A Magia do Amor

3. Boas razões

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Boas razões
 

Na cozinha, Maysa retirava de uma das caixas uma espátula. Sabia que voltar para a sua cidade natal foi algo positivo, porém, havia subestimado o tempo, trabalho e a chatice que era lidar com a falta de organização que causa uma mudança. Sorriu aliviada, ao lembrar da dificuldade que teve em decidir sobre o que iria ou não na mudança, a insegurança em contratar uma empresa de transportes, não conseguia imaginar o que faria se sua mudança fosse parar em outro lugar. A decisão mais fácil foi a de adotar o Tapioca. Daniel se encantou pelo cão instantaneamente, tornando-o mais um membro da família.

 

A pior parte mesmo, foram os meses que antecederam o seu regresso para Cabritos. Os avós de Daniel estavam inconformados com aquela decisão, e Maysa via-se obrigada a justificar-se sempre que os encontrava. Ela sentia o sangue ferver só de recordar da reação e as ameaças que eles lhe fizeram.

 

Mas, o pior já havia passado, era assim que ela gostava de pensar e torcia para ser uma realidade. A única tarefa que precisava encarar, e estava protelando, era desempacotar as coisas. Encontrar um lugar para os objetos e tornar a casa dos seus falecidos pais em um lar novamente. Um lar igual ou melhor do que fora na sua infância. Daniel sentia-se bem ali, e isso era a coisa mais importante para ela.

 

Enquanto Maysa preparava a carne para o recheio das panquecas, pensava naquela capacidade que o filho tinha de ser feliz em qualquer lugar. O seu jeito criança de ser, a facilidade para fazer amigos e ficar fascinado com o simples, era uma das melhores características que o menino tinha. Aquilo era uma dádiva e até mesmo uma surpresa, que muitas vezes fazia com que a loira se etasse, pois, apesar do filho ter todos os motivos justificáveis para ser uma criança retraída, ele era justamente o contrário. Mesmo depois de ter perdido a outra mãe aos três anos de idade, era como se a pureza e as esperanças dele se continuassem intactas. Respirou fundo e deixou que algumas lágrimas solitárias caíssem, ela sabia que se não fosse pelo filho, certamente teria surtado quando Alessandra faleceu.

 

Outra verdade assustadora, era que ela já não pensava tanto em Alessandra, e isso lhe trazia um certo sentimento de culpa. Elas se amaram e o Daniel era a prova viva disso, entretanto, por mais que tentasse se apegar as lembranças, como uma forma de fazer com que os sentimentos continuassem os mesmos, Alessandra desaparecia aos poucos, como um retrato que vai desbotando com o tempo, em meio as pressões e correrias da vida cotidiana.

 

Alessandra se fora, mas Daniel estava ali e foi pensando nele que Maysa quis voltar para aquela cidade, já que em São Paulo o apartamento em que residiam parecia mais com um recanto de lembranças que tornava quase impossível o ato de seguir em frente. Sem falar sobre a constante presença dos pais de Alessandra, afinal, o pequeno era o único neto deles, não foi à toa que se tornou o centro das atenções e objeto de sutil competição entre eles. E Maysa estava cansada. Cansada dos amigos que sempre lhe empurravam, o que eles consideravam ser a mulher ideal para ocupar um lugar que não poderia ser ocupado. Cansada de todos ditando como ela deveria agir ou viver, deixando-a atormentada, enquanto a única coisa que desejava era paz.

Paz para poder criar e educar seu filho de acordo com o que havia planejado com Alessandra, porém, morando ali, aquele propósito parecia ficar cada vez mais distante.

 

E foi quando tudo se agitou dentro dela, como um mar em fúria, que ela compreendeu a impossibilidade de continuar naquele apartamento. Necessitava ir embora. Ir para uma cidade onde sentisse segurança para recomeçar, e nisso até o seu trabalho lhe ajudava, pois a permitia morar em qualquer lugar. Logo se definiu a escolha: Cabritos. A cidade dos seus pais, da sua infância e das amizades que pareciam que jamais acabaria, seria mais uma vez o seu porto seguro, o lugar onde continuaria a criação do seu filho. E a sua intuição lhe dizia que voltar para casa, era a melhor decisão que ela poderia tomar.

 

Maysa soltou um longo suspiro e sorriu. Gostava de poder olhar pela janela e ver o mar, não saberia quantificar sua saudade, só sabia que sentiu muita falta de estar ali. A vida era realmente irônica, jamais imaginou que voltaria a morar em Cabritos. A cidade era calma, segura e linda; a rua Alegrea continuava igualzinha, parecia que o tempo havia congelado naquele lugar. E sem sombra de dúvidas, ela amava a certa distância que as casas tinham uma da outra, afinal, era a falecida esposa quem gostava de estar rodeada pelos parentes e vizinhos. A loira dava graças aos céus por aquela ser uma das cidades mais tranquilas que ela já teve a satisfação de conhecer. Fato, Cabritos era o que poderia ser chamada de “pedaço esquecido do paraíso.”

 

Apesar de ter viajado para tantos lugares, dos mais exóticos, modernos, clássicos e interioranos, era ali, na cidade onde nasceu, que a loira sentia estar finalmente no lugar certo. Daniel já começava a sua jornada de explorador de mundos, a bem verdade, ela sentiu um medo horrendo quando o procurou e não encontrou. Mas, já deveria saber que ele encontraria algo ou alguém para se entreter, e foi justamente a Agatha, suspirou longamente mais uma vez. Desligou o fogo da carne e foi em busca de uma frigideira para começar a fazer as panquecas. Fez beicinho e franziu a testa ao lembrar de como foi estranho o que sentiu, apesar da mágoa que ainda guardava de Agatha, só de ouvir o nome dela, sabia que o filho estava a salvo. E quando parou seus olhos naquele mar negro que são os olhos da morena, soube que não havia nada além de bondade nela. Porém, foi a forma como ela lhe retribuiu o olhar que a deixou com os músculos rijos e enrouquecera a voz.

 

– Ora Maysa, como pode? Depois daquela noite, de todas as palavras que ela lhe disse… como você ainda pode ter a petulância de pensar nela dessa forma? __ os pensamentos tomaram tons mais altos, tornando-se uma conversa consigo mesma. – Desejo, por Deus! Foi puro desejo, tão intenso e totalmente inesperado. Faz muito tempo que não sinto algo assim… __ sorriu ao lembrar que a última vez que seu corpo reagiu daquela forma a mulher, fora há pouco mais de dez anos atrás, com a própria Agatha. Com Alessandra sempre foi um amor calmo e doce, sem desavenças ou crises. Mas o que sentiu naquele reencontro, foi como se estivesse sendo tragada por uma nuvem de fumaça e lutasse para elevar a cabeça além e poder respirar o ar fresco e limpo, mas para tornar sua tortura real e completa, Agatha era a fumaça e ao mesmo tempo o ar fresco. – Me recuso a ficar pensando nisso. Com certeza foi uma reação normal, foi apenas pela beleza e não por ser a Agatha. E no mais, ela certamente me reconheceu e preferiu fingir que não! Ahh, que se exploda, eu que não vou dar meu braço a torcer e confessar que lembro perfeitamente dela, daquele jeito sereno, da voz aveludada… Nusss, minhas panquecas! Droga! __ deixou queimar uma panqueca. – Quer saber? Não me importa que seja a Agatha ou a Shakira, não tenho tempo para qualquer tipo de reação a quem quer que seja, ainda mais se a mulher em questão é justamente a única que conseguiu despedaçar o meu coração. Meu foco e minha vida é o Dan, prometi que dedicaria a ele todos os dias de minha vida, e nada nem ninguém me desviará desse intuito.

 

Terminou de preparar o jantar em silêncio, depois colocou um pouco de café em sua caneca com estampa de Star Wars e caminhou até o terraço. Tomou alguns goles do café ainda quente e amargo, pousou a caneca sobre o descanso, enfiou a mão bolso em busca de algo, até encontrar e pegar um cigarro de sabor cereja. O acendeu e aspirou a fumaça que lhe fazia os músculos relaxarem, mal se deu conta de que seus olhos estavam fixos no canteiro das flores da casa vizinha, e buscavam por algo, ou melhor, alguém.

 

– Hum, gérberas cor de violeta. São as minhas preferidas, será que você lembra disso, Agatha? __ tragou o cigarro com certa avidez e deixou a fumaça sair aos poucos, marcando o ar. – Pois é, com tantas voltas que a vida deu, eu te encontrei novamente. __ sorria enquanto balançava a cabeça em negação. – Quem poderia dizer que isso aconteceria?

 

Maysa fechou os olhos e deixou-se levar de vez pelo cheiro de cereja que infectava o ambiente, precisava mesmo daquele cigarro ou não daria conta de chegar ao final do dia sem ter uma crise de choro ou risos, porque saber rir da própria desgraça é a melhor e mais deprimente coisa que pode existir.

 

– Mamãe! __ a loira assustou-se, foi apanhada em flagrante. Pigarreou e lançou um olhar envergonhado para o filho que ainda a encarava sério. – Você não pode usar isso.

– Dê um desconto para a sua mãe, já consegui diminuir consideravelmente a quantidade. __ o beicinho e olhar entristecido do filho foram suficientes para que a loira apagasse e jogasse o cigarro fora, incapaz de dar a última tragada. – Eu vou parar, eu prometo.

– Vai sim, mamãe.

 

Maysa agarrou o filho enchendo-o de beijinhos e cócegas. Rindo, o pequeno se deixava levar pelos carinhos que a mãe lhe fazia. A loira acomodou o filho em seu colo e deixou-se cair sobre o banco acolchoado.

 

– Filho, você está gostando daqui?

– Eu amo a nossa nova casa.

– É mesmo? Que bom, filhote. Eu também amo estar aqui.

– Podemos ir até a praia depois?

– Claro que podemos.

– E o Tapioca? __ aqueles olhinhos pidões, como negar?

– Ele também, e por falar nisso, onde ele se escondeu?

– Ah, ele está tirando um cochilinho antes do jantar. __ o pequeno já deixava-se embalar ouvindo as batidas do coração da mãe. – Ele estava muito cansado.

– Ele teve um dia bastante agitado. __ sorrindo, a loira completava os afagos fazendo cafuné no pequeno, sentindo-o acalmar-se.

– A Agatha é muito legal, vai me ensinar a plantar flores. __ os olhinhos começaram a pesar e ele não lutava mais contra isso.

– Aham…

– Ela sabe o nome de todas as flores, plantas e animais. __ bocejou. – A risada dela é bonita, parece uma fada ou seria uma princesa, mamãe? __ ficou em silêncio e adormeceu.

 

Maysa sorria, com certeza o filho tinha mais coisas em comum com ela do que supunha. Continuou fazendo carinho nos cabelos de Daniel enquanto observava o céu mudar de cor, anunciando que não tardaria para o sol de pôr.

 

Créditos musicais:

Partir, andar – Zélia Duncan e Herbert Vianna (https://youtu.be/CGqzSlLStdE)



Notas:



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2 Respostas para 3. Boas razões

  1. O melhor sentimento é aquele que desperta quando não estamos procurando por ele. Conhecer alguém que te faça sentir amor, paixão, excitação, confiança e liberdade tão naturalmente quanto o sol acordar de manhã. Aquele que confessa com os olhos e é entregue com um sorriso, que faz ser a sua última lembrança da noite e a primeira do dia, que faz o seu estômago revirar e as suas mãos tremerem…
    Cidinha.

    • Eiiiitaa!!!
      Temos uma poeta por aqui!
      Um sentimento tão único quanto esse… ahhh, quase dei um spoiler. Rs’
      Bom, acredito que todos nós merecemos sentir (e viver) algo assim.

      Beijinhos, Cidinha.

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