A Organização

Capítulo 17 — Zangões

— Vejo que já se ambientou…

Falou Helen, apontando com o olhar a metralhadora.

— Peguei de um dos caras que apagamos naquela sala.

— Você está com um pé atrás, não é? Não a culpo.

As duas, nesse momento, caminhavam lado a lado em direção a uma área fechada com grades dentro do galpão.

— Nem poderia me culpar. Vamos rememorar. Ficou cinco anos tentando angariar confiança, até Roger lhe convidar. Chegou a Organização no intuito de espionar, fez uma das melhores agentes se apaixonar por você…

— Ei! Eu não fiz isso! Não era minha intenção me envolver com alguém. Aconteceu dos dois lados.

— É mesmo? E se dizendo apaixonada por ela, ainda tenta pegá-la em Paraty.

— Eu não sabia que era Renee!

— Então, se dizendo apaixonada, vai para cama com outra?!

— Olha… – Helen parou de frente para Loren. – Eu não tinha mais a possibilidade de ver a Renee. A “Mila Ortiz” me atraiu de cara e provavelmente, por me lembrar a Renee. Já parou para pensar que eu gostei de duas pessoas diferentes por serem a mesma pessoa?

— Ok. Mas sigamos. Depois foge conosco, descobre muitas coisas que temos e que somos capazes e nos denuncia. Dá para eu confiar em você?

Loren falou, provocando-a. Queria ver até onde ela iria e se por acaso, num lapso, seus pensamentos escapavam sem controle. Helen suspirou. A probabilidade de estar mentindo na história toda era muito alta. As evidências eram contra ela e não tinha como negar.

— Certo. “Me” vigie, aponte a arma para mim, mas só atire se tiver certeza que estou mentindo, tudo bem?!

Desafiou.

— Vamos ver. Basta um deslize, Helen. Ou prefere Kira?

— Não, pois não me reconheço como Kira… Pelo menos por enquanto.

Bufou.

— É aqui que tem a bomba de fusão.

Helen comunicou se aproximando de uma grade e apontou para o cadeado com a pistola. Atirou, abriu o cadeado, entrou e abriu uma caixa em cima de uma prateleira. A caixa era pequena e a bomba menor ainda.

— Sabe que se for para a Organização não utilizará mais este tipo de armamento?

— Se eu for para a Organização, provavelmente não vou fazer um monte de coisas e provavelmente, terei que fazer outras tantas que não estão no meu cotidiano. Cara, mas vocês matam! Não acha isso discutível?

— Claro. Mas tem motivo.

— Todos tem motivo.

— Mas nem todos têm razão. Se todos baixarem as armas, seremos os primeiros a apoiar sem questionamentos. O caso é que, praticamente, nos defendemos. Acha que todas as missões que temos, nós levantamos armas? Não, Helen. Se pudermos evitar, fazemos.

— Que seja. Não me compraz matar, Loren. Não pense que sinto prazer nisso. Por que acha que desde sempre estive buscando a minha liberdade? Pelo menos desde sempre que me lembre. Há pouco tempo você disse que eu não sou eu e sou a Kira. Dá para pensar que eu posso desconfiar de tudo isso também? Por que quereriam me ter por perto? E se o programa não desse certo?

— Se não desse certo, como acho que não deu, iriam te descartar como fizeram. Por que acham que deram essa missão “fria” para você? Queriam te observar, Helen. E você acha que eles chegaram até você em Paraty como?

— Eu sei. Eles já deviam ter investigado e descoberto todas as minhas rotas de fuga e provavelmente, quando fui para a Organização, colocaram agentes espalhados por todas elas. Sabiam que se eu não levasse a termo a missão e conseguisse escapar dos “Cavaleiros do Apocalipse”, como chamavam vocês, eu fugiria. 

Enquanto Helen pegava cuidadosamente a bomba de fusão, Loren olhava em volta e via que era um local cheio de armas e equipamentos. Pegou uma bolsa que estava jogada em cima de uma mesa e escolheu diversos tipos de armas e munições para levarem com elas.

— Droga! Eu daria tudo para ter meu mobile de volta. Conseguiríamos viajar despistando a polícia rodoviária e verificando se a Távola engoliu o embuste de nossa morte.

Helen sorriu levemente.

— Pararia de encher meu saco se tivesse seu mobile de volta?

Loren a olhou de chofre.

— Você pegou? Está com você?

A ex-agente da Távola abriu mais o sorriso e continuou sua provocação, repetindo a pergunta mais incisiva.

— Você pararia de me encher o saco se tivesse seu mobile de volta?

O rosto de Loren adquiriu uma coloração levemente rósea. Ela não conseguia ler a mente de Helen naquele momento.

“Como ela está fazendo isso? Será que no programa “Torre Fulminada” conseguiram desenvolver algum tipo de habilidade latente em Helen? O que é esse programa de fato”?

— Pararia de falar, mas não de te vigiar.

O sorriso de Helen se fez maior. Colocou a mão no bolso lateral de sua calça cargo e retirou o móbile, entregando na mão de Loren.

— Quando entraram em seu quarto, lá no hotel para prendê-la, entrei logo atrás e vi que ele estava encaixado no bolso lateral de sua valise. Disfarcei e o puxei escondendo-o.

— Em algum momento eles viram esse mobile?

— Agora você está me tirando de burra. Eu sei que isso aí nos auxilia e muito na nossa fuga. Você disse que não me provocaria.

Helen falou calmamente, mas Loren leu os pensamentos de indignação da outra. Tinha conseguido desequilibra-la, a ponto de seus pensamentos correrem soltos, sem que bloqueasse a leitura. Mas a voz permanecia estável e segura, sem alterações. Sorriu.

“Ela é boa. Não deixa transparecer na fala seu estado de espírito. Talvez por isso Renee tenha se apaixonado. Ela sente o que Helen quer expressar”.

Voltaram a caminhar em direção ao centro do galpão. Helen com a bomba e Loren com a sacola de armas.

— Onde Renee se enfiou? – Perguntou Helen.

— Estou aqui. – Falou se aproximando. — Fui dar um tranquilizante para o cara amarrado lá na sala de interrogatório.

— Ãh?!

— Não deve ser bom saber que vai morrer, não é mesmo?

Helen elevou uma das sobrancelhas ouvindo o que Renee falava. Depois balançou a cabeça.

— Não vou discutir, mas o cara vai morrer instantaneamente.

— Até lá ele fica na agonia.

— Ok. Ok. Vamos acabar com isso aqui logo e vamos embora!

Helen armou a bomba para explodir em vinte e cinco minutos. As agentes começaram a correr para sair do galpão e pegar o Jeep. Um tiro ecoou no ar. Olharam em volta e Helen havia sido atingida. Renee começou a disparar tiros em alvos que se moviam rapidamente no ar.

— OS DRONES! QUEM OS ACIONOU?!

Gritou Loren atirando com a metralhadora. Derrubou um.

— Corre, Loren! Vai para o Jeep enquanto ajudo Helen!

Helen tinha sido atingida no ombro esquerdo. A bala havia atravessado violentamente deixando-a caída quase desacordada. Loren continuava atirando para dar cobertura à amiga enquanto esta ajudava a outra agente.

— Vai Loren!

Gritou novamente Renee em desespero, pois quase não conseguia suportar o peso de Helen desfalecida.

— Pega ela rápido, Re! Eu consigo afastá-los!

Loren derrubara mais dois. Havia, pelo menos, mais seis sobrevoando e atirando. A precisão dos tiros dos Drones se perdia na medida em que Loren atirava e eles tentavam se esquivar. Era como um enxame de grandes abelhas raivosas. Renee conseguiu erguer Helen e coloca-la sobre o ombro. Haviam perdido quase cinco minutos nessa ação depois que Helen acionara a bomba e cada vez o tempo, para escaparem, ficava mais apertado.

Renee tentava chegar ao Jeep atirando com a pistola para o alto, enquanto Loren corria de costas para dar cobertura. Derrubara mais dois nesta ação, mas sua mira também ficava afetada pelo peso da bolsa de armas pendurada em seu ombro. Um tiro a atingiu na perna.

Renee havia conseguido abrir a porta do Jeep para colocar Helen, e voltou-se rapidamente para auxiliar Loren que mancava, mas não parava de atirar. Conseguiu atingir um drone enquanto apoiava Loren e a ajudava a chegar ao carro. As duas se esconderam sob a proteção da porta, mas sabiam que se não abatessem todos, provavelmente a Távola descobriria que haviam fugido.

Renee pegou um fuzil de balas guiadas na sacola. Fazendo mira sob a proteção do carro, conseguiu abater o restante. Tinham dezoito minutos para sair do local, mas a grande dúvida era quem havia acionado os drones, porém não havia mais tempo de averiguar. Ligou o carro e partiu em velocidade. Tinha que se afastar o máximo possível, pois quando explodisse o galpão, as autoridades locais fechariam as estradas de acesso e elas estariam presas naquele município sem poderem circular.

— Loren, você está bem?

— Muita dor, mas o ferimento não está sangrando. – Falou estranhando o tipo de ferimento. — Passou de raspão.

— Veja o que pode fazer por Helen. Ela não está nada bem e não poderemos parar. Tenho que ganhar a estrada até estarmos bem longe. A polícia local deverá traçar um perímetro de segurança. Só espero que consigamos nos distanciar.

— Temos mais dez minutos até escutarmos a explosão. Você acha que a polícia local conseguirá se organizar rápido para fazer bloqueios na estrada?

— Não acho que eles entenderão de imediato que foi uma explosão proposital, ocasionada por uma bomba. Talvez seja essa a nossa vantagem. Há muitos anos não ocorrem conflitos por aqui e isso seria uma ação impensada pelas autoridades. Só me preocupo no quanto vamos conseguir nos afastar para cuidar da Helen.

— Ela está desacordada, mas a respiração está boa e o pulso também. A bala atravessou e pelo que vejo, não atingiu nenhuma estrutura importante. Mais o que me intriga é que a própria bala cauterizou o local. O mesmo aconteceu com meu ferimento.

— Eles chamam de morte limpa. Os drones possuem um dispositivo que aquece a bala, a uma temperatura alta, antes mesmo do disparo. Fazem isso para que não aja sangue no local.

— Entendo. É uma forma de não chamar a atenção através do sangue aspergido.

— Sim. Sem sangue, se tem mais discrição no assassinato. Muitas vezes, a quantidade de sangue, chama a atenção de pessoas. Elas chamam a polícia mais rápido e aí diminui o tempo das pistas deteriorarem.

— Ardiloso, mas no nosso caso, nos favoreceu.

— Quanto tempo temos?

— Dois minutos apenas. Tome cuidado, Renee. Você está a 160 km/h. Qualquer solavanco pode nos tirar da estrada e podemos chamar a atenção só pela velocidade.

— Eu sei, mas quero estar a pelo menos 8 quilômetros de distância e aí tiro o pé.

O silêncio se fez dentro do carro e à medida que o tempo passava a tensão aumentava. Algum tempo depois escutaram a explosão ao longe. A terra estremeceu. Helen abriu os olhos e tocou o braço de Loren. Elas estavam atrás e Loren apoiava a cabeça da agente em seu colo.

— Diga para essa maluca diminuir agora. Depois de tudo, não quero parar atrás das grades de uma prisão brasileira, por porte de armas e suspeita de terrorismo.

Renee olhou pelo retrovisor e sorriu, vendo que Helen estava acordada e destilando suas ironias. Diminuiu a velocidade se mantendo a 120 km/h, que era a velocidade permitida para aquela estrada. Loren se lembrou do mobile e retirou do bolso.

— Ele está descarregado. Droga!

— O que?

— O mobile. Helen me entregou lá no galpão. Pegou no meu quarto antes que o achassem.

Renee começou a fuçar no porta luvas do carro. Pegou algo dentro.

— Me dê aqui. Achei um carregador de gps e um de videofone. Ainda bem que ninguém mais sai sem um desses.

Conectou e o mobile acendeu. “Setou” para escanear possíveis carros de polícia.

— Acha que a Organização vai conseguir rastrear o mobile, Loren?

— É possível. Ele tem um sinal direto com o núcleo. Ruth deve estar atenta. Afinal, sumimos do mapa desde hoje de madrugada.

— Não vamos entrar em contato direto com eles?

— Vamos nos afastar daqui e achar um lugar para nos esconder e cuidar de Helen primeiro.

— Ok.

Viajaram por mais de duas horas sem parar e Helen, apesar de desperta, começava a sentir a dor aumentar.

— Renee, onde estamos?

Renee olhou pelo mobile.

— Itajubá. Mais uns vinte minutos, só que teremos que sair da estrada. Já montaram bloqueios. Tão perto e tão longe… Uma viagem que levaríamos seis horas desde que descemos a serra, se transformou em um dia, tiros e uma explosão! “Me” arrependo de ter desviado tanto o trajeto lá atrás…

— Tivemos que fazer rotas alternativas, Re. Não tinha jeito. Eles estavam muito colados em nós quando saímos da serra. E terem nos levado para esse galpão, nos desviaram mais ainda.

— Beleza, mas vamos ter que parar novamente. Temos que achar algum lugar para nos esconder e ver se fazemos algum contato. Helen não deve estar mais aguentando, além de termos que avaliar, por onde será mais segura a rota. Temos que ver se existem outros bloqueios.

— Concordo. Ficamos sem o material bioaderente, os passaportes e o dinheiro. Vamos ter que falar com o contato de Poços de Caldas.

— A sacola com o dinheiro está na mala do carro. – Sussurrou Helen.

— O que?

— Eu disse que tem uma sacola com dinheiro na mala. Eu consegui pegar lá no galpão e dividi o dinheiro em duas sacolas. Coloquei uma em cada carro. Não sabia se conseguiríamos fugir conforme o plano e não quis arriscar. Por isso dividi o dinheiro.

— Helen, acho que estou me apaixonando por você. – Falou Loren sorrindo. – Amaria mais se dissesse que pegou a mala com os passaportes e o material bioaderente.

Helen sorriu, mas a dor aumentava a cada sacolejo do carro, transformando novamente seu rosto em agonia. Inspirou fundo para responder.

— Esse não deu. A mochila do dinheiro estava na sala de vigilância, mas não soube onde eles guardaram as outras coisas suas e de Renee.

Loren virou-se para trás e olhava a traseira do jeep. Viu um saco apoiado na parte de trás do banco. Espichou-se tentando não incomodar a agente que ainda estava com a cabeça em seu colo. Pegou o saco e o trouxe para frente. 

— Dinheiro é só dinheiro, mas as outras coisas eles queriam verificar. Provavelmente estavam intrigados com o pacote do material bioaderente e também queriam ver as armas e averiguar os passaportes. – falou Renee.

— Eles não tiveram tempo de enviar nada para análise. Disso eu sei.

Renee desviou da estrada e entrou por um caminho de terra.

— Pelo mobile, aqui nessa estrada de terra tem um pequeno motel “pulgueiro”. Adoro esses lugares. Você paga, o cara nem te olha e não há perguntas. Fiquei mais aliviada agora. Helen, você nos salvou e se salvou também.

— Espero que seja deste jeito, que está falando, quando chegarmos ao motel, Renee. Não gostaria de arriscar tanto.

— Vai por mim, Loren. Pelo que observei, o Brasil não mudou muita coisa desde que eu saí. Essas cidades menores, tem muitos trilheiros, aventureiros e pessoas que entram nesses motéis só para pousar. Pessoas que estão de passagem. Ninguém repara muito, pois é normal por aqui.

Renee viu uma pequena farmácia em um posto de gasolina. Parou no posto para abastecer. Olhava tudo a sua volta. Pensava que o tempo tinha parado naquele lugar. Tudo era mal conservado e a estrada poeirenta, dava um ar de desolação. Pegou dinheiro com Loren. Nem ela e muito menos Helen, poderiam sair do carro, pois as condições em que se encontravam, provavelmente, chamaria a atenção. Foi até a farmácia, enquanto o frentista colocava combustível, para comprar os itens que precisaria para cuidar de Helen e Loren e para higiene pessoal de todas.

Entrou na farmácia e olhou todo o ambiente. Viu umas blusas de malha branca, penduradas em uma arara e algumas outras roupas numa bancada embaixo da arandela. Pegou três blusas, três calcinhas de malha, três pares de meias, três sutiãs e três shorts de algodão. Foi até os corredores de prateleiras, onde se encontravam diversos itens, inclusive analgésicos comuns. Pegou tudo que necessitava para os curativos, dor e higiene sem precisar pedir nada ao atendente do balcão. Assim era melhor e menos arriscado. Foi ao caixa, pagou e saiu. Já no carro, pagou ao frentista e continuaram a viagem até o motel que o mobile mostrava.

****

Chegaram a uma portaria cuja pintura estava gasta pelo tempo e os vasos que adornavam a entrada de carro, não tinham qualquer planta. Provavelmente mortas há muitos anos. As paredes externas estavam pichadas e a portinhola de atendimento, com os vidros quebrados.  Renee abaixou o vidro do carro e uma garota com cara de enfado, olhando para uma tela de computador, apenas esperava “o cliente” fazer seu pedido.

— Dois quartos, por favor.

A mulher estendeu duas chaves, não deixando de olhar a tela que estava à sua frente e começou a falar com o interlocutor do outro lado da rede. O interesse de quem entrava ou saía do motel era nulo. Um tipo de garota, que já devia fazer parte deste cenário há muitos anos e para ela, tanto fazia quem entrava ou o que fazia lá dentro.

— Quinhentas Balastracas. – Falou a garota.

Loren contou o dinheiro, passou a quantia para Renee, que passou para a mão da garota. Engatou e entrou com o carro, olhando o número dos quartos nas lonas mal conservadas das garagens de cada quarto. Embicou o carro na garagem do número 201. Saiu do carro, caminhou até a porta da garagem e antes de abaixar o toldo, olhou atentamente em torno. Viu a direção da saída e reparou que o outro quarto designado a elas, era o quarto em frente. Baixou o toldo e foi ajudar Loren a tirar Helen do carro.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.