A Ilha - Livro 1

29. A Ilha

Lucy acariciava a mão de Thomas enquanto Lucinda Ferret conversava animadamente com seu motorista na parte da frente do carro.

A avó de se namorado era ruiva que nem Martina, sua feição era bem parecida, porém bem mais velha.

Martina colocava a mesa do jantar junto à caseira quando Thomas entrou pela porta não tão contente e olhou a mãe de longe. Martina logo interpretou sua expressão, que segundo seu sentimento de mãe era de sofrimento. Ela deixa a caseira e vai de encontro a Thomas o abraçando e perguntando em seu ouvido o que havia ocorrido.

― Quer conversar no escritório?

Martina já guiava o filho em direção ao escritório que também ficava no térreo enquanto os outros se achegavam a casa. Victoria ainda se recostava na suíte.

― É inevitável não ver o apocalipse chegar naquela sala na hora do jantar. ―Thomas olha para a mãe desconcertado.

― Não vejo problema. Eu já adiantei para a sua avó que Victoria e eu temos uma amizade. E se depender de mim eu divido o quarto com Victoria na mesma casa que a minha mãe.

Thomas ri naturalmente na presença da mãe, mas logo a risada se desfaz.

― O que foi?

Martina não gosta nada do aspecto triste do filho e vendo uma garrafa de Uísque segue em direção a ela. Por que não relaxar um pouco? Afinal, aguentar sua mãe naquele encontro inédito não era para os fracos.

― Lucy e minha avó se deram bem. A vó foi magnífica e fina, graças a Deus, quanto às minhas namoradas.

― Uísque?

Martina se senta na frente de Thomas, num sofá de couro velho, mas muito confortável, após servir o garoto.

Uísque Esse jantar tem me tirado da casinha, literalmente. A sua avó nunca imaginou conhecer a Victoria e eu tenho medo dela reagir muito mal e maltratar as duas. Eu não vou perdoar. Você sabe que eu nunca gritei com sua avó, não é? Não estou pretendendo fazer isso.

― Tem mais.

― Mais, impossível.

Thomas pensa no que realmente poderia dizer à mãe sem magoá-la. Já haviam se passado três semanas desde que soube do envolvimento de Victoria com Vanessa e ele se corroía por dentro em ainda não ter contado para a mãe. Por outro lado, pensou que ele não tinha nada que ver com aquilo, além do que iria estragar o ciclo natural das coisas. Mas como fazer isso sem a sensação de estar escondendo algo dela? Ele nunca havia mentido, tampouco omitido nada dela.

― Após te ver com Victoria em coma, Lucy me colocou contra a parede e perguntou sobre vocês. Você e a Victoria. Ela acabou revelando que nunca estaria contente com a relação de vocês. Mas ela é uma desgraçada.

― Não fale da sua namorada assim, Thom.

― Ela é muito cheia de si. Eu não imaginava que ela iria reagir tão mal. Ela reagiu tão mal que quando Victoria acordou ela não quis ir ver a mãe. Elas não estão se falando…

Martina agora entendia porquê da frieza repentina da menina.

― E o que você acha disso?

― O que eu acho? Eu não entendo esse tipo de comportamento, mãe.

― Como você reagiu quando eu te disse que tinha uma namorada.

― Você vai defender a Lucy? Isso foi há eras atrás.

― Mas como foi para você?

O ponto que Martina queria que ele entendesse era que cada um tinha uma forma de aceitação.

― Pelo menos eu te ouvi.

Martina sorriu de leve, segurando a mão de filho.

― Dê um tempo a ela. As pessoas têm relógios diferentes. Tempos diferentes.

*****

― Mãe?

Victoria saiu do banheiro secando os cabelos com uma toalha branca. Quando vê a filha abre um sorriso enorme e percebe na hora que algo havia mudado na expressão de Lucy, o que a fez ficar na defensiva também. Desde que havia acordado do coma não haviam conversado.

― Você não vai dar um abraço na sua mãe?

Lucy sentiu algo que nunca sentiu na vida: uma mistura de asco com vergonha em conjunto com um sentimento de culpa por estar sentindo aquilo em relação à própria mãe.

Lucy foi em direção a mãe e decidiu por dissipar todo o sentimento negativo, pelo menos naquele instante. O abraço foi diferente. Foi como se sua mãe fosse outra pessoa. Uma pessoa diferente e gay. Mas como poderia? Ela tinha amigos gays. Mas aquela era sua mãe. Era diferente para ela, de alguma forma.

Victoria começa a sentir a respiração de Lucy mudar. Estaria ela a chorar?

― Shhh.

As duas ficaram abraçadas por alguns minutos com Victoria afagando o sofrimento contido da filha.

― Eu só fiquei com muitas saudades.

― Já está tudo bem comigo. Só quase quebrei o pé, mas estou até andando, olha!

Victoria afasta a filha e mostra a bota. Sabia que havia tido várias outras lesões, mas aquela foi a que restou.

― Como foi o seu dia? Conheceu a cidade?

Victoria achou por bem conversar sobre outra coisa que não o acidente.

― Sim. É maravilhosa. Quero voltar lá com você.

―Se tivermos tempo vamos, sim, meu amor.

Lucy procurou o abraço da mãe novamente. A mãe não resistiu em matar aquela saudade que teimava em não sair do peito.

― Eu te amo, mãe.

Por que não esquecer o que sabia sobre a mãe pelo menos enquanto ela se encontrasse? Afinal, parte de si acreditava piamente que aquilo fosse apenas o resultado da separação.

― Pode entrar. ― exclama Victoria após batidas na porta.

A porta do quarto de Victoria abriu de repente.

― Victoria, o assistente precisa falar conosco urgente.

― Sim, só entrar, Martina.

― Te vejo na janta, mãe.

Lucy dá um beijo na mãe e sai sem trocar olhares com Martina. O assistente entra e fica perto da porta como se estivesse com medo do ambiente.

― Senhora Victo…

― Victoria, apenas.

― Victoria, desculpe. Desculpe dar essa notícia assim, essa hora da noite, mas acabei de receber uma ligação do Brasil e foi solicitado que compartilhasse com vocês. As buscas do voo foram cessadas oficialmente. Eles estão emitindo um relatório que irá sair dentro de uma hora. Vocês então terão de responder que receberam e que estão de acordo.

Martina olhou Victoria, esperando sua reação. Ela tinha o olhar perdido em algum canto da cortina que estava fechada.

― Não há mais nada que se possa fazer?

A CEO dirigiu a pergunta especificamente para Martina.

― Infelizmente não. Pela quantidade de dias que o avião está sumido é praticamente impossível encontrar alguém com vida.

― Não importa. Mesmo que seja sem vida!

– Vic… Não tem como. Não adianta.

― É o fim da minha carreira. Isso não pode estar acontecendo, Tina.

Martina se imaginou na pele de Victoria naquele momento e deixou que ela tivesse um momento para si.

― Obrigada. Após o jantar leremos o relatório.

O homem saiu do quarto com a mesma discrição que entrou. Victoria o olhou saindo de longe e foi buscar um casaco segunda pele no armário. Martina ficou perto da saída, de costas para a parede com as mãos para trás observando-a.

― Você lembra do voo da Malasian Airlines?

― Quem não lembra… ― Victoria já tinha colocado o casaco e agora tinha sentado na cabeceira da cama. ― Me desculpe.

― Em 2014 eu morei na Austrália e minha agência acompanhava toda a investigação de lá. O fato é que o voo M18 marcou a aviação de todas as formas possíveis, Vic. Até hoje ninguém sabe o que de fato aconteceu e nem onde o avião está. Um ano após o acidente encontraram partes do avião e a cada ano aparece uma parte diferente dele. As buscas oficiais só foram encerradas mesmo ano passado.

― Disso eu não sabia. Nossa!

Martina tinha esse poder sobre Victoria, de ser tão cheia de informação e recursos que parecia ser inesgotável a inteligência da mulher. Isso era seu maior atrativo.

― Mas o que eu quero que você se lembre é o seguinte: a Malasian Airlines ainda é um membro da Oneworld, uma das maiores alianças de empresas aéreas mundiais.

― Assim como nós também somos membros da…

― … Star Alliance, isso mesmo! E tem mais… Ela tem menção honrosa da Skytrax por ter sido premiada várias vezes pela agência. Você não pode julgar uma empresa desse tamanho por causa de um evento isolado, Vic.

Ali Victoria entendeu perfeitamente que o que passaria seria como uma onda de azar, mas isso, a longo prazo não afetaria tanto o desempenho da empresa, contanto que continuassem a trabalhar como sempre trabalharam.

Martina tinha esse poder de fazê-la enxergar além.



Notas:



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Uma resposta para 29. A Ilha

  1. Muito interessante os conflitos familiares e as diferentes formas de lidar com a aceitação. Tópico muito importante.

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