A Ilha - Livro 1

24. A Ilha

Lucy entra no hospital sem se importar com os jornalistas que ali estavam. Tinha Thomas atrás, sem conseguir manter o seu ritmo.

― Victoria Weber? ― murmurou a menina para alguém na recepção, mostrando sua identificação no passaporte.

― Segundo andar, na ala de cuidados intensivos.

Antes que a atendente pudesse terminar a frase Lucy sai pelo imenso corredor.

― Rapariga, você não pode entrar sem permissão. ― exclamou uma enfermeira e ela ignorou.

― Como ela está? ― perguntou Lucy entre soluços a Martina na entrada da ala.

― Cada vez pior.

Aquelas três palavras foram as piores que já tinha escutado na vida.

Thomas abraça a mãe e sente-se aliviado por enfim vê-la, embora tenha ficado assustado com o curativo enorme em umas das sobrancelhas. Martina tinha acabado de receber alta.

― Eu quero vê-la, por favor! ― Lucy agarrava Thomas num abraço apertado e desesperado. Martina caminhou para fora do hospital para tomar algum ar. Fazia tempo que não via a cara da rua. Ao retornar percebeu um agito de pessoas de branco indo em direção aos cuidados intensivos. Seria para Victoria?

Quando chegou a porta da ala, viu Lucy ser barrada por enfermeiras e desabar em choro. Martina não teve outra reação senão levar as mãos a cabeça e fechar os olhos.

Após alguns minutos o médico que antes entrava com pressa na ala, saiu andando calmamente com uma prancheta na mão.

― Alguém aqui é da família de Victoria Weber?

Lucy se desvencilha de Thomas e vai de encontro ao médico.

― A senhora Weber teve complicações nos pulmões por ter inalado fumaça e foi submetida a uma cirurgia de emergência. Ela teve inchaço na parte superior das vias aéreas. O que aconteceu agora pouco foi que teve uma parada cardíaca após seus batimentos diminuírem. Nós a recuperamos e ela foi posta em coma induzido, uma espécie de sedação profunda para que haja evolução no tratamento.

Thomas e Martina, um de cada lado de Lucy a abraçam, esperando pelo pior.

― Mas como ela está? ― pergunta Thomas com a voz embargada.

― Ela não sente nada e está estável agora. Peço que se acalmem, descansem. Não há nada realmente que vocês possam fazer senão desejar-lhe bem.

Lucy cai em choro nos braços de Martina que também começa a chorar em silêncio. Ambas sentiam-se acabadas por dentro e por fora.

*****

Logo o quadro de Victoria evoluiu, como era esperado pelos médicos e ela foi transferida para um quarto. Martina se perguntava vez após outra onde elas estavam com a cabeça ao irem para dentro de um avião logo após um acidente com a frota. Não era supersticiosa, esse era o problema. Além disso, ela se culpava pelo acidente. E estando ali diariamente com Victoria e não podendo fazer nada a deixava pior.

― Você a ama.

Martina se assustou e encarou a pessoa que pronunciou a frase na entrada do quarto. Era Maximiano. A ruiva disse que sim com a cabeça enxugando algumas lágrimas e foi de encontro a ele e o abraçou.

― Eu preciso sair para fazer uma ligação.

― Vai lá. Eu fico com ela.

Martina sai do quarto e Maximiano se senta ao lado da amiga.

― É Vic, você me surpreendeu dessa vez hein. Conseguiu roubar o coração de duas mulheres ao mesmo tempo. Me diz como você consegue? ― Olhava Victoria com carinho e pena, fazendo seus olhos lacrimejarem. Levantou e deu um beijo na testa dela.

― Duas mulheres? ― sussurrou Lucy atrás. O diretor a olhou com os olhos afogados de lágrimas e não conteve a emoção ao abraçar a menina.

O diretor ficou algumas horas e partiu para a casa onde todos estavam hospedados. Quando Martina retornou observou Lucy contando os acontecimentos do dia para a mãe, como se ela a escutasse. Já fazia duas semanas desde que Victoria estava em coma.

― Contou para ela que a rainha está apenas esperando ela acordar?

― Contei.

Martina se posiciona ao outro lado da cama e alcançando a mão de Victória começar a falar com ela.

― Você precisa acordar, Vic. Precisa voltar pra gente. Eu sei que prometi te proteger e te retirar daquele avião em segurança. Me perdoa.

Era impossível não se emocionar num momento daquele. Lucy, porém, ainda não sabia do envolvimento emocional das duas e se recostou na poltrona olhando no sentido oposto recordado do que Maximiano havia dito à sua mãe ainda pouco. Isso era algo novo para ela.

― Lucy? ― Lucy não escutava mais a sua volta e apenas retornou de seus pensamentos quando Martina tocou em seu braço. ― Você está bem? Está pálida.

Negando com a cabeça respondeu:

― Estou muito cansada, vamos embora? Amanhã retornamos.

― Eu ficarei aqui mais um pouco com sua mãe.

Lucy beijou a mãe e saiu sem falar com Martina. Ela percebeu o quanto seria difícil aceitar aquilo após ver as duas “juntas”.

*****

Lucy acariciava a mão de Thomas enquanto o vagão moderno ia cortando os subterrâneos do Porto de forma preguiçosa, aliás, tudo parecia muito preguiçoso naquela cidade.

Lucy decidiu repousar a cabeça sobre o ombro do namorado e ao sentir que não teria uma reação muito boa ao possível relacionamento das duas, decidiu se abrir com ele.

― Sabe que desde o ano novo eu percebi algo que não te disse. Primeiro da Vanessa com a minha mãe, elas estavam estranhas a noite toda. Na hora dos fogos elas sumiram e depois voltaram com a cara mais amassada do mundo. Depois eu encontrei Vanessa aos prantos… E depois minha mãe ficou abalada por Martina não passar o ano novo com ela. E agora lá no hospital, vi sua mãe falar com ela praticamente igual um casal faz.

― E você vê algum problema nisso? ― respondeu Thomas tentando disfarçar e surpresa ao saber que Victoria tinha alguma coisa com Vanessa.

A menina na mesma hora levantou a cabeça do ombro dele com uma cara de incredulidade.

― Você já sabia? E não me falou nada. Mas como isso funciona? Não entra na minha cabeça.

Lucy não entendia como uma pessoa podia ficar com um homem e após ter filhos, decidir se relacionar com mulheres.

― Como funciona o que, exatamente?

― Onde é que seu pai e o meu pai entram nessa história toda?

Thomas entendeu que ela estava tendo dificuldade em aceitar algo que nem havia acontecido, ainda.

― Eles se separaram há décadas, Lucy. E quanto ao seu pai, não sei dizer. Nunca os vi juntos.

― Mas como isso funciona?

― O que, exatamente?

Lucy amava o namorado e apreciava a forma como ele encarava a vida e o respeito que tinha pela mãe e suas escolhas. Mas ela… ela não estava pronta para demonstrar o mesmo respeito e muito menos queria entender que existem coisas imutáveis que não necessitam fazer sentido, mas apenas existir.

Lucy se recostou no acento olhando para os vãos que passavam na janela, a escuridão dos subterrâneos. Por dentro ela estava praticamente surtando.

― Eu só queria que você soubesse que não é fácil pra mim, Thomas. Você tem que entender. Eu sei que você não tem culpa. Mas saber que minha mãe é uma espécie de pegadora de mulheres, é demais pra mim.

A menina virou-se para ele que irremediavelmente não queria olhá-la nos olhos. Ela continuou.

― E tem mais. Imagine a cena! Eu encontro Vanessa chorando no quarto da minha mãe, descabelada, toda arranhada. A mulher estava detonada, tinha passado todos os perfumes importados da minha mãe! E quando menos espero me diz que a amava. Eu sei que eu a pressionei para me contar o que tinha acontecido e ela não teve saída, e sei que teve algo mais…

A menina passa a revisitar as memórias e passa a acariciar a perna de Thomas e continua.

― Eu acordei na manhã seguinte bastante chateada e consegui até entender que talvez a minha mãe esteja passando por uma crise de identidade por causa da separação do papai… Agora, saber que a Martina e ela possam estar desenvolvendo alguma relação, isso já é demais para a minha cabeça.

Thomas agarra a mão dela com uma mão e abre a outra fazendo um gesto para que parasse de falar.

― Eu não quero continuar essa conversa.

Lucy estava perplexa percebendo que ele tinha perdido a paciência.

― Eu não vou fingir que estou gostando de algo que não estou.

― Escuta. Eu não quero brigar. Eu respeito você. O que eu acho totalmente errado é estar julgando tanto a felicidade dos outros e veja, ninguém nunca implicou com a nossa relação.

O metrô parou na estação onde deveriam trocar de linha para seguir destino. Thomas saiu da frente deixando Lucy para trás.



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