Tão rápida quanto o vento ela chegou à sede da BRASFLY. Mal entrou no lobby do estacionamento e já estava ao telefone com Vanessa, querendo se certificar de que tudo estava pronto para a reunião. Vanessa informou que havia um problema com o projetor da sala, mas que estava resolvendo.

― Alguém já chegou?

― Dois diretores e uma moça ruiva, acho que é nova.

― A ligação irá cair. Estou entrando no elevador. Pode me encontrar em minha sala?

Ela havia solicitado à assistente que esperasse em sua sala, pois queria se preparar mentalmente para a reunião e repassar algum material. À medida que o elevador subiu seu estômago embrulhava mais.

Quando Victoria entrou, Vanessa olhava pelo janelão da sala o que parecia ser m avião arremetendo. A morena logo se virou em prontidão farfalhando seus sedosos cabelos negros quando a chefe entrou.

― Vic, sei que é totalmente inapropriado e que você está ansiosa com essa reunião, mas…

Deu uma pausa enquanto Victoria ia se juntando a ela na frente do janelão.

― Não conseguiu resolver o problema com o projetor?

Olhou para Vanessa que parecia estar escolhendo demais as palavras, gesticulando estranhamente.

― Anda desembucha, menina!

― William se encontrou com uma mulher num café após você ter saído do restaurante! Tenho fotos que o detetive já conseguiu. Eles se cumprimentaram com um selinho.

― Pelo menos não foi com um homem! ― tentou levar na brincadeira.

― Como assim? – Vanessa a olhou incrédula.

― Ora, por favor, NÃO ESTOU PRONTA AINDA!

Victoria saiu de perto de Vanessa. Ela terminou sentada com os cotovelos apoiados na mesa e escondendo o rosto. Era demais para ela encarar a realidade assim tão rapidamente. Ou o detetive era muito bom ou realmente William estava mesmo esfregando na cara do Rio e do mundo que estava tendo um caso.

― Que descarado!

― Homens, Vic. Homens…

O telefone de Vanessa toca dando um susto nas duas e ela atende e gesticula indicando que tinha que sair para resolver algo.

― Isso! Joga a bomba e vai embora! ― Victoria não podia ter outra reação senão ironizar.

O que Vanessa disse por último a deixou pensativa, porém.

Resolveu esquecer o assunto para que pudesse se preparar mentalmente para a reunião, ou melhor, para a reunião e para Martina. Não compreendia ao certo o motivo de estar tão aflita. Achava que era pelo fato de ela ter completamente esquecido desta parte de sua vida e ter sido pega tão de surpresa. Num passado muito distante havia tido um afeto enorme por Martina, mas agora, aquilo tinha morrido até onde sabia.

Faltando cinco minutos para a reunião, Victoria se levantou e se pôs a olhar a pista do aeroporto.

Não era uma vista qualquer. Dali ela tinha visão ampla de tudo: a ilha fiscal, a ponte Rio-Niterói, o pão-de-açúcar! Nos dias mais nítidos podia ver as cadeias de montanhas longe e a serra dos órgãos.

Não havia nada de interessante ali para ela, pois achava perda de tempo olhar a paisagem enquanto trabalho poderia estar sendo feito. Mas o motivo de estar ali era óbvio: para enrolar. Minutos a separavam de rever Martina e o frio na barriga já fazia parte do seu estado físico. Ela odiava a ideia de estar postergando algo inadiável.

Não queria chegar cedo à reunião. Decidiu que ia chegar exatamente no horário, sem tirar nem por. E assim o fez.

Saiu da sala um minuto antes do horário e chamou o elevador. Subiu um andar, as portas deslizaram e lá estava ela num longo corredor cujo piso era de mármore cor de gelo. Janelões ostentavam mais e mais vistas de ambos os lados do prédio. Algumas estátuas greco-romanas ladeavam a entrada da imponente sala de conferência da diretoria.

Sabia que dali para frente teria de adotar a postura de presidente. Assim prosseguiu entrando na sala com uma postura corporativa, ereta. Seus passos eram lentos e cadenciados. Ela decidiu por não firmar o olhar em ninguém e sim em sua cadeira já separada na parte mais extrema da mesa.

Quando sentou percebeu que todos estavam distraídos e animados em conversas entre si. Apenas Maximiano a fitou. Ostentava uma expressão de dúvida no olhar. Em anos nunca vira Victoria chegar a nenhuma reunião em cima da hora.

― Você está bem, Vic? ― perguntou ele discretamente.

― Tudo bem. Estou um pouco ansiosa, nada de mais.

― Vai dar tudo certo. Sempre deu.

Ele repousou a mão sobre a dela e deu um sorriso. Victoria não retribui o olhar nem o sorriso porque percebeu um ruivo flamejante do outro lado de Maximiano. Não queria chocar o seu olhar com o de Martina.

Victoria e Maximiano se conheceram por ocasião do mestrado que fizeram juntos nos Estados Unidos. Desde então se tornaram amigos achegados e já tinham enfrentado muito desafios juntos após Victoria o chamar para compor sua equipe cinco anos atrás.

A reunião foi iniciada por Victoria vinte minutos após a hora marcada e após Vanessa ter conseguido resolver o problema do projetor.

Ela sugeriu que cada um se apresentasse e ela mesma iniciou se apresentando da forma mais séria possível.

Logo depois foi a vez de Maximiano, que não deixou de mencionar seu orgulho em fazer parte da equipe nem de sua fama em achar novos talentos, tais como: Martina Ferret, que iria se apresentar após.

Martina iniciou sua fala de forma cadenciada explanando sobre sua formação e expertise. Ela usava frases exatas, curtas, porém outras eram longas, mas muito bem articuladas. Sua desenvoltura era notavelmente atrativa. Seus olhos brilhavam ao contar de suas experiências no mercado da aviação no exterior.

Martina mantinha a mesma feição de menina jovem, contudo alguns traços estavam mais maduros, quem sabe pelo terno executivo que vestia e o modo como se portava.

À medida que a reunião tomava forma Victoria pousava o olhar sobre Martina sutilmente, a avaliando. No entanto, toda vez que ela parecia corresponder ou se virar em sua direção, Victoria se virava para o projetor e se mostrava inabalável. Em certo momento Victoria decidiu fazer contato visual prolongado com ela pois seus ânimos já estavam acostumados com a situação. Embora tremesse por dentro agüentou pousar seu olhar nela e o que recebeu a fez tontear um pouco. Martina a olhou com o que aparentava ser certa remorso, vindo depois a desviar o olhar.

Depois de mais algum tempo a CEO se convenceu de que só poderia estar imaginando coisas, pois a mulher agora se virava para cochichar algo animado com Maximiano e não para pousar seus olhos sobre ela.

Quando a reunião terminou Victoria estava arrasada. Não foi como havia previsto. Ela jurava que Martina viria até ela ou pelo menos imaginava que sua reação quando a visse seria diferente. Imaginou que ficaria boquiaberta, agitada ou algo assim. Mas nada disso ocorreu. Martina não parecia ter interesse em cumprimentá-la.

Victoria havia antecipado tudo isso em sua mente e simplesmente não se cumpriu, o que a deixou frustrada. A ruiva agiu normalmente como em qualquer situação corporativa.

― Martina, esta é Victoria Weber, a presidente da BRASFLY.

Victoria não percebeu quando os dois chegaram. Ao terminar a reunião deu uma palavra breve com a diretora de finanças que estava sentada ao seu lado. Agora se punha a escrever em sua agenda.

― Oh, me desculpem. Se eu não colocar no papel irei me esquecer.

Desculpou-se, terminando a anotação em segundos, tombando a caneta e fechando a agenda. Se pondo de pé estendeu a mão para Martina.

― Muito prazer Victoria. ― Martina respondeu.

― O prazer é todo meu. Seja bem-vinda, Martina.

Não dava para ler a expressão de Martina. Não revelava nada em seu olhar. Victoria sentiu a mão da ruiva, estranhamente quente, suave e macia. Ela não aparentava se lembrar de Victoria.

― Eu ouvi falar muito de você! Finalmente é um prazer te conhecer! Você estudou na mesma faculdade que eu, se não me engano. Vi no seu currículo.

Maximiano ficou de queixo caído.

― Uau, vocês talvez tenham se esbarrado na faculdade e olha só o que o destino fez. Que coincidência!

Ele parecia realmente surpreso com a obra do destino.

Martina apenas sorriu e fez que sim com a cabeça, o que preocupou Victoria que a este ponto jazia totalmente arrependida de seu comentário infeliz. Fingir que não a reconhecia apenas dificultava as coisas.

Martina não estava ali para esconder nada, tampouco confrontá-la. Parecia querer simplesmente deixar o passado onde merecia estar.

― Não só nos esbarramos na faculdade, Maximiano. Tínhamos a mesma grade e os mesmo professores! E éramos amigas! E aí… a Victoria saiu do curso no último ano. Você foi para qual universidade mesmo?

Um silêncio estranho precedeu.

― USP ― disse Victoria com a voz embargada, quase engasgando e o rosto queimando de vergonha… ― Bom, Max, você pode me acompanhar até minha sala? Quero tratar de um assunto com você. Martina, fique à vontade, a casa é sua!

A ruiva simplesmente agradeceu e acenou com a cabeça e os dois seguiram juntos para o elevador. Victoria sentia que havia acabado de descer de uma montanha russa tamanha sua perturbação.

― Max, sei que vai me achar louca, mas a verdade é que já troquei de opinião sobre Martina umas vinte vezes nas últimas horas.

― Eu pensei que tinha se agradado da contratação dela, Vic. Afinal, você assinou os papéis em reunião com o RH. O que foi isso lá atrás? O que houve? Perdi alguma coisa?

― Temos de transferir Martina, Max. Não fico à vontade trabalhando perto dela.

― Vamos para a minha sala, Vic.

Victoria estava determinada a ir em frente com seu novo plano. Não importava que essa não fosse a maneira tradicional, ou mesmo o melhor jeito para resolver a situação. Fazia sentido para ela. E iria fazê-lo desta forma.

Ao mesmo tempo ela não podia acreditar que estava ali, no meio do corredor, tendo uma conversa daquelas. Victoria era tão profissional que se estranhava a cada segundo desde a primeira menção do nome Martina.



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