Músicas que embalam o capítulo:

Sunny – Jennyfer Hunter

O que foi aquilo?

O que aconteceu?

Como assim “Preciso mesmo ir?”

Quantas perguntas mais eu poderia fazer tamanha minha… nem sei denominar o que estava sentindo naquele momento.

Acho que a incredulidade era a minha única companheira naquela sala vazia. 
Não consigo dizer com exatidão, por quanto tempo continuei parada ali, ainda nua, olhando para a porta. Era como se dentro de mim, eu ainda tivesse a esperança de que aquilo era um pesadelo, sabe? Não era possível, pelo menos na minha realidade, ter transado tão gostoso com ela, pra logo depois ser deliberadamente descartada. Não… definitivamente não era possível. Talvez se aquela porta se abrisse e por ela entrasse Camila, eu teria a certeza de que estava sonhando. E creio ter sido esse desejo que me fez permanecer diante daquela porta fechada, de costas para mim… o gesto de deslizar as mãos pelo paredão da madeira bruta, imóvel, insensível, foi a representação da ausência de nexo, sentido, orientação… já não sabia mais o que estava fazendo. Era ridículo estar ali aguardando o retorno dela, contudo, era esse o papel que me cabia… o ridículo.  Como eu podia querer tanto ela de volta, se na verdade foi ela que causou essa  dor que consumia tudo em mim? Era mais que uma dor física… era moral, psicológica até.

 A mão esquerda desceu até a maçaneta e a segurou com o desejo de que ao girá-la, Camila pudesse estar do lado de fora, sorrindo, achando graça do meu desespero. Mas eu já sabia que isso não ia acontecer.

Bati a testa na porta por três vezes ao mesmo tempo em que me perguntava: Por quê? Por quê?  Por quê? Não tive resposta para nenhuma das três perguntas. Nenhuma.

E virando de costas para a porta, deixei o corpo cair, deslizar em sincronia com as lágrimas. A primeira saiu tímida, com o piscar dos olhos… a segunda saiu amarga, carregada de mágoa, de ressentimento… levar a mão ao rosto para conter a avalanche em que tinha se tornado era simplesmente inútil.

 O que eu tinha feito pra merecer aquilo? A mulher que parecia estar louca por mim,

foi a mesma que me usou da maneira mais… mais … suspirei tentando recuperar o fôlego. E tentei não pensar em mais nada… apenas me permiti que os lábios se retorcessem, tentando se controlar em meio a tanta dor. A cabeça foi até os joelhos e ali descarregou o choro… sem nenhuma vergonha.

O vento gelado que passou por debaixo da porta, me fez perceber que ainda estava nua. Limpei o rosto… levantei… tranquei a porta e fiquei por um instante olhando para a sala,  aquele lugar onde a filha da mãe da Camila tinha me beijado pela última vez.

Visualizei toda a cena… dela encaixando as pernas na calça jeans, procurando as sandálias e depois arrumando o cabelo, antes de vir e me beijar com a cara mais lavada do mundo. Que merda! Soquei o ar no desejo de poder socar a cara dela.

Passei pelo cômodo e acabei voltando ao quarto, o único confidente daqueles momentos quentes… Olhei para minhas roupas caídas ao chão. Cada peça tirada às pressas por ela, louca pra se saciar com meu corpo… E ao ir recolhendo cada uma, que mais parecia ser os meus cacos, então pude perceber a bagunça que estava feita dentro de mim.  

Não deitei, apenas deixei meu corpo cair no colchão com aquela roupa de cama toda desarrumada… do mesmo jeito que se encontravam todos os meus sentidos.

O sentimento agora? Não era somente um…. aliás, quais os nomes eu podia dar a eles?

Decepção, angústia, desilusão, amargura, mágoa, dor… seja lá o que fosse, todos eles me levavam a chorar ainda mais forte. Era como se eu quisesse, por meio das lágrimas, extrair todos os maus sentimentos, impeli-los e com isso não senti-los mais e nem me lembrar mais de Camila. Mas como eu conseguiria?

Será que eu estava fadada a não viver com alguém que pudesse me fazer feliz? Ou será que eu sofria do feitiço de Áquila, aquela mesma maldição que condenava Isabeau e Capitão Navarre a não estarem na mesma forma humana para se amarem ao longo de suas vidas?  

Eu nunca tinha encontrado tanto interesse em alguém. Foi pura sinergia ao olhar para ela. E com Camila… ah … com ela foi… foi mágico, único… logo na primeira vez em que a vi, ainda de longe… aqueles olhos me disseram tudo, menos que ela não prestava.

Não era a toa que tinha sida abandonada pela mulher. Na certa, deve ter fugido de propósito. Devia se satisfazer, virar pro lado e dormir. Isso sim! E eu, idiota, caí nos encantos daquela safada com cara de sofredora, santinha do pau oco. Como é que eu não tinha notado isso antes?

Foi só ela chegar com aquela carinha de coitada, com aquele joguinho de quero, mas não devo… aí vem com aquele beijo na praia… no bar e depois coloca na bebida a culpa por tudo. Se bem que nem isso ela se deu o trabalho de falar.

Estava indignada e ao mesmo tempo arrasada com tudo aquilo. Foi rápido demais… o primeiro contato, o primeiro beijo, a pegação e depois o sex… Filha da puta!   

Deixei a respiração voltar ao normal… peguei um travesseiro e o abracei… deixando o choro vir mais forte… em convulsões… como um vulcão em erupção tentando quase que por sobrevivência se livrar de todos os magmas guardados por anos e anos. As cenas quentes insistiam em passar e repassar bem devagar em minha cabeça… parando numa super câmera lenta bem nos detalhes mais excitantes… naquele sorriso sem vergonha, nas mordidas que dava em minha boca… no olhar safado que ela lançava enquanto sugava meus seios duros de tesão…  nas lambidas que dava em minha orelha, suplicando para que eu não parasse de penetrá-la… e no gemido alto com o gozo farto e quente dentro da minha boca.

Só me lembro dela me perguntando algo do tipo se eu estava pronta… mas pronta para quê? E a resposta veio em múltiplos espasmos tão variados que eu não sabia que era possível sentir tanto prazer assim. Camila foi certeira, precisa, uma perita ao pulsar sua língua no meio das minhas pernas…  puxar seus cabelos curtos era a tentativa de me manter consciente enquanto gozava pra ela uma, duas, três vezes. E bastou um toque suave bem na pontinha do meu órgão para que eu explodisse pela quarta vez… a coluna parecendo se diminuir tamanho ao prazer que aquela mulher tinha me dado. Camila sabia bem o que fazia… e eu, ah se eu não fizesse nada, morreria nas mãos dela.

E mesmo sendo novata nesse assunto, precisava proporcionar a mesma coisa a ela também. E como? Lógico que tentando repetir o mesmo, mas com a minha pitada. Afinal, sexo era comigo mesmo… era sem pudores, sem vergonha e sem limites… Me coloquei por cima dela… tomei seus seios em minhas mãos, que brincaram com eles… me curvei para morder os dois biquinhos enrijecidos… lambi…suguei… me esfreguei… deixei ela louca… Rebolava pra ela, que usava suas mãos para acariciar os meus seios, num pedido velado para que eu não parasse… e não parei até me enfiar entre suas pernas, sentindo aquele cheiro… era simplesmente o melhor que já tinha sentido… agradável… convidativo… embriagador… e antes do toque… do primeiro toque… subi novamente, lambi seu queixo lentamente, joguei suas mãos para trás da cabeça… olhei bem dentro daqueles olhos desesperados, a boca entreaberta… sorri e disse depois de lhe tascar um beijo intenso… – “Agora é minha vez!’  Descendo em seguida. O contato da língua naquele sexo molhado fez Camila tremer e pedir mais… e querer mais… ora devagar, ora rápido… Obedientemente conduzi minha língua aos ritmos dos quadris dela… até que pude sentir todo o prazer em minha boca. Era ela… era ela que eu queria, completamente deliciosa para mim.

Acabei vencida pelo cansaço e adormeci, fugindo assim da laceração que era pensar naquela mulher.

Acordei já era domingo à tarde. E assim que abri os olhos, as lembranças retornaram, trazendo-me à mesma realidade, ao mesmo tormento, gerando um desprazer insuportável e quase inesgotável. A grande ideia foi tomar um banho, na tentativa burra e incoerente de tirar todo e qualquer vestígio dela. Queria limpar o toque, o cheiro que ainda estavam grudados em mim. E acabei rindo do meu pensamento idiota, pois sabia que essa ação não iria fazer a dor escoar pelo ralo, bem como a água nova e quente também não me retornaria na Sunny de antes. Cabia a mim, somente a mim, saber conviver com o fato de que Camila apenas quis se satisfazer comigo e ponto final. Ia doer por um tempo, mas depois ia passar… até porque já tinha dado, né? Acabou. Estava mais do que hora dela se tornar passado pra mim. Não ia mais me permitir ficar choramingando por aquela coitadinha.  Como eu costumo dizer, fila que anda! E que venha o próximo. Ou a próxima! Afinal, o meu leque de opções tinha aberto!!!  

Enrolei-me na toalha… fui para a cozinha fazer algo para me manter de pé. Estava sem ânimo para cozinhar, mas mesmo assim, me dei ao luxo de preparar um macarrão instantâneo. Geralmente eu comia bem, gostava de me alimentar bem, pois as horas de caminhada pelas praias me exigiam uma boa forma. Mas hoje realmente não queria gastar energia com isso. Não precisava de forças…

 Antes de começar a comer, dei play no som, que na mesma hora me devolveu o som com a voz da Zélia Duncan. A música veio entoando frases que mais pareciam terem sido feitas para mim, como um presságio talvez.
Em meio às garfadas, flashes vinham em minha mente com a letra daquela canção.

“Em caso de dor, ponha gelo
Mude o corte do cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema, dê um sorriso
Ainda que amarelo
Esqueça seu cotovelo
Se amargo for já ter sido
Troque já este vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério, deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada milágrimas sai um milagre
Em caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa
Coma somente a cereja
Jogue para cima, faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra apenas, viva apenas
Sendo só fissura, ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena, reze um terço
Caia fora do contexto, invente seu endereço
A cada milágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas, três, dez, cem mil lágrimas, sinta o milagre
A cada milágrimas sai um milagre.” 

(Itamar Assunção, Milágrimas)

Ao final da musica, contrariando a promessa de superação que tinha acabado de fazer, mais de cem mil lágrimas já tinham caído do meu rosto. E não tinha saído milagre algum! Confesso. Foi um choro carregado de mágoa e raiva, por ter acreditado que Camila pudesse me dar o que ela não tinha. Fui tão burra! Eu me permiti. E num rompante, me levantei, peguei as chaves, o mp3 e sai por aí… se eu permanecesse em casa iria pirar de tanto pensar nela. Afinal, a presença dela ainda estava recente. Eu precisa renovar as minhas visões para extirpar tudo e qualquer lembrança que aquela mulher tinha deixado em mim.

Caminhei sem uma ideia de lugar na cabeça. A única coisa que eu não queria era encontrar com as meninas. Não podia ir até a barraca delas, pois iriam me fazer um monte de perguntas, e ainda corria o risco de encontrar com Flávia e sua trupe. Com a raiva que estava da Camila, não saberia o que fazer se desse de cara com ela. Das duas uma: Ou dava na cara dela ou… dava na cara dela! Não tinha a segunda opção!

Andei até que, por fim, acabei sentando em uma pedra que me presenteava com uma vista linda e reconfortante de Porto Belo. Gostava de estar ali… sempre que precisava sair desse mundo, pensar um pouco, ia pra lá.

Fiquei admirando o mar e inevitavelmente vieram lembranças das minhas aventuras pelo mundo afora, dos lugares pelos quais passei pegando carona por aí, das festas regadas de bebidas e danças… das pegações, dos dias em um tostão… das pessoas que conheci e de outras com quem tive apenas uma trepada gostosa e… lembrar disso me fez pensar nela…  naquela mulher com quem eu tinha tido uma noite sem igual. Pelo menos para mim tinha sido tudo… perfeito! Até aquela vagabunda me deixar lá plantada que nem uma carne fincada no açougue, esperando o próximo da fila.

O vento estava muito gelado… tinha esfriado um pouco… nuvens estavam se formando… então peguei o caminho de volta pra casa. 
O choro havia dado uma trégua aos meus olhos inchados. Estava muito pensativa…  Decidi que não ia mais me decepcionar com ninguém. Não ia esperar nada de ninguém. Iria continuar vivendo minha vida do mesmo jeito. E uma coisa era fato! Não queria saber de Camila nunca mais! Mesmo que meu coração tentasse me mostrar o contrário.

Corri um pouco para fugir da chuva que caiu antes deu chegar… fui direto para o banheiro tomar um banho quente, mas não podia deixar de ligar o som pra me acompanhar… Não conseguia ficar em casa sem escutar música. Era uma paixão.  

Deixei a água quente lavar minha alma… cair sem pressa… limpando a mente… até que a música que começou a tocar, trouxe aqueles momentos recentes… devolvendo pra mim o sentimento de frustração, ódio e arrependimento. Cantei em voz alta aquele refrão, invocando o desejo de amanhã ser um dia diferente, sem lembranças, sem dor…

“Oh simple thing where have you gone
Oh coisa simples, pra onde você foi?

I’m getting old
Eu estou ficando velho

And I need something to rely on
E preciso de alguma coisa para confiar

So tell me when you’re gonna let me in
Então me fale quando você vai me deixar entrar

I’m getting tired
Eu estou ficando cansado

And I need somewhere to begin
E preciso de algum lugar para começar

 So and if you have a minute why don’t we go
Então se você tiver um minuto por que nós não vamos

Talk about it somewhere only we know?
Conversar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

This could be the end of everything
Isso poderia ser o final de tudo

So why don’t we go
Então por que nós não vamos

Somewhere only we know?
Para um lugar que só nós conhecemos?

Somewhere only we know?
Para um lugar que só nós conhecemos?”

Certas canções parecem tocar justamente nos momentos mais impróprios, ou próprios dependendo do ponto de vista. Ao sair do banheiro, ainda nua, fui ao som e apertei o repeat para mais uma vez poder cantar e me lembrar das mãos da Camila me possuindo pela segunda vez depois da minha súplica para ela ficar um pouco mais… para repetir tirar mais o meu fôlego e sugar meu gozo mais uma vez… deitar com ela… sentir suas mãos apertando meu corpo com firmeza… com veemência… com vontade de que aquele momento não terminasse. Simples coisas traduzidas em olhares… o desejo dela, o meu… saciando-nos debaixo do lençol… só queríamos nos sentir… nos permitir… e que nada nem ninguém nos tirasse dali.

Fiquei estirada na cama, como se estivesse aguardando algum acontecimento. Sorri e prometi pra mim mesma que nunca mais esperaria nada de ninguém. Virei para o lado, abracei o meu parceiro de todas as noites, e esperei o sono me levar para caminhos mais felizes…  

Horas depois eu acordei e lembrei de que era segunda. Dia de sentar e fazer meus cordões, pulseiras, brincos e demais adornos para abastecer a barraca das meninas e vender por ai. Mas quem disse que eu conseguia? Estava mole, com dor no corpo, me sentindo estranha. Mesmo indisposta me forcei a preparar um café, que desceu incomodando a garganta. A casa estava uma bagunça só, mas não tinha disposição para arrumar nada. Deitei no sofá já ligando a tv… zapeei um pouco os canais, procurando algo de interessante. O frio foi ficando mais forte… e antes de eu me aconchegar debaixo da manta, ouvi o barulho de um carro estacionando, para instantes depois tocarem a campainha. Me enrolei naquele tecido que eu ia fazer de cobertor e levantei para atender. Advinha? Estava demorando. Ive e Lú vieram caminhando ao mesmo tempo em que analisavam meu rosto. Chegaram perto e Ive veio logo dizendo:

 – Mulher, tá viva? Desde ontem você não dá sinal de vida. Tá tudo bem? – Indagava enquanto me abraçava.

– Está…está sim.

Devolvi o abraço forte. Mas por mais que eu tentasse, a minha voz não me deixava mentir.

– Hey! Não está não. 

Ela afastou-se pondo a mão na minha testa.

– Eu tava deitada…

Lú veio me abraçar e confirmou. 

– Garota, você tá quente! Isso é febre.

Elas entraram, e Lú já foi logo metendo a mão no armário, procurando o termômetro.

Sentei e me cobri automaticamente.

– Toma… coloca isso debaixo do braço.

Ordenou. Realmente eu estava quente mesmo.  

Ive não se aguentou e começou com a inquisição. 

– O que você tem que está com essa carinha?

– Ah sei lá… acho que tô meio deprê…

Dei aquele sorriso falso e nada convincente. Lú, atenta como só ela, sabia que tinha acontecido alguma coisa. Foi comendo pelas beiradas.

– Ontem as meninas não apareceram na praia. Acho que foram embora logo cedo. Você se despediu delas?

Perguntou enquanto sentavam no outro sofá de dois lugares.

– Não. Não falei com ninguém ontem.  – Respondi.

– Nem com a Camila? – Perguntou Ive cheia de más intenções.

– Deixa de ser indiscreta, mulher! – Ive foi repreendida na mesma hora.

– Tadinha Lú, deixa a Ive. Então… não falei nem com a Camila.

– Como assim?

As duas perguntaram juntas. Resolvi falar, não ia conseguir esconder por muito tempo mesmo.  

– Bem… Já que estão sentadas, vou contar logo. Nós… nós transamos. Pronto. Contei.

– Vocês transaram? Não se contendo de curiosidade, Ive continuou: –  E como foi? Conta! 

Lú permaneceu imóvel, apenas me analisando.

– Ah…foi … foi bom. Tinha tudo pra ser excelente… mas… – Se fez um silencio. Nenhuma das duas teve coragem de perguntar. Coube a mim dar continuidade naquela história. – Mas assim que terminamos ela levantou e foi embora.

Eu podia ver nitidamente a decepção e surpresa surgindo no rosto delas. Incrédula, Lú perguntou num tom sombrio, sério…

– Ela… ela fez o quê? Você só pode estar brincando.

– E por que eu brincaria com isso? É isso mesmo que você acabou de ouvir.

– Ela foi embora ao meio da noite?

Minha voz já estava embargada novamente… Levantei para tentar disfarçar…

– Lú, o que eu podia esperar daquela mulher? Ela me deu o que tinha pra me dar no momento.

– Então você já está se conformando com essa canalhice?

– Não é isso, Lú. Mas é que eu fiz por onde para que tudo acabasse desse jeito. Só to mal porque ela me usou…

Abaixei a cabeça tentando não lembrar da cena em que Camila me beijava pela última vez e partia… mas foi inevitável. Deixei uma lágrima sair… as duas ficaram olhando apenas… ao limpar o rosto, completei:

– Não a culpo… Ela não tinha como saber, né? Estava tão preocupada em se satisfazer que fez de mim um pedaço de carne suculenta.

– Ela foi sacana demais pro meu gosto!

Disse Ive com raiva nos olhos.

– Vai passar…

Abaixei a cabeça.   

Lú ficou quieta, me olhando e com certeza se controlando para não explodir. Ela levantou, tirou o termômetro e constatou.

– Nossa, Sunny! Trinta e nove de febre e você dizendo que não tinha nada? 

Já estava com a mão na caixinha de remédio. Puxou um paracetamol e mandou eu tomar. Obedeci é claro!

– Olha… infelizmente precisamos ir para abrir a barraca. Toma esse remédio, beba bastante água, se alimente de repouse. A noite eu volto aqui pra ver como a senhorita está, ok?

– Tudo bem. Vou ficar aqui quietinha, tá?

Ive me deu um abraço e um beijo e sua mulher ao me abraçar, falou:

– Levanta essa cabeça. Você é muito mulher pra ficar assim.

Me deu um beijo e então partiram.

Voltei a me aconchegar no sofá me cobrindo com o cobertor. E foi inevitável pensar na Camila.

O dia avançou devagar assim como a febre… me consumindo… o sono indo e voltando… encontrava com ela nos sonhos e pensava nela quando acordava. Por que eu estava daquele jeito? Nunca me vi caída por ninguém assim… geralmente eu curtia alguém. Meu lema era sair, roçar gostoso, transar e só. Sem apego. Sem ilusões. Sem esperar um repeteco. E vivia muito bem desse jeito, obrigada! Porém, tinha esperado da Camila. Queria sexo sim, não minto. Mas… acho que no fundo, eu queria um pouco mais da presença dela. A ruptura forte e inesperada foi o efeito do que eu apenas tinha procurado.

Sequei uma lágrima… que caiu isolada… sozinha como eu… e sorri quando escutei a música que estava tocando num canal de clipes. Era perfeitamente o que eu queria falar para Camila.

“I know I can’t take one more step towards you
Eu sei que não posso dar mais um passo em direção a você

Cause all that’s waiting is regret
Porque tudo o que me espera é arrependimento

Don’t you know I’m not your ghost anymore
Você não sabe que eu não sou mais o seu fantasma?

You lost the love I loved the most
Você perdeu o amor que eu mais amei

I learned to live, half alive
Eu aprendi a viver, meio viva

And now you want me one more time
E agora você me quer mais uma vez

And who do you think you are?
E quem você pensa que é?

Running ‘round leaving scars
Deixando cicatrizes por aí

Collecting your jar of hearts
Coletando seu pote de corações

And tearing love apart
E rasgando o amor ao meio

You’re gonna catch a cold
Você vai pegar um resfriado

From the ice inside your soul
Do gelo dentro da sua alma

So don’t come back for me
Então, não volte pra mim

Who do you think you are?
Quem você pensa que é?
Dear, it took so long just to feel alright
Querida, levou tanto tempo pra eu me sentir bem

Remember how to put back the light in my eyes
Se lembra como colocou o brilho de volta em meus olhos

I wish I had missed the first time that we kissed
O desejo que achei ter perdido desde a primeira vez que nos beijamos

Cause you broke all your promises

Porque você quebrou todas as suas promessas

And now you’re back
E agora você está de volta

You don’t get to get me back

E não vai conseguir me pegar de volta

 And who do you think you are?

Running around leaving scars

Collecting your jar of hearts

And tearing love apart

You’re gonna catch a cold

From the ice inside your soul

So don’t come back for me

Don’t come back at all

Who do you think you are?

Who do you think you are?

Who do you think you are?”

Quem ela pensava que era? Ela não era ninguém. Só uma mulherzinha bonitinha e gostosa. Só. Tem um monte igual por ai. Não ia ser aquela cachorra que ia tirar o sossego e confiança do meu espírito. Não mesmo! Decidi que assim que a febre fosse embora, eu ia sair por ai exatamente como sempre fiz… curtir a vida, frequentar as festinhas e me divertir. Camila logo, logo cairia no esquecimento.

Tomei mais remédio e deitei novamente…sendo absorvida rapidamente pelo cansaço. Acordei com a campainha tocando. Já era noite… Levantei com dificuldade e fui lá abrir a porta.

– Quem é? – E como resposta veio a voz da Lú. – Perae! Já to indo! 
Abri a porta pra ela, que estendeu a mão e disse:

– Ive fez pra você!  
Era um bolo de cenoura com chocolate. Eu simplesmente amava. 
Agradeci e abri caminho para que ela entrasse. Antes dela sentar, verificou se eu ainda estava com febre…

– Hum… cadê o termômetro, queridinha? 
– Tá ali… 
Colocou de novo embaixo do meu braço e falou pra eu continuar sentadinha. 
Foi até a cozinha e voltou com pano de prato, copos, pratos e faca. 
Cortou um pedaço de bolo e estendeu a mão pra mim. 
– Coma! Você precisa se alimentar. 
Depois que dei a primeira mordida, notei que estava faminta. Detonei o pedaço rapidamente e pedi outro logo em seguida. Lú puxou o objeto debaixo do meu braço e  analisou meu quadro clínico.   
– Bom… vejo aqui uma leve melhora. Você ainda está febril. Com 37,5º. Precisa continuar tomando remédio, comendo e repousando. 
– Obrigada por se preocuparem comigo. 
– Que isso! Tem que agradecer não. Somos a sua família, lembra? E então, como tá o bolo? 
– Humm tá uma delícia! Ive sempre mandou bem na cozinha. Muito bom mesmo! 
– Bom… passei aqui para ver como está a senhorita. 
– Agora estou bem, Lú. Digerindo. 
– Que ótimo! Cara, eu fiquei com muita raiva daquela fulaninha…
– Amiga, daqui a pouco isso será só uma lembrança. Vai passar. 
– Sei não hein… Posso te fazer uma pergunta? 
– Faça! Ordenei enquanto colocava mais um pedaço de bolo no meu prato. 
– Sei que não quer lembrar… mas agora que Ive não está aqui… Me conta! Como foi transar com uma mulher pela primeira vez? 
Parei… olhei pra ela e sorrindo respondi: 
– Já esqueceu de como foi a sua, Lú? 
– Não. Por quê?
Ela enrugou a testa. 
– Se lembra, então não preciso te lembrar como é, né?!
Soltei uma gargalhada com a cara de enfezada que ela fez. Sabia que não ia conseguir tirar detalhes daquela minha noite com Camila. O que tinha acontecido ia ficar só entre mim e ela. 
– Ah…para… não vai dizer nada? Se foi como imaginou, se teve nojo… sei lá! 
– Tá… posso dizer que se eu soubesse que era tão gostoso, amiga… não tinha ficado só nos beijos com as gurias. Já tinha começado faz tempo! 
Respondi enquanto dava um pedaço do bolo pra ela. 
– Então quer dizer que agora vai experimentar mais vezes? 
– Hum… se aparecerem candidatas, por que não?  
Sorri antes de abocanhar o meu pedaço. 
– Sunny, Sunny… tu é linda! Com esse corpo, com esse seu jeito descolado, vai chover sapa na sua horta.  
– Agora vai chover? Por acaso elas vão saber que já fiz coisinhas com uma mulher é?  
– Não querida, elas vão sentir! 
Sorriu como quem se divertia com algo que eu não conseguia entender. Agora foi minha vez de enrugar a testa.
–  Perae, por acaso passei a exalar algum cheiro depois de transar com a Camila? 
Sorri. 
– Quase isso, amiga. Quase isso! Com o tempo te explico o nosso segredo.  
– Ok ok. Agora cala a boca e come mais um pedaço. 
Tentei mandar na situação. Mas não adiantou.  
– Não… Deixe o bolo pra você comer. Você precisa. Eu já estou indo. Sabe como é, patroa em casa. Não posso demorar muito! 
– Tudo bem. Obrigada viu? Disse enquanto me encaminhava para a porta… e logo depois dando um abraço nela. 
– Amanhã eu volto pra te contar mais sobre o poder do seu cheiro! Falou alto e rindo enquanto já passava do portão. Dei tchau e fechei a porta. Peguei as coisas e levei pra cozinha. Parti uma lasquinha de bolo enquanto achava graça dessa história de cheiro. Ao lamber o dedo coberto de chocolate, imaginei minha língua passando por aquele corpo… desejando bem no meu íntimo, como um desejo velado, que Camila reaparecesse naquele momento e me tomasse inteiramente pra ela. 



Notas:



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