ALÉM DAS PALAVRAS

13. MENTIRAS, SEGREDOS E VERDADES

Aléxia fitava o teto.

O relógio do celular lhe indicou, minutos antes, que dormira apenas duas horas. Uma fraca luminosidade se insinuava pela janela. O dia se iniciava.

Um dedo brincou, traçando um desenho imaginário em seu queixo, revelando que Nicole também se encontrava desperta. Ela apertou-se mais ao seu corpo, enfiando o nariz no seu pescoço.

— Bom dia — sussurrou, causando-lhe um arrepio pela voz rouca.

Tentou, mas não conseguiu evitar que uma ruguinha de satisfação se formasse em seus lábios, caminhando para se tornar um sorriso suave.

Passou a última meia hora lutando contra a vontade de se afastar e a de permanecer naquela posição, aspirando o perfume de seus cabelos, inebriada na sensação do calor dela e das lembranças de seus beijos.

“Que inferno…”, pensava com um sorriso satisfeito. “Que inferno danado de bom! ”.

— Bom dia! — Respondeu. — Você não devia estar no sétimo sono?

Nicole escorregou o dedo por sua face; o único movimento que se atrevia a fazer, pois permanecia completamente aninhada a ela e não queria se desvencilhar daquele contato tão cedo.

— Posso perguntar o mesmo — suspirou pelo nariz. Não houve resposta, então continuou: — Achei que, quando acordasse, você já estaria a quilômetros de mim.

Sua voz era apenas um sussurro, pois não tinha forças para torná-la mais clara. Em resposta, só recebeu o silêncio. Alguns minutos se passaram assim, então, cansada de esperar, fez menção de se afastar. Contudo, Aléxia a impediu e a trouxe para mais perto de si, como se fosse possível ficarem ainda mais unidas.

— Ainda não — pediu.

Feliz e obediente, Nicole apertou-se a ela. Juntas, assistiram a luz entrar pela janela, dando forma e cores aos objetos, trazendo os primeiros sons da manhã. Aléxia não imaginava que seria tão difícil apartar-se dela. Nem que se sentiria sem chão ao recordar que, no dia seguinte, tudo estaria acabado e cada uma seguiria sua própria vida. Por isso, retardava a separação. Protelava o retorno a realidade de que eram velhas inimigas fingindo um romance.

Mesmo sabendo dos sentimentos de Nicole, nada mudaria. Assim pensava e desejava.

Sua cabeça dava voltas quando pensava no assunto e recusava-se, apesar de toda a raiva que lhe acometeu após descobrir a verdade e de ter decidido viver aquela noite de prazeres com ela, a nomear aquele sentimento que se remexia bem lá no fundo do seu coração.

Nada mudaria…

— Preciso te contar…

— Não fale nada que possa abalar a paz que vivemos neste momento — pediu.

Mas tudo já tinha mudado.

— Você ainda está feliz, Nico? — Perguntou, de repente. Gostava de chamá-la pelo apelido. Era um prazer recém descoberto.

— Muito.

Com um sorriso, beijou-lhe o topo da cabeça, fazendo um carinho na mão que repousava sobre um de seus seios. Precisava admitir: também estava feliz. Mas não sonorizou isso. Não sabia o que dizer, não sabia o que fazer, nem o que pensar.

Meia hora se passou, sem que nenhuma das duas ousasse se mover novamente, até que batidas na porta as obrigou a fazê-lo. Nicole liberou um suspiro irritado, enquanto xingava, mentalmente, o visitante inesperado.

— Ignore — pediu, desejando protelar, ao máximo, aquela separação. Mergulhava na esperança de que Aléxia não tivesse encarado aquela noite apenas como sexo e, sim, como o princípio de algo muito mais profundo e duradouro, como aquilo já sentia.

Aléxia também não estava preparada, mas as batidas ganharam força e, com muito custo, moveu-se para o lado. Nicole lhe deu espaço para que se colocasse de pé. Antes que ela saísse da cama, a puxou para um último beijo e não lhe surpreendeu com a ausência de ardor nele, embora a ex-colega a tivesse correspondido com o mesmo entusiasmo.

Outra batida as separou de vez e Aléxia catou a camiseta de Nicole, que ela havia atirado ao chão e estava próxima da cama. Se enfiou dentro dela. Como a moça era mais alta, a camiseta lhe chegou até quase o meio das coxas.

Bocejou antes de abrir a porta e o reflexo no espelho, na parede oposta, lhe mostrou as marcas que ela deixou em seu corpo. Duas manchas roxas se projetavam na pele alva, uma no pescoço e a outra no colo.

Na cama, Nicole percebeu o que observava. Sorriu, devassa, e lhe jogou um beijinho no ar. Mesmo não querendo, Aléxia riu, balançando os ombros e foi receber seu visitante matinal. Deparou-se com o irmão, que a empurrou para o lado e adentrou no cômodo sem a menor delicadeza.

— Precisamos conversar! — Falou em um tom calmo, mas com voz mais alta que o normal.

Aléxia fez um gesto para que fizesse silêncio e apontou para Nicole que havia se apossado do seu travesseiro em um abraço apertado e fingia dormir.

Beto pareceu confuso por alguns segundos, mas logo seus olhos capitaram a situação e pediu desculpas, silenciosamente. Contrariada, ela apanhou o short e vestiu. Passou as mãos pelos cabelos para colocá-los em uma posição mais apresentável e o acompanhou para fora do quarto.

A casa encontrava-se em completo silêncio e deixou mais alguns bocejos escaparem, enquanto percorriam o caminho até a cozinha. Já imaginava o que ele desejava conversar àquela hora da manhã, mas preferiu não pensar muito a respeito. Sua mente ainda estava no quarto, nos beijos e carícias de Nicole.

Quatro anos de encontros e desencontros, brigas e humilhações lhe passaram pela mente à medida que arrastava os pés escada abaixo. Ela a amava!

“Que loucura! ”.

Bagunçou os cabelos e enfiou as mãos nos bolsos do short. O perfume dela, na camiseta, lhe invadia os sentidos, assim como o gosto daquele último beijo. Soltou um suspiro.

“Céus! Não sei se quero voltar para aquele quarto e transar com ela de novo e de novo, até não ter mais forças ou se quero espancá-la por ter sido tão imbecil por anos! ”.

Fez um muxoxo e entrou na cozinha. Ainda era muito cedo para que os empregados da casa tivessem chegado, então tudo se encontrava impecavelmente organizado. Seus olhos pousaram na parede de onde Nicole arrastou Lis, no dia anterior. Aquela expressão colérica, aquela promessa de agressão… Tudo verdade!

“Definitivamente, quero voltar e transar até perder os sentidos! ”, sorriu maliciosa. “E depois? ”, aquela vozinha na sua cabeça indagou. “Você quer um depois, Aléxia? ”.

Empurrou os pensamentos sobre Nicole para o canto mais afastado de sua mente e forçou a memória para recordar onde estavam guardados os utensílios que lhe interessavam. Alberto permanecia em silêncio, vendo-a ligar a cafeteira sobre a bancada ao lado da pia. 

Ela sentou à mesa e apontou para a cadeira à sua frente. Estava ligeiramente tonta pela noite mal dormida, entre outras coisas. O irmão a imitou, jogando-se pesadamente sobre o assento.

— Pode falar — disse.

Alberto lhe dirigiu um olhar transtornado e soube, com certeza absoluta, que aquele era o momento que sempre temeu. Sabia que um dia chegaria, só não imaginava que seria justo no dia do casamento dele. O engraçado era que, naquele instante, não sentia mais medo da verdade.

— Eu quero saber o que aconteceu — sua voz soou baixa e rouca.

Aléxia duvidou que tivesse dormido; as olheiras e olhos vermelhos lhe confirmavam isso. Limpou a garganta e perguntou:

— O quanto você ouviu?

Ele recostou-se na cadeira, passando a mão pela nuca, nervoso.

— O suficiente.

— E o que ela te disse?

Escorregou a mão na barba por fazer, impaciente.

— Não tive coragem de perguntar a ela.

A cafeteira indicou que o café estava pronto e Aléxia se serviu de uma xícara, sorvendo o líquido quente vagarosamente, dando um tempo para ordenar os pensamentos. Ele não tocou no café que ela pôs à sua frente. Em vez disso, tamborilava os dedos na mesa à espera de que se manifestasse.

Aléxia suspirou e bagunçou os cabelos, outra vez.

Por onde começar?

Como começar?

O encarou por alguns segundos, decidindo o jeito certo de lhe falar. Não havia nenhum.

— Nunca te traímos, se é isso que quer saber — falou, por fim.

Seus dedos pararam e ele fixou o olhar na irmã. Os olhos azuis, como os dela, estavam injetados pela noite insone. A irmã continuou:

— Na verdade, foi ela que me traiu com você.

 Os lábios dele tremeram, como acontecia quando eram crianças e estava prestes a chorar. Aléxia sentiu o sabor amargo daquelas palavras e o peso delas lhe deixarem. Era um alívio poder falar a verdade.

Por que nunca tentou fazê-lo antes?

Mateus tinha lhe dito, certa vez, que devia mandar todo aquele medo tolo pelos ares e falar a verdade sem se importar com as consequências, afinal, não tinha feito nada de errado. Seu único crime, tinha sido amar os dois demais.

Ele se empertigou, sentando mais ereto e, finalmente, tomou um gole do café.

— Eu sei — disse, baixando os olhos para a mesa.

Suas mãos apertavam a xícara com tanta força que todo o sangue fugiu das juntas.

— O que quero mesmo saber é o que aconteceu entre vocês ontem.

“O bater das asas de uma mosca”, foi o tempo que Aléxia levou para compreender suas palavras. Seu estômago se revirou com a surpresa e saboreou o gosto azedo da própria bile.

— Você sabe?! C-como assim?

Ele manteve silêncio por um tempo, enquanto olhava intensamente para o líquido escuro na xícara. O desconforto de Aléxia aumentava com a demora e, impaciente, estapeou a mesa trazendo a atenção dele para si.

— Como assim, você sabia? — Indagou entredentes.

Alberto a encarou, exalando.

— Acho que sempre desconfiei, mas preferi não acreditar. Então, vi vocês na cachoeira e tive certeza — de repente, ele esmurrou a mesa e se ergueu, começando a caminhar de um lado para o outro. Gesticulava à medida que falava. — Eu não queria, eu não sabia… Droga!

Juntou as mãos sobre a cabeça.

— Quando você nos apresentou, eu fiquei louco por ela; não imaginava que estivessem juntas. Sei que devia ter me afastado, mas já estava tão apaixonado — riu, desconsolado.

Aléxia sentiu o ar lhe faltando. Suas mãos tremiam quando enxugou a primeira de muitas lágrimas que vieram aos seus olhos. O chão desaparecia sob seus pés; afundava em lama e escuridão. Tudo em que acreditava era uma mentira.

Não queria mais ouvir aquilo, mas Beto não parou de falar.

— Eu me odiei tanto por me apaixonar por ela, mas era mais forte que eu. Sempre que te olhava, queria me matar. Em vez disso, decidi conquistá-la e me senti o homem mais feliz do mundo quando consegui!

Ele parou de andar e a encarou com lágrimas nos olhos.

— Eu morri por dentro quando ela disse “sim” ao meu pedido de namoro. Morri de alegria por mim, morri de tristeza por você.

— Pare! — Ela pediu, incapaz de continuar ouvindo mais.

— Eu não queria…

— Pare! Por favor, pare! Eu não quero ouvir!

Seus ouvidos zuniam, a visão nublou. A verdade lhe atingia como um trem em alta velocidade, atropelando seu orgulho, arrastando seus medos, esmagando suas crenças, destruindo o modo como via o irmão.

— Como você pôde? — Perguntou em um sussurro, mal podendo olhar para ele.

— Eu não queria, Lex!

— Pare de mentir! — Ela gritou.

Varreu a mesa com a mão e a xícara se espatifou na parede junto a porta, maculando-a com o líquido escuro que tomava minutos antes.

— Você quis, sim! Se não o tivesse querido, nada teria acontecido e nós não estaríamos aqui.

Olhou para o café que escorria, formando um desenho abstrato. Tentava encontrar alguma explicação racional para aquilo, mas não havia nada em que pudesse se agarrar para justificar aquela traição.

— O que eu deveria fazer? — Ele perguntou baixinho.

— O que eu fiz — respondeu, sem qualquer emoção na voz.

Contudo, as lágrimas continuavam a verter fartamente de seus olhos. Banhavam o rosto bronzeado, enquanto completava a resposta:

— Amava tanto os dois, que a ideia de ser a causa da sua infelicidade me dilacerava o coração, então me afastei. Isso é o mínimo!

Mais uma vez, Nicole tinha razão. Era mesmo inocente, tão inocente que as pessoas se sentiam no direito de magoá-la daquela forma.

— O que está acontecendo?

A voz de Liz chamou a atenção de ambos para a porta e Aléxia a enxergou. Não como a mulher que tanto amou, mas como uma estranha que destruiu o que era belo entre eles. Ainda assim, sua presença era dolorosa e bem mais do que podia suportar.

Arrastou os pés na direção dela e, parando ao seu lado, se voltou para fitar o irmão uma última vez.

— Parece que o coloquei em um pedestal alto demais… — sufocou o choro, então deu as costas e saiu sem notar o olhar de surpresa que a ex lhe dirigiu ou a dor que suas palavras causaram a Alberto.

Durante o regresso para o quarto, começou a notar os primeiros sinais de vida na casa. Pequenos sons como janelas se abrindo, sussurros e bocejos por trás das portas, lhe chegavam aos ouvidos, mas tudo no que pensava era no tempo que perdeu amando alguém que não merecia. E este pensamento se aplicava tanto para o irmão quanto para Lis.

Quando entrou no quarto, Nicole estava na janela com seu costumeiro cigarro nos lábios, que se abriram em um sorriso carinhoso quando a viu.

Aléxia se sentia tão vazia e machucada que só a notou quando ela se aproximou e a envolveu em um abraço quente e reconfortante. Naquele abrigo, desabou em um choro silencioso, sem se importar no quanto aquilo também era estranho e irônico. A mulher que a fez chorar inúmeras vezes, agora, consolava seu pranto.

Agarrou-se a ela tão forte, que acreditou ter lhe roubado o ar, mas Nicole não reclamou. Pelo contrário, a puxou para mais perto de si, sussurrando palavras carinhosas e beijando-lhe a cabeça. Os minutos se arrastaram, enquanto ela a embalava.

Como era possível que, de repente, a mulher que a atormentou a consolasse, enquanto o irmão a traía de forma tão vil?

O mundo estava de cabeça para baixo ou tinha, de fato, enlouquecido?

Não importava. Estava tudo errado! Mesmo assim, Nicole era a luz em meio à escuridão. Ela se afastou um pouco para fitá-la e o verde de seus olhos estava cheio de preocupação. Beijou-lhe a testa, perguntando:

— O que aconteceu?

Fungou. O carinho que enxergava naquela face, era um alento.

— Mentiras e traição — respondeu e agarrou-se a ela, novamente.

Sentiu seu próprio cheiro nela. Isso aumentou o conforto do abraço, lembrando-a de que aquele “lugar” poderia ser definitivamente seu, se assim desejasse. Mas quem era Nicole de verdade? A inimiga? A amiga? A amante ardente e carinhosa? Uma companheira para a vida? 

— Me leva pra longe daqui, Nico! — Pediu, o rosto enfiado no pescoço dela e Nicole tremeu de raiva pela dor que lhe causaram.

A afastou e depositou um beijo tímido e carinhoso em seus lábios. A sentou sobre a cama e se agachou à sua frente.

— É só apontar a direção — disse, lhe fazendo um carinho na bochecha, então esticou a mão para pegar as chaves do carro sobre o criado mudo, mas interrompeu o movimento quando a porta foi escancarada com violência.

Lis deu um passo, entrando no cômodo.

— Como pôde?! — Gritou, os olhos carregados de fúria. — Como pôde contar a ele?

Aléxia a fitou, desanimada. Uma mistura de tristeza e raiva desfigurando sua face. Nicole permaneceu agachada à sua frente, mirando a intrusa como se pudesse parti-la ao meio sem se mexer. Não podia, mas desejava com todas as forças.

— Você disse que não faria; você prometeu!

Aléxia respirou fundo e reuniu o pouco autocontrole que havia recuperado entre os braços de Nicole. A mão que ainda segurava a sua, lhe fornecia forças.

— Não fiz nenhuma promessa, mas não precisei contar nada. Apenas confirmei o que ele já sabia — sua voz era quase um sussurro e arranhou a garganta quando falou.

O rosto de tez morena se desfigurou, colérico.

— O que ele já sabia?! Ele não sabia de nada! Agora, ele pensa que eu “sou” como você. Jamais serei como você. Nunca!

De início, aquela frase não fez sentido algum. Mas a face que um dia amou, se mostrou enojada quando seu olhar se deteve no toque carinhoso das mãos de Nicole nas suas. Aléxia, finalmente, compreendeu e viu o que havia se recusado a ver durante todos aqueles anos.

Eram coisas pequenas, mas que sempre estiveram presentes em seu relacionamento. Como quando lhe fazia um carinho inocente em um lugar público ou como Lis evitava fazer contato visual com ela quando estavam entre seus amigos, e o modo como procurava deixar a maior distância possível entre seus corpos quando andavam lado a lado na rua.

Lis não tinha medo que os outros soubessem a verdade, ela simplesmente “não queria” que fosse verdade.

Como se quisesse confirmar o que Aléxia havia acabado de compreender, ela gritou:

— Eu tenho nojo de você!

Suas palavras soaram como uma bofetada e o amor que já estava abalado se quebrou de vez. Sem perceber, voltou a chorar.

— Eu tenho nojo! — Repetiu.

Beto surgiu na porta, esbaforido. Entrou no quarto e tentou levar a noiva para fora, mas ela o empurrou. Então, deixou os braços caírem na lateral do corpo, com ares de impotência.

Os gritos de Lis acabaram por atrair alguns dos moradores da casa e os pais dela e os de Aléxia, penetraram o cômodo, seguidos por Vivian e Mateus. Todos com olhos confusos e inchados de sono.

Aléxia tentou responder a ela, mas as palavras ficaram presas no nó que se formou em sua garganta e, antes que Lis falasse mais alguma coisa, Nicole já havia se colocado diante dela. A encarou por um segundo muito longo, então a esbofeteou com tanta força que ela teria caído se Alberto não a tivesse segurado.

Um fio de sangue escorria de seus lábios quando ex berrou:

— Sua vadia, quero você fora daqui! Quero as duas fora daqui! Saiam! — E avançou em direção a Nicole.

Alberto segurou o braço da noiva, impedindo-a de avançar mais.

— Está maluca? Veja o que você está falando; veja o que você está fazendo! — Ele gritou, tentando segurá-la, já que se debatia em fúria a fim de descontar o soco que Nicole lhe deu. Esta, por sua vez, a fitava com um sorriso zombeteiro e os punhos ainda cerrados.

— Saia!

— Será um prazer! — Nicole afirmou. — Estou cansada de ter você perseguindo a minha namorada e quero muito lhe mostrar algumas verdades entre tapas e socos.

— O que está acontecendo aqui? — Dona Inês indagou, contrariada pelo descontrole da filha.

Silenciosa, Vivian se colocou ao lado de Aléxia e não precisou de muita imaginação para entender o que se passava. Ao notar que havia acordado metade da casa com seu escândalo, Lis se acalmou e Alberto relaxou a mão que apertava seu braço.

— Não está acontecendo nada — Beto respondeu com voz calma e passou a mão pelo cabelo bagunçado.

— Foi apenas um mal-entendido — Lis completou, tentando assumir uma expressão tranquila.

— Que tipo de mal-entendido? — Exigiu saber Dona Inês.

Os músculos do maxilar de Alberto se tencionaram, enquanto Lis deu de ombros olhando para o chão.

— Eu exijo saber o que está acontecendo aqui! — Dona Inês impôs um tom mais autoritário à sua voz.

— Além da sua filha ser uma lésbica enrustida que não é capaz de assumir sua verdadeira identidade sexual e perseguir a minha namorada? — Nicole indagou, o sorriso cínico rasgando os lábios vermelhos. — Só um ataque de histeria de uma criatura mal-amada e muito infeliz.

Lis empalideceu. Seu rosto se desfigurou em uma máscara de puro ódio e, aproveitando-se da distração de Alberto que, assim como os demais, digeria aquela informação, voltou a avançar para a moça. Mateus a interceptou e a empurrou, um pouco brusco, para trás.

— Mentirosa! Mentirosa filha da mãe! Eu vou te matar! — Alberto, assumiu o lugar de Mateus e puxou a noiva para si.

Uma risada se espalhou pelo cômodo e todos se voltaram para Aléxia. Seus olhos estavam vermelhos e o rosto molhado, mas ela não chorava mais.

— É mesmo? — Ela perguntou com um sorriso doentio. — Se é mentira, por que te incomoda tanto?

— Não se atreva! — Lis ordenou entredentes.

Aléxia riu com escárnio. Se colocou de pé, encarando a ex-namorada com um esgar de nojo. Estava terrivelmente cansada de toda aquela história e duplamente magoada. Se voltou para Dona Inês e, apesar da dor que o momento lhe trazia, sentiu um enorme prazer em lhe contar:

— Eu amava sua filha e ela “me” amava também.

A mulher mais velha ofegou, mas nada disse. Os olhos negros como carvão arregalaram-se e os lábios se comprimiram, enquanto apertava o tecido da camisola.

— Pare! — Lis ordenou, tentando se libertar da pegada do noivo.

Aléxia a mirou, o vazio crescendo dentro do peito. Dava-se conta do muito que o amor havia lhe cegado. Agora entendia o que Nicole quis dizer quando afirmou que aquela era uma mulher que mentia para si mesma. Em parte, era verdade. Mas Lis não teria tido tanto sucesso em enganá-la, se não tivesse se permitido fechar os olhos para aquelas verdades.

— Não. Acho que hoje é um dia para pôr fim às mentiras. — Sorriu, mas o gesto lhe pareceu tão doloroso quanto cada palavra que pronunciava.

— Você não tem o direito!

— Eu tenho todo o direito! — Gritou. — Você me deu esse direito no dia em que me traiu com o meu irmão e eu nunca o usei. Mas, agora, basta!

Seu Mario a encarou, confuso. Via-se que ainda não tinha compreendido bem o que se passava.

— Do que você está falando? — Indagou.

Aléxia lhe sorriu tristemente. Gostava dele como se fosse seu próprio pai e, definitivamente, achava que não merecia a família que tinha.

— A verdade; simplesmente, a verdade.

— Por favor, não faça isso — Lis choramingou.

— Lex, acho que já chega por hoje — Alberto interveio.

A irmã lhe dirigiu um olhar carregado de decepção suficiente para rachar uma parede, se fosse possível.

— Realmente, já chega, Alberto — pronunciou seu nome com desdém. — Chega de mentiras, não acha? Somos adultos, então vamos agir como adultos e reconhecer a verdade.

Ele tentou lhe chamar a razão outra vez:

— Sei que está magoada, mas não precisa fazer isso.

— O que estou sentindo não chega nem perto do que passa pela sua imaginação!

Ela se voltou para os demais. Seus olhos começavam a ficar marejados novamente, mas não chorou. Não sentia nada!

— A verdade é que Lis e eu tivemos um relacionamento por dois anos. — Ergueu dois dedos para enfatizar. — Dois anos muito lindos, se querem saber. Mas ela nunca pretendeu se assumir para vocês e eu respeitei isso porque a amava.

— Por favor… — A ex-namorada implorou.

Aléxia a ignorou, se forçando a continuar. Iria acabar com as mentiras de uma vez por todas.

— As coisas mudaram quando ela conheceu o meu irmão. Ela nem teve coragem de terminar comigo antes de assumir o namoro com ele — riu com desgosto. — Mas querem saber o que é mais engraçado? Eu fiquei calada.

Abriu os braços, para depois deixá-los cair nas laterais do corpo.

— Me calei porque amava os dois e não queria que sofressem.

Uma lágrima deslizou por seu rosto e engoliu o choro que ameaçava dominá-la de novo. Fungou.

— Então, fiz o que achei que qualquer pessoa decente faria: me afastei para que eles pudessem ser felizes. Nunca se perguntaram a razão de ter decidido ir embora tão repentinamente? — Dirigiu-se aos pais.

Dona Alexandra balançou a cabeça, afirmativamente. Enxergava nela um pouco da revolta que sentia quando olhava para a futura nora.

— Sempre desconfiei da amizade de vocês, mas quando Lis começou a namorar Alberto, achei que tinha sido apenas imaginação.

— Nunca gostei dessa amizade. Sempre soube que você a queria. Mas achava que, para a minha filha, você era apenas uma amiga — Dona Inês revelou com tanta tristeza na voz que, por um instante, a determinação de Aléxia em contar toda a verdade se abalou.

Aléxia sorriu, sarcástica.

— Lis me visitou uma semana atrás. Após anos sem nos vermos! Exigiu que eu não viesse ao casamento porque estava claro que ainda a amava e ela não queria que Alberto percebesse — riu. — Ela me disse que fui um “lapso” da sua juventude. Engraçado, não? Um equívoco de dois anos!

Enxugou outra lágrima com as costas da mão. Elas continuavam vertendo, apesar de lutar contra isso. A mão de Nicole tocou suas costas; um carinho singelo se desenhou, lhe enviando forças para continuar. A encarou por alguns instantes. Havia uma tempestade em seu olhar, mas sua expressão era a mais pura calmaria.

Continue. Os lábios dela moveram-se sem emitir qualquer som. Liberte-se!

— Já chega! — Lis pediu entre lágrimas.

Voltou-se para ela. Naquele momento, não havia mais nada dentro de si que a recordasse do amor que um dia lhe dedicou. Isso era terrivelmente doloroso e, ao mesmo tempo, libertador.

— Ah, cale-se! Estou cansada de ficar em silêncio para proteger vocês, enquanto me apunhalam pelas costas.

Lis, que nunca havia visto um olhar tão agressivo em Aléxia, recuou.

— Tenho mais uma coisa “engraçada” para contar. Ontem, sua doce e pura filha “heterossexual”, praticamente, me atacou na cozinha e me roubou um beijo — continuou.

Sua satisfação cresceu quando olhou para Alberto e notou que ele enrijeceu sua postura.

— E ontem à noite, vejam só, disse que ainda me amava! — Fez uma expressão de repugnância. — Anime-se, mano! Ela disse que também te ama, então você terá “até que a morte os separe” uma mulher pela metade!

Bateu palmas.

— Alê, acho que eles já entenderam — Vivian disse, pousando a mão em seu braço, carinhosa.

— Ah, mas eu ainda não terminei, Vivi! Ainda tenho algo interessante para contar.

Aléxia se aproximou de Lis, mas manteve uma distância segura.

— Você vai adorar isso, Lis! Sempre se preocupou com a possibilidade dele descobrir sobre nós e, por isso, fez esse escândalo agora há pouco. Mas a verdade é que ele nos enganou. Hoje, descobri que o meu “amado” irmão sempre soube a verdade e, mesmo assim, resolveu conquistar você.

— Não…

— Pergunte a ele! — Ordenou, então se voltou para Alberto. — Nada jamais foi capaz de abalar o amor e carinho que tinha por você, mas acho que sempre o julguei bem demais e, acredite, descobrir sua traição é mais doloroso do que qualquer coisa que já senti.

— Lex… — os olhos dele estavam cheios de lágrimas, mas ela lhe deu as costas, não queria mais ouvir suas mentiras e desculpas.

— Não me chame assim!

— Filha — Dona Alexandra tentou intervir, mas calou-se com um gesto da filha.

— Por favor, não o defenda. Não me obrigue a sentir raiva dos meus pais também. — Aguardou alguns segundos pela resposta da mãe, que limitou-se a balançar a cabeça, resignada.

Inspirou fundo, satisfeita com o silêncio.— Agora que já sabem a verdade, — sua voz ia aumentando à medida que falava — façam o favor de saírem da droga deste quarto para que eu possa fazer as minhas malas e ir embora desta maldita casa!



Notas:

Oi, amores!

Obrigada pela companhia. Desejo uma Páscoa maravilhosa para vocês e família.

Beijos e xêros!




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