A Ilha - Livro 1

39. A Ilha

O telefone começa a tocar novamente dentro da bolsa da CEO. Victoria estava tão aconchegada nos braços de Martina que só percebeu que o telefone necessitava atenção quando a ruiva se levantou para pegá-lo.

Martina olhou a tela, parecendo adivinhar quem era. Estendeu o aparelho para a morena e foi para o banheiro.

― Sim, Vanessa?

― Preciso repassar a agenda de amanhã com você. Surgiram duas reuniões importantes no mesmo horário.

A CEO a estranhou ter ligado por causa daquilo. Vanessa estava bem treinada para saber que uma das reuniões deveria ser delegada para outro diretor que estivesse mais inteirado do assunto a ser tratado.

― Sim. Faça como sempre fazemos, Vanessa.

― Mas uma delas é fora do prédio num hotel na orla. É um encontro de CEO’s da aviação.

― Ué? Mas esse encontro era em Março.

― Eles decidiram adiantar, Vic… A outra reunião é aqui na sede, sobre finanças.

― Delego essa última. Prefiro ir à dos CEO’s!

― Foi o que imaginei… ― Victoria estava com a pulga atrás da orelha e quase a respondeu mal-criada: Então por que ligou? Pelo tempo que Vanessa trabalhava para ela deveria prever qual era sua escolha. Quanto ao motorista era só decidir sozinha, como sempre fazia. ― Quer ir com seu carro ou peço um motorista? O encontro começa as 8:30.

Preferiu pensar que a mulher estava com saudades de ouvir sua voz.

― Vou de carro, Van. Obrigada.

Despediu-se da assistente enquanto Martina assistia a conversa percebendo as expressões da morena.

― Mataram a saudade? ― Martina não perdoou.

― Apenas confirmando a reunião de amanhã.

Martina pegou um travesseiro de pena de ganso e deitou do lado oposto da cama de frente para os pés de Victoria e repousou uma das mãos sobre a perna dela. A morena largou o telefone de lado e fingia chutá-la.

― Que cara possessiva é essa? ― Martina a olhava séria. A ruiva não sentia ciúmes nem possessão naquele momento. Tinha apenas falado aquilo para mexer com ela. A morena se juntou a ruiva naquele lado da cama e a olhava apaixonada.

― Minha mãe vai se apresentar amanhã à noite aqui no Rio. Temos uma mesa VIP de frente para o palco.

Victoria não sabia o que dizer. Não podia dizer que odiava Lucinda Ferret, mas definitivamente não tinham começado com o pé direito.

― Não ficará desconfortável ao me ver lá?

― A dona Lucinda pode ser uma fera ardilosa, mas ela tem um coração enorme. Quando ela finalmente enxergar que você não me causa nada senão felicidade, ela também vai te amar como me ama.

― Pode ser que sim, mas não quero que se sinta apreensiva no palco ao me ver de longe.

― Apreensiva? Ela é outra pessoa cantando, Vic.

Na época da faculdade lembrava que a amiga sempre reclamava da distância da mãe, sempre viajando a trabalho. Victoria ouvia falar do sucesso da ruiva mais velha à medida que seu próprio sucesso também aumentava. A mulher tinha um Grammy por um álbum de Jazz Vocal e Victoria se lembrava do dia da apresentação, ela por acaso assistiu a noite da premiação durante um coquetel executivo na casa de um dos acionistas. O show que Lucinda deu na noite do Grammy causou frisson no mundo da música.

― Eu assisti ao vivo quando ela ganhou o Grammy.

― Mais uma fã de Lucinda Ferret. E bem na minha cama! ― Victoria sentiu certo pesar na voz de Martina. A ruiva se lembrava dos momentos raros com a mãe. Ela e Valentim, o irmão mais novo, tinham fragmentos da mãe de vez em quando.

Victoria pensou na própria mãe. Ela daria tudo para tê-la nem que estivesse sempre ausente.

― O que posso fazer se ela é maravilhosa, embora queira que eu suma da sua vida? Vamos ao show nem que eu tenha que me disfarçar!

Martina recobrava a leveza no rosto começando a sentir fome, muita fome. Olhava Victoria nos olhos como se fosse de alguma forma acabar com a sua fome.

― Seus olhos mudam de cor.

― Só agora percebeu? ― Martina a olhava com a mesma intensidade se perdendo sem volta nos olhos que se mostravam ligeiramente azuis. ― Eles mudam de acordo com meu humor, com a claridade do dia…

― … quando me deseja.

― Mãe? ― Martina se eta com Thomas chamando na porta. Victoria reage cobrindo o que poderia ser considerado nudez. As duas estavam deitadas lado a lado inocentemente. ― Eu to sozinho.

― Entra. ― A ruiva autorizou.

Quando Thomas vê Victoria não esconde a surpresa.

― Oi? Desculpa interromper. Eu queria saber se você… vocês querem jantar comigo e Lucy… Eu vim pegar o carro. A Lucy ficou em casa.

― Aonde vocês vão?

― Estamos pensando em ir à nova churrascaria.

― Ah! O amigo do seu pai. É mesmo. Estamos devendo.

― Bom, se quiserem vir comigo espero vocês.

O menino fechou a porta e seguiu no corredor, com um sorriso de orelha a orelha. Em minutos as duas estavam prontas na sala e quando Thomas apareceu pegou as duas se beijando. Ele estava radiante em ver a mãe junto de quem realmente amava.

*****

Vanessa dirigia até o triplex de Victoria após falar com Lucy por telefone que precisava de uma pasta de documentos que estavam no escritório do tríplex. A morena estacionou o carro na frente do prédio e aguardava o concierge trazer o pacote. Foi quando o carro de Thomas encostou atrás do carro dela.

 

Victoria reconheceu de imediato o carro e quando ia esboçar alguma reação todos veem Lucy saindo com um pacote e indo até o carro da assistente.

Vanessa sai do carro para falar com Lucy na calçada e as duas se abraçam como de costume.

― O que você quer com esse pacote? ― Victoria pergunta inconscientemente alterada.

Martina e Thomas ficam olhando a cena sem intenção de reparar nada, mas tudo acontecia bem na frente deles e era impossível não notar o quão alterada Victoria estava. Victoria interrogava Vanessa sobre o motivo de ela precisar daquele pacote. Era a série de evidências e documentos que o detetive havia reunido para provar a traição de William.

Vanessa se explicava de forma calma e sucinta. Acabou por convencer a CEO da forma persuasiva que sempre fazia. Lucy acaba deixando as duas sozinhas e entra no carro de Thomas, na parte de trás.

― Tudo bem? ― Thomas pergunta se virando para trás.

― Deixei elas se entenderem sozinhas. Mamãe exagera ás vezes com a coitada.

Martina pensava em como Vanessa se fazia de coitadinha a seu bel prazer. Pela linguagem corporal, a CEO havia abrandado o cerco e retornava a usual calma já retornando para o carro após Vanessa já ter entrado no dela e ter arrancado com o carro.

― Mãe, Vanessa só quer te ajudar, você foi grossa com ela.

― Agora não, Lucy.

Victoria estava alterada ainda por dentro, mas resoluta em confiar em Vanessa considerando seu histórico de confiabilidade.

O jantar foi bastante agradável graças a Thomas e Lucy que estavam de muito bom humor. A churrascaria ficava em uma parte bastante calma do Flamengo, com vista para a marina da Glória e o Pão-de-açúcar. Victoria olhava a marina de longe e lhe veio à mente como sempre quis ter um iate, mas nunca realizou o sonho por falta de tempo. Martina via que a mulher olhava pensativa para a marina.

― Ta vendo aquele iate maior, o vermelho? Lindo não é?

Victoria olhava para o iate e para Martina sem reação.

― Não começa, mãe! Aquele iate é da família Ferret, Victoria. Vovó comprou faz uns sete anos, mas está a venda por falta de uso. Minha mãe faz propaganda dele para todo mundo que eu conheço. Já virou até piada como ela é péssima vendedora.

― Eu não ia tentar vender nada. A Vic que não para de olhar para ele.

Victoria ficou curiosa de saber como a família Ferret tinha aquele iate dada a simplicidade do apartamento onde viviam. A própria Martina não fazia questão nem de ter um carro apenas para si. Agora, aquela embarcação deveria custar uma pequena fortuna. A CEO não fazia ideia das posses da família Ferret: uma mansão numa ilha em Angra, aquele iate, propriedades em Manhattan, um pequeno resort numa cidade entre Nice e Mônaco, na França…

― Depois me passa os detalhes. Me interesso.

Thomas olhava Victoria surpreso. Martina sacudia a cabeça de um lado para outro incrédula. Lucy olhava o iate de longe e fazia as mesmas indagações da mãe. Tinha muito dos Ferret que ela não sabia e sequer imaginava.

Lucy se vira para Martina, toca em seu braço e cochicha com ela.

― Minha mãe sempre foi louca por ter um iate. ― Lucy estendia a bandeira branca para o relacionamento delas, embora tivesse um carinho tremendo por Vanessa. Via a mãe com Martina e era inevitável ver como se amavam e como aquilo era difícil ou até impossível de lutar contra.

Martina estranhou a intimidade que a menina teve com ela e lhe dedicou um sorriso charmoso e sincero, sem palavras. Lucy pela primeira vez olhou Martina nos olhos captando sua alma. A ruiva era um território bastante seguro de se pisar. Percebeu o quanto a mãe de Thomas tinha uma beleza suprema e harmoniosa. Os olhos verdes olhavam a mãe de Lucy como quem quer cuidar e era um olhar que sua mãe nunca recebera de William. Lucy viu que além de ser uma mulher extremamente inteligente era primeiramente muito sensata em tudo que fazia. Pela primeira vez sentiu-se impelida a expressar o quanto poderia estar feliz com aquilo.

Ao saírem da churrascaria já batia nove da noite.

― Vocês vão dormir onde, mãe? ― Martina achou graça da pergunta do filho.

― Em breve nós quatro moraremos na mesma casa, já pensou? ― Lucy com seus comentários sem pé nem cabeça.

O carro seguiu em silêncio com o barulho apenas da radio paradiso tocando algum sucesso de 1970. No banco de trás do sedan esportivo Martina abraçava Victoria por trás tentando interpretar o seu silêncio. A morena não tirava da cabeça a conversa que teve com Vanessa.

― Te vejo amanhã no trabalho. Dorme bem. ― Martina se despediu da mulher com um abraço e tomava o lugar de Lucy no banco passageiro da frente. Victoria despediu com certa saudade da ruiva. A companhia de Martina já era algo intrínseco para ela. Sentiria saudades, mas sabia que não eram mais adolescentes, tinham filhos, carreira, tarefas da vida pessoal para tomar conta.

O sedan virou a esquina e no carro a mesma saudade a ruiva sentia pela CEO. Era a primeira vez que Martina se separava de Victoria desde a virada do ano. O que tinham vivido era muito longe do que Martina imaginaria passar e experimentar, desde o sentimento de protegê-la num iminente acidente até por fim ter o seu amor e atenção. A viagem fora um divisor de águas para ambas. O que o futuro traria era apenas questão de ajuste.

― Você viu como a Lucy está aceitando melhor?

― A Lucy é o de menos. ― Martina respondeu o filho, fazendo menção ao menor dos problemas: Lucy. A ruiva via algo muito além de estranho nas ações de Vanessa.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2020 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.