ALÉM DAS PALAVRAS

10. MOSTRANDO A DIFERENÇA

O sol ardia forte sobre suas cabeças, enquanto retornavam para o carro em ritmo bem mais lento que o da ida. Seguiam pela trilha estreita em fila, envoltas em um silêncio quase doloroso para Aléxia que já que tinha se deixado cair em reflexões profundas, graças ao rompante de Nicole. 

Estava muito irritada com ela e não se privava de enviar alguns olhares raivosos para as suas costas. Mas, também, ligeiramente abalada. E, de certo modo, agradecida. 

Odiava se entregar àquele tipo de análise sentimental. Até momentos antes, acreditava que Vivian era a única capaz de lhe atirar naquele mar revolto de sentimentos confusos. Ledo engano. 

Mordiscou os lábios, arrependida por ter comprado apenas duas águas. A sua tinha acabado dez minutos antes e a garganta permanecia seca. 

Saíram da trilha e entraram em uma estradinha de terra ladeada por muito mato e algumas árvores frutíferas. Quase não havia pegadas na areia, já que poucas pessoas costumavam visitar aquele lugar. 

Ergueu o olhar para Nicole que caminhava um pouco mais à frente. Depois da discussão, ela se vestiu e perguntou se poderiam retornar. Limitou-se a lhe responder com um inclinar de cabeça e, desde então, o único som que lhe chegava, vindo dela, era os de seus passos afundando na areia e cascalho. 

Levou as mãos à cabeça. 

— Nicole — chamou. 

Ela não se voltou e continuou a caminhar com passos decididos. Estava cada vez mais irritada com Aléxia e com todos aqueles sentimentos que se digladiavam em seu interior, implorando para ganhar voz. Sentia-se prestes a explodir e, se isso acontecesse, não conseguiria pôr freios na língua. Iria jogar por água abaixo toda e qualquer oportunidade que tivesse de conquistá-la, por mínima e insignificante que fosse. 

— Nicole — a chamou novamente. 

A loira não se voltou. Continuou em frente, reunindo forças para retornar a sua calma costumeira, a mesma calma que lhe custou tanto adquirir. Um dia ao lado de Aléxia e anos de trabalho duro se esvaíam como as águas daquela cachoeira ao entrarem naquela caverna escura. 

— Nicole! — Gritou. 

— Que é?! — Girou sobre os calcanhares, o rosto afogueado pelas emoções e sol forte de quase duas da tarde. Não usava o boné, que trazia enrolado na mão, tão apertado que a aba quase se partiu no interior do tecido. 

Outra vez, Aléxia assustou-se com seu rompante e, em vez de falar o que realmente queria, a convidou a sentar sobre um tronco debaixo de uma mangueira na beira da estradinha. Não queria discutir, mas Nicole parecia estar disposta a entrar numa querela. 

— Vamos fazer uma parada — falou branda. — O sol está forte e ainda estamos na metade do caminho. 

A moça respirou fundo, precisava mesmo de um descanso. A caminhada até a cachoeira foi mais amena. O retorno para o carro estava lhe saindo bem mais desgastante e a confusão de sentimentos em que se encontrava, não estava ajudando em nada. 

Juntou-se a ela debaixo da mangueira, mas preferiu sentar no chão em vez do tronco no qual ela se aboletou. Havia um silêncio constrangedor entre elas, interrompido apenas pelo som dos pássaros e vento a balançar a copa das árvores. Cinco minutos se passaram até Aléxia tomar fôlego e perguntar: 

— Você me acha uma idiota, não é? 

Seus olhos se fixaram nela, admirando o modo como os cabelos curtos lhe caíam bagunçados sobre a testa, o rosto afogueado pelo esforço da caminhada. As roupas, ainda úmidas, deixavam à mostra a curva dos seios, convidando-a a se demorar naquela imagem, contudo, forçou-se a retornar o olhar para a face que se mostrava ansiosa por sua resposta. 

— Não. Nunca achei. Inocência e idiotice são coisas bem diferentes. 

O princípio de um sorriso visitou seus lábios, diante da surpresa dela. Que coisa mais estranha e dolorosa era se ver tão apaixonada por ela, apesar de tantos anos distantes. Vivian afirmou que Aléxia entrou em parafuso depois que a beijou na noite anterior, mas a verdade é que foi ela, Nicole, que ficou assim, completamente a mercê dos sentimentos que nunca revelou. 

— Você é sim, inocente. Não fosse isso, as pessoas não a machucariam tanto. Eu não teria conseguido te machucar como fiz, assim como “ela” também não. — Ergueu a mão, impedindo que retrucasse. — Não entenda isso como uma crítica ou algo ruim. Isso faz de você ainda mais bela. Você tem raiva, quer se vingar, se esforça para expulsar sua dor de um jeito que magoe a quem te machuca, mas não consegue porque não é da sua natureza e isso é o que mais admiro em você, apesar de me irritar um pouco. 

Baixou o olhar para as próprias mãos que alisavam o tecido negro do boné dela. 

— Às vezes, gostaria que tivesse me enfrentado — revelou. 

Falava do passado e Aléxia compreendeu. 

— Eu enfrentei. 

Ela riu. Baixo, suave, com uma nota de cansaço. 

— Você quis, mas não fez de verdade. Se tivesse tentado com mais afinco, talvez as coisas pudessem ter sido diferentes para nós duas. 

Seus ombros se curvaram com o peso do passado. Estava cansada de relembrá-lo sempre que olhava para ela, mas, quanto mais o fazia, mais reconhecia o quanto a ainda a amava e precisava, pelo menos, lhe contar o que sentia e os motivos de tê-la magoado tanto. 

Aléxia a fitava, sem saber o que responder. Aquela não era mesmo a Nicole da qual se recordava e começava a rever seus conceitos sobre ela. Já o estava fazendo desde a manhã em que despertou no apartamento dela. A Nicole do passado jamais se deitaria na mesma cama que ela ou lhe permitiria a entrada em seu quarto, sua casa. 

A raiva que sentia e, provavelmente, sempre sentiria, a cegou para esses pensamentos que tratava de afastar sempre que lhe chegavam à mente. Apegava-se ao ressentimento para não admitir as mudanças que via nela. Mudanças cristalinas como o verde de seus olhos. 

A Nicole do passado mudava sua postura sempre que a via. Seu sorriso, seu olhar, seus gestos, tudo ganhava uma nova versão quando se encontravam diante uma da outra. Aquela Nicole parecia sempre relaxada, com semblante sempre ameno, por vezes, triste. Às vezes, ela resgatava a garota que recordava, como o fez no jantar da noite anterior, ou na mesa do café, àquela manhã. Mas era uma fração tão pequena da mulher que foi, que aquilo não chegava a lhe incomodar ou causar receio. 

Arreou os ombros e fez algo que tinha passado as últimas semanas jurando não fazer. Decidiu ver Nicole, apenas como a mulher que se apresentava no presente. Seria custoso, mas iria tentar, então obrigou-se a erguer-se e juntar-se a ela no chão. Os ombros se tocando, suavemente.  

— Desculpe pelo que disse na cachoeira — Nicole exalou, satisfeita com o contato suave da pele dela. 

— Se você disser que esse mau humor repentino não é TPM, então começarei a acreditar que já está começando a não achar tão divertido “me namorar”. 

Ela riu, balançando a cabeça. 

— Perdão se te ofendi ou magoei pelo que disse, — insistiu — mas é o que realmente penso. Você merece mais, Aléxia. Merece mais que um segredo. 

A morena se obrigou a não perguntar, novamente, o que tinha lhe acontecido para mudar tanto. Então, simplesmente, lhe sorriu. 

— Está tudo bem. Acho que precisava ouvir aquilo e concordo que possa estar certa, em parte. Eu ainda amo Lis, de verdade. 

Nicole se encolheu um pouco, tentando fazer com que não notasse a sua decepção. No entanto, Aléxia percebeu algo, embora não conseguisse interpretá-lo naquele momento. 

— Mas não é um amor como o de antes. Jamais voltará a ser. Ela foi importante para mim, sempre será. Ela me mostrou a força de um amor, a alegria, a pureza. Me deu os sonhos, a felicidade e, também, me apresentou a dor e a decepção. Ela me marcou como você e não pode me culpar por ainda ficar balançada com seus beijos. 

Respirou fundo, recostando-se no tronco às suas costas, assim como ela tinha feito. 

— Ela me confunde, desestabiliza tudo que tinha como certo em minha vida. Assim como você também faz. — Sorriu de lado. — Uma eu amei, a outra odiei. As duas resolveram retornar a minha vida ao mesmo tempo e não poderia me encontrar mais confusa. 

Nicole fechou os olhos, a palavra “odiei” pesando em seu coração. Mas não deixou de sentir um pouco de esperança ao notar que Aléxia a usou no passado. 

— Como você disse, não sou mulher para a “cozinha”. Por mais que quisesse estar com ela novamente, jamais me permitiria fazê-lo. Primeiro, porque ela me magoou tanto e ainda continua magoando, que não conseguiria acreditar em nada que me dissesse, até seus gestos me pareceriam falsos. E, por último, porque nunca machucaria meu irmão como ele me machucou sem saber. 

Alguns minutos se passaram e Nicole se deixou cair na letargia daquele momento. Não queria pensar em nada, embora o que ela lhe disse sobre Lis tivesse aplacado parte da sua raiva. A outra parte, deixou de lado para aproveitar o sossego daquele lugar e o calor do ombro dela tocando o seu. 

— Sabe, — Aléxia falou, a fitando de lado com um sorrisinho — devo admitir que você está se saindo uma namorada maravilhosa. Pelo menos, estamos nos divertindo juntas! — Balançou os ombros. 

Nicole gargalhou. 

— Te falei, você nunca namorou alguém como eu! 

A acompanhou no riso, constatando que era uma grande verdade e resolveu admitir outra: 

— Acho que estou começando a gostar dessa nova Nicole. Que os deuses e todas as forças do universo me ajudem por estar dizendo isso, pois tenho certeza de que vai me jogar essas palavras na cara sempre que puder! — Riu. 

O vento soprou calando-a. Nicole abriu um sorriso jocoso e afastou-se um pouco para fitá-la melhor. 

— Acho que estamos prestes a testemunhar um novo “Big Bang” depois dessa declaração! 

As duas gargalharam, empurrando-se com o ombro suavemente. Era um momento tão leve, que até o estranharam um pouco. 

— Aposto que me ter seminua, molhadinha e agarradinha a você também teve influência — provocou. 

Aléxia revirou os olhos. 

— Estava demorando! 

— Ah, qual é! Confessa que você adorou! 

A morena riu, um pouco nervosa, mas acabou dando de ombros. 

— Ai, eu não sou de ferro, sabia?! — Admitiu. — Você é uma mulher bonita e gostosa e foi, sim, sacanagem sua me agarrar daquela maneira! Quase senti falta da Nicole de antes! 

A ex-colega riu com prazer; um riso sem deboche. Um riso de pura satisfação. 

Aléxia fitou os galhos da árvore sob a qual se abrigavam, encheu as bochechas de ar e o liberou de uma vez, tomando uma decisão. Queria saber como “aquela” Nicole reagiria sobre o que estava prestes a revelar. 

— Eu vou me arrepender disso, tenho certeza! O seu ego, agora, vai inflar como um balão. — Admirou a cor dos olhos dela que, naquele momento, estavam escuros como esmeraldas. — Eu “gostava” de você. 

Diante de sua expressão interrogativa, explicou: 

— Quando nos conhecemos, te achei a mulher mais bonita que já vi. Você era simpática, agradável… Nos tornamos amigas tão rápido e, pelos quatro meses que essa amizade durou, meio que me apaixonei por você. E aí, a casa caiu e a Nicole que eu odeio surgiu. 

Nicole parou de respirar por alguns segundos. Não conseguia, não podia acreditar. Como foi tola e cega! Seu estômago se revirou com a raiva de si mesma. Insultava-se, mentalmente, por nunca ter percebido. 

Comprimiu os lábios até que se tornasse apenas uma linha. “Idiota!”, repetia-se, enquanto Aléxia analisava suas expressões e torceu para que não percebesse o quanto aquela revelação a impactou. Perguntou-se se teria feito algo diferente, caso soubesse a verdade. 

Provavelmente, não. 

Estava muito perdida naquela época. Encontrava formas de fazê-la sofrer e satisfazia-se com isso no momento, então se trancava no quarto, desmoronando em lágrimas e se questionando a razão de querer tanto isso. A resposta lhe chegou no dia em que a viu com Lis, no estacionamento da faculdade. Jamais sentiu uma dor tão profunda quanto naquele momento. Naquele instante, soube que a amava e compreendeu suas próprias atitudes. Então, correu para casa, trancou-se outra vez no quarto e chorou por dias. Quando saiu de lá, não voltou a ver Aléxia, nem qualquer outra colega de turma. 

Respirou fundo, tentando conter a vontade de sorrir mais largo e conseguiu, por alguns segundos. 

— Eu sabia que tinha uma quedinha por mim! — Provocou. Naquele momento, era pura alegria, pois concluiu que, se ela lhe gostou uma vez, poderia voltar a gostar. 

Então, inclinou-se e a beijou. Um beijo semelhante ao que lhe deu no jantar, só que um pouco mais demorado. Levantou rindo como uma criança e se pôs a caminhar. Aléxia demorou alguns segundos para se recuperar e a seguiu, dizendo: 

— Porra, Nicole! Você não facilita! 

A colega gargalhou, abrindo os braços e se voltando para fitá-la. 

— Por que me beijou agora? — A alcançou. 

O vento bagunçava os cabelos dela, unindo-se ao riso. Parecia uma criança que acabara de fazer uma travessura. Talvez, fosse mesmo. 

— Continuo sem te beijar, “amor”. Já te disse, se eu te beijasse você saberia a diferença. — Alargou o sorriso. — E fiz isso porque você não tem ideia do quanto é divertido te deixar sem graça. 

— Ora, você é mesmo uma peste! — Bufou. 

Ela gargalhou mais uma vez e lhe estendeu a mão. Aléxia demorou para aceitá-la, mas o fez, reconhecendo certo prazer em ter aquele contato e continuaram o retorno para o carro. Já se arrependia de ter lhe contado aquilo, mais ainda porque sempre que ela fazia uma daquelas brincadeiras, mexia com suas emoções e libido. 

Havia decidido lhe dar uma chance, mas se ela continuasse a provocá-la daquela maneira… Que os céus a ajudassem! Não era de ferro e estava mesmo curiosa para saber o que aconteceria se resolvesse aceitar as provocações, ainda mais depois daquela frase bastante sugestiva na cachoeira. 

Não queria pensar muito a respeito, pois o assunto lhe daria dor de cabeça. Mas durante o resto do caminho, não conseguiu evitar de se questionar se a ex-colega, a mulher mais ignorante e preconceituosa que conheceu, tinha se rendido ao lado arco-íris da “força”. 

Balançou a cabeça, um sorriso delineando sua boca com o absurdo da ideia. 

*** 

— Não é requintado como os restaurantes que deve estar acostumada, mas garanto que a comida é a melhor que o seu paladar “fresco” irá provar — Aléxia falou, observando Nicole olhar com interesse para o prato à sua frente. 

Queria retardar o retorno para a chácara e a convidou para comer no boteco de Dona Rute. O espaço era humilde e, desde que se lembrava, sempre foi. A dona tinha condição para torná-lo mais apresentável, mas gostava da sua simplicidade e Aléxia apreciava isso, assim como o resto de sua clientela. Àquela hora, o lugar já estava lotado, apesar de ser um domingo de carnaval e a maior parte da cidade estivesse ausente. 

Nicole pegou o garfo e lhe sorriu, desprezando a provocação. 

— Não tenho frescura com isso, desde que a comida seja realmente boa. 

Pela expressão prazerosa que lhe tomou a face após a primeira garfada, soube que ela só teria elogios para a cozinheira. De fato, Nicole se mostrou muito à vontade no lugar e Dona Rute não parava de sorrir para Aléxia, aprovando sua “boa” escolha. 

Conversaram amenidades durante a refeição e Aléxia, novamente, se descobriu sentindo prazer na companhia dela e recordou o breve período de amizade que tiveram no passado. Realmente, teve uma paixonite pela moça que, se não tivesse se mostrado tão desprezível, talvez tivesse se tornado algo mais profundo. 

Não pensava sobre isso há muito tempo, muito antes de começar a namorar Lis. Provavelmente, continuaria mantendo esse fato no canto mais escuro de sua memória se Nicole não a provocasse tanto. Com um gesto afetado, afastou a lembrança do beijo que ela lhe deu mais cedo. Começava a ficar difícil fazer isso, já que ainda sentia a pressão perturbadora daquela boca na sua. Mesmo que a ex-colega continuasse alegando que não fora um beijo, era exatamente isso que tinha acontecido. 

Nicole se deliciava com um suco, quando percebeu a presença do mesmo casal que admirou cruzando a rua, mais cedo. Elas ocupavam uma mesa no canto, junto a porta. Outra vez, sentiu uma pontada de inveja da forma como se olhavam e encarou Aléxia. 

Ainda não havia se recuperado da sua revelação, nem do seu momento de audácia ao beijá-la outra vez. Sorriu brevemente e deslizou o olhar para o casal e Aléxia seguiu seu olhar, abrindo um sorriso largo, quando uma das mulheres se voltou e também a fitou sorrindo. 

Se pôs de pé quando ela se aproximou, seguida pela companheira, e deixou-se envolver num abraço demorado e sussurrado. Aléxia as apresentou como sua ex-chefe e a esposa, que moravam em uma cidade próxima dali e as convidou para sentarem à mesa com elas. Mantendo a farsa, apresentou Nicole como sua namorada e a moça sentiu grande prazer na forma que o fez, desejando que, um dia, isso viesse a ser a realidade das duas. 

Sonhar não custava nada. 

— Até que enfim! Finalmente, alguém fisgou você! — Cris, assim se chamava a ex-chefe de Aléxia, apressou-se a dizer com um sorriso brincalhão. E não passou despercebido a Nicole que havia muito mais significado naquela frase do que deixava transparecer. A mulher lhe explicou em seguida, sem demonstrar qualquer desconforto diante da esposa. — Alê e eu fizemos uma breve tentativa de alavancar um namoro há alguns anos. 

Nicole não conseguiu esconder um olhar de ciúmes, que Aléxia não reparou, pois estava concentrada em pedir que o ajudante de Dona Rute limpasse a mesa para ficarem mais confortáveis. A “namorada” se voltou, dizendo: 

— Ainda bem que foi um total desastre! 

— Concordo! — Disse Hellena, a esposa de Cris. Tinha um sorriso sereno, enquanto segurava a mão da mulher e não parecia, de modo algum, incomodada com o passado romântico entre as duas. 

Tiveram uma conversa agradável com o casal e Nicole se divertiu, conhecendo alguns aspectos da vida da “namorada”. Foi fácil deixar o ciúme de lado quando percebeu o amor que existia entre o casal. Cris só tinha olhos para Hellena. Acabou descobrindo que, na verdade, Cris ainda era chefe de Aléxia, pois era sócia na empresa em que ela trabalhava, contudo, havia se afastado para morar no interior com a esposa e se dedicava aos negócios à distância. 

Cada segundo que passaram ao lado do casal, recheou Nicole de uma saudável inveja. Queria aquilo para si, mesmo que não fosse com Aléxia. Queria alguém que a completasse daquela forma. 

Ao se despedirem das amigas, Aléxia a convidou para conhecer sua cidade a pé. Não se queixou, apesar de terem caminhado bastante até a cachoeira e de volta. Pelo contrário, se mostrou muito satisfeita com o convite e fez questão de enlaçar o braço ao seu. Aléxia estranhou a sensação de tê-la perto daquela forma, mas não reclamou ou se afastou e caminharam pelas ruas estreitas com casas antigas conversando sobre o lugar e outras amenidades. 

Lis, o casamento e o passado que tinham em comum, ficaram esquecidos durante aquelas horas e ambas se permitiram apreciar a companhia uma da outra como se fossem velhas amigas colocando a conversa em dia, após longos anos de separação. 

Começava a anoitecer quando voltaram para a chácara. 

Nicole havia adormecido durante o caminho e Aléxia se pegou a observá-la, vez ou outra. Nunca antes, depois do rompimento da amizade, haviam passado tanto tempo juntas sem brigar. E apreciou cada segundo disso. Quando estacionou, diante da casa, Nicole estava desperta e fitava o céu alaranjado, admirando o pôr do sol. Permaneceu no interior do carro com olhar fixo no horizonte, enquanto a ex-colega se demorava a fitá-la aguardando que se manifestasse. 

Aléxia exalou, endireitando os ombros, e inclinou-se na janela, desejosa de permanecer naquela paz por mais alguns instantes. Com um sorriso discreto, a convidou para ver a chegada da noite à beira do lago. 

Tiveram de dar a volta na casa para escapar dos familiares e conhecidos de Aléxia. Como Beto tinha comentado, suas tias se encontravam no local e houve uma pequena comoção quando estacionou o carro, mas, felizmente, ninguém se aproximou. 

Sentaram sobre a mesma pedra que dividiu com o irmão na noite anterior, assistindo a noite ganhar o horizonte, acompanhada por uma lua minguante e poucas estrelas. 

O silêncio era dono daquele momento tênue. 

Nenhuma das duas fez questão de falar, enquanto a lua se erguia no céu noturno, lhes oferecendo uma parca luminosidade, assim como a fogueira ao longe, que alguns amigos de Beto tinham acendido. 

Divertida, Aléxia observou: 

— Passamos a tarde inteira juntas e não te vi envolta pela sua nuvem de fumaça costumeira. 

Nicole riu, balançando os ombros com o olhar voltado para o firmamento. 

— Está sentindo falta? 

— Nem por um segundo — riu. 

Ela a empurrou com o ombro. 

— Foi um dia muito agradável, Alê. — Usou o apelido e ficou satisfeita por ela não ter lhe repreendido. — Obrigada. 

A morena encolheu os ombros, satisfeita por ouvir aquelas palavras. Não havia se empenhado em agradá-la, apenas aconteceu. De fato, tinha começado aquele dia achando-a um incômodo. Contudo, com o passar das horas se viu apreciando os momentos ao seu lado e, também, envolta em uma quantidade absurda de conjecturas e sentimentos que começavam a ser despertados. 

Não queria mesmo pensar sobre o que isso significava. 

No fim, concluiu que aquela nova Nicole lhe agradava. Embora, ainda não conseguisse se desvencilhar do passado. 

— O casamento será amanhã à tarde, podemos repetir o passeio pela manhã. Quem sabe, Vivi e Mateus nos acompanhem. 

A ex-colega se limitou a concordar com um inclinar de cabeça e mais algum tempo se passou até que falasse: 

— Tem muita coisa que gostaria de lhe contar, Alê. Gostaria que me desse a oportunidade de fazê-lo e peço que, se o fizer, tente me entender um pouco. 

A fitou por alguns segundos, já pensando em lhe pedir para que continuasse, mas ela se pôs de pé, dizendo: 

— Mas esta não é a hora, nem o lugar. — Aléxia a imitou, ficando de frente para ela. — Contudo, estou querendo te mostrar isso a tarde inteira. Talvez não seja uma boa hora também. 

— Isso o quê? 

Nicole deu de ombros, como se tivesse tomado uma decisão. Lhe ofereceu a mão e aceitou, curiosa. A moça a puxou para si, colando seus corpos. 

— Para de me sacanear, Nicole. Que saco! Não devia ter contado sobre a quedinha que tive por você no passado! — Revirou os olhos. — Não mexe com fogo, pois vai ter volta! — Avisou. 

Ela riu, jogando a cabeça para trás. 

— Me deu até um medinho! — Riu mais, então se grudou um pouco mais a ela. — Sem sacanagem, Alê. Bem, teu irmão e a noivinha, assim como algumas pessoas, lançam olhares para cá, vez ou outra, mas não é por isso que te agarrei. 

— Então? 

Um sorriso provocante tomou os lábios dela e Aléxia esperou pelo pior. Perguntou-se se depois daquele dia de paz, ela iria se mostrar a cretina que um dia foi e estragar tudo. Seu estômago se revirou, antevendo a decepção, mas Nicole aproximou a face da sua, dizendo: 

— Não tema, só decidi te mostrar a diferença. 

— Como assim? 

Ela sorriu mais largo, fixou seus lábios e disse: 

— Eu vou te beijar de verdade. 

O corpo de Aléxia retesou e tentou recuar, achando se tratar de outra brincadeira, mas Nicole se curvou e fez o que disse. 

Estava tão surpresa que deixou-se beijar. Primeiro, apenas um grudar de lábios, como o que ela tinha lhe dado antes, então, sem perceber, lhe deu passagem para que explorasse sua boca com uma língua carinhosa. Entregou-se aquele beijo, envolta na euforia e prazer que lhe trazia e não se privou de correspondê-lo. Sequer se permitiu deixar a mente lhe arrastar para a verdade de que beijava sua inimiga. 

Mas beijava, e como era bom! 

Nicole a puxou para mais perto e sentiu um arrepio prazeroso quando Aléxia lhe fez o mesmo, envolvendo sua cintura com força. Aquilo era o céu. E o céu tinha gosto de frutas vermelhas e banho de cachoeira. 

A manteve junto a si, pelo máximo de tempo possível e sofreu por ter de recuar e deixar o céu que encontrou naqueles lábios. Beijá-la era muito melhor do que sonhou. Ofegante, Aléxia a fitava confusa; apesar da escuridão, via os lábios rubros e úmidos, convidando-a a aventurar-se neles outra vez, mas conteve o desejo e esperou que ela se manifestasse. 

Como nada fez ou disse, a soltou, armando-se de um sorriso brejeiro. 

— Isso foi um beijo de verdade — recuou mais um passo e se voltou em direção a fogueira. 

Talvez tivesse ido com muita sede ao pote. Talvez tivesse sido ousada demais, ido longe demais, mas valeu à pena e, se ela resolvesse nunca mais lhe dirigir a palavra, ainda assim, seria feliz por ter aquele beijo como lembrança. 

Contudo, Aléxia a correspondeu com a mesma vontade e isso aumentava suas esperanças. 

Caminhou com passos lentos e gingados, passando por Vivian que tinha visto as duas amigas e seguia para lá, interrompendo o passo quando as viu se beijando. Ela prendeu a respiração, à espera de confusão, mas ela não veio. E, quando Nicole passou ao seu lado, tinha o sorriso mais bonito que já vira. 



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