe que eu não tenho noção alguma dos números da empresa, Vic? Ás vezes paro para pensar que eu posso estar trabalhando para a mulher mais rica de todo o Rio de Janeiro e porque não de todo o Brasil, e posso nem estar sabendo!

E ela não fazia ideia mesmo. Victoria nunca foi de esbanjar, sempre fez uso de tudo que tem de forma consciente e sem escrúpulos. Tinha tudo que muitos empresários lutam a vida inteira para ter e não conseguem.

Victoria deu uma gargalhada como não fazia há eras. Vanessa a olhava desde sua mesa com uma cara angelical. A chefe havia relaxado completamente e recostado na cadeira e agora estava balançando de um lado para o outro.

― Esse é um bom papo para finalizar 2017, sabe? Nunca fui tão rica quanto esse ano que passou!

― Ah é? Conte-me!

― Só nesse ano o valor da empresa subiu para 3,4 BILHÕES de dólares. Nós praticamente conquistamos todos os continentes, graças a Deus, e a nossos esforços, é claro.

― Estou começando a repensar o que eu disse anteriormente de você ser simples e humilde!

― Mamãe é luxo puro, Vanessa, não se esqueça!

Lucy entrou na sala seguida de Thomas.

― Ora, ora, veja se não é a turista que mora nesta casa?

― Ai mãe, para. Minha mãe não morde, Thomas, já disse.

Lucy se inclina na mesa e dá um beijo na bochecha da mãe e segue para o sofá com Thomas que acena de longe para a CEO e Vanessa.

― Mordo, sim. Quem disse que não? Perdeu a noção do perigo?

― Para de assustar o menino, Vic. Lucy, está sabendo que sua mãe vai conhecer a rainha da Inglaterra?

― Cruzes, eu não gostaria. Não sou fã da família Britânica. Todo esse papo de monarquia é tudo muito machista. Mas por que o encontro?

― Um dos passageiros era uma princesa da família real Britânica. Pelo que diz aqui no The Sun.

― Nossa!

― É a dor deles. Temos que respeitar. O país está muito comovido com a repercussão e estão quase demolindo a sede da BRASFLY em Londres. A princesa estava usando um nome falso para não ser reconhecida. ― Vanessa completou.

― Mas como assim, se ninguém a conhece?

Lucy parecia não ter fim em seus questionamentos.

― A maioria dos que estavam no voo eram Britânicos. Os Britânicos se conhecem. ― Thomas completou.

― Gostei desse menino.

Todas ririam da fala de Victoria, deixando Thomas mais vermelho ainda.

O casal parecia adorável junto. Thomas aparentava ter muito bom caráter. Victoria nunca havia visto sua filha com ninguém, não daquela forma e para ela era um pouco estranho ver sua garotinha tão grande, desenvolvida e rebelde. O contrário dela naquela idade. Ela nunca imaginava que Lucy iria escolher alguém tão descente quanto Thomas. Se fosse comparar o estilo dos dois, era para Thomas ser do estilo tatuador ou surfista. Mas não, o menino mais parecia um nerd, um mini Martino, quase.

― Mãe, eu sei que foi legal ter dispensado todos os empregados da casa, eu realmente te admiro por isso! Mas… O que será de nós hoje a noite? Quem preparará tudo? Quem você chamou?

Victoria explicou o porquê de ter liberado todos e quem havia chamado. Lucy acabou sossegando momentaneamente e por fim desassossegou no sofá.

― EU JÁ SEI! Irei chamar umas amigas da faculdade. Nós iremos cuidar de tudo. Tenho uma amiga que toca violão acústico com um carinha que toca cajon. Tem uma outra que faz uns canapés maravilhosos!

Thomas arregalou os olhos, juntamente com Vanessa que instantaneamente olhou para Victoria aguardando sua reação. A CEO estava séria, com a cabeça ligeiramente inclinada e recostada na cadeira, com certo brilho nos olhos.

― Lucy, calma. Não é um lual na praia. É a cobertura da sua mãe. E sua mãe é a CEO da BRASFLY, esqueceu?

― Não, espera. Gostei. Gostei muito. Chame essas suas amigas. Só tome conta que não quero que ninguém beba além da conta nem saia nadando pelado na minha piscina, fora isso pode tudo.

Nesse ponto Lucy já tinha levantado e seguia de encontro à mãe. Vanessa e Thomas olharam as duas e começaram a rir como se fosse uma grande piada, sem entender nada. Lucy abraçou a mãe tão forte que caiu em seu colo de forma adorável.

― Você é a melhor mãe do mundo, sabia?

Ganhar um abraço da filha era um dos presentes que Victoria mais prezava de tudo que tinha das infinidades de bens, coisas e valores. Não apenas porque era sua filha, seu sangue, mas sim porque estava feliz e sua felicidade era tudo para ela.

― Eu sei, e é melhor ir logo planejar essa virada que já são 16:50, filha!

― Nossa! Vamos Thomas!

― Thomas? Essa ideia foi sua, não minha.

― E quem você acha que vai ser o meu motorista?

Os dois saíram, um não tão afim de ir. A virada prometeria ser algo diferente do que Victoria experimentou nos últimos anos. O que veio a sua mente quando Lucy deu a ideia excêntrica de organizar a virada com suas amigas foi resgatar aquele sentimento do penúltimo ano de faculdade, onde tudo era resumido em: livros, violão, professores chatos, provas, desejos, flertes, frustrações…

Após uma hora de trabalho as duas estavam terminadas e tudo acertado com o voo para Londres, que sairia 01:30 da manhã, para chegar cedinho na terra da Rainha. Se Martina resolvesse ir era só confirmar, o que seria feito naquela noite. Victoria preferiu não pensar nisso e sim nos países que iriam se juntar nas buscas. Dentre eles, os Estados Unidos estavam a enviar dois submarinos para vascular o oceano, algo inédito. A situação era catastrófica, pois naquela altura do campeonato não era mais possível achar alguém com vida, mas toda esta mobilização merecia sim um brinde. E ela faria um brinde a isso naquela noite!



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