A Organização

Capítulo 22 – Retorno

Vinte quatro horas depois, Helen havia sofrido o processo cirúrgico e estava de volta ao quarto estabilizada. Havia sido uma cirurgia delicada, mas conseguiram retirar as “nano neuroenzimas híbridas inteligentes”. Dez minutos após a cirurgia, elas desestabilizaram, provocando o isolamento da área do laboratório, para onde haviam levado após o procedimento cirúrgico. Fariam análises mais aprofundadas, mas não houve tempo.

Toda a ação da Távola a partir do momento da fuga, havia sido pautada em recuperar Helen para a agência obter informações sobre a Organização, antes de matá-la. Não queriam que houvesse perigo de ser descoberta por outros e assim esconderiam toda a sujeira que a Távola havia tramado.

— Oi. – Renee olhava Helen carinhosamente. — Está se sentindo bem?

— Estou com a visão um pouco turva, mas não sinto dor.

Helen tentou levar a mão até a cabeça.

— Não mexa no curativo. Ele é “dinâmico estruturado” e já cicatrizou, mas levará mais algumas horas para reestabelecer o tecido epitelial. Amanhã não restará nem a cicatriz. Quer que tire o curativo antes de…

— Não. Quero que o deixe. Não quero ter essa lembrança, aliás, quero tirar a cicatriz do abdômen também. Ela não foi do estilhaço do ataque no metrô. Foram eles que atiraram em mim, pois eu estava conseguindo fugir deles na ação que fizeram para me prender.

— Já está conseguindo se lembrar, Helen?

— Ainda não consigo me lembrar de tudo, mas algumas coisas já vieram. Por favor, não me chame mais de Helen, Renee. Aquela não era eu!

A doutora virou seu rosto de lado e uma lágrima escorreu por seus olhos. Renee se aproximou mais, tocando seu braço num afago delicado. Sabia que muitas das lembranças que viriam, provavelmente não a agradaria, mas o que seria tão penoso para que ela estivesse se sentindo tão entristecida?

— Está tudo bem. Descanse um pouco mais…

— Não quero descansar. Quero me lembrar de tudo. Eles me fizeram matar meu braço direito, meu melhor amigo na “Defesa”. Eu era a líder da resistência que chamam de “Defesa”, Re.  Lutei anos contra as ações da Coroa pela opressão que exercem sobre a Irlanda. Meus pais eram pacifistas e foram mortos por eles. Os coitados, apenas reivindicavam em prol do nosso povo, em passeatas e ações jurídicas, contra a política exploratória que o governo inglês impunha contra o povo irlandês. E eu… eu fui com tudo e me pegaram; depois colocaram essas coisas em mim… Matei meus próprios compatriotas e amigos de luta.

— Não era você, Kira.

Renee fez questão de falar seu nome de nascimento para confortá-la.

Com a sua vida retornando a mente, Kira olhou diretamente para Renee e perguntou:

— Será que você se apaixonará pela Kira?

— Eu sempre fui apaixonada pela Kira. Helen é apenas um nome. Nunca vi você como uma agente assassina escroque. Não importa o nome que tivesse, eu via alguém com valores bons, com ética e que travava uma batalha imensa consigo mesma. Apenas não sabia porquê.

A doutora chorava com mais intensidade. As lembranças vinham mais fáceis e a cada esforço e cada lembrança, outras se conectavam a essas, tecendo o pano de fundo anuviado dos anos anteriores a sua captura pela Távola e os atos que praticou sob o comando desta agência.

— Re, por quê? Poderiam me matar simplesmente e a resistência teria um baque. Eles talvez resistissem, mas ficariam durante um tempo desorientados. Isso possibilitaria que o governo investisse contra a resistência, como ocorreu. Muitos foram capturados depois de minha suposta morte, eu mesma matei muitos deles sob as ordens da Távola sem saber, ou melhor, sem lembrar quem eram. Por que fazer isso comigo?

A voz de desespero cortava o coração de Renee. Sabia que tinham aberto a “caixa de Pandora” ao permitir que as lembranças anteriores da vida de Helen, ou melhor, Kira, viessem à tona. Haviam coisas que ela não sabia, mesmo retornando as lembranças; Kira não tinha conhecimento de sua própria vida e de seus pais. Loren havia falado com Renee que descobriram o motivo, mas pediu paciência à própria Renee. O núcleo não achava sensato que a agente soubesse, antes de tomarem uma decisão, pela proximidade que ela tinha de Kira. Pediram para que confiasse e esperasse pelas decisões. Esperava que o pranto findasse e que a alma de Kira ficasse mais aquietada.

Um dia depois, Kira recebia alta, mas estava apática. Renee respondeu algumas perguntas, porém queria que ela estivesse mais acostumada com a sua nova realidade, até contar para ela que também não sabia exatamente o que ocorria.  Haviam muitas coisas a serem reveladas. Depois que as duas partiram, todos na Organização estavam imbuídos em descobrir o mistério que cercava Helen, agora com sua real identidade descoberta, o núcleo sabia quem era Kira.

A sociedade fundada há mais de 140 anos se encontrava em uma encruzilhada. Arriscar revelar tudo que envolvia a doutora ou arranhar a ética, que era um dos maiores alicerces para o qual a Organização se constituiu. Manchar a história da Organização com algo tão vil, que seria abstrair novamente as lembranças de Kira, não era uma decisão que cabia só ao núcleo. O Conselho do núcleo se reuniu durante os dias que Kira estava em tratamento e a rede ao redor do mundo, que constituía a Organização, foi acionada. Houve a oportunidade de voto de todos nessa decisão tão difícil. A única exceção de participação era Renee.

Renee recebeu amigos solidários, mas sabia que não poderiam falar nada para ela. Isso a angustiava, mas compreendia. Pediu que eles não a procurassem mais, enquanto não decidissem sobre os acontecimentos, sabedora que eles também ficariam com a mesma angustia.

Kira se estabeleceu na casa da agente, que a estimulava, dava carinho e cuidava dela, aflita pela sua situação. Durante alguns dias, Kira permaneceu apática, remoendo em sofrimento, as ações que praticou enquanto Helen, espiã da Távola.

— Kira, Loren está para chegar e contar muitas coisas que você ainda não sabe e anda se perguntando em relação a tudo que ocorreu. Está bem para isso?

Perguntou Renee com o coração apertado.

— O que eu mais quero hoje, Re, é saber porque fui lançada nesse caos.

Renee se aproximou e se sentou, a seu lado, na chaise.

— Eu quero que saiba de uma coisa. Independentemente do que acontecer, estarei a seu lado e irei com você onde quer que decida ir. Eu te amo com todas as minhas forças e, mesmo viva, sem você, estaria morta.

Kira a olhou. Seu coração aqueceu e a alegria alojou em seu peito, qual chama acolhedora que derrama gotas de luz e felicidade.

— O que vão revelar a mim pode ser algo difícil, mas, pelo que vejo, foi uma decisão penosa para vocês.

— Não sei se revelarão algo, Kira. A verdade é que, depois que chegamos, nem tudo em relação a você me foi dito. Loren pediu que eu confiasse e que não queriam que eu fizesse parte das decisões, por estar muito ligada a você.

— Então a coisa é maior do que pensamos, mas não importa agora. Pelo menos, uma coisa boa ficou em mim dessa loucura toda que me submeteram. Hoje tenho uma percepção mais objetivas das coisas e consigo interpretar, gestos, palavras…. Você estaria disposta a largar tudo o que construiu, por mim?

Renee riu sem muita vontade, pensando em como desnudar sua alma.

— Seria capaz de brigar com o universo para coroar você com o halo que envolve a lua cheia. O que sinto, tenho certeza que é algo bom. O que sinto, é por alguém realmente bom.

Kira acariciou seu rosto, com um sentimento de alegria que há muito não sentia.

— Então, minha cara, veremos que sacrifícios teremos que fazer.  Você, pelo seu lado, e eu, pelo meu. Nunca imaginei encontrar a felicidade em alguém. O amor é efêmero, se não temos a felicidade ao lado de quem amamos. Podemos amar e não sermos felizes, pois a felicidade depende de nós mesmo, não de quem amamos. Vi um amor lindo, cheio de novas possibilidades e livre de amarras, que não será substituído por banalidades e por circunstâncias. Vamos ver o que nos reserva.

Renee sorriu. Não tinha palavras para o que acabara de ouvir. Abrira mão de tudo que lutou, para despir-se para quem amava, mesmo diante de tudo que acontecera e recebeu a mais sublime das revelações. Seria feliz.

A campainha tocou.

— Loren. – Disse Renee.

— Ei, ainda terá que explicar para mim o que acontece com vocês.

Falou Kira provocativa, arrancando mais um sorriso de Renee.

— Comigo e com ela, não. Conosco. Você verá.

Renee retrucou, misteriosa. Abriu a porta e se deparou com uma “Loren” de semblante sorridente. Não entendeu. Era princípio não se “sondarem”, enquanto estivessem na Organização, sem ter uma missão a cumprir. A curiosidade se instalou na agente.

— Bom dia, meninas!

Loren não deu espaço para que Renee a inquirisse, antes de revelar tudo o que fora decidido pelo núcleo e pelos quase cinquenta milhões de “Organizianos”. Já haviam decidido as possibilidades do destino de Kira e, ao mesmo tempo, o destino da Organização.

— Como está, Kira?

Loren se dirigiu serena e transparecendo tranquilidade à doutora.

— Indo. Mas estou ansiosa para saber como ficarei depois. – Respondeu da mesma forma calma.

— Muito bem. Sem introduções chatas. Só tenho a dizer, que impingimos a Renee uma atitude, que talvez tivesse causado muita angustia nela. Mas devo falar a você que, a atitude dela acatar, foi pelo caráter que ela tem de cumprir a palavra, com aquilo que ela assumiu de compromisso há muito tempo conosco.

— Vamos começar. Não me enrola, Loren. Eu e Renee, já estamos acertadas.

Kira falou impaciente, pois sua curiosidade atingia picos estratosféricos. Loren riu pela atitude sempre direta da doutora.

— Ok. Bem, você se lembrou de tudo antes de ser pega pela agência inglesa. Sabe o papel que seus pais tiveram na resistência Irlandesa. O que não sabe, e também o que nós não sabíamos até você aparecer por aqui, é porquê a agência inglesa fez isso tudo, com exceção de você ter descoberto que o Rei Henrique X não ter realmente sangue real.

— O que? O Rei Henrique é bastardo?

Renee perguntou espantada. Kira a olhou com pesar. Estava tão absorta em suas agonias, que não conversaram sobre um terço de suas vidas e do que faziam, ou gostavam, ou mesmo de tudo que as envolvia.

— Não, ele não é bastardo, Re. Simplesmente não é filho nem da rainha Elizabeth IV, nem do Príncipe John. Ele não tem sangue real e não queriam que algum primo qualquer, assumisse. Pegaram um garoto órfão e criaram como sendo filho deles. Apesar de todo avanço da medicina, a rainha não conseguiu ter nenhum filho. Acharam que era incompatibilidade entre eles, mas a verdade, é que nem um, nem outro, conseguiu ter ao menos um filho bastardo. Incompreensível à luz da medicina de hoje, mas ocorreu. Nem mesmo tratamentos resolveram o assunto. Esse é um segredo de estado e que eu descobri com meus compatriotas da “Defesa”. A “Defesa” se preparava para falar ao mundo essa notícia. Esperávamos desestabilizar o governo, pois o Rei Henrique, estava tomando atitudes altamente repressivas a nível econômico e que repercutiram devastadoramente na Irlanda.

— O núcleo decidiu contar tudo à Kira? – Perguntou Renee.

Loren emendou na sua explanação para continuar esclarecendo os motivos da agência.

— Sim e muito mais decisões foram tomadas diante da situação. Apenas escutem. – Voltou-se para Kira. — A verdade, Kira, é que essa descoberta da “Defesa” foi a ponta do iceberg. Eles também tinham seus espiões dentro da “Defesa” e sabiam que vocês tinham chegado a esse segredo. Já estavam adiantados nas pesquisas que geraram o projeto “Torre Fulminada” e resolveram pegar você, para o projeto. Diante disso, reviraram sua vida. Enfim, por conta deste fato, chegaram a nós.

— A nós?

–A vocês?

Ambas agentes inquiriram espantadas. Não conseguiam fazer uma conexão, de como Kira seria a ponte da agência inglesa para a Organização, despertando mais uma vez, o sorriso nos lábios de Loren.

— Vejam, quando estávamos em fuga, Ruth e Iriana lideraram uma equipe para devastar toda história por trás de Kira. Tivemos uma surpresa também. Uma surpresa que nos emocionou, ao mesmo tempo, foi uma enorme preocupação e dor de cabeça. Deixei Renee fora disso… – Loren olhou compadecida para a pupila. – Você já tinha preocupações demais, Re. 

— Ok. Ok. Não importa agora. Conte essa descoberta.

— Bem, a verdade é que os pais de Kira já foram membros da Organização.

— O quê?

O assombro permeava os dois rostos que miravam fixamente a mentora. Loren riu com gosto pela situação. Era tão inusitado, quanto realmente era espantoso. Lembrou de quando contaram a ela, e ela, ficou chocada com as revelações.

— Isso mesmo. – Ainda ria. — E o pior de tudo: conheci seus pais.

A boca de Renee e Kira abriam e fechavam na tentativa de formular perguntas, perdidas em inúmeros questionamentos. Loren fez sinal abanando a mão para que se calassem e ela pudesse explicar.

— As suas tataravós por parte de mãe eram irlandesas, Kira, assim como seus tataravôs por parte de pai. Sua linhagem vem da Irlanda, por isso seus pais se erradicaram lá depois que se afastaram da Organização. Eles viviam aqui, como seus avós. Seus pais tinham uma ideia diferente de como enfrentar as agruras do mundo, por assim dizer. Não achavam que nos esconder em uma sociedade, agindo disfarçadamente, era a solução. Os ideais eram os mesmos, mas não achavam que a forma de atuar da Organização era a correta. Pediram para se desvencilhar. Se saíssem, apagariam seu passado e recomeçariam a sua vida sem laços conosco. E assim foi feito. Sem passado, sem vínculos e novas identidades que eles mesmo forjariam. Deixamos que se fossem e perdemos contato. Eram pessoas dignas, de bem, e tínhamos a certeza que nunca seríamos revelados por eles. A realidade, é que esse mundo de hoje, não deixa que sejamos anônimos realmente. Quando forjaram sua nova vida, algum fio foi deixado solto, permitindo a agência inglesa rastrear.

— Deus! Que loucura! – Kira falou atônita.

— Kira, seu nome vem de uma de suas tataravós maternas. Sua bisavó era filha de duas mulheres que tiveram um papel crucial no que a Organização é hoje. A Organização já existia, enquanto ideais e rede mundial, há mais de 140 anos, como já deve saber. Mais de três milhões de pessoas associadas na época eram seus integrantes. Porém essa cidade que você vê aqui hoje, foi idealizada e instituída a partir delas, suas tataravós.

Não só Kira estava escandalizada, como a própria Renee. A agente da Organização sabia que o nome de uma das fundadoras da cidade da Organização era Kira, mas nunca associaria a “Kira”, agente da Távola. Loren continuou na sua explanação, a partir do que pesquisou nos registros da Organização.

— Você quer conhecer a história de suas ancestrais, como e porque temos hoje uma cidade escondida?

— Loren, você já abriu a caixa, agora coloque para fora tudo que tem dentro! – Kira falava exasperada.

— Muito bem, então vamos voltar ao ano de…

… Ano de 2055

— Kira! Kira, acorde!

— Ãh…

— Você estava tendo pesadelos intensos novamente. A gente tem que parar com os experimentos. Isso pode te matar. Cada vez que te induzimos, você entra nesse sono profundo por horas e depois começam as inquietações no sono, te levando a delírios. Não estamos sabendo te conduzir.

Kira estava zonza pelo sono perturbado e pelo despertar inesperado. Apoiou-se na cabeceira da cama do laboratório e rememorou tudo que viveu intensamente, na incursão pelo mundo de suas lacunas psíquicas que, agora, afloravam na sua consciência.

— Ailey, preste a atenção, você, Ramil, Virna e tantos outros conseguiram. Conseguimos mapear, induzir e estabilizar, a percepção extra-sensorial que cada um de vocês possui. Isso é um marco da ciência, ao mesmo tempo que é tão perigoso para a humanidade. Consigo entender agora porque a minha percepção é tão instável, sei que estou prestes a chegar lá. Mas antes, quero reunir em uma grande convenção, todos os membros ligados a nós, espalhados por todo planeta. Não no mundo virtual, mas num lugar físico em que possamos ter todos os membros reunidos.

— Do que você está falando, Kira? Isso é perigoso demais. Como vamos reunir tanta gente?

— Tanta gente? Ailey, somos três milhões e meio de pessoas espalhadas pelo mundo a fora numa rede. O planeta tem, hoje, onze bilhões de habitantes se matando. A terceira guerra explodiu há sete anos e quanto mais pessoas morrem e mais terras são destruídas, mais está se fortalecendo, abarcando mais países. Isso é insano!

— Como você disse, somos três milhões e meio de pessoas contra onze bilhões e ainda por cima, você acordou desorientada.

— Ley, me escute. Quando eu explicar sobre meu dom, sobre meu sentido, você entenderá. Verá porque está sendo tão difícil para mim, diferente de vocês, mas por agora, ouça. Ramil e sua equipe, fez esse programa de defesa que nos esconde aqui. É um bairro inteiro que está sendo visto pelo resto do país, como inabitável. Temos segurança dada pelo próprio governo de vinte quilômetros à nossa volta, isolando a área, pois têm medo de contaminação. Ninguém se atreve ultrapassar com temor de contágio imediato e irreversível. Isso poderia ser expansível para milhares de quilômetros em uma área que abrigassem a nós todos.

Ailey estreitou seus olhos. Ao longo de três anos, aprendeu a confiar na perspicácia de Kira. Nutria um amor platônico pela inteligente neurocientista, mas não diminuía sua percepção da sagacidade da outra.

— Continue. Estou ouvindo, me convença que sua ideia é factível.

Kira riu, não só pela curiosidade da outra, mas por saber que Ailey não se meteria em nada, que não fosse seguro o bastante para arriscar. A amava. Não se conheciam, até serem apresentadas por seus companheiros, para esse projeto de pesquisa. Trabalhavam há três anos juntas e cresceram numa cumplicidade atroz, levando Kira a devaneios intensos com a companheira de trabalho.

— Vamos destruir a Amazônia, sem destruí-la e antes que a destruam verdadeiramente.

Ailey estreitou os olhos, mais uma vez, em direção a cientista, metabolizando o que acabara de dizer.

— Continue…

— Trabalharemos no aperfeiçoamento do sistema da equipe de Ramil para que a sua abrangência possa ser uma área bem maior. Existem vários países que possuem bombas de fusão e o maior medo nessa guerra, é que algum país perca o controle e lance uma destas bombas de grande alcance. Teremos que pesquisar uma forma de causar a ilusão, que alguém disparou sobre a Amazônia. Pronto. Vários países se absterão do feito, muitos outros se assustariam com o desfecho dessa insanidade. Possivelmente partirão para uma assembleia de paz.

Kira olhou sua amiga e quem sabe, a partir daquele dia, futura amante. Não queria deixar passar mais nem um dia, sem saber se era correspondida. Esperou, ansiosa, o consentimento para prosseguir.

— Mmm… Vamos, continue.

Kira sorriu. Sua ideia estava criando vida.

— Nós teríamos um lugar seguro, não só um grupo de pessoas, com um mesmo sentimento de resgate por valores e ideais construtivos, bem como, uma sociedade implantada em um espaço físico, como um pequeno país. E à partir de lá, poderia partir ideias e alastrar-se sobre o globo. Novos sentimentos para a humanidade, tentando combater esses apelos escuros, pelos quais a humanidade caminhou nos últimos séculos. Poderíamos, sem pressa, trazer mais e mais pessoas a cada ano, imbuídos desse sentimento, combatendo o crescente avanço da violência e ganância, em prol da preservação do planeta.

O olhar de Ailey estava distante e Kira ansiava por sua opinião.

— Por favor, Ley, fale o que está pensando.

— Como você mesma disse, estou pensando…. Bem…. Uma ideia ambiciosa. Interessante, mas de difícil implementação. Se vale a pena? – Ailey encolheu ligeiramente os ombros. — Mesmo com todos os perigos que possa trazer, para mim vale. Tô dentro.

A cientista sorriu para Kira, que acabava de acordar de mais uma sessão de testes e, ainda, se encontrava monitorada por aparelhos. Apesar de Ailey se assustar com as longas ausências da companheira de trabalho, após os testes, a neurocientista retornava com ânimo renovado e, cada vez mais, disposta a lutar por ideais dignos de recuperação da humanidade.

“Ela sempre pensa em ações que apontam algo que não gere violência. Eu a amo cada vez mais por isso. ” – Pensou Ailey.

— Deixa eu ver se está estabilizada, para eu te tirar daqui e chamar Virna. Não sei porque, mas tenho a impressão de que sua ideia ganhará adeptos entre nós.

Kira sorria. Havia acordado novamente com a impressão de seu sonho-real e sabia mais que nunca, que os sentimentos que nutriu ao longo dos anos por Ailey eram verdadeiros e não tinha mais medo. Quando a cientista tirou o pequeno sensor de seu braço, que transmitia os sinais vitais para o sistema, segurou sua mão. Ailey a olhou, não compreendendo sua ação.

— Algum problema?

— Sim. Esse.

Segurou a face de Ailey, trazendo-a para próximo de seu rosto e depositando um beijo miúdo em seus lábios. Encararam-se, olhando nos olhos, a centímetros de distância. O coração de Ailey acelerou com a ação de Kira e a proximidade da mesma. Perdeu toda a prudência, que levantou em torno si, durante três anos. Segurou Kira pela nuca, tomando seus lábios loucamente. Extravasou por sua boca, o desejo selvagem, que tinha para com a companheira de trabalho e que há tempos sufocava.

Kira sorriu emocionada entre os lábios e os beijos gulosos de sua recente amante. Era uma profusão de sentimentos que as envolvia, levando a insanidade do despir de suas vontades, suas roupas e suas almas assoladas, em detrimento a responsabilidade de seus afazeres constantes.

Cônscias do que estava por vir e ávidas de seus desejos, derramaram carinho através de mãos, que tatearam delicadamente os corpos arrepiados.

Kira capturou a mão que ansiava, sabedora que seria a única a aplacar a vontade louca que sentia.

— Põe ela aqui…

Levou a mão a seu sexo molhado que vertia seu líquido, desde a hora que sentiu os beijos de sua amada em sua boca.

Ailey urrou no prazer de ter sido conduzida para o paraíso que almejava há tempos. Não se intimidou e extravasou sua vontade. Esfregou seus dedos no bulbo rígido que denunciava a vontade do gozo da neurocientista; sua amada e agora, sua amante.

— Eu quero sua boca… me dá a sua boca.

As palavras pronunciadas embotadas pela respiração arfante, precipitou em Ailey o mais animalesco dos sentimentos. A luxúria tomava seu corpo sedento e não furtou, nem Kira, nem a si mesma do prazer. Assaltou a vulva oferecida à sua boca com gosto, passeando a língua entre as dobras macias, dando logo a seguir atenção ao ponto intumescido. Circundou ávida de ouvir o grito de prazer, que viria quando a plenitude alcançasse o corpo de Kira.

Ela gemeu. Ela gritou. O liquido do amor se derramava na boca gulosa, causando um forte tremor que percorria o corpo da amante. Kira entrou em um êxtase jamais sentido, tirando todas as suas dissimulações. Estava despida. Sua alma estava iluminada novamente.

Minutos depois, na quietude branca do quarto do laboratório, Ailey abraçava a mulher, acalentando-a. Não achava que pudesse existir a possibilidade dela ser sua. Kira estreitou mais em seu corpo suspirando.

— Kira…

Uma questão martelava na mente de Ailey. Havia sido maravilhoso, mas sua personalidade prática, batia em sua mente, sempre que algum assunto desafiador ficava no ar.

— Kira, posso te perguntar uma coisa? Tem a ver com o que conversamos antes e não conosco agora.

— Claro que pode.

Ailey estreitou mais a cientista em seus braços, receando quebrar o encanto diante da pergunta, tão pouco romântica que faria.

— Você disse que… que nessa sessão, finalmente conseguiu reconhecer a sua percepção. Qual é?

— Você sabe o que é mesmerismo?

Os olhos de Ailey se arregalaram assustados.

Tempos Atuais.

Kira se levantou aturdida diante das revelações. Caminhou, de um lado para outro, com uma das mãos apoiada na testa.

— Loren, você está me dizendo que a Amazônia ainda existe, e que, essa cidade aqui está escondida no meio dela?

— Basicamente, é isso. Mas a Organização não está exatamente localizada no meio dela, está um pouco mais ao sul, onde outrora haviam desmatado por causa da extração de madeira e para plantio de soja.

— Se isso que me contou é verdadeiro, então levaram três anos para colocar a ideia de minhas tataravós em prática?

— Sim. Três anos depois, uma grande equipe conseguiu desenvolver o programa de Ramil com segurança e foi quando colocaram em prática.

— Isso é loucura! Há pouco mais de cem anos as pessoas acharam que a guerra tinha levado alguém à insanidade, jogando uma bomba aqui.

— Há pouco mais de cem anos, essa loucura de que fala, acabou com uma guerra de dez anos e de quebra, fez com que uma grande floresta fosse preservada. Ela estava fadada a perecer sob as garras da ambição em menos de meio século.

Kira parou de andar e começou a falar em meio ao riso.

 — Ei, Loren, não estou criticando. Eu achei maravilhoso! Vocês não percebem a grandiosidade que fizeram? Vocês, simplesmente, acabaram com uma guerra sangrenta sem disparar um único tiro.

— Essa foi a intenção de suas tataravós.

— Eu não sei nem o que dizer ou pensar.

— Você terá tempo para pensar sobre isso.

— Loren. – Pela primeira vez Renee interrompia. – Eu não sabia que a técnica que desenvolveu nossos sentidos havia sido criada por elas.

Kira olhou para as duas.

— Então é verdade o que imaginei de vocês? Vocês têm dons especiais?

— Nem tanto especiais. Todo ser humano tem dons, ou sentidos extra-sensoriais, para ser mais específico. No entanto, raras pessoas desenvolvem naturalmente, mas acontece.

— Então por que não utilizaram quando estávamos fugindo?

— Ah, aí é que vem mais uma parte desta história que envolve você e o motivo pelo qual o programa “Torre fulminada” não ter dado certo contigo, deixando a Távola tão insegura. Sua tataravó “Kira” era uma “mesmer” nata. Vocês sabem o que é isso?



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.