― Oi? Me desculpe.

Martina estava em pé ao lado da porta. Victoria olhou a mulher dos pés a cabeça. Vestia uma calça preta de tecido macio, não sabia ao certo o que era, mas demarcava muito bem suas pernas musculosas. Usava uma blusa branca que lhe caía muito bem. Ela percebeu seus braços fortes pela musculação que provavelmente fazia.

― Tudo bem, posso me sentar?

― Pode claro!

Tudo o que Victoria queria naquele momento era companhia.

― Vanessa me avisou que o carro parte em vinte minutos para o aeroporto.

Martina se sentou no lugar a sua frente com certo receio, pois a CEO a olhava com um olhar indecifrável.

― Você está bem?

― Sim, apenas um pouco mexida com isso tudo. Foi um dia difícil pra mim, Martina. Desde que acordei estou ligada no 220!

― Entendo. Mas o dia já está quase terminando.

Victoria acena que sim com a cabeça lentamente e um silêncio mortífero se instala na sala. Num pico de emoção, Victoria olha na direção do janelão contrário ao lugar onde estão sentadas, numa tentativa de alinhar seu pensamento.

― Eu não consigo fazer isso!

― Se quiser eu posso falar com a imprensa, Victoria.

Após alguns segundo olhando o além, ela continua.

― Não é isso. É outra coisa. Eu te devo desculpas, Martina. Eu… ― Martina não sabia exatamente o porquê Victoria estava dizendo aquilo. Ela não fazia ideia de que a CEO estivera prestes a transferi-la sem nem mesmo falar com ela. ― Eu quero que você esteja aqui na empresa. Eu realmente agradeço toda ajuda que você já deu em tempo recorde desde que entrou aqui.

― Você não precisa agradecer, Victoria. Esse é o meu trabalho. Estou aqui para isso.

― Eu sei, mas… Eu quero que você saiba.

Martina só restou concordar. Olhou a mulher segurar o pulso esquerdo querendo esconder algo.

― Tudo bem. Vamos trabalhar juntas para isso dar certo, ok?

Ver Martina assim tão amorosa deixou Victoria totalmente rendida. Todavia não queria transparecer seus reais sentimentos então decidiu partir para o que interessava.

― Então, o que você tem para me passar?

― Está aqui um resumo do que você tem que dizer. Siga este roteiro e tudo estará bem.

Martina estendeu um papel para a presidente onde estavam digitados alguns parágrafos. Ao pegar o papel da mão da ruiva, Victoria percebeu um anel de diamantes em sua mão direita.

A ruiva continuou.

― Você tem que estar ciente que em acidentes aéreos a aeronáutica conduz a investigação e eu, como diretora de segurança irei ser o ponto focal aqui na BRASFLY como investigadora interna e acompanharei junto a eles. Você só precisa formalizar oficialmente com uma carta. Haverá total sigilo na investigação, o que significa que iremos investigar internamente e o ministério público e a polícia não terão acesso a não ser que peçam por meio de decisão judicial, certo?

Se tinha algo que Victoria não dominava era segurança e muito menos acidentes, pois nenhum avião tinha caído antes.

― Estou de acordo. Confio em você. Pode conduzir a investigação e me inclua em tudo.

― Com certeza, você será incluída em tudo. Acho que já está na hora de ir. Vamos?

Vanessa as esperava na entrada do escritório e se assustou com a abertura brusca da porta, disfarçando e as acompanhando até o elevador. Victoria se sentiu estranhamente desconfortável na presença das duas. Um SUV preto as esperava na entrada do prédio.

Ela entrou no carro e sentiu o ar condicionado no último nível e o banco de couro gelado em sua pele. Algo dentro dela dizia que algo não estava certo. Estava certa que sentia atração por Vanessa e Martina ali a fazia revirar os sentimentos. O ideal seria estar casada com um homem e não ter de se preocupar com as contravenções da sociedade e de sua família.

A ruiva e as duas morenas seguiam silenciosas na parte de trás da SUV. Martina olhava meditativa pela janela o movimento da Via Binário Porto respirando pausadamente. Tendo repousado suas mãos sobre as pernas deixou a vista seu anel de diamantes, que chamou também atenção de Vanessa.

― Que anel lindo, Martina. Muito bom gosto.

Vanessa se inclinou sobre a chefe e pegou de leve a mão de Martina, para ver de perto o anel que aparentava ser um H Stern. Victoria, que estava no meio das duas, acabou por ter a melhor visão da mão da ruiva. A mão era estranhamente convidativa. As unhas bem feitas e pintadas num tom nude fantástico.

“A pele parece de seda”, pensou ela, que de repente se viu admirando a mulher. Recriminou na hora o pensamento e tentou pensar em outra coisa.

― Obrigada. Foi um presente. Acertaram em cheio meu gosto.

― É realmente muito lindo.

“Que nem a dona.” Novamente Victoria se pegou tendo pensamentos indecorosos a respeito de Martina. Achou que só poderia estar louca. Talvez fosse uma espécie de saudade que estava sentido de sua ex-amiga.

A assistente finalmente soltou a mão da ruiva e repousou a sua sobre a da chefe e continuou olhando pela janela normalmente. Victoria não teve outra reação senão segurar a mão dela de volta, o que fez Vanessa se aconchegar mais ao seu lado.

De certa forma o “carinho” relaxou Victoria, que entendeu o gesto como apoio.

Ao chegar ao aeroporto, desceram e se dirigiram para a sala onde a imprensa fora direcionada. Já era noite.

Na sala, cerca de trinta jornalistas esperavam em sua maioria sentados. Quando viram as três chegarem começaram a disparar seus flashes.

Vanessa os recriminou educadamente e disse que teriam tempo de sobra para tirar fotos. Martina e Victoria se dirigiram a mesa que estava em cima de um sobressalto, um pouco acima do nível do piso. Já havia duas pessoas na mesa, viradas para a “plateia”, uma autoridade da Agência Nacional de Aviação ― ANAC e a outra pessoa era uma mulher carrancuda que segundo Martina, era alguma autoridade da Aeronáutica, provavelmente da CENIPA, órgão que ficaria responsável por conduzir a investigação do acidente.

Martina se sentou logo após Victoria e explicou a ela brevemente o resumo de como a investigação aconteceria.

A CENIPA investigaria o acidente e a BRASFLY teria acesso a todo o processo por meio de uma pessoa nomeada formalmente por ela, Victoria. Essa pessoa passaria a acompanhar a investigação sob segredo de justiça, no caso, Martina. A investigação começaria após recolherem os primeiros destroços do avião. O primeiro passo seriam as buscas, que recaíam sob o governo brasileiro e com ajuda de outros governos.

Tudo ali seria filmado e provavelmente as imagens seriam usadas para transmissão em rede nacional, mas a CEO não precisaria se preocupar, pois tudo seria revisado e editado pelo pessoal de relações públicas da BRASFLY.

Vanessa arrumou a confusão da sala em cerca de dez minutos, fechou a porta e passou algumas instruções para os jornalistas sobre o que podiam ou não fazer. Alguns estavam tão nervosos que já estavam fazendo perguntas sem antes mesmo terem iniciado a conferência.

Martina então pega o microfone e pede atenção.

A diretora inicia agradecendo a presença de todos e se apresentando. Fala brevemente sobre o compromisso que a BRASFLY tem com a segurança dos passageiros que carrega. Qualquer pessoa que a escutasse apostaria que Martina trabalhava na companhia há eras. Ela falava com uma convicção e profissionalismo invejáveis.

A vez de Victoria falar logo chegou e ela foi breve e sucinta anunciando oficialmente a perda da aeronave do voo A232. Ao final de sua fala deixou claro o compromisso que a empresa teria com as famílias das vítimas e que não cessariam busca até que todas as possibilidades estivessem esgotadas.

A pequena multidão presente ficou abismada com a notícia e tirava fotos freneticamente, já fazendo um alvoroço.

Martina retorna a fala e diz que a hora das perguntas seria ao final e passa a palavra ás outras autoridades da mesa, que passam a falar brevemente sobre a segurança da aviação nacional e os trâmites que se dariam inicio junto a BRASFLY para inicio das buscas e investigação. Também aproveitaram para formalizar a participação de Martina na comissão de investigação, conforme nova lei sancionada pelo governo.

Depois que todos falarem foi dada a oportunidade aos jornalistas começarem a enxurrada de perguntas e Martina se encarregou de responder a todas, para o conforto e admiração de Victoria, que agora estava completamente abalada de ter revelado ao mundo a perda de um avião de sua frota.

Imaginou literalmente seu pai revirando no túmulo no momento que os jornalistas começaram a ficar agitados.

― Existe possibilidade de o avião ter sido sequestrado? ― perguntou um jornalista de uma das principais emissoras brasileiras de televisão.

― Não temos dado algum que nos leve a crer nisso. Próxima pergunta?

― É verdade que havia um homem bomba no avião? ― perguntou um menino que mais parecia ser um estagiário.

― É muito cedo para afirmarmos qualquer coisa do tipo. Próxima pergunta?

Um homem elegante, careca, vestindo um terno creme levantou a mão e recebeu o microfone das mãos de Vanessa para falar.

― A senhora é conhecida internacionalmente por ter participado das principais investigações de acidentes aéreos da última década. Como é para você enfrentar mais esse desafio, considerando ser seu primeiro dia de trabalho na BRASFLY?

O homem tinha realmente feito seu dever de casa e mais parecia ser uma espécie de fã de Martina. Ele sabia do que estava falando. Victoria não tirou os olhos da mulher em instante algum. E agora com esta pergunta ela estava praticamente formigando na cadeira a fim de saber a resposta.

Victoria descobriu ali que não era apenas admiração que tinha por Martina. Ela realmente havia se tornado uma grande mulher. Victoria tinha alguma espécie de atração desconhecida por ela, que julgou ser devido a atenção que a ex-amiga a dava, ou algo em sua atitude, a confiança que tinha em tudo que fazia.

― Excelente pergunta! Vejo que você está bastante informado. ― A ruiva deu um breve sorriso que fez Victoria se deliciar com sua feição. ― Eu costumo dizer que tudo pode acontecer a qualquer momento e devemos estar sempre em prontidão. Eu carrego comigo uma bagagem intensa. Participei de grandes investigações e implementei grandes projetos que foram determinantes para que acidentes parassem de acontecer, todavia, se isso fosse garantia de sucesso, nenhum acidente aconteceria nas empresas que trabalho. Portanto, a realidade é outra. É como se eu tivesse sempre que voltar ao começo, e sim, isso é bom. Vou fazer tudo e mais um pouco para agregar tudo que sei a esta investigação.

Victoria sentiu seus olhos encherem de lágrimas e se controlou para não transparecer emoção. A verdade é que estava totalmente derretida por Martina.

Ao final, elas se despedem e saem seguindo o caminho indicado por Vanessa. Ao entrarem no carro Martina se senta na parte da frente com o motorista como se quisesse dar privacidade a CEO e a assistente. As duas morenas pareciam transtornadas pelo que acabaram de fazer. Era 8 da noite e o dia tinha sido mais do que exaustivo.

― Muito bem meninas, vocês estão de parabéns! ― Victoria pareceu acordar de seu torpor e mostrar gratidão pelo auxílio precioso das mulheres.

O que seria dela sem aquelas duas mulheres que pareciam ter nascido para tornar o seu dia estranhamente tão errado e ao mesmo tempo tão perfeito?

Martina olhou para trás, no fundo dos olhos de Victoria e nada disse. Vanessa a olhou também balançando a cabeça em concordância. O carro da empresa deixou primeiro Vanessa na sede, onde estava seu carro e logo após deixou Martina, não em sua casa, pois disse que teria uma consulta para ir.

“Nessa hora da noite?”, Victoria se perguntou internamente.

― Eu faço terapia e hoje folgou um horário na agenda da psiquiatra. ― Martina parecia ter escutado o pensamento da morena.

Ela se despediu e desceu entrando em um luxuoso prédio residencial ladeando a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Victoria queria de repente ser um mosquitinho e seguir Martina. Escutá-la narrar à psiquiatra os acontecimentos de seu dia parecia atraente a seu humor. Ela seguiu com esse desejo até o motorista virar na orla e rumar para sua cobertura em Ipanema.

Martina chegou ao consultório da Dra. Justine na hora exata da consulta. O consultório era na própria casa da médica, que além de clinicar como psiquiatra, clinicava como psicanalista. A cobertura tinha uma área descoberta com um confortável espaço de repouso, um sofá que só de olhar já relaxava. Quanto ao barulho, podiam ouvir apenas algumas buzinas bem longe, tampouco parecendo estarem próximo do tráfego da cidade.

A ruiva sentou-se confortavelmente numa das poltronas e recostou-se nas almofadas soltas, soltando com charme a blusa de dentro da calça. A médica vestia uma roupa toda em linho branco e tinha um pequeno notebook nas mãos.

A clássica pergunta “O que te trás aqui”, Martina já havia ensaiado mentalmente a resposta.

A ruiva começou a falar citando brevemente seu estado de espírito nos últimos dias culminando no reencontro com Victoria. A doutora pediu então que ela regredisse e contasse sobre os últimos dias após o desentendimento com Victoria, há cerca de 20 anos atrás. Martina sentiu o estômago revirar, pois nunca tinha falado sobre isso abertamente com ninguém.

A ruiva começou o relato, dando ênfase a seus sentimentos. Algumas frases após, ela se calou para ver a doutora apenas balançar a cabeça positivamente e entender que deveria continuar falando.

O que ela relatou soou sentimentalista, até mesmo para o mais sério dos seres.



Notas:



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3 Respostas para 5. A Ilha

  1. Eu que queria ser um mosquitinho, para me infiltrar nessa sala e ouvir os relatos de Victoria..
    Penso que ela ficou com ciúmes de Vanessa.

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