Camila – Diedra Roiz

Saí do banho inteiramente nua, enxugando os meus cabelos com uma toalha. Assim que entrei no quarto avistei Sandra na frente do armário aberto, apenas de sutiã e calcinha, segurando três vestidos diferentes. Assim que me viu perguntou:

– Qual você prefere? Esse? Esse?

Meu sorriso não foi apenas divertido…

“Linda! Tão linda a minha mulher! Gostosa e… Absurdamente indecisa!” – pensei.

Nem percebeu meu olhar indiferente aos pedaços de pano que ela me mostrava:

– Ou esse?

Toda a minha atenção estava voltada para… Onde mais? Ela.

– Tanto faz, amor. Você fica maravilhosa com todos… Mas melhor ainda sem eles…

Avançando com uma rapidez que Sandra não esperava, trouxe-a para os meus braços, minhas mãos puxando-a pela bundinha perfeita, colando nossos corpos enquanto minha boca já se deleitava no pescoço, subindo em direção ao ouvido com a certeza de que causaria a reação de sempre. Ela não me decepcionou, contorceu-se em uma série de arrepios que me deixaram ainda com mais vontade…

– Ai… – foi mais uma exclamação dengosa de prazer do que um protesto.

Não fez o mínimo movimento para desvencilhar-se. Muito pelo contrário.  Eu não vi, mas soube que Sandra havia deixado os vestidos caírem no chão quando as mãos dela surgiram em minhas costas, uma delas acariciando toda a extensão e subindo até tocar em minha nuca, coisa que ela sabia ser infalível…

– Uhm… – foi a minha vez de me arrepiar e gemer, enquanto tomava os lábios dela com os meus. O simples contato causou uma sensação de prazer incontrolável:

– Deliciosa… – sussurrei de encontro à boca que se abriu para melhor me receber. Só deixei de sugar os lábios de Sandra para enfiar a língua entre eles.

Ela suspirou antes de sussurrar roucamente:

– Vamos nos atrasar… – minha resposta foi conduzi-la até à cama, onde a fiz se deitar e praticamente pulei em cima dela, que riu, evidentemente feliz com a minha voracidade: – Ah… Você é tarada, Câmi…

A resposta estava em minhas mãos que, depois de abrirem e tirarem o sutiã, também a livraram rapidamente da calcinha:

– Só por você, meu bem…

E na língua que desceu com pressa, desenhando uma trajetória incontrolavelmente ardente na pele embaixo da minha… Rumo a um destino certo…

– Ai… Isso, meu amor… Assim… Ahn…

Foi a primeira de muitas frases, gemidos e sussurros… Que pouco a pouco foram se tornando mais e mais desconexos… Durante todo o tempo que a minha boca e os meus dedos permaneceram entre as pernas dela…

Acordei num misto de espasmo e grito, sentando na cama sem que a sensação de afogamento passasse. Passei as mãos nos cabelos ensopados de suor, tentando fazer com que a minha respiração acelerada voltasse ao normal. Acendi o abajur na mesinha de cabeceira e olhei para o lugar vazio ao meu lado na cama como se quisesse me certificar daquilo que há mais de dois anos eu já sabia, mas ainda não acreditava nem conseguia me conformar: Sandra não estava mais lá.

– Camila… Me ouve… Você não pode continuar assim pra sempre!

O desespero na voz de Flávia não me comoveu:

– Se foi pra isso que você me ligou tá perdendo seu tempo.

Ela suspirou profundamente antes de afinal dizer:

– Seja razoável. Só um pouquinho, uhn?

Dessa vez fui eu que suspirei:

– Por que isso agora?

Indubitavelmente, Flávia estava longe, muito longe de ser perfeita. Mas era minha melhor e mais querida amiga desde os tempos da faculdade. E a única que não fingia que estava tudo bem:

– Porque eu não aguento mais te ver desse jeito.

O amor indiscutível na voz dela me fez hesitar, mas não mudar de ideia:

– Eu sei que você tá pensando que essa viagem pode ser um ritual de passagem, uma expurgação ou sei lá o que, mas de verdade? Pra mim vai ser apenas um grande sofrimento. É muito difícil estar com vocês, como era antes, e… Sem ela. Compreende?

Foi incontrolável: na mesma hora as lágrimas escorreram. Peguei a caixa de lenços de papel que estava sempre à mão na primeira gaveta da minha mesa – já que precisava dela sempre – e enxuguei o rosto em vão. Tinha acabado de puxar o segundo lenço quando Flávia deixou claro que sabia exatamente o que eu estava fazendo:

– Pelo amor de Deus, Camila! Para com isso! Nada mais é como antes, será que você não vê? Eu e Lena nos separamos, ela vai com a nova mulher, que até hoje você nem se deu ao trabalho de conhecer! As coisas mudam, as pessoas caminham… Pra frente! A única que continua parada no mesmo lugar é você!

A raiva veio… Dura, áspera, violenta. Mas eu a controlei. Com a destreza de quem, naqueles últimos anos, tinha sido obrigada a fazê-lo inúmeras vezes. Falei baixo, entre os dentes:

– É a mulher que eu amo. Vou estar aqui esperando, até ela voltar.

Era tão difícil assim entender? Ou se colocar no meu lugar? Com certeza! Pois se até para mim parecia surreal demais, imagine para os outros… Como tentar sequer começar a explicar? Impossível! Só me restava o silêncio. E a questão que martelava minha mente diversas vezes todos os dias: “Por quê? Por quê?”

Cruel ironia do destino, talvez.

– Já se passaram mais de dois anos, Camila. A Sandra não vai voltar.

De novo, a ladainha de sempre, que eu já estava cansada de ouvir das pessoas mais diferentes: policiais, psicólogos, psiquiatras, familiares, amigos e até desconhecidos:

“Não havia corpo, nem sangue, porém… As malas, a bolsa dela com os documentos e objetos pessoais… Estava tudo dentro do carro abandonado no meio da estrada… A porta do motorista aberta…”

Mas não havia nada que pudesse me fazer acreditar que ela estivesse… Nem em pensamentos eu seria capaz de completar a frase.  Contestaria até que me provassem o contrário:

– Você não sabe. Ninguém pode afirmar com certeza.

Houve uma pausa, onde Flávia pareceu pesar se deveria mesmo dizer o que acabou dizendo:

– Não acha que se a Sandra estivesse viva já teria dado algum sinal de vida?

As palavras subiram… Do meu útero talvez… Foram vomitadas, cuspidas de um jeito vociferado que nada mais era que… A expressão do meu real desespero:

– Eu não sei!

O choro que se seguiu foi convulsivo. Imediatamente, Flávia falou:

– Tô indo praí.

E desligou. Sem me dar chance de implorar para que ela me deixasse… Sozinha. Em paz era impossível. Pelo menos enquanto eu não soubesse o que havia acontecido.

Uma semana depois, mesmo sem conseguir explicar ao certo como, me vi dentro do carro de Flávia – ela dirigindo comigo ao lado e Lena com a atual mulher atrás – saindo de Blumenau a caminho de Porto Belo, mais exatamente para o apartamento de Flávia na Praia de Bombas. Não me sentiria mais miserável se estivesse indo para a cadeira elétrica…

– Será que a “co pilota” pode botar uma música?

Por sorte os óculos escuros que nós duas usávamos impediu que Flávia fosse fulminada pelo olhar que eu lhe lancei. Absolutamente imune à minha óbvia falta de bom humor, ela acrescentou:

– Aí no porta luvas tem um monte de CDs.

Pelo bem de todas e felicidade geral da viagem, peguei um dos porta CDs exatamente como ela me pediu. Mas Flávia era Flávia – sempre! – claro que sabia que eu não estava com a menor vontade de escolher:

– Bota o “Bailão do Ruivão”!

Do banco de trás, Lena e Mônica aquiesceram:

– Esse é ótimo!

– Perfeito!

Não seria eu a estraga prazer… Enfiei o CD e a primeira faixa já entrou rasgando: “Venus”, fazendo o carro balançar com o tamanho da animação – para mim muito mais que exagerada – das três.

– Vamos abrir os trabalhos? – Lena perguntou, já com a tampa da caixa térmica que tinha nos pés levantada e colocando uma latinha de Bohemia na minha mão antes que eu pudesse responder.

Ouvi o ruído das duas latas que ela e Mônica abriram lá atrás, mas fiquei olhando para a minha, incapaz de fazer o mesmo. Não queria beber, por que… Nada de bom poderia acontecer se eu perdesse o pouco controle que eu ainda achava que tinha sobre mim mesma…

– Bebe, sua filha da puta! Por mim, hein? – Flávia falou pousando a mão no meu ombro, com o carinho rude que era a cara dela. Sem que eu precisasse falar nada completou, deixando claro que estava acompanhando os meus pensamentos: – Relaxa. Eu tomo conta de você.

Não seria a primeira vez…

– Vamos lá, Camila! Você tá entre amigas, né? – Lena enfiou a cara entre os dois bancos e me deu um beijo estalado na bochecha.

Devolvi o sorriso dela ao concordar:

– Ok.

Quase duas horas e incontáveis latinhas depois – eu já estava cantando e dançando com elas, aliviada pela alegria artificial que a cerveja me proporcionava – chegamos.

Carregamos tudo para o apartamento. Flávia indicou para Lena e Mônica:

– Vocês ficam nesse.

O quarto onde eu e Sandra sempre ficávamos… Lena dormia no quarto de Flávia, com Flávia, obviamente… Antes de… Antes de quê? Ri sem saber ao certo o porquê…

– Eita, Camila! Você tá bem?

Segui atrás dela puxando minha mala:

– Sei lá. Me diz você…

Flávia não respondeu. Entrou no outro quarto, soltou a própria mala e atirou a frasqueira em cima da cama de casal. Isso me fez perguntar:

– Tá. E eu?

Ela me olhou como se a pergunta fosse a mais absurda do mundo:

– Aqui comigo, onde mais?

Na mesma hora recusei:

– Sério, Flávia… Eu não quero atrapalhar… Mesmo!

Minha reação não era, nem de longe, por pensar que poderia acontecer algo entre nós. Já tínhamos dormido na mesma cama muitas vezes antes, nada a ver. Mas Flávia era e sempre tinha sido conhecida e assumidamente “pegadora” e, agora que estava solteira, não seria eu a empatá-la.

Ela gargalhou, como se pudesse ler meus pensamentos:

– Meu amor, esse findi eu quero só você!

Fui eu que ri dessa vez:

– Até parece, né? Te conheço!

Incapaz de negar, Flávia apenas abriu os braços em desistência:

– Tá… Eu sei que o meu passado me condena, mas… Não vou te tirar desse quarto! Prometo!

Ela cruzou os dedos e os beijou solenemente. Eu não me dei por satisfeita:

– Isso é o maior dos absurdos! E se você ficar com alguém?

Com um sorriso absolutamente malicioso, Flávia piscou:

– Não se preocupa… Sabe que sempre dou o meu jeito… Agora vem comigo, vem… Que a praia nos espera! – dizendo isso, Flávia me guiou pelo corredor. Estávamos de biquíni por baixo, Lena e Mônica tinham ido colocar os delas. Esperamos alguns minutos antes de Flávia finalmente bater na porta e perguntar:

– E aí, vocês vem ou não vem?

A voz de Lena soou inconfundivelmente ofegante. Era óbvio o que as duas estavam fazendo lá dentro:

– Vão na frente… Depois nós encontramos vocês.

Com um suspiro, Flávia virou-se para mim:

– Eu sabia!

Deu de ombros e riu, com uma tranquilidade que me fez questionar:

– Você não se…?

Nem precisei completar:

– Nós sempre fomos amigas. Não é porque nos separamos que vamos deixar de ser. Além disso, eu gosto da Mônica. Ela é muito melhor pra Lena do que eu. Entende?

Sacudi a cabeça negativamente:

– Não muito, mas… Se tratando de você… O que há pra entender?

Esquivei do tapa que ela ameaçou me dar, apenas para esbarrar na TV:

– Viu, só? O castigo vem a cavalo! Bem feito!

Rimos juntas, como há muito tempo não fazíamos… E aquilo foi como um bálsamo… Reconfortante mesmo… E ao mesmo tempo terrível porque… Me sentir bem parecia uma forma de traição… Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não consegui contê-las…

– Acho que eu não deveria ter vindo… Vou acabar estragando o feriadão de vocês…

Só percebi que Flávia havia se aproximado quando ela me envolveu com os braços:

– Deixa de besteira, viu? Não teria a menor graça sem você.

Enxuguei com as pontas dos dedos o colo dela que eu havia molhado sem querer:

– Só vou atrapalhar… Eu sei…

A força com que ela me abraçou contrastou com o tom de voz que usou… Completamente… Meigo, doce, suave… Quase ao extremo:

– Camila, Camila… Você só atrapalha a si mesma. Que diabo de cabecinha dura! – para ilustrar o que dizia, deu três batidinhas de leve com os nós dos dedos. Pareceu voltar ao normal depois do sorriso que esbocei: – Agora chega! Vamos, antes que eu comece a chorar também!

Só alugamos um guarda sol e duas cadeiras, pois segundo Flávia:

– Sabe-se lá se aquelas duas vão mesmo aparecer…

A primeira coisa que fez assim que se livrou da canga foi chamar:

– Ei, Ive! Ive!

Eu já havia tirado minha saída de praia e estava aproveitando a brisa do mar confortavelmente sentada em uma das cadeiras. Tinha passado protetor solar antes de sairmos, enquanto Flávia “recarregava” a caixa térmica com gelo e cerveja. Parei de admirar o mar esverdeado e transparente para observar a loira super bronzeada que saiu do bar atrás de nós e se aproximou rindo e de braços abertos:

– Flavinha! – abraçaram-se enquanto ela dizia de um jeito bastante íntimo: – Sumida, hein?

Levantando os ombros e inclinando a cabeça um pouco de lado com um sorriso, Flávia justificou:

– Trabalhando muito, sabe como é…

– Fazer o que, né? – a mulher disse antes de ir buscar as duas cervejas que pedimos.

Flávia não a acompanhou com o olhar. Virou-se pra mim como se nada tivesse acontecido:

– Só tem Skol… Que se dane! Só duas latinhas pra dar um brilho até as nossas ficarem no ponto…

Eu não me aguentei:

– Você e ela…?

A resposta veio estranhamente baixa, como se Flávia não quisesse ser ouvida por mais ninguém:

– Só uma vez. Mas foi antes dela casar com a Lu e as duas abrirem o bar, ok? – ela parou um pouco, franziu a testa e indagou: – Como…?

Desnecessário completar… Outra vez. Foi rindo que afirmei o óbvio:

– Te conheço…

Depois de me mostrar o dedo médio, Flávia caminhou em direção à água:

– Já volto!

Me recostei e fiquei observando ela entrar mar adentro e mergulhar. Inconscientemente olhei para o lado… Apenas para que o sorriso e o comentário que eu tinha nos lábios morressem ao se depararem com a cadeira vazia.

Não permiti que o sentimento me tomasse, ri de mim mesma, lutando contra ele enquanto enxugava as lágrimas que escaparam.

– A água tá ótima! – Flávia parou em pé na minha frente para se secar no sol. – E a nossa cerveja?

Abri a caixa térmica e confirmei o que já desconfiava:

– Trincando!

Ela não pediu, ordenou:

– Então passa pra cá!

Peguei uma pra ela e outra pra mim. Ainda estávamos ali, bebendo, jogando conversa fora e aproveitando a praia, quando Lena e Mônica chegaram, alguns minutos depois. Rapidamente, Ive providenciou mais um guarda sol e duas cadeiras.

Mônica perguntou:

– Quanto é?

E Ive respondeu com um sorriso muito mais que simpático:

– Podem acertar quando forem embora. Fiquem à vontade!

De onde eu estava, vi perfeitamente quando Lena levantou uma das sobrancelhas e olhou para Ive com uma expressão nada amigável.

– Traz o cardápio pra gente, linda? – Flávia pediu, absolutamente rápida.

Assim que ela se afastou, Mônica intimou:

– Amor, vamos na água.

Lena a seguiu até o mar, onde pararam uma de frente para a outra, imersas até a cintura. Pelos gestos e postura corporal das duas era óbvio que estavam tendo uma conversinha… Não muito cordial. O fato também não passou despercebido por Flávia:

– Será que a Lena nunca vai aprender?

Disse e se sentou na cadeira ao meu lado.

– Digamos que… Você fez a auto confiança dela ficar um tanto quanto… Baixa. Né?

Terminou a latinha de cerveja que estava bebendo e colocou dentro de um saco plástico enquanto respondia:

– Eu? Mas eu nunca fiz nada! Você sabe melhor do que ninguém.

Eu tive que rir:

– Concretamente não, mas…

Ela não me deixou terminar a frase:

– Mas…?

Estendi a mão e ela me passou a sacola-lixo, onde coloquei minha própria lata:

– Ah, Flávia… Fala sério, né? As mulheres davam em cima e você nunca cortava. Muito pelo contrário, até incentivava…

Depois de um suspiro e uma pequena pausa, ela deu de ombros:

– Tá. Vamos dizer que eu tenha errado e…  Exatamente por isso eu e Lena estamos separadas… É passado. Morto e enterrado. O que a Mônica fez? Me fala?

Olhei diretamente para Flávia ao dizer:

– Nada. Sobrou pra coitada aturar a mulher que você deixou traumatizada.

Mas ela não estava mais prestando atenção em mim. Acompanhei o olhar boquiaberto de Flávia… Fixo em uma morena maravilhosa que ondulava pela areia carregando pulseiras, colares e outros tipos de artesanatos. Veio em nossa direção e parou. Eu também não consegui desviar o olhar…

– Que lindo esse! Quanto é?

Só depois que ela perguntou percebi que Mônica tinha voltado.

– Quinze.

Respirei fundo e me forcei a olhar para baixo. Eu não queria… Não podia… Mas… Meus olhos não respondiam mais ao meu comando, subversivamente procuravam mais detalhes… A tornozeleira trançada com contas em diversos tons de amarelo que enfeitava a perna direita bem torneada…  A barra do vestidinho curto que não chegava nem na metade das coxas fartas… A cartucheira dupla de couro na cintura… As duas rodelas na altura dos seios indicando que, por baixo, o biquíni estava molhado… A tatuagem no braço esquerdo, subindo pelo ombro: pequenas rosas vermelhas com folhas verde escuras interligadas por um caule preto fino, cheio de espinhos… E os olhos… Que olhos! Claros… De uma tonalidade indecifrável… Fixos. Em mim. Ela também me avaliava…

– Não faz por doze? – Lena perguntou, fazendo com que o contato se rompesse e a morena e eu a olhássemos. – Só tenho isso trocado. – Lena tirou e mostrou as cédulas que tinha na carteira: duas de cinco, uma de dois e… Duas de cinquenta reais.

– Tenho troco. – a morena respondeu sorrindo e abrindo a bolsa direita da cartucheira.

– Tá. – Lena respondeu desistindo, finalmente, de pechinchar.

Negócio fechado e concluído, Lena presenteou Mônica com o colar. As duas se abraçaram, sussurrando uma no ouvido da outra. Algo que ninguém além das duas conseguiu escutar.

– Você faz tererê? – Flávia perguntou com seu maior e melhor sorriso, já de pé e ao lado da morena.

– Faço.

Antes que Flávia pudesse retrucar, Ive apareceu:

– Aaaaaah! Eu não acreditoooo! – veio correndo, deu um beijo estalado na bochecha da morena e a abraçou antes de gritar: – Lu, olha só quem tá aqui! Lu!

A mulher de cabelos curtinhos, que estava atendendo umas pessoas a duas barracas à nossa esquerda, virou-se apertando os olhos para enxergar melhor. Quando conseguiu, abriu um sorriso imenso e veio rapidamente até nós:

– Sâni? Caralhoooo! Sâniiii! Que saudade! – exclamou já agarrando a morena – Quando você chegou? Por que não ligou?

A morena correspondeu integralmente ao abraço:

– Anteontem de madrugada, mas… Tava morta de cansada. Ontem acabei dormindo o dia todo, só hoje consegui me recuperar…

O diálogo que se seguiu foi rápido:

– Como foi cair na estrada de novo?

– Demais!

– Três meses, né?

– É. Quase não voltei… Depois te conto…

– Passa aqui mais tarde?

Lu voltou para o bar assim que a outra assentiu:

– Combinado!

Antes de seguir a mulher, Ive piscou para a amiga e sussurrou – baixo, mas não o suficiente que eu não escutasse:

– Quero detalhes!

A morena então virou-se para Flávia:

– E o tererê, vai querer?

Flávia voltou a se aproximar:

– Quem sabe depois? – encarando a morena, perguntou num tom absolutamente sem disfarces: – Você vai voltar, não vai?

O sorriso da morena foi de uma simpatia bastante impessoal:

– Vou.

Isso não fez Flávia esmorecer, muito pelo contrário:

– Eu não vou sair daqui. – estendeu a mão: – Prazer… – mas só depois que a morena ofereceu a dela se apresentou: – Flávia.

Eu já a tinha visto fazer aquilo mais de um milhão de vezes. Manteve a mão da morena na dela e a olhou dentro dos olhos, com um sorriso cheio de charme. A diferença estava num único detalhe: a morena permaneceu imune. Soltou-se e sorriu de um jeito… Condescendente quase.

– Tá certo, Flávia. Então até mais!

Virou-se e começou a caminhar. Só conseguiu dar dois passos antes de Flávia chamar:

– Espera!

Sem voltar nem girar o corpo – apenas a cabeça, o suficiente para fitá-la, perguntou:

– Quê?

Não sei se foi claro. Eu conhecia Flávia bem demais, sabia que ela estava… Desconcertada:

– Não vai nem me dizer o seu nome?

A morena riu:

– Você já não sabe?

Flávia foi até a morena e colocou-se na frente dela:

– Não que não combine com você… – olhou-a de cima a baixo – Combina… E muito! – só então pareceu se tocar que a estava “secando” de forma descarada demais – Ah… Vai dizer que “Sunny” é seu nome verdadeiro?

A morena ficou séria:

– É como todo mundo me conhece.

Flávia persistiu num tom doce e suave:

– Mas não é o seu nome de verdade.

O sorriso da morena foi ácido:

– Depende o que você considera “verdade”.

O de Flávia aumentou. Ela adorava as que não eram “fáceis”…

– O nome que consta na sua certidão de nascimento, no seu CPF, na sua identidade…

“Touché!”

Conseguiu arrancar uma gargalhada divertida:

– Você é policial por acaso?

Respondeu com um orgulho inegável:

– Advogada.

Aí sim, a morena riu de fato:

– Tá explicado!

Aproveitando o clima bem humorado, Flávia insistiu uma vez mais:

– Me diz, vai…

A morena sorriu, jogou o cabelo ondulado para trás e se deu por vencida:

– Tá, eu vou matar a sua curiosidade. – fez uma pausa que pareceu durar a eternidade antes de finalmente falar: – Sandra.

CONTINUA

MÚSICAS QUE INSPIRAM O CAPÍTULO:

PLAYLIST COMPLETA DA HISTÓRIA:
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Notas:



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