No caminho para a BRASFLY em seu Jaguar preto, foi repassando um filme na mente de Victoria. A vida da CEO virara de ponta cabeça. Parecia uma luta num ringue, round após round, onde não havia pista tampouco palpites de quem estaria ganhando. Já havia perdido os cálculos de quantos golpes eram dados e quantos eram recebidos. Havia perdido a conta dos números de vezes que caía, levantava e contra-atacava. Uma coisa era certa: tudo que conquistou, lutou e aprendeu, apontavam para aquele momento de sua vida.

Não bastava o avião ter sumido. Não bastava não terem ideia do que aconteceu com ele e nem quando. Ela havia reencontrado Martina,  descobrira a “traição” de seu marido. Só faltava agora sua filha dizer que estava grávida, ou algo do tipo. Filosofava cenários excêntricos na ida para a empresa naquela Segunda pós-acidente. Estava farta de tudo, de todos. Esgotada.

Desceu ao subsolo, parou o carro na vaga reservada, desligou o motor e ficou por uns instantes apenas ouvindo o som abafado dos carros entrando no estacionamento. Recostou a cabeça no encosto de couro marrom e fechou os olhos, tentando colocar os pensamentos no lugar e prevendo o dia que teria: a Segunda-feira mais trabalhosa de sua carreira.

Pegou a bolsa, abriu a porta, desceu e deu um impulso nela com a mão espalmada. A porta se fechou. 

Rumou para o elevador. De longe um espelho do lobby refletia sua silhueta esbelta. Ficava muito bem de terno corte fino, azul escuro, blusa branca executiva e uma bolsa da Guess que subtraiu alguns milhares de reais de sua conta bancária. 

Nesse instante lembrou que havia esquecido de travar o carro. Virou para trás e apertou o botão da chave. Ao ouvir o alarme da trava tocar alto, se virou e… Seu digníssimo marido estava ali estatelado na sua frente.

― Que parte do “você nunca mais vai tocar em mim” você não entendeu? ― perguntou Victoria assertivamente.

― Vamos tomar café da manhã juntos e assim podemos conversar. Você não pode me deixar!

O BMW estava logo ao lado do Jaguar. Victoria odiava andar naquele carro baixo. Segundo ela o carro ia “lambendo” a pista, além do que ela não cabia muito bem, tinha as pernas longas.

― Eu quero te pedir desculpas pelo que aconteceu. Você é minha linda, minha vida! ― disse ele quebrando o silêncio. Já tinham entrado na avenida principal.

― Podemos discutir isso em meu escritório, William. 

Ela não queria tratar daquele assunto ali no carro.

― Para conversar, qualquer lugar serve, Vic. 

Victoria apenas olhava a orla pela janela.

― Como quer conversar sobre algo sério assim dentro de um carro, William?

― Com licença, mas este é um BMW limited edition

Riu com graça. Victoria cerrou os olhos, esbaforindo após.

― Você que sabe William, estou farta da minha vida! ― Ele parou num sinal e a encarou com as sobrancelhas erguidas. ― Vai, “desembucha”! Fala logo!

Ele prosseguiu a olha-la descrente. Logo após gargalhou. Ela estendeu a mão sinalizando que ele desse partida pois o sinal estava aberto.

― Eu te amo, Vic. Você é minha mulher, sempre foi. Eu sou homem, você tem que me entender.

― E isso te deu o direito de ir “comendo” qualquer mulher que aparecesse na sua frente? ― falou ela em um tom bastante sarcástico.

― Qualquer não. E tem outra, nós só nos beijamos. Não foi nada demais.

― Eu deveria estar te dando uma surra. Quando você soube que eu ia estar com Martina, viu o que você fez no meu pulso? E eu não fiz nada. NADA!

― Relaxa que meu único erro foi não ter te contado. Mas eu me arrependo. Afinal, você sempre envolvida em seus assuntos. É difícil com toda essa distância.

Ele desceu e abriu a porta para a mulher, que teve um pouco de dificuldade de sair do carro, pois realmente era muito baixo para o que estava acostumada. A padaria gourmet ficava numa parte alta que dava uma visão linda da orla.

― Você é um doido ridículo, sabia?

― Como você quiser.

― Sério que concorda? Nunca te vi concordar. 

Olhava para ele incrédula. De queixo caído.

― Digamos que você convenceu a fera.

― Tranquilo. Ou a fera está com fome?

― Engraçadinho. Vamos logo entrar. E olha, fica a seu cargo contar a sua filha a verdade sobre isso, ok? 

Victoria dava tapinhas nas costas de Willian.

― Combinado!

Tomaram café, conversaram sobre o “novo” relacionamento dele, recém-descoberto pelo detetive que Vanessa havia contratado e depois partiram na BWM para a BRASFLY. Não era a primeira vez que ele tinha deixado um roxo nela e aquilo não a abalou tanto quanto deveria. Muito menos abalou o fato de ele ter confessado a traição. Isso a deixou perplexa, pois realmente não o amava mais.

Havia feito uma cena ao falar a ele que sabia, mas no fundo não poderia se importar menos. Se sentia aliviada, na verdade.

Ao chegar à empresa a CEO seguiu para sua sala. Não entendia como podia ser tão bem sucedida em partes da vida e noutras não ter um pingo de controle. William nunca deu ouvidos a ela em nada, sempre fez o que quis. Sentia querer se separar dele legalmente, mas tinham coisas bem mais importantes a resolver naquele dia.

Veio a sua mente a imagem de Martina. Ainda não acreditava que ela havia fingido não a reconhecer na reunião com os diretores e logo depois a surpreendeu mostrando que se lembrava dela muito bem. Embora tivesse sido desnecessário e inapropriado, Victoria imaginava que o reencontro fora tão difícil para Martina do que foi para ela.

Por um tempo a esqueceu, desprezou, embora no fundo sentisse sua falta. Até que aquele vídeo que William a mostrou na Sexta-feira, fez questão de esfregar na cara dela o quão bem-sucedida e livre Martina estava. E agora estava ela ali a trabalhar com ela. Eram vizinhas de sala. “Que volta que o mundo deu”, pensava ela.

Apesar de Martina ter se mostrado a pessoa mais correta para o cargo de segurança e ter praticamente sido sua fortaleza no dia em que foram ao aeroporto dar a notícia a imprensa, no Sábado Victoria havia decido voltar atrás em sua palavra de manter Martina no cargo.

Aproveitou que não havia nomeado a ruiva formalmente como investigadora interna, entrou em contato com Maximiano e pediu a transferência da ruiva para o projeto dos A380.

A verdade era que ela sentia algo a mais pela ex-amiga e não podia negar. Ela chegou à conclusão que o melhor seria se afastar. Não gostou de mentir para Maximiano, mas assim o fez.

Seus devaneios foram interrompidos pelo toque do iPhone que por instantes jazia esquecido na mesa da sala. Era Maximiano.

― Pronto? ― atendeu.

― Victoria. Sou eu Max. Estou ligando para falar sobre Martina Ferret. Está cometendo um grande erro. Não há pessoa mais qualificada que Martina para acompanhar as investigações. 

― Max… ― ponderou por um instante. ― Ela tem antecedentes, digamos, desfavoráveis. Como conversamos naquele dia, ela é lésbica, Max. Ou pelo menos era… Sei lá. ― pronunciou a palavra “lésbica” mais baixo que as outras palavras, como se não quisesse ser ouvida.

― E? Homofobia nunca fez seu estilo.

― Não sou homofóbica, claro que não.

― Por acaso descobriu algo que você lutou muito para esconder? O que vocês tiveram foi há eras atrás…

― Não é o que você está pensando.

Maximiano ficou em silêncio, pois sabia que desta barreira não poderia passar com Victoria.

Eram colegas, quase amigos. Iam ao cabeleireiro juntos. Ele dava altas dicas de beleza para ela, que aos poucos ia deixando se envolver em seu mundo. Apesar da proximidade dos dois ela ainda não sabia com todas as palavras que Maximiano era gay e ele também não havia saído do armário no trabalho, por receio de a chefe não aprovar.

Após alguns segundos de silêncio ela quebrou o gelo.

― Perdoe-me se te magoa esta minha opinião sobre ela. É mais forte que eu. 

Tentou ser o mais delicada possível.

― Entendo, Victória. Só gostaria que tivesse um motivo realmente relevante para a dispensar. Você sabe que os assessores e acionistas irão te cobrar. Sabe que são eles que mantêm a empresa de pé financeiramente. A diretora de finanças já advertiu sobre isso, lembra? Eles tem poder de decisão e sempre terão… Não gostaria de ver você tomando uma decisão errada sem reais fundamentos. O que quer que tenha acontecido no passado ou que esteja acontecendo agora, vire a página! Sei que se preocupa com a implicações de tudo, pois é uma pessoa pública, mas pense na prioridade. A prioridade é você continuar sendo CEO, não se esqueça. Eles podem te destituir, Vic. E tem outra. Iremos precisa dela com o sumiço desse avião!

Ela concordou. A força das palavras dele viraram os neurônios dela de ponta cabeça. Os acionista poderiam tirá-la do cargo caso não estivesse tomando a postura adequada diante daquele acidente. E eliminar Martina do jogo era tolice. Ela já era parte do tabuleiro.



Notas:



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2 Respostas para 8. A Ilha

  1. Oi, D.G!
    Sinto não ter vindo antes, mas minha vida anda de ponta a cabeça. Estou gostando da sua história e espero que Victória seja uma boa CEO tanto para empresa como para a própria vida. rs Espero que ela não faça uma bobagem muito grande. Agora vou partir para o próximo capítulo.
    Parabéns e beijos

    • Olá, também ando muito enrolada. A Vic não acredito ser tão boa assim, tem muito a aprender ainda… Obrigada pela força!!!

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