A doutora levou Martina ao hall de saída e se despediu. Martina agradeceu e se foi. Saiu mais leve do que entrou. Havia algo muito libertador em abrir os sentimentos com uma completa estranha. 

Pegou um taxi e seguiu para seu apartamento que também fica na Lagoa, só que na face oposta. Quando chegou viu um prato tampado num recipiente na ilha da cozinha. Sua empregada havia deixado jantar para ela. Ao lado havia uma caixa de papelão. Ela não se lembrava de ter pedido nada pelo correio e foi até a caixa com grande curiosidade.

O remetente? Valentim Ferret! Seu irmão enviara os tão prometidos vinhos franceses. Fazia tanto tempo que ele disse que iria enviar os vinhos que Martina se esqueceu completamente. Ela abriu a caixa dando pulos de alegria e soquinhos no ar.

De zero a dez? Um milhão! O dia não havia sido um completo sucesso mas definitivamente ia terminar bem.

― Que animação toda é essa? ― Thomas surgiu na sala após ser desperto pelos pulos da mãe. Ele estava cochilando na sala.

Martina não era uma das figuras mais sérias, mas escolhia bem as ocasiões na qual se soltava.

― Alguém decidiu melhorar o meu dia, filho! Olha o que seu tio me enviou, finalmente.

― Enviou ele mesmo na caixa ou o que? ― Ele olhou para dentro da caixa como se estivesse falando sério. Arregalou os olhos e perguntou: “Tio?”

Martina adorava as piadinhas do filho. Ele era jocoso igual a ela, adorava uma descontração para adoçar um pouco a existência.

― Vinho francês? Que luxo hein, mãe! Mas… Sinto te dizer, não temos nada para comemorar. Íamos comemorar seu novo emprego hoje, mas no primeiro dia olha o que você fez: um avião sumiu.

― Garoto, só não te dou uma coça porque está muito grande . ― Martina agarrou o menino pelo lado carinhosamente lhe dando vários tapas na cabeça e beijos barulhentos. ― Pois saiba que não é nenhum acidente que vai acabar com o meu dia. Afinal, nem sabemos se foi acidente. Esse é o meu trabalho, descobrir as coisas.

― Uau! A James Bond da aviação!

― E você aprendiz de James Bond da aviação, como vai na faculdade? ― Thomas estudava Engenharia da Aeronáutica e tinha aulas integrais durante a semana.

― Suave na nave! Irei a São Paulo semana que vem participar de um projeto. Meu pai estará em São Paulo também, então acho que nos veremos.

O pai de Thomas era diplomata e cada hora estava em um canto diferente do planeta.

― Já contou que está namorando? Mande lembranças minhas e diga que o aguardo aqui qualquer dia desses. Será que tem algum espaço na agenda do seu Brandão?

― Vou falar com ele. E sim, eu disse que estava vendo alguém. Ele disse que quer ver a “menina”.

― Hum, então não é só a Victoria que você terá de enfrentar. Seu pai também?

― Nem me fale, mãe. E a menina ainda por cima me faz um moicano. Ele vai colocar ela dentro de um raio-x e fazer vários exames. Mas eu estava pensando, ela fica linda de qualquer forma. Falando na sua chefe, de onde se conhecem? Você ficou de me contar.

Ambos já estavam sentados degustando o jantar. Martina não estava convencida de que aquele era o melhor momento para ter aquele tipo de conversa com ele. O filho sabia das inclinações sexuais da mãe. Quando ela se separou de Brandão na época que estavam morando na Austrália, ela chegou a namorar uma mulher – a professora dele. No início o menino estranhou, mas logo gostou da ideia pois acabou recebendo várias aulas de graça. 

― Algum amor antigo? 

Ele não iria desistir fácil e Martina sabia que ele havia herdado isso dela.

O telefone toca antes que Martina pudesse responder. Era Lucy. O filho sai da cozinha, já tendo terminado o jantar e foi conversar com a namorada.

Martina terminou o jantar e arrumou as louças na máquina. Sabia que cedo ou tarde teria de revelar ao filho o laço que tinha com Victoria. Mal sabia ele que sua mãe praticamente havia acompanhado a concepção de sua namorada e a chegada dela virou o mundo de Martina de cabeça para baixo.

Rumou para o quarto decretando fim ao dia. Se deixando relaxar um pouco, tomou um banho longo e quente. Vestindo um roupão aveludado se sentou a cabeceira da king size para fazer sua meditação noturna. Em suas viagens para o Oriente havia aprendido técnicas de relaxamento avançadas e meditação direcionada.

Após meditar, alongou os músculos do pescoço e deitou para a posteridade afirmando voltar apenas no próximo dia. Seus cabelos ruivos se espalharam displicentemente pelo travesseiro de penas de ganso.

A alguns quilômetros dali Victoria jazia em sono profundo após tomar um tranquilizante para dormir.



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