A Ilha - Livro 1

31. A Ilha

― Meu Deus, que dia!

Martina sentia-se aliviada pelo dia estar terminando, mas também um pouco apreensiva pelas palavras de sua mãe. Lucinda poderia ser sincera demais, mas tudo o que falava sempre tinha um fundo de verdade e ela nunca se enganava com as pessoas.

A cabeça da ruiva começava a doer de leve, no caminho da testa em direção as têmporas. A cicatriz latejava.

― Mãe? ― Thomas viu a mãe olhando para o nada com a garrafa de vinho aberta sobre a mesa.  Cadê todo mundo? Como terminou o terremoto?

― O tremor atingiu 7.0 na escala Richter. Só nos resta degustar esse vinho. Eu faço questão!

O menino catou três mini taças e Martina derramou o vinho amadeirado, com certa luxuria nos olhos.

― Delícia!

Thomas pegou sua taça e a de Lucy e olhou a mãe, provando o vinho, ou melhor, entornando toda a mini taça para dentro. Ele já ia andando quando resolveu mexer com ela.

― Cuidado com a dose, hein. Victoria te espera!

― Garoto, vai dormir! ― Martina abriu o sorriso e corou o rosto.

― Dormir? Nós vamos sair em trinta minutos, mãe. Aproveitar a noite do Porto… O assistente vai com a gente.

― Cuidado!

O menino piscou para ela e sumiu, subindo a escada. Martina serviu-se de mais vinho e foi até o escritório, tinha de ligar o notebook e ver se o relatório já tinha chegado. Ao abrir a porta toma um susto enorme quanto acende a luz.

Victoria estava sentada na mesa principal, olhando o computador. Não se assustou com a entrada de Martina, pois premeditava isso. A olhava séria, satisfeita por tê-la assustado. O que ela vestia fez Martina imaginar coisas e culpar o vinho.

A morena tinha tomado um longo banho e relaxado o tanto que pôde. Vasculhou sua mala por algo que não parecesse tão vulgar, mas também não tão sexy. Ao fazer isso se perguntava o porquê de tamanha preocupação. Pensou nos processos que nos submetemos em um relacionamento, em como um dia você está ansiando vê-la, outro dia antecipando em beijá-la e noutro escolhendo a melhor peça de roupa que ela fará questão de arrancar de você, te fazendo inevitavelmente voltar a ansiedade inicial que sentiu de vê-la, senti-la e beijá-la fazendo todo o ciclo reiniciar!

E aquilo era nada mais que natural. Havia beijado Martina em três ocasiões e já parecia ser o certo a se fazer a muito tempo. O seu beijo encaixava perfeitamente, não somente como uma peça que encaixa na outra, mas como ele acalma e acende em outras partes. Partes nunca antes acendidas daquele jeito. Procurava por um babydoll de seda, pensando nas mãos dela que passeariam por ele. Escolheu uma peça fina, não tão longa, que marcava um pouco seus seios.

Martina sentou-se a sua frente no lado oposto da mesa.

― Já temos um relatório, “noiva”! Quer vir aqui ler comigo?

Victoria puxava uma cadeira que tinha a seu lado e Martina se transportava para lá.

― Quantas páginas?

― Duas.

Victoria começou a ler, pulando as sequências de números.

Victoria começou a ler, pulando as sequências de números

― Nossa, isso é tão frio. E olha o erro lá no “utc” e na data. É 2017, não 2018! – Victoria tinha um olhar de águia.

― Podemos pedir para corrigir. O relatório é frio mesmo. O objetivo é informar o que aconteceu, a causa e os dados técnicos.

Victoria continuou passando as informações arrastando a página para cima e lendo.

Victoria continuou passando as informações arrastando a página para cima e lendo

― Outro erro: Não foi registrado no Brasil… Eu não gosto disso, Martina.

― Não gosta do que, exatamente, Vic? Dos erros?

― Vai parecer estranho o que eu vou dizer. Algo me diz que não podemos afirmar que o avião teve perda total. Não podemos afirmar isso. Não tem como provar. Desculpe pelo meu ceticismo.

Victoria repousou a mão sobre a de Martina, fazendo questão de ser o centro da sua atenção. Martina a olhava confusa. Aquele era um relatório emitido pela autoridade do governo brasileiro e não tinha como contestar aquelas informações, somente os erros técnicos.

― Você tem todo o direito. Mas temos que dar ciente que recebemos, de qualquer forma.

Victoria continuou a subir o relatório, que começou a mostrar informações do projeto do Boeing 777.

Victoria continuou a subir o relatório, que começou a mostrar informações do projeto do Boeing 777

Martina olhava com interesse e gesticulava. Parecia estar fazendo alguns cálculos de cabeça.

Uma das figuras era sobre o layout dos assentos da aeronave

Uma das figuras era sobre o layout dos assentos da aeronave. Dessa vez foi Victoria que parou de subir a página.

― Eu me lembro desse layout, vem do manual da Boeing

― Eu me lembro desse layout, vem do manual da Boeing. Usamos ele para decidir como ficaria a arrumação dos assentos e das classes nos nossos 777.

Victoria citou essa lembrança com certo remorso. Ela imaginou a cena: o avião destroçado no fundo do mar.

― Não sou muito fã do layout 2x3x2. Sou mais o 3x4x3.

― O que fizemos foi deixar a classe econômica bem mais espaçosa que qualquer empresa aérea já fez, cobrando 30% a mais, dá muito certo. O layout que você falou é do A380, não é?

Victoria arriscou, para tentar surpreender a “noiva” e ganhou um sorriso da ruiva. Pensou em como foi estúpida em ter cogitado a afasta-la para o projeto dos A380. Se tivesse feito aquilo não estaria ali vivendo tudo aquilo com ela.

Victoria chegou a última parte do relatório onde haviam fotos reais do avião.

Victoria chegou a última parte do relatório onde haviam fotos reais do avião

Ver aquelas fotos apertava o coração de Victoria

Ver aquelas fotos apertava o coração de Victoria.

― Bom, irei responder o relatório contestando os erros e pedindo a correção. Quando corrigirem, assinamos.

Martina bebericava o vinho e Victoria redigia a resposta. Não concordava com o relatório, mas era necessário. Por fim enviou a resposta e se afastou um pouco da mesa, cruzando a perna e recostando na cadeira, olhando a ruiva virar mais uma taça para dentro.

Victoria percebeu algo mais no olhar de Martina, algo que não soube explicar nem mensurar. Algo nunca antes visto por ela. Era o olhar de desejo de Martina direcionado a ela. A ruiva sentia que tudo em Victoria a atraia, tornando seu autocontrole quase inexistente. Ela temia o que poderia acontecer se as coisas continuassem daquele jeito e tinha certeza de que Victoria queria o mesmo. O problema para ela era manter a promessa que fez a si mesma de que manteria o controle, mas sua real vontade era transar enlouquecidamente com ela ali mesmo naquele tapete do escritório.

Victoria fechou o notebook e se virou para Martina, que a comia com os olhos e fixava seu olhar nos lábios chamativos da mulher que amava. Não era algo forçado, mas natural e verdadeiro.

Ela não sabia dar nome para o que sentia. A seus olhos parecia boa a ideia de tocar os lábios dela com os seus. O silêncio da casa foi de repente quebrado com sons vindos do hall. Lucy, Thomas e George saindo…

A casa voltou ao silêncio, no qual não transparecia a turbulência no peito de Victoria, cada vez mais forte, cada vez mais evidente. Ela então foi de encontro ao que queria e seus lábios tocaram os lábios da outra, que a tocou de forma diferente das vezes anteriores. Tocando sua cintura por cima da seda, a textura totalmente diferente de roupas normais, lhe causando arrepios e incentivo ao subir mais as mãos, com certa firmeza. À medida que o beijo se intensificava, parou as mãos quando percebeu que tinha alcançado o seio da morena.

Victoria percebeu quando Martina parou de repente o beijo, curiosa. Estaria a ruiva cheia de pudores com ela? Martina a puxou, continuando o beijo de forma mais lenta e carinhosa, trazendo-a a si num abraço.

A morena se perdia em seus pensamentos. Se interrogava sobre a forma como Martina conduzia as coisas e em como ela havia freado um pouco a intensidade. Victoria queria mais. Precisava de mais.

Martina pareceu escutar os pensamentos dela.

― Vamos para o quarto? Eu preciso de um banho.

― Vai adorar a minha banheira.

Chances eram de que Martina estivesse cansada para continuar aquela aventura e era compreensível se fosse assim, afinal o dia havia sido realmente bastante longo. Mas pelo menos, Victoria entendeu que dormiria junto dela e já estava satisfeita. 



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