A Ilha - Livro 1

17. A Ilha

A noite da virada finalmente caiu!

Antes de se vestir, Victoria dedicou certo tempo num longo banho com direito a música ambiente e sais relaxantes na banheira. Ainda não acreditava que havia chegado a centímetros de beijar Vanessa. Se aquilo tivesse acontecido, como teria sido? 

Como seria beijar uma mulher, afinal? Como podia ela ficar antecipando algo e após estar prestes a conseguir, brochar totalmente na hora? Tinha conhecimento de cada centímetro do corpo de um homem, mas do corpo de uma mulher, não. Seria um novo campo no qual se aventurar.

Saiu da banheira e se enrolou em um roupão vermelho, rumando para o closet, pensando fazer algo que não fazia faz tempo: se olhar no espelho sem roupa. Em seu closet havia um espelho do teto ao chão de carpete dinamarquês. O ambiente estava particularmente aquecido e deixou o roupão cair de leve, displicente, até o chão, arrepiando sua pele.

A pele bastante branca, um pouco avermelhada pela água quente da banheira mostrava já sinais dos quarenta, porém músculos definidos das eventuais corridas e musculação que praticava eram observados. Tateou por seus mamilos, rosados e delicados. Em seu ventre uma pequena tatuagem, um sinal de infinito mesclado com uma pena. Virou graciosamente e olhou-se por trás. Ninguém de corpo similar havia ainda penetrado naquelas curvas. Seus glúteos eram firmes e as costas bem trabalhadas. Resolveu alcançar o roupão novamente e levou um susto.

― Uau, mãe! Assim papai já era mesmo hein!

― LUCY! Assim você me mata do coração!

Lucy adorava dar sustos na mãe e quem que fosse a vítima da vez. Ela estava virada de costas com o vestido aberto.

― Vem aqui, deixa eu arrumar isso.

Ajudou a filha com o vestido e pediu que a ajudasse a escolher o seu. Decidiram por um modelo longo com decote frontal, de cor preta. Para ornamentar o decote um colar de ouro 60 centímetros tipo corda que ela só usava em alguns jantares especiais em casa. O preto era em respeito às vítimas do voo além do que aquele vestido em particular lhe caía muito bem, pois realçava os seios que não eram tão fartos quanto ela desejava que fosse.

Há uns quilômetros dali Thomas se arrumava junto a mãe.

― E sabe do que mais?

― Diga.

Martina arrumava a gravata do filho, que tinha agora praticamente a sua altura.

― Ela chamou as amigas dela para fazer os canapés! Impressionante!

― Nossa! E a Victoria gostou da ideia?

― Ela fez uma cara de mistério e depois aceitou. Eu e Vanessa caímos na risada.

― Acho que será uma noite e tanto… Pronto. Você está lindo! 

Martina apertou a gravata do filho mais um pouco, deslizou as mãos sobre os ombros dele e o olhou nos olhos, orgulhosa do filho que tinha.

― Você também está linda, mãe. Feliz ano novo! Nos vemos daqui uns dias?

Martina havia programado passar a virada com Mark em seu apartamento com o pessoal do jurídico e dali então partir para Londres com sua chefe. O apartamento de Mark ficava praticamente ao lado do de Martina, na Lagoa. 

Convenhamos que desde que viu Victoria com Vanessa na parte de trás da SUV e se consultou com a psiquiatra, resolveu “congelar” seus sentimentos por Victoria.

Mas… Pensou bem. Tê-la em seus braços naquele banheiro de restaurante naquele mesmo dia resgatou todo aquele sentimento juvenil e não importava o quão idiota parecia. Ela era adulta e não mais uma adolescente inconsequente. No fundo estava adorando ideia de viajar com ela para a Europa. Só não sabia se Vanessa iria junto.

― Eu tenho de tratar alguns assuntos com o Mark sobre a viagem. Irá me ajudar quando eu estiver fora. Avisa a Victoria que eu estarei no Galeão por volta de 00:30. Ok?

― Ok. Acho que ela não vai gostar de ouvir isso.

― Por que acha isso? Me ajuda com meu colar? 

Martina se virou de costas para que ele a ajudasse.

― Ela gosta de você, sabia? Ela fala de você com certo brilho nos olhos e acho que a Vanessa não gosta muito. Tenho essa impressão.

Martina arregalou um pouco os olhos como quando Thomas a perguntou sobre o passado das duas, ali mesmo naquela cozinha. Ela prometeu contar a ele sobre elas, mas nunca teve a oportunidade. 

― É melhor ela gostar de mim mesmo.

― Por que diz isso?

Martina percebeu que estava prestes a viajar para longe e se algo acontecesse com ela, nunca iria ter tal oportunidade de conversar com o filho, nem sobre isso, nem sobre nada mais.

― Senta aqui, vamos tomar um taça desse vinho antes de eu ir. Viu, Thomas, eu não te disse que cedo ou tarde teríamos razões para tomar esse vinho?

Martina apoiou-se na ilha da cozinha a fim de abrir o vinho que Valentim a enviara da França. Martina serviu o vinho tinto e sentou-se principiando a falar, calmamente, como quem conta uma fábula.

― A tua namorada, a Lucy, eu a conheço desde a barriga da sua mãe, digo, desde a concepção dela.

― Como assim?

― Eu conheci a Victoria na faculdade, assim como você conheceu a Lucy. E olha, foi na mesma faculdade. No mesmo curso. 

Thomas estava de boca aberta com tamanha coincidência. Martina continuou.

― Nós morávamos juntas. Nessa época eu tinha meus namorados e ela os dela. Eu não sabia que gostava de meninas ainda e acho que a Vic foi meu primeiro amor.

― Eu nunca ia imaginar.

― Deixa eu terminar… Então, eu nunca me declarei, até porque não tinha certeza. Eu só fui ter certeza quando ela me contou que estava grávida da Lucy. Ela estava saindo com o William há alguns meses e eu estava muito ciumenta daquele relacionamento, você não tem noção.

― Você? Ciumenta?

― Pois é. 

Se tinha uma coisa que Martina não suportava era gente ciumenta já que o ciúme doentio poderia ser extremamente prejudicial para a relação.

― Poxa. Então, deixa eu ver se entendi. Ela não podia ficar com você porque estava grávida?

― Bom, digamos que sim. Mas era recíproco. Acredito que ela me amava.

― Como você sabe?

Martina levantou-se e sumiu da cozinha deixando o filho e as taças de vinho francês sem entender nada. Voltou após alguns segundos trazendo um envelope velho.

― A prova está aqui. Olha.

Thomas abriu o envelope e lá estava, o bilhete da noite fatídica, escrito a mão junto com as lágrimas da grávida que recém perderia o pai. Ele leu e constatou que era recíproco e muito mais que isso.

― Estou pasmo, mãe. Você conhece a Lucy desde a barriga. Como foi vê-la crescida?

― Nossa! Foi um choque e tanto. Não só ver a Lucy, mas a Victoria também. E sabe que ela fingiu não me conhecer? 

Os dois riram como bons amigos. E de fato eram. Martina e seu filho tinham uma amizade muito bonita. 

― A história termina assim: no outro dia o pai dela faleceu. Ela ficou num estado de espírito tão, tão… Nem tenho palavras para dizer. Ela me expulsou do apartamento, saiu da faculdade, se mudou para São Paulo e assumiu o cargo da empresa.

― Tudo isso estando grávida? E como você ficou?

A parte da conversa que Martina não queria que chegasse havia chegado, pois há anos reprimia o sofrimento daqueles meses após a partida de Victoria.

― Não sei como ela conseguiu sabe? Eu acompanhei tudo de longe, o que me causou uma depressão enorme. Eu não abstraí. A sua avó me ajudou muito… 

Martina entalou um pouco nas palavras lembrando-se do período que não se reconhecia mais do espelho. Sua mãe chegou ao ponto de passar uma temporada com ela na casa de verão em Angra, interrompendo sua turnê pela Ásia. A mãe de Martina era cantora de Jazz e Soul. 

― Ela assumiu a empresa e nunca mais saiu, acho que nem para tirar licença maternidade. A empresa nunca parou de crescer e ela realmente fez e está fazendo um trabalho e tanto, talvez até melhor que o pai dela. Falando nele, ele era militar da aeronáutica. Imagine um homem machista e prepotente? Mas apesar disso, a Victoria era tudo para ele. Ele ficou viúvo cedo e passou a viver praticamente para ela e para empresa, que comprou de um outro militar que não levava fé no negócio. A empresa até então só fazia voos particulares com aviões de pequenos porte dentro do Brasil. O pai da Victoria conseguiu comprar aeronaves de grande porte com grandes patrocinadores como Coca-cola e LG, que não tinham nada a ver com o mercado da aviação, e lançou a marca BRASFLY no mercado. Ele revolucionou a aviação brasileira. Já faz duas décadas que a BRASFLY sempre aparece em propagandas na TV em horário nobre e isso começou com ele, o pai da Vic. Ser filha dele não é para qualquer um. É um legado enorme.

― Nossa! 

― Olha, já são 10 da noite, é melhor a gente ir. Uma coisa que quero que você aprenda disso que eu passei. 

Martina agarrou as mãos do filho e disse olhando fundo nos olhos verdes dele. 

― Nunca! Nunca se arrependa de dizer que ama, não importa quando você diga, nem a quem diga e nem o quanto sofra depois. 

Thomas percebeu uma lágrima de emoção descer rebelde dos olhos da mãe e a abraçou forte desejando que aquele momento nunca terminasse. O abraço da sua mãe era o melhor lugar do mundo para ele. Ele nunca havia tido dificuldade em aceitar a forma de amar da mãe e toda forma de amor era pura e válida e sempre seria.

― Eu te amo, filho. Se cuida. E cuida da Lucy.

― Eu te amo, mãe. Cuida da Victoria.

Ambos se olharam e franziram as testas sem entender o que acabaram de pedir um ao outro. Deram uma risadinha e sacudiram a cabeça.

― Eu cuidarei. 

Martina respondeu, vendo seu “menininho” pegar o blazer e se arrumar para sair.



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