A Ilha - Livro 1

35. A Ilha

Vanessa sai da sala dos diretores satisfeita com o que havia sido decidido. Conseguiu fazer com que fossem aprovadas quase todas as iniciativas menos as de segurança. Os diretores não concordaram que a segurança deveria ser prejudicada, tendo em vista os dois acidentes recentes. Quanto à relocação de Martina, estava quase certo. Uma das iniciativas era clara com relação a assuntos operacionais da empresa. Não havia lógica Martina ficar na sede, tão longe de onde os projetos estavam realmente acontecendo nos galpões e aeroportos gerenciados pela BRASFLY. Todos concordaram que a diretora ficaria melhor fora da sede.

O único que não concordou por completo com aquilo foi Max. Embora entendesse e concordasse que quem tivesse caráter operacional deveria ficar nas frentes de trabalho e não em escritórios, sabia que Victoria queria um diretor de segurança junto dela na sede, independente de ser Martina ou não. Ao contratar um novo diretor ela tinha isso em mente.

― Tudo indica que Victoria e Martina chegarão esta noite ao Brasil. Você quer fechar alguma coisa antes de elas chegarem? ― indaga Paula seguindo Vanessa pelo corredor.

― O que mais eu tenho na agenda?

― Nada de mais. Somente uma reunião com o financeiro daqui à uma hora.

― Ok. Podemos fazer a passagem de serviço após esta reunião.

A passagem de serviço seria algo que Vanessa deveria fazer com muita concentração. Era a hora de colocar em papel tudo que havia feito enquanto CEO substituta e o documento seria apresentado a Victoria quando voltasse. Ela sabia que parte do que fez, a CEO não iria gostar, mas também sabia que se escrevesse de forma adequada e com alto grau de persuasão, Victoria iria entender.

*****

O Phenom 300 estava estacionado numa das “vagas” para aviões particulares. Um carro do aeroporto os levou para que embarcassem. Ao descer, todos se despediram do assistente e Victoria agradeceu o excelente trabalho do homem, que nunca imaginaria conhecer a presidente da empresa. A impressão que teve dela foi que era uma mulher sensata e forte, mesmo fragilizada pelo acidente.

O avião era particularmente bem menor que o Bombardier e cabiam apenas oito pessoas. Uma tripulante os recebeu gentilmente e após o piloto e copiloto também vieram e se apresentaram informando que a Phenom era ótima para aquele tipo de voo. Além disso, os dados meteorológicos da viagem estavam bastante favoráveis.

Victoria se sentiu bastante aliviada com essa atitude dos pilotos. Ela e Martina iriam sentar lado a lado com Lucy e Thomas de frente para elas do lado oposto.

Victoria pensou não poder mais adiar a conversa com Lucy. Teria de cedo ou tarde contar a ela sobre o “relacionamento” das duas. Era assim que ela chamava, embora não soubesse ainda o que era aquilo.

O avião decolou muito tranquilamente e logo em altitude de cruzeiro o jantar foi servido. Martina ficou impressionada com o sabor dos frutos do mar, que geralmente eram servidos frios nos voos “de gente normal”. Percebeu que Victoria estava mais quieta que o habitual e imaginou ser por causa da proximidade de sua filha que nunca tinha visto a mãe num relacionamento com uma mulher. A ruiva também não queria fazer nenhum alarde da situação.

― Qual o plano ao chegar ao Brasil?

Martina não entendeu se a pergunta de Thomas era para ela ou Victoria.

Lucy respondeu antes.

― Dormir eu acho. Chegaremos de madrugada.

Martina concordou com a menina, que sentava exatamente à sua frente e fez contato visual com ela. Os olhos de Lucy eram azuis, como os do pai e ela tinha feições muito semelhantes às de Victoria.

― E amanhã… sentar com Vanessa e ver como se saiu me substituindo.

Lucy se lembrou na hora em como a mulher ficou abatida na noite da virada e em como a pegou totalmente alterada no quarto de Victoria. Lucy não era boba e sabia que sua mãe já tinha um relacionamento com Martina, só não gostava de assumir isso para si.

― Foi muito legal da sua parte a fazer sua substituta! ― Lucy exclamou.

Martina olhava para o prato finalizando o jantar. A tripulante passou e a ruiva pediu uma taça de vinho. Não gostava do rumo daquela conversa. Tampouco julgava Lucy por suas preferências.

― Eu fiz isso pensando no bem dela. Não é de hoje quero colocá-la num setor onde se desenvolva mais.

Por essa Martina não esperava. Mudar Vanessa de setor?

― Só não sei se ela aguenta ficar longe de você, mãe.

Thomas olha imediatamente para sua mãe que recebia a taça da aeromoça e parecia alheia a conversa. Ele sabia que ela tinha o dom de filtrar o que a atingia, mas percebeu seu rosto ficar um pouco vermelho e ao tomar um gole, olhou para ele também e aquele olhar respondeu tudo.

― Nós trabalhamos há anos juntas. Eu sei que vai ser difícil.

― Você viu como ela estava na virada do ano? E quando você partiu para o aeroporto, ela desabou.

Martina franziu um pouco a testa, mas logo disfarçou. Lucy olhava para a mãe, que parecia não querer saber nenhum detalhe a mais daquela noite. Ela não havia dito para Martina sobre o beijo e torcia para que Lucy esquecesse aquele assunto. Thomas não encarou o olhar da mãe, mas ela sabia que tinha algo ali que ela não sabia.

― Nós somos muito amigas. É normal.

― Você sabe do que eu “to” falando, mãe. Vanessa te ama!

― Lucy, já entendi! ― Victoria ergueu a voz repreendendo a menina. Martina olhava Victoria com as sobrancelhas erguidas. Fazia tempo, décadas, que tinha a visto alterada da última vez.

A ruiva entendia que Lucy estava tendo dificuldade em aceitar aquela situação e que tinha preferências por Vanessa, mas a reação de Victoria foi como se estivesse tentando parar um trem de se chocar contra o outro.

Lucy não parecia satisfeita e prosseguiu após alguns minutos.

― É bom que estamos aqui em família e ninguém pode sair correndo. Eu tenho algo sério para falar com vocês.

Martina abre um sorriso irônico e Lucy retribui. Aquela conversa seria bastante interessante.

― É bom mesmo, Lucy. Vamos pedir mais vinho então. ― Martina acenou para a aeromoça para que trouxesse a garrafa toda.

Para Thomas, sua mãe era a melhor do mundo. Sabia que estava desconfortável, mas faria de tudo para aquilo valer a pena. Ela sempre dizia que não havia nada que um bom vinho não resolvesse.

Victoria, por outro lado, tinha uma expressão indescritível no rosto. Amava Lucy, mas sabia que não havia jeito para sua língua e necessidade de exteriorizar tudo e nas piores horas. Thomas relaxou após ver a mãe relaxada. Não achava que Lucy contaria do beijo. Ela não seria louca a esse ponto.

Martina serviu a todos de vinho.

― Então… Você dizia? ― Martina relembrou Lucy de continuar a falar.

― Eu gosto de você, Martina. Não só porque é mãe de Thomas.

― Eu também te admiro muito. ― Martina recostou-se na poltrona enquanto a mesa era recolhida. A aeromoça começou a falar das sobremesas, mas ninguém se manifestou. Todos queriam apenas beber.

A aeromoça recolheu a mesa de forma que não havia nada entre eles. Martina cruzou as pernas para o lado de Victoria e percebeu que ela já ia para a segunda taça.

― Eu quero que saibam que eu aprovo.

― Aprova o que? ― Victoria retrucou.

― Que vocês estejam juntas. Eu pensei muito nisso.

― É muito legal da sua parte. Mas, pra falar a verdade eu e sua mãe não temos ainda um relacionamento. ― Falava olhando para Victoria e se divertindo com sua reação. Thomas ainda não acreditava que estavam tendo aquela conversa.

― Eu sei, não quero me intrometer nisso.

― Na verdade, temos sim. Nós só não demos nome ainda, não é, Martina? ― Victoria falou convicta.

― E é bom assim, não é? Quando acontece naturalmente. ― Thomas saiu do silêncio.

― Sim. É perfeito. ― Victoria respondeu.

Victoria estava mais quieta que o normal. Martina gostou do que ouviu, mas ainda tinha algo ali que ela não sabia. Seria algo realmente importante de saber? 



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