A Organização

Capítulo 2 – A Recepção

Naquela manhã, o sol estava particularmente esplendoroso, no entanto Renee se sentia meio estranha, há muito não se paramentava com as vestimentas da Organização. Todos se vestiam normalmente, a Organização era uma cidade como outra qualquer, menos pelo fato de que, existia um campo magnético em torno para proteger e escondê-la do mundo. Programas formavam uma ilusão de um lugar assolado por radiação, que não eram incomuns no planeta. Algumas guerras foram tão devastadoras, que muitos locais não poderiam mais ser habitados por longas eras. Emanações de sinais faziam esta ilusão sobre a área na qual a Organização se localizava, para afastar curiosos. Os cientistas da Organização haviam criado este campo de forma tão complexa, que fazia parecer, que era prejudicial até para aeronaves passarem no espaço aéreo. Nada se aproximava num raio de cem quilômetros após os muros do campo magnético, sem que eles não monitorassem.

Quando a Organização se formou, a iniciativa partiu da vontade de um grupo seleto de pessoas que imaginavam, que o mundo deveria buscar outro rumo. Tomaram como principio básico e fundamental, o respeito. Quiseram instituir uma sociedade secreta, em que houvesse o respeito mútuo, não existindo preconceitos quanto à etnia, gênero ou orientação sexual.

As religiões há muito tempo tinham ruído, degradadas em suas convicções fundamentalistas e o que intentavam conseguir dentro da Organização, era a democracia espiritual e cultural de cada membro, desde que não infringisse o maior dos princípios, o respeito ao próximo. Quando alguém novo chegava, passava por um período de adaptação, no qual eram detectados desvios de caráter, e, se estavam lá, é porque eram pequenos desvios. Dentro desta adaptação, procurava-se colocar a razão de tais conceitos, não com o intuito de doutrinar, mas na intenção de abrir as portas dos questionamentos, do porquê o mundo deveria seguir pelos caminhos melhores e não por algo tortuoso.

Renee pensava em todas estas questões enquanto se preparava para a recepção. Mas, em determinados momentos, como por exemplo, receber um novo membro, a deixava tensa. Este ato, considerado quase sagrado, era como reconhecer em alguém um valor tal, que o integrasse aquela sociedade excluída do mundo real. Tornava-se necessário usar as vestimentas da Organização, com a cor apropriada de quem iria tomar alguém sob sua responsabilidade. Suas vestimentas eram de linho cru, compostas por uma calça e blusa inteiriça de mangas compridas largas. Sim, simbolismos estavam presentes e este era o simples despir-se de vaidade.

“Mas, por que estou tão apreensiva? Já fiz isso tantas vezes tempos atrás! Talvez por isso mesmo. Tem muito tempo que não tenho ninguém sob minha responsabilidade. E se falhar? E se minha personalidade não coadunar com a da convidada? Talvez a convidada possa não coadunar com a minha, mas eu não”.

Seus pensamentos foram interrompidos pela porta que se abria.

— Re, estão te aguardando no saguão.

— Estou terminando, Vermond. Obrigada.

“Mas que bobagens! Lembre-se apenas dos princípios, Renee. Verdade, Honestidade, Sinceridade, Respeito, Caridade, Compaixão, Coerência, Coragem, Paciência, Humildade, Persistência e Equilíbrio”. – Pensou.

No saguão estavam seus amigos mais próximos e as grandes mentoras do “Círculo da Irmandade”, incluindo Loren. Quando o pequeno avião pousou, e Muriel desembarcou com a Drª Helen, ela parecia mais assustada que a própria Renee. “Meu Deus, e eu estava receosa, que bobagem a minha! Ela não deve ter noção sequer do que foi fazer aceitando o convite”.

Doutora Helen aparentava ter 33 anos e um corpo bem delineado como alguém que praticava atividade física regularmente. Olhos negros, estatura mediana, mais ou menos 1,75m, cabelos também negros médios e em grandes cachos, a pele sedosa e levemente bronzeada pelo sol. Sabia cuidar muito bem de sua aparência e, apesar de ser irlandesa, mais parecia ser da terra natal de Renee, o Brasil.

Renee era boa observadora; tinha que ser. Fazia parte da agencia de segurança da Organização. No seu trabalho, executava o que nos velhos tempos da Terra, chamavam de espiã. Quando a Organização detectava algo no planeta, em qualquer país do mundo, que pudesse tomar proporções devastadoras para outras nações, ou que influenciasse no próprio ecossistema mundial, ela e um grupo de agentes da Organização se infiltravam para tentar minimizar as consequências. Existiam agentes especiais que integravam os governos de quase todos os países e que não moravam no núcleo da Organização. Por isso, ela conseguia obter êxito na maioria das vezes em que intervinha.

Renee igualmente cuidava da aparência. Era dotada de estrutura física esculpida pelos anos, através da prática de diversas artes marciais. Não era tão alta, tinha 1,65m, cabelos castanhos lisos, num corte channel bem curto, para que não a atrapalhassem no momento de se disfarçar. Seus olhos eram castanhos bem claros como o mel e uma falsa aparência de frágil, denotada por sua forma leve de caminhar, fazia com que, na maioria das vezes, não se conseguisse perceber sua chegada em algum lugar. Também tinha algumas habilidades especiais de percepções sensoriais e empáticas. Em seu treinamento na Organização, estas habilidades foram desenvolvidas para que pudessem auxiliar na execução de seu trabalho. Lógico que esse dom, ela já trazia consigo, porém as técnicas de aprimoramento e controle foram aperfeiçoadas.

No decorrer dos anos, os cientistas haviam descoberto que cada ser humano era dotado de um “dom sensorial latente”. Sendo assim, tentava-se detectar o dom de cada um, ajudando cada integrante a lapidá-lo. A Organização se empenhava em vários estudos científicos para coloca-la cada vez mais na vanguarda. Tinham que fazê-lo para impedir a possibilidade de serem descobertos. Talvez um dia, quem sabe, não precisariam mais se esconder.

A barreira da linguagem na Organização não existia, com o desenvolvimento de implantes neurais, descobertos por seus cientistas. Eles eram colocados e permaneciam implantados, durante um período de dois a quatro anos, alimentando de informações e fazendo sinapses para o aprendizado de muitas línguas, ao mesmo tempo. Essa facilidade auxiliava todos dentro da Organização, para que pudessem compreender uns aos outros e se comunicar no meio externo. Depois desse tempo eram retirados, pois se permanecesse, o próprio implante limitava o aprendizado por não permitir mais a retroalimentação de informações adicionais dessas línguas.

……………

— Seja bem vinda, doutora Helen. Espero que goste de sua estadia conosco. Meu nome é Renee e serei sua anfitriã. Ficará hospedada em minha casa até achar um lugar que goste para ficar.

— Na realidade, eu não sei bem ao certo se quero realmente ficar. Não entendo muito bem, por que me deixei convencer pelo meu amigo Roger. Talvez tenha sido um erro… Eu não sei nem o que isso aqui é…

— Por favor, não fique ansiosa ou tire conclusões precipitadas. Encare como férias e uma estadia de conhecimento. Após alguns dias, avalie se realmente quer passar algum tempo conosco.

— Se eu quiser partir… A hora que quiser partir, eu poderei ir?

— Entendo suas preocupações, porém aqui não é uma prisão. Seu amigo Roger está preso aqui, ou vive no seu país e trabalhando contigo na universidade, com pesquisas? É lógico que poderá ir, mas nos dê um tempo para mostrar o trabalho que realizamos e para você conhecer a Organização. Acredito que também esteja cansada e queira descansar um pouco da longa viagem.

— Está bem, mas só por alguns dias, eu não posso deixar a universidade por muito tempo.

— Ok! Deixe-me apresentar as mentoras do “Circulo da Irmandade…”

……………………….

No caminho para a casa de Renee, doutora Helen observava tudo à sua volta. Parecia estarrecida com o tamanho daquela cidade, ordenação e disposição das ruas, casas e prédios. As ruas eram largas, tranquilas, bem sinalizadas e formavam alamedas cheias de verde, gramadas e grandes árvores bem cuidadas. Tudo muito limpo e claro, as casas com cercas vivas baixas e os prédios baixos e sem muros também. Não existiam construções coladas umas nas outras, o que permitia a livre passagem de ar. A aragem constante deixava o clima agradável. “Impossível existir algo assim nesse mundo destruído”. Pensou a doutora. Renee a olhou e percebendo suas expressões, interrompeu os pensamentos da doutora, tentando travar uma conversa amena.

— Sei que, para você, isso tudo aqui parece irreal. Quando cheguei aqui também não acreditei que poderia haver uma cidade com tamanha organização e beleza. Talvez por isso, eles a chamaram de Organização. Há muito tempo atrás, um grupo de pessoas, na época importantes e ricas em seus países, resolveu se unir para montar tudo isso enquanto o mundo se destruía.

— Como vocês conseguem manter…? Então vocês não têm violência? Não há pessoas que discordem aqui? Não tem contato com o resto do mundo?

— Discordar do que? Do que é bom? Você discordaria em viver num lugar sem violência, egocentrismo, egoísmo e tentativa de sobrepujar o outro? Não temos ligação com qualquer entidade religiosa, mas também não interferimos na crença que alguém possa ter. Pelos conceitos mais básicos da evolução humana, somos todos irmãos. Por quê? Você acha tudo isso ruim?

— É claro que não! Mas é como se tudo isso estivesse fora do mundo!

— E de certa forma, sim! Sabe dizer onde você está, doutora Helen? Se quisesse retornar hoje, você saberia a localização da Organização?

— Então, por isso você disse que eu não estaria presa aqui. Eu não sei onde eu estou. O avião não tinha janelas e fui sedada na maior parte do tempo. Retornando, talvez ninguém acreditasse na história fabulosa que eu contaria.

— Você tem razão até certo ponto, porém não foi essa a intenção que tive quando te falei aquilo. Foi sedada para que a viagem não fosse tão penosa, já que é muito longa. Essa é uma norma internacional, hoje em dia, em voos longos, não? Falei pensando exatamente no que eu quis dizer. Você não é realmente prisioneira aqui e pode partir a hora que desejar. Para nós, será uma perda lamentável, mas todos que se encontram aqui estão porque querem, e querem por suas próprias convicções.

— Mas como vocês controlam isso? Quero dizer, quando convidam alguém, como saber se essa pessoa ficará?

— Não sabemos. Apenas o “Circulo da Irmandade” observa e vê as qualidades daquela pessoa. Se ela se encaixar nos conceitos da Organização, é abordada para um convite. Veja bem, Roger conviveu muito tempo com você e provavelmente, em muitos momentos ele a sondou em conversas. Isto não acontece de uma hora para outra.

— Então eu estava sendo espionada?

— De forma nenhuma. Nós temos membros no mundo inteiro e às vezes ocorre de um deles conhecer alguém, que tem potencial para vir e se juntar a nós. Possivelmente foi o que aconteceu com você.

— Eu nunca imaginaria que o Roger pudesse fazer parte de algo assim.

— Chegamos. Você gosta de cães?

— Muito.

— Vou te apresentar a Zeus. Vamos entrar? Depois tiramos as bagagens.

Saíram do carro entrando pelo pequeno portão ladeado por uma cerca.

— Zeus, mamãe chegou!

— Ele é lindo!

— E muito carinhoso também, não é, Zeus?!

Entraram na casa, rodeadas pelo cão. Renee agachou fazendo carinho nas bochechas do belo labrador, que tinha em sua boca uma bolinha de borracha alaranjada. Balançava o rabo todo alegre com a chegada de sua dona.

— Você mora aqui há muitos anos?

— Desde os dezoito anos e já tenho dezoito de Organização.

— Você é casada?

— Não. E você?

— Também não. Eu acho que os homens não me compreendem muito bem, ou eu a eles.

Renee riu diante da observação de sua convidada. Nesse momento, pela primeira vez, ela observou atentamente o rosto da doutora e seu sorriso, deixou-a embaraçada, sem saber o motivo. Mas não parou de fita-la, sabia disfarçar muito bem as suas impressões. Estava de joelhos no chão acariciando Zeus, enquanto a doutora Helen estava ao seu lado. Ela havia sentado em sua cadeira espreguiçadeira. Renee levantou-se devagar, se dirigindo à porta, para pegar as bagagens no carro e percebeu que estava sendo observada, mas continuou seu passo.

Quando retornou com as bagagens, viu que a doutora havia adormecido. Era lógico. Afinal, fizeram-na viajar mais de trinta e seis horas, de um lado para outro, para poder desnorteá-la. Apesar da sedação, nunca se descansa verdadeiramente.  Levou as malas para o quarto de hóspedes para que a doutora Helen se instalasse à vontade. Provavelmente ela iria dormir o restinho da tarde e levantaria apenas para comer. Foi até a sala para acordá-la e a observou. “Eu não posso estar tendo esse tipo de sentimento por alguém que nem conheço”. Pensou diante de sua imediata atração pela recém-chegada. Sacudiu a cabeça, como que para afastar tais pensamentos, se dirigiu até a doutora e a tocou no ombro suavemente, para não assusta-la.

— Doutora…Helen… Acorde para tomar um banho e depois descansar.

— Acho que estou muito cansada… Mal deitei e adormeci.

— Não tem importância. Você vai descansar e mais tarde eu a chamo para jantar.

— Está bem.

Ao cair da tarde, por volta das 19h30, Renee resolveu chamar a doutora para jantar. Como não sabia o gosto da visitante, tomou a liberdade de fazer um bolo de carne de soja, assado com batatas coradas. Poderia ser que a doutora fosse vegetariana e ela, Renee, ainda não soubesse. Muitos haviam se tornado vegetarianos, por medo de contaminação, pois a carne era um artigo de luxo. Lugares que comercializavam carnes mais baratas traziam-na de locais onde não eram feito controles adequados. Apesar do mesmo ocorrer com os vegetais, as pessoas passaram a cultivar particularmente muitos alimentos. Era uma forma de ter artigos de consumo sabendo da procedência.

Bateu à porta suavemente, esta abriu e para o espanto de Renee, Helen já estava acordada e de banho tomado. A agente ficou um tanto desnorteada com a simplicidade que a convidada se vestia e o perfume de uma suave lavanda de aroma ligeiramente amadeirado, que ela exalava. A doutora realmente mexia com ela e isso a estava deixando irritada e confusa, já que não admitia não conseguir manejar seus próprios sentimentos.

— Ia te acordar para jantarmos, mas vejo que já está de pé há algum tempo!

— Eu consigo dormir bem à tarde, mas hoje estava um pouco agitada, acredito que seja por todas as novidades pelas quais passei hoje.

— Não conseguiu dormir?

— Dormi sim, mas acordei logo. Não tem importância, eu consegui descansar.

— Não sabia do que gostava de comer, então fiz bolo de carne de soja.

— Isso é bom, não sou vegetariana, mas evito comer carne.

— Só carne vermelha ou qualquer tipo de carne?

— Evito comer muita carne de uma forma geral, apesar de gostar. Hoje em dia, não dá para confiar muito no que se come. E como é essa questão da alimentação?

— Produzimos muita coisa aqui, mas por vezes se faz necessário importar alguns alimentos. Temos um setor encarregado que é criterioso na escolha e procedência da alimentação e que mesmo assim, antes de colocar a disposição, eles fazem testes com os alimentos.

— Não sei como posso denominar isto aqui, mas vocês são um “lugar” que conseguiu se esconder do mundo.

— Não, você está enganada. Nós somos um “lugar” que não quer participar das coisas ruins do mundo, e sim, contribuir para tentar melhora-las, porém, se fossemos claros e abertos, não deixariam e já estaríamos destruídos, você concorda?

— Desculpe-me se te aborreci!

— Não, por favor, me desculpe você se fui grosseira, não era a intenção. É que às vezes me irrito um pouco, quando penso que a sociedade se autodestrói e nós, é que temos de ficar ocultos, para preservar a condição humana.

— É. Nisso vocês tem razão. Se não fossem assim, as sociedades mundiais não permitiriam que esse lugar existisse. Mas vamos deixar essa conversa para lá por enquanto, eu estou faminta!

Renee sorriu ao ouvir a forma expressiva em que a doutora manifestou sua fome.

— Espero que goste da minha comida.

— Possivelmente vou gostar. Para quem come todos os dias aquela gororoba da universidade…

— Por favor, também não rebaixe tanto assim a minha comida.

Compartilharam risos relaxadamente se dirigindo à cozinha.

— E você nem conhece a comida de lá!

— Ahhh! Mas deve ser igual a qualquer comida de universidade. Muuuito ruim!

Riram novamente.

— Você é formada em que, Renee?

— Arqueologia, mestrado em biomedicina orgânica, doutorado em bioquímica e pós-doutorado em análises químicas de tecidos.

— Que interessante, mas por que tantos desvios?

— Não, não é desvio. Tudo isso me permite descobrir porque um organismo morreu ontem ou há milhões de anos. Ou mesmo, me permite matar sem deixar vestígios.

Renee riu intimamente, pois sabia que assustaria sua convidada, tamanhas crendices que talvez tivessem se instalado em seus conceitos, depois que chegou à Organização. Doutora Helen estreitou os olhos, deixando um sorriso leve aparecer em seus lábios.

— Não vai me assustar. Sei que está mexendo comigo, pois, pelo que eu percebi, vocês não são uma sociedade violenta.

— Como sabe? Chegou hoje aqui. Eu poderia estar mentindo sobre tudo!

— Duvido muito. Dificilmente eu me engano com situações ou pessoas. E dificilmente isso tudo que eu vi aqui, seria feito e conservado por uma sociedade violenta.

……………

Acabaram de jantar entre conversas descontraídas e corriqueiras. Renee perguntou o que Helen gostava de fazer nas horas de lazer.

— Na realidade, nas minhas horas de lazer, costumo ficar em casa escutando musica, praticando atividade física, ou mesmo trabalhando em algum projeto. Vocês tem academia aqui? Não gostaria de parar a minha atividade física. É o que mantém minha sanidade. — Riu.

— Aliás, também sou formada em Educação Física, foi meu primeiro curso.

— Nossa! Que mulher versátil! E que eu acabei de conhecer. Imagino o que ainda está por vir.

As duas riram abertamente diante da pilhéria da convidada e a agente pensou que, o fato da doutora Helen ser tão agradável, não estava ajudando na resolução de afastar a atração que se instaurava dentro dela.

— Nunca deixou de estudar? Você não parece ter mais idade do que eu.

— Tenho trinta e seis anos, apenas três a mais que você. Na verdade, Educação Física e Arqueologia eu cursei quase concomitantemente. Comecei Educação Física e quando estava no quinto período, resolvi que queria fazer Arqueologia, mas não quis parar o curso anterior. Coisas de jovem. – Sorriu. – O mestrado e o doutorado vieram logo a seguir e o pós-doutorado não é extenso. E respondendo a sua pergunta anterior, sim. Nós temos um espaço de lazer muito bom. Mas você não vai querer malhar a essa hora. Ou vai?

Renee mexeu com a sua convidada, tentando brecar a inundação de perguntas a seu respeito.

— Lógico que não! — A doutora lhe sorriu. — Eu estava pensando em ir amanhã cedo, antes de saber qual vai ser o meu roteiro aqui.

— Vejo que está animada e não mais receosa.

— Acho que você me passa essa sensação de tranquilidade. Não me sinto apreensiva com você. Não sei…Talvez eu me sinta muito cansada para ficar nervosa.

Helen abaixou seu olhar envergonhado e Renee percebeu o enrubescimento no rosto da doutora. Não entendeu muito bem o que significava, mas havia alguma coisa que não estava se encaixando. Renee era muito perspicaz, porém deixou para analisar o fato depois. Perguntou se ela gostaria de beber algo para relaxar e a doutora fez um sinal afirmativo com a cabeça.

— O que quer beber? Tenho alguns licores, saquê, vodka, whisky, vinhos… O que gostaria?

— Talvez um vinho. Um vinho branco ou um espumante, você tem?

— Tenho. Vou pegar um espumante na adega climatizada e colocarei num balde de gelo. Eu gosto muito de vinho também.

Renee olhou na sua pequena adega, no canto da sala, próxima ao bar. Tirou um espumante, procurou o balde, colocou gelo para manter a temperatura. A todo o momento, percebia o olhar da doutora se fixando nela. Isto a estava deixando perturbada, porém, excitada. Percebia algo de bom na convidada, mas também algo de errado. Não queria fazer julgamentos, até porque se sentia atraída; preferia esperar para saber através do “Circulo da Irmandade” a ficha técnica da doutora.

Renee sentou-se ao lado de Helen no sofá e percebeu que ela enrijeceu como se estivesse se espremendo a um canto do sofá. Isso a divertiu. Não sabia se ela estava com medo ou se a sua presença a perturbava. Renee resolveu quebrar o silêncio, perguntando a respeito de sua orientação sexual, pois isto estava rondando a sua mente desde o jantar, por perceber certos olhares vindos de Helen em relação a si.

— Você é homossexual, doutora?

Doutora Helen ficou alquebrada e não sabia o que falar. Emudeceu momentaneamente, olhando Renee, assustada.

— Desculpe-me. Se é um assunto que te incomoda, falaremos de outra coisa. Pode me perguntar o que tiver curiosidade e se puder, eu respondo.

— Talvez eu tenha me sentido desconfortável, pois nunca ninguém me fez uma pergunta tão direta a respeito da minha sexualidade. Não sou homossexual, só não tenho dado muita sorte com os homens. Parece que eu os assusto, com minha personalidade independente. No entanto, nunca tive um relacionamento com mulher e acredito que não seja o meu forte.

Foi a primeira mentira que Renee pegou da doutora e isso a empertigou. ”Por que ela mentiria? Poderia não ter falado nada!” Renee cada vez se concentrava mais para usar suas habilidades, tentando perceber e entender a outra. Acionou sua “percepção empática” e começou a sentir um mundo de emoções controversas. Excitação, raiva, medo, atração e aversão. Mas o que mais chamou sua atenção foi um sentimento de vazio e interesse mesquinho, que a assustou e ela rompeu o elo. Fazia isso sem que a outra percebesse e tudo acontecia numa fração de segundos. Tentou se concentrar novamente. Desta vez para perceber qual a intenção de Helen, mas as emoções anteriores pegaram-na desprevenida e a abalaram o suficiente, impedindo que fizesse o contato. Levantou-se em silêncio e foi abrir o vinho.

Desta vez, quem rompeu o silêncio foi a doutora.

— Parece que eu falei algo que você não gostou?

— Não, você não falou nada demais. Eu é que estou um pouco cansada. Acho que o vinho vai cair bem.

Renee sorriu simpática e percebeu que deixou Helen à vontade, novamente. Não queria despertar muita atenção da doutora, mas já que ela queria brincar de esconde-esconde, Renee iria fazer o que mais gostava… Provocar.

Abriu a garrafa de vinho, o serviu em duas taças de cristal e sentou-se novamente ao lado da convidada, oferecendo o vinho a ela. Notou que Helen estava um pouco mais tensa e sabia que a proximidade a deixava perturbada. Aguçou seus sentidos e percebeu uma mistura de apreensão, atração e excitamento. Renee se colocou numa postura quase de ataque, encarando-a com um olhar penetrante, a desnudando. Começou a admirar o corpo da “adversária” sem se preocupar se a estava embaraçando, pois essa era a intenção. Nesse momento, Helen levantou muito perturbada, colocou a taça de vinho sobre a mesinha e disse que precisava dormir. Encaminhou-se para o quarto sem muita explicação e deixou Renee na sala, com gosto de vitória e frustração na boca. 



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