Inserir música:

Is this Love:

http://www.youtube.com/watch?v=493jG4FkAoI

Camila – Diedra Roiz

– E aí?

Olhei para Flávia tentando fingir que não tinha entendido:

– E aí, o quê?

Ela riu:

– Não se faz de boba, Camila… Quero saber detalhes, anda! Pode ir contando tudinho!

Meu sorriso foi condescendente e… Indiscutivelmente triste:

– Não houve nada.

Nem assim ela acreditou em mim:

– Ah, é!

Deixei escapar um longo suspiro:

– Andamos de moto, só isso.

Flávia insistiu:

– Vocês ficaram horas fora, só as duas, sozinhas… Ah, vamos lá… Como não houve nada? A guria tá visivelmente interessada em ti!

Foi a minha vez de rir:

– Ela tá é visivelmente com pena, isso sim!

Flávia piscou e inclinou a cabeça me analisando:

– Você tá brincando, né? – Não me deixou responder: – O jeito que ela te olha…

Imediatamente me defendi:

– Viagem sua!

– E é recíproco!

A conversa tinha ido longe demais e eu já sabia onde acabaria. Movida única e exclusivamente pelo instinto dei as costas, pronta para fugir dali. Mas Flávia não permitiu. Agarrou o meu braço e me virou para ela, de forma quase agressiva:

– Camila, olha pra mim! Aqui, bem dentro dos meus olhos e fala que não está interessada na Sunny! Ãh? Vamos lá! Anda! Diz! – Abri e fechei os lábios várias vezes, buscando em vão a negação que não consegui emitir. – Ela mexe contigo! Admita! – Tentei inutilmente me soltar. Flávia me obrigou a ouvir. Usou um tom de voz carinhoso e suave, como se fala a uma criança: – Camila, Camila… Isso é muito bom! É positivo! Você precisa seguir com a sua vida!

Não era a primeira vez que eu escutava aquilo. Milhares de vezes, de diversas formas, várias pessoas já haviam dito. No entanto, a repetição não tinha o poder de fazer com que as palavras fizessem sentido. Racionalmente sim. Mas a razão… Era a mais insana das mentiras. Não significava nada. Nem alterava nada. Era incapaz de me fazer trair o que eu realmente sentia.

– Que vida? A que me deixou só aquele carro vazio? Mesmo se eu quisesse… Eu não teria como prosseguir. Não sem saber…

Ela foi dura. Ríspida:

– Quer saber? Quer ter a certeza? Então tenha! A Sandra não está viva! Se estiver, dá na mesma, é como se tivesse morrido! Não importa o que houve, Camila. Acabou. É passado. Por mais que você se cerque de desculpas pra não encarar isso.

As lágrimas escorreram livremente pelo meu rosto, salgando meus lábios retorcidos num sorriso obscuro e dolorido:

– Eu encaro. Todos os dias. É a minha realidade, a minha vida.

Naquela noite eu fiquei deitada na cama olhando para o nada, pensando naquele passeio de moto inesquecível… A lembrança me causando um conforto que me fazia sentir um desprazer quase físico… E a dor que esse desprazer causava me proporcionava uma estranha forma de alívio… Essa dualidade de sentimentos já se tornara habitual em minha vida. Como se eu não conseguisse nunca uma reação única, as emoções e sensações vinham em cadeia, num círculo vicioso incontrolável em que tudo que era bom se tornava negativo e vice versa. E isso era… Pior que cansativo… Como se sufocasse, sem jamais conseguir respirar de forma concreta, por mais que enchesse os pulmões de ar… Estavam sempre vazios…

A luz do sol já tinha surgido atrás das persianas quando finalmente meu corpo foi vencido pelo cansaço. Acordei sozinha no quarto, com a sensação de ter dormido apenas alguns minutos. Sentei na cama bocejando, calcei as Havaianas, abri a porta e parei assim que ouvi a conversa que vinha da sala ou da cozinha:

– Não acho que isso resolva, Lena. Afinal, ela ficou dopada durante os primeiros quatro meses e serviu pra quê?

– Tá, eu não sei. Mas é óbvio que ela não tá bem.

– Você realmente não faz ideia, né? A Camila tá ótima perto de como já esteve!

Com o rosto virado para cima, fechei os olhos e apelei mentalmente para qualquer tipo de força superior que pudesse haver… Se houvesse:

“Ah, não… Não! Por favor!”

Depois de tudo, acreditar na “bondade divina” era difícil, na verdade impossível.

“Por que? Por que?”

Eu morreria questionando. O ressentimento era o meu sentimento maior, incapacitava qualquer tipo de aceitação, resignação ou algo do tipo.

O inferno… Era só o que eu conhecia, via e vivia… Dentro de mim.

– Flávia?

Chamei bem alto, para que parassem de falar a meu respeito e eu pudesse entrar em segurança no recinto.

– Bom dia!

Flávia e Lena disseram juntinhas. Mônica olhou meio de lado para Lena e eu… Ignorei completamente o clima recém criado, falei com a maior empolgação que consegui:

– Bom dia! Já decidiram nossa programação?

Parecendo agradavelmente surpresa, Flávia respondeu:

– Praia, praia e mais praia?

E eu concordei:

– Perfeito!

Sentamos em frente ao bar da Lu e da Ive novamente. Tentei aparentar uma calma e uma indiferença que eu não tinha. Num misto de ansiedade, nervosismo e impaciência, meus olhos esquadrinhavam repetidamente a areia, em busca de… Não queria admitir, nem para mim mesma. Mas quando ela se aproximou, caminhando sinuosamente em minha direção com um enorme sorriso de orelha à orelha, acho que minha reação foi evidente. No entanto, ninguém disse nada. Nem mesmo Flávia. Formou-se um estranho silêncio… Quebrado por Sunny… De um jeito sussurrado que me arrepiou inteira:

– Oi…

Felizmente, todas responderam juntas:

– Oi!

Ninguém percebeu – acho – o quanto eu gaguejei:

– O… O… Oi…

Ela parou na minha frente e ficou me fitando… Sem que eu conseguisse desviar meu olhar do dela… Só percebi que Flávia estava em pé do meu lado quando a escutei falar:

– Pode fazer o tererê agora?

Sunny piscou, como se voltasse à realidade:

– Ãh?

Flávia nem tentou disfarçar o sorriso divertido:

– O tererê? Você disse que faz…

Sunny sorriu lindamente de volta… E só então desviou o olhar:

– Ah, sim. Faço. É em você?

Dessa vez o sorriso de Flávia foi pra mim:

– Na Camila.

Eu praticamente pulei:

– O quê?

Foi ela… A morena absolutamente irresistível… Que exterminou toda e qualquer possibilidade que eu pudesse ter de resistir:

– Vai ficar linda…

Como definir? A melhor de todas as torturas? O contato não tinha, pelo menos não deveria ter… Nada de sexual, mas… Exatamente como no passeio de moto da véspera, meu corpo correspondeu sem hesitar, como há muito não fazia… As mãos dela no meu cabelo… Tinham uma cadência que me deixou embriagada… E ao mesmo tempo… Pura adrenalina…

Seria perceptível? Tentei controlar a respiração, mas minha imobilidade me denunciava, a tentativa patética de controle parecia… Pior ainda.

No fundo eu sabia que era – tinha que ser – uma neura só minha. Lena e Mônica continuaram conversando com Flávia, ninguém estava olhando… A única exceção era ela. Manteve os olhos, a respiração e o sorriso em mim. Obviamente também podia sentir… O jeito que nossas peles pareciam se atrair como ímãs…

– Pronto! – Ela exclamou antes de me dar um pequeno espelhinho. Eu não me olhei, mirei o reflexo dela, que através do espelho me sorriu: – Gostou?

Balancei a cabeça afirmativamente, sabendo que nenhuma palavra sairia.

– Sunny!

Viramos juntas para o negro gigantesco atrás de nós. Ela se atirou e sumiu nos braços dele, que já estavam abertos exigindo o abraço apertado que presenciei, num misto de ciúme e curiosidade…

– Ah! Que bom te encontrar! Vai tocar?

– Com certeza! E se não fosse tocava, só porque você tá aqui!

Para minha surpresa, assim que saiu do abraço Sunny se virou para mim:

– Chocolate, essa é a Camila. Camila, o Chocolate é um grande amigo meu. Músico magnífico!

Ele estendeu uma mão enorme, que apertei enquanto dizia:

– Prazer!

E Chocolate, com um sorriso tão grande quanto ele respondeu:

– O prazer é todo meu! Amiga da Sunny é amiga minha!

Tudo bem, eu já tinha bebido. Todas nós tínhamos. E Chocolate realmente era exatamente como Sunny havia descrito: um músico magnífico. Munido apenas de um violão tocou músicas de todos os tipos e estilos. Todo mundo se animou e a areia se transformou em pista de dança, uma verdadeira festa. Quando dei por mim também estava dançando… Na frente dela, com ela, para ela… Que se movia de um jeito indescritível. Flávia se encarregou de não deixar minhas mãos vazias. Trocava as latinhas por cheias assim que eu as esvaziava. Perdi a conta de quantas virei sem sentir o gosto… O tempo se estendeu e dobrou… Até um ponto que pareceu inexistir… Passou… Tanto que o sol se foi e a luz começou a diminuir… Mas sequer tentei captar a beleza do pôr de sol, nem poderia… A morena insinuante na minha frente… Era a única coisa que eu via…

Então… Chocolate entrou rasgando com Bob Marley: “Is this Love?”. E sem parar de acompanhar o ritmo, Sunny se aproximou. Em nenhum momento me tocou, mas o calor entre nós quase me fazia acreditar que ela estava colada em mim. Eu simplesmente me deixei levar… Estava bom, muito bom… Não queria parar, pensar, muito menos me culpar… Próximas, muito próximas… Centímetros nos separavam… Ainda assim eu estava completamente despida de qualquer tipo de certeza… Um medo insólito surgiu: “E se eu estivesse imaginando coisas? E se fosse só mais uma loucura da minha cabeça?”

Ela sorriu… Meus olhos se fixaram na boca carnuda… Que se entreabriu… Para sussurrar como se pudesse ler meus pensamentos:

– Eu quero…

Antes de tomar meus lábios com os dela…

No início foi suave. De leve apenas. Como se ela soubesse, compreendesse, mostrasse… O quê? Não saberia dizer. Racionalizar tornou-se uma impossibilidade…

Fazia mais de dois anos que eu não permitia nem sentia vontade que alguém me tocasse. E pareceu incrivelmente certo que fosse eu a aprofundar o contato… Possuída por uma necessidade quase vital de prová-la… Investi com a língua… Ela abriu espaço… Consentindo e correspondendo sem a menor passividade…

Respirar se tornou cada vez mais difícil e ao mesmo tempo, facílimo. Como se ela… Me oferecesse o ar. O Universo, lindamente infinito, parecia estar contido naquele beijo… Inteiramente preenchido de tremores, suspiros, gemidos… Me fazendo desejar, precisar, me lançar em busca de mais…

E foi esse mais, exatamente esse mais, que me travou… Como uma onda arrebentando e varrendo por completo toda a areia da praia.

Ela me soltou imediatamente, assim que sentiu minha imobilidade. Manteve o olhar no meu enquanto eu me afastava. Um passo, dois, três… Para trás. Antes de me virar e sair quase correndo. Só parei na beira do mar, com os pés submersos na água gelada. Apesar de manter o rosto escondido nas mãos, pude sentir perfeitamente a presença de Flávia. Ela não disse nada, apenas ficou parada ao meu lado.

Uma única palavra surgiu, silenciosamente dentro de mim, como se me tomasse: “Sandra…”

Sem que eu já tivesse tanta certeza a quem aquele nome estava ligado… 



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2022 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.