ALÉM DAS PALAVRAS

15. TODAS AS MULHERES

Aléxia emborcou o resto da cerveja e se pôs de pé. Encarava-a em um silêncio quase doloroso, ciente de que jamais seria capaz de esquecer tudo que ela lhe fez sofrer, mas, também, não podia negar que havia lhe despertado sentimentos antigos e que sempre que a tocava os trazia à tona. 

Mas havia as mentiras, o ódio, o medo… Seria capaz de esquecer tudo isso um dia? Mesmo tendo decidido enxergá-la como a mulher que era naquele momento, achava que não. 

Entretanto, a principal questão era o quanto ainda se sentia magoada pelo que Lis fez. Nicole, assim como ela, fugiu da sua verdadeira natureza e a machucou profundamente. Que garantias tinha de que isso não voltaria a acontecer? 

Fitou o chão, pesando seus sentimentos e receios. Não sabia nomear o que sentia por ela, mas já tinha aceitado que lhe gostava, desde aquele fim de semana juntas. Livrou-se da garrafa e apertou as mãos dela entre as suas. Mirava o verde difuso e marejado dos seus olhos. 

— Não sei se serei capaz de te perdoar — confessou, sentindo as lágrimas se formando em seus olhos também. 

A face de Nicole era pura resignação. 

— Eu entendo — a voz falhou e fez menção de se afastar, mas Aléxia não soltou suas mãos. 

— Nós nos odiamos e nos machucamos por tanto tempo… 

— Sempre soube que você não me perdoaria, entretanto, desejei e sonhei muitas vezes com isso. Tinha que tentar — foi impedida de se afastar, novamente. 

Aléxia sentia o calor das mãos de tato suave e agradável, pensando que podia soltá-las e deixá-la partir facilmente. Existia uma parte sua que ansiava por isso; que desejava esquecer tudo e pôr um ponto final em sua história com Nicole, assim como tinha feito com Lis. Mas não conseguia. 

— Não posso mesmo te perdoar — afirmou. 

— Eu sei… 

— Não agora. 

— Eu entendo — Nicole libertou-se e deu um passo atrás, tentando engolir o nó que se formou na garganta. Dirigiu-se para a porta, incapaz de se manter no controle de suas emoções por mais tempo, mas Aléxia adiantou-se e cruzou seu caminho. 

— Espera — a empurrou delicadamente para o sofá e sentou ao seu lado, implorando forças ao divino para encontrar as palavras certas. — Eu gosto de você, Nico. Céus! Nem sei como me explicar ou como começar! 

Interrompeu a queda de uma lágrima dela. Era tão diferente daquelas que a vira derramar de satisfação quando se amaram. 

— Você me acusou de ter me aproveitado dos seus sentimentos naquela noite e é verdade. Eu fiz isso! Não me orgulho, mas, também, não me arrependo. Ouvi sua conversa com Vivian e Mateus e me senti tão magoada e cheia de raiva que escolhi me vingar de você dando algo que desejava. Me insinuei e aticei seu desejo planejando te largar no dia seguinte, como se não tivesse sido nada de mais. Mas a verdade é que aquele dia que passamos juntas, suas brincadeiras, suas verdades disfarçadas de gracejos e piadas, mexeram comigo e reviraram sentimentos antigos. Quando a tive entregue às minhas carícias, naquele jardim, soube que não poderia fazer o que planejava, porque você esteve certa o tempo todo. Eu não sou uma pessoa má ou vingativa e jamais me perdoaria se conseguisse ir adiante com aquela ideia estúpida. 

Lhe fez um carinho na face. 

— Naquele momento, soube que também te queria e resolvi me entregar a você com a mesma vontade que via em seus olhos. — Sorriu largo. — E foi incrível, não foi?! 

Escolhia as palavras com cuidado, brigando com suas próprias emoções. 

— Se aquela confusão não tivesse ocorrido, teria ficado naquela cama contigo o resto da manhã, achando formas de tomar você pra mim e me dar também, afastando as lembranças ruins do que houve entre nós no passado. 

Afastou-se um pouco, admirando a estranheza do momento e situação. Aproveitou a pausa para respirar fundo. 

— Você fez bem em se afastar e me dar um tempo para absorver tudo o que se passou. Estou feliz em te rever e confesso que senti sua falta. Também não posso negar que saber sobre os seus sentimentos mexe comigo. Mas, como disse antes, há uma história cheia de mentiras, ódio e dores entre nós. E não estou preparada, neste momento, para deixá-la no passado de vez. Não sei se um dia estarei. 

Ao terminar de falar, o ar pareceu desaparecer do ambiente. Aléxia sufocava em seu próprio silêncio, cuja música no aparelho de som ousava quebrar, recordando que ainda não tinha terminado de falar. Liberou um suspiro, bagunçando os cabelos em um gesto que repetia sem que se apercebesse, sempre que estava confusa e angustiada. 

 — Espero que compreenda que ainda estou muito confusa e machucada com tudo que se passou e sei que vou continuar assim por algum tempo. 

Ergueu-se, sentindo um peso a lhe esmagar os ombros quando Nicole perguntou: 

— O que isso quer dizer, exatamente? 

— Quer dizer que, se você tiver um pouco de paciência e me der um tempo para “lamber” minhas feridas e cicatrizar algumas delas, se aceitar a minha “amizade” neste momento e deixar que as coisas fluam naturalmente, que os sentimentos se assentem, tomem forma e ganhem nomes, poderemos retornar a esta conversa daqui algum tempo. Quem sabe, possamos nos arriscar e ver se conseguiremos cultivar algo mais profundo que uma amizade ou uma noite de sexo. 

Nicole a encarou, emudecida, e Aléxia temeu ter estragado tudo e escolhido as palavras erradas. Mas tê-la ali, vê-la novamente e se encantar com seu riso, lhe expôs algumas verdades e sentimentos que estava mantendo afastados. Reconhecer que sentiu saudades dela foi o primeiro passo para isso. 

Limpou a garganta e engoliu em seco. Queria outra cerveja ou algo mais forte; algo que afastasse aquele nó estranho na garganta, junto com a sensação de que era uma adolescente outra vez, se vendo às voltas com sentimentos intensos e ainda mal compreendidos. 

— Eu gosto de você, Nicole. Não posso fingir que não sinto nada, porque sinto. Mas não sei se quero ter algo mais que amizade contigo. Pelo menos, não neste momento, pois não posso te dar o que quer e o que você merece. A mulher que você é hoje, é digna de uma outra que seja sua por inteiro e eu estou em retalhos. Me encontro em farrapos por dois tipos de amor e ainda não sei lidar com isso. Esta é a verdade que posso te oferecer no momento.

Nicole a encarou por um minuto longo e tenso. Aléxia sabia que o lhe oferecia era pouco, se comparado ao sentimento que ela afirmava ter, mas depois que terminou de falar, lhe ocorreu que seria um bom teste para o “amor” que Nicole dizia sentir. 

Desta vez, era ela, Aléxia, quem brincava com fogo, muito ciente de que podia se queimar gravemente. Nicole se aproximou e depositou um beijo demorado em sua face, próximo aos lábios. 

— Então, seremos amigas, e pode apostar que farei de tudo para conquistar o seu amor. 

*** 

— Vai logo! — Vivian lhe gritou ao celular. 

— Não estou no clima, Vivi — fez um biquinho, rabiscando um coelho gordinho e dentuço na caderneta ao lado do mouse. 

— Depois daquele maldito carnaval, você quase nunca está. Alê, já faz meses, você precisa voltar para a sua vida. Vai ficar aí se lamentando pela traição do babaca do seu irmão, enquanto ele está lá, vivendo “la vida loca” com a peste da sua ex? 

Esboçou um sorriso fraco para o vazio e passou a mão pelos cabelos curtos, bagunçando-os mais que o normal. Três meses tinham se passado e, de fato, já não doía tanto. Reconstruiu-se aos poucos; um passo de cada vez, e já quase não pensava em Alberto e em sua esposa. Mas a memória da traição ainda estava bem vívida, só a mantinha afastada da mente. 

— Não seja exagerada. Saímos, vez ou outra. 

— Não tanto quanto antes daquele maldito casamento. Mateus vem me buscar quando o plantão acabar e a gente se encontra lá. Vamos? 

Aléxia fez uma pequena careta, agradecida. Sabia o quanto Vivian se sentia cansada após um plantão, mas ela estava disposta a se desfazer de algumas horas de descanso para lhe fazer companhia e isso só aumentava o amor que lhe dedicava. 

— Tudo bem, a gente se vê mais tarde — decidiu, e encerrou a ligação ouvindo um gritinho de satisfação da amiga. 

Os colegas do trabalho a convidaram para um happy hour e, como sempre fazia nos últimos meses, recusou o convite. No entanto, eles continuaram insistindo. 

— Vamos, Alê — Ricardo, seu vizinho de mesa, pediu ao vê-la desligar o celular. — Sei que você anda meio cansada, mas vai ser legal. 

— Vou acabar sendo uma péssima companhia — afirmou. 

Ele lhe atirou o aviãozinho de papel que tinha acabado de fazer. Imitou o som de um motor e de uma explosão, quando este passou direto sobre sua cabeça e atingiu a parede. 

— Deixa de bobagem! No dia em que você for uma companhia ruim, faço questão de apagar seu nome da minha lista de contatos. Você é um imã de mulheres! 

— Que horror! 

— Minto? 

Deu de ombros. O amigo era tão exagerado quanto Vivian. Contudo, tinha de admitir que sempre que saíam juntos, as mulheres se aproximavam deles com facilidade. Ele coçou o queixo, sorrindo de lado como se ela tivesse se dado o trabalho de responder. 

— Além disso, preciso da sua ajuda. 

— Com o quê? — Arqueou a sobrancelha, curiosa. 

— A garota nova, claro. 

Com seu metro e oitenta, olhos e cabelos negros e um sorriso cativante, ele fazia jus a sua fama de conquistador e já tinha levado metade da empresa para a cama. Seu alvo era a nova secretária do departamento pessoal, uma loirinha sorridente que esbanjava simpatia por onde passava. 

— Tiro n’água, “Ricardão”! Ela é lésbica, ou bi. Sei lá! Mas gosta de mulher, é o que importa. 

Ele fez uma careta descrente e inclinou-se para frente. 

— Tem certeza? 

— Já me cantou duas vezes no elevador. 

Na realidade, a moça tinha se insinuado bem mais que duas vezes, mas preferiu minimizar a situação para não dar margem para fofocas. Seu nome parecia “doce” em algumas línguas venenosas daquela empresa, principalmente, depois que teve um breve romance com sua ex-chefe, Cris. 

— Droga! — Ricardo estalou a língua, terminando de fazer outro aviãozinho. — Vocês lésbicas estão ficando cada vez mais difíceis de reconhecer — se queixou. 

— Babaca — o xingou, rindo. Sabia que ele não se apegava a estereótipos, mas adorava provocá-la. Ricardo tentou parecer ofendido, mas não conseguiu esconder um sorriso. 

— Está bem. Falando sério, agora. Você vai, não vai? Estou com saudades de nossas saídas. Ando me sentindo órfão de amigas lésbicas — fez cara de menino pidão. — Preciso conversar com alguém que entenda de mulher! 

Ela esboçou outro sorriso e balançou a cabeça, afirmativamente. 

— Ótimo, pelo menos um de nós pode se dar bem hoje à noite! — Brincou e atirou o novo aviãozinho para ela, que o pegou ainda no ar. 

*** 

O bar era um dos novos lugares da moda, com iluminação obscura e música ao vivo. Estava apinhado de gente, mas Ricardo era amigo do dono, então foi fácil conseguirem uma mesa. Eram um grupo de oito pessoas e Aléxia sentou-se ao lado dele, que já havia escolhido um novo alvo para conquistar na mesa ao lado. 

— Você está bem para beber? 

Desviou o olhar do amigo que dedicava alguns sorrisos galantes para sua vítima e o pousou sobre a moça que trabalhava no departamento pessoal. Seu nome era Karen. Ela tinha se apressado em tomar assento ao seu lado e agora lhe sorria na expectativa da resposta. 

— Por que a pergunta? 

Ela pareceu um pouco sem graça, mas respondeu sem rodeios. 

— É que o pessoal comentou que a virose que você pegou no carnaval te deixou bem mal. Dizem que ainda não se recuperou totalmente, que está meio apática, apesar de tanto tempo. — Tinha os olhos grandes e castanhos e estava ansiosa por sua atenção, assim como nas vezes em que dividiram o elevador. Os lábios grossos e vermelhos convidavam os desavisados a se aventurarem neles e se abriram num sorriso gracioso. 

Alguns meses antes, teria investido nela. Naquele momento, porém, não se sentia nem um pouco interessada, mas a tratou com gentileza. 

— Eu vou ficar bem, não se preocupe — e, como se tivesse que comprovar o que dizia, aproveitou a presença do garçom ao seu lado para pedir uma caipirosca. 

Karen estava disposta a cativá-la e engatou uma conversa alegre e bastante agradável, o que conseguiu surpreendê-la prazerosamente. A moça não perdia a oportunidade de elogiá-la ou esbarrar em seu braço, até tentou lhe tomar as mãos em dado momento da noite. Por sua vez, lhe respondia gentilmente e procurava colocar um pouco mais de distância entre seus corpos, mesmo não havendo muito espaço para isso. 

— Acho que te verei mais corada e animada na segunda-feira. — Ricardo cochichou ao seu ouvido e se afastou com um sorriso travesso. 

Ela lhe fez um carinho na bochecha, então lhe deu uma tapinha suave. 

— Não coloque a carroça na frente dos bois. Não vai rolar nada. — Garantiu. 

Contrariado, o colega emborcou o resto da cerveja em seu copo e enfiou um petisco na boca. Mastigava apressado, com a atenção completamente voltada para ela. 

— Qual é, Alê?! A garota está se atirando para você a noite inteira. Você mesma disse que ela te cantou no elevador. As duas parecem entrosadas em uma conversa interessante desde que chegamos. Vai me dizer que não está nem um pouquinho a fim? 

Ela deslizou a mão pelo braço musculoso que ressaltava a camisa branca e aproximou-se mais, dando uma resposta afirmativa, da qual ele exigiu uma explicação. Começava a responder quando avistou Nicole. 

E aquele sentimento inominável agitou-se em seu interior, abandonando o fundo do seu coração e indo de encontro a superfície. As palavras lhe faltaram e aquele friozinho característico lhe tomou. Acabou por deixar um sorriso lhe dominar a face e o gesto não passou despercebido ao amigo, que seguiu seu olhar com curiosidade. 

Desde aquela noite na sua casa, sentir-se assim ficou cada vez mais frequente. Principalmente, quando recordava a noite de paixão que viveram. Naquele momento, mais que em todos os outros dias até ali, se deu conta do quanto sentia a falta dela. Coçou a ponta do nariz, distraída com aquela impressão. 

De fato, tornaram-se amigas e saíam juntas com frequência; às vezes, com Vivian e Mateus, noutras sozinhas. A amizade crescia carinhosa e desejada por ambas e conheceu alguns aspectos da vida dela que jamais imaginou. Passou a ansiar por um de seus convites para ir ao cinema; Nicole não brincou quando lhe disse que adorava filmes. Às vezes, a saída se resumia a uma caminhada silenciosa pela praia; um dos raros momentos em que Nicole a tocava, pois sempre lhe oferecia a mão e Aléxia a tomava, satisfeita. 

Conversavam sobre tudo um pouco e, muitas vezes, acabavam discutindo por terem pontos de vista diferentes. Nesses momentos, Nicole quebrava o clima pesado com uma piadinha que, geralmente, envolvia o “fato” de ser irresistível e, segundo acreditava, Aléxia brigava com ela apenas por achar sua cara de zanga charmosa. Invariavelmente, outra discussão se desenrolava. Contudo, essa terminava em risos e insinuações que jamais ultrapassavam as palavras. 

Nicole lhe prestava atenção; dedicava cuidados e gestos simplórios. Foi pensando nessas pequenas coisas que, em uma manhã chuvosa de um domingo preguiçoso, percebeu que estava apaixonada por ela; que após tantos anos seu coração voltava a bater por ela. 

Isso ocorreu um mês antes e, desde então, vinha procurando o momento certo de lhe falar sobre o que sentia. Chegaram muitos momentos, mas como ela tinha lhe afirmado naquela noite em sua casa, no tocante a romance, a insegurança lhe dominava. Pegava-se sempre a imaginar: “E se ela não me quiser mais? E se agora que somos amigas, ela queira continuar assim?

Fechou os olhos por um segundo e a lembrança do calor do corpo dela no seu, das suas carícias, dos seus beijos, lhe voltou junto com um suspiro de saudade. Eram imagens e sensações tão vívidas que roubavam seu sono à noite ou surgiam nas horas mais impróprias, e deixavam-lhe uma angústia inexplicável e vontade quase absurda de a ter por perto. Então, mandava uma mensagem ou ligava com uma desculpa qualquer, apenas para lhe ouvir. 

Ela estava sentada em uma mesa perto do bar, com um grupo. Um dos rapazes que a acompanhava não tirava os olhos dela e não perdia a oportunidade de roçar o braço no seu ou falar algo em seu ouvido. Antipatizou com o sujeito imediatamente, reconhecendo que o bichinho do ciúme montava morada em seu peito. 

“Deuses, como alguém pode ser tão linda assim?”

Emborcou o resto da caipirosca no copo e pediu outra. Karen acabou sendo esquecida. 

Não era preciso ser muito observadora para perceber que Nicole estava rejeitando, educadamente, as investidas do rapaz, mas ele não parecia notar ou fingia não perceber. Quanto mais os olhava, mais se incomodava. Tomou um gole da sua bebida e pousou o copo com certa violência na mesa quando o viu se aproximar de Nicole, pousar a mão no braço dela e curvar-se sussurrando algo em seu ouvido que, claramente, não a agradou, apesar de ainda sorrir. 

O gesto não passou despercebido para Ricardo e Karen. 

— Que gata! — Ricardo falou, cansado de esperar que a amiga falasse algo sobre a moça da qual não tirava os olhos. Aléxia lhe dirigiu um olhar azedo. — Sério?! Esse “time” começando a complicar a minha vida — recebeu um beliscão da amiga. — Você a conhece? 

Ela coçou o queixo, escondendo um sorriso acanhado. 

— Já fomos amigas, inimigas e “namoradas” — a última palavra lhe deixou um sabor cítrico na boca. 

— E hoje? — Karen indagou, atenta a conversa, já que não se importaram em falar baixo. 

— É uma ótima pergunta. — estava um pouco sem graça e brincou com uma mecha dos fios negros e curtos dos cabelos. — Acho que voltamos a ser amigas. 

Ricardo fitou a mesa de Nicole por algum tempo, tinha até esquecido sua paquera com uma das mulheres na mesa ao lado. Estava mais que curioso, agora. Aléxia era muito discreta em suas relações e, tirando Cris, a ex-chefe de ambos, nunca a viu dizer que namorou alguém. No máximo, acompanhou algumas de suas conquistas na noite, que resultaram em transas casuais. 

— Ela parece incomodada com o “mauricinho”. Talvez precise de uma “amiga” para ajudá-la — avaliou, tentando quebrar o clima estranho que ficou no ar com o olhar um pouco afetado de Karen, cuja decepção era evidente. 

Aléxia encolheu os ombros, pensando sobre o assunto com uma centena de dúvidas a bailar na mente. 

— Não sei, ela vai acabar dando “seu” jeito — mas no fundo queria mesmo ir até lá e arrancá-la daquela mesa, colocando a maior distância possível entre ela e aquele rapaz. 

— Tem certeza de que são só amigas? — Ele insistiu. 

— É. 

— Você gosta dela, está estampado da sua cara — Karen voltou a participar, exibindo um sorriso sem jeito por ter se intrometido na conversa outra vez, mas parecia resignada com o fato de que não conseguiria nada além de amizade com ela. 

Revirou os olhos. 

— Quando foi que essa saída, virou uma discussão sobre os meus sentimentos? 

— Estamos em um bar, gata. Invariavelmente, assuntos do coração são destrinchados em mesas como esta — Ricardo bateu na madeira e sentiu-se aliviada pelos demais colegas estarem concentrados em uma discussão sobre o novo chefe do departamento de criação da empresa. 

Lançou um olhar para Nicole, mordiscando o lábio pelo modo que o “mauricinho” lhe segurava o braço. 

— Caramba! A última mulher para qual te vi olhar assim foi a Cris — o amigo comentou e ela recordou que na última vez em que viu a chefe estava com Nicole. — Mesmo assim, não chegava nem perto disso — apontou para a face dela girando o dedo como se desenhasse um círculo no ar. 

Ela jogou o canudo sobre a mesa e tomou a caipirosca direto do copo. Então, respondeu para Karen: 

— Sim, eu gosto dela. Gosto muito! — Admitiu. 

Ricardo se esticou, pedindo outra cerveja ao garçom. 

— Começo a suspeitar que aquela tua virose de carnaval tem nome de mulher — riu alto e foi acompanhado por um riso tímido de Karen, que parecia mais relaxada agora, embora ainda mirasse Aléxia com interesse. 

— Não seja babaca! — Brincou, tentando fazê-lo mudar de assunto. 

Ricardo voltou a rir, então a empurrou para fora da cadeira. 

— Faz um favor para nós dois, vai lá salvar a loirona gata, vai! Depois você me agradece — a empurrou em direção ao bar. — Aproveita e diz o que sente pra ela. 

Vacilante, obedeceu. Estava na metade do caminho quando foi, praticamente, atropelada por uma moreninha apressada. A criaturinha abria caminho entre as pessoas, usando de uma arma poderosa: os cotovelos. Acabou se tornando uma de suas vítimas e tomou um banho da sua própria bebida. Não teve nem tempo de ralhar com a garota, pois esta sumiu no instante seguinte, sussurrando um “desculpe” e acotovelando o próximo coitado em seu caminho. 

No meio de tanta gente e do espaço mínimo para se locomover não conseguiria alcançá-la e, também, não estava a fim de arranjar confusão numa sexta à noite, ainda mais com Nicole a poucos metros de si. Respirou fundo e tomou outro rumo, pronunciando todos os palavrões que conhecia.  

*** 

— Eu não consigo acreditar que fizeram isso comigo, Aline! — A voz de Nicole subiu algumas oitavas quando entraram no banheiro. — Não posso crer que você participou disso! 

A irmã caçula a seguia de perto desde que a viu sair da mesa em um rompante, após um de seus irmãos insinuar que ela e o amigo dele, um rapaz charmoso que não parava de tentar lhe chamar a atenção, marcassem uma saída. Foi a gota d’água para que perdesse a paciência e optou por se afastar, a fim de evitar a discussão que se desenhava em seu interior. 

— Eu não participei de nada, Nico! Estou tão indignada quanto você — respondeu, cansada pelo esforço de segui-la até ali em meio à multidão que se aglomerava no estabelecimento. Se soubesse que o lugar ficava insuportavelmente lotado daquela forma, teria insistido para procurarem outro local. 

Enxugou um pouco do suor que brotava na testa, encarando a irmã que era alguns centímetros mais alta. 

— Para mim, esta seria apenas mais uma saída de irmãos. Como as que fazemos, vez ou outra. Não imaginava que Vitor traria aquele cara para te paquerar e que o sujeito faria isso tão descaradamente. Sinceramente, não sei onde ele estava com a cabeça! 

Nicole buscou um cigarro na bolsa. 

— É proibido fumar aqui — Aline indicou a placa ao lado da entrada. 

— Dane-se! — Acendeu o cigarro, sugando a fumaça para os pulmões e a expulsando pelas narinas. — Preciso disso ou vou sair daqui e matar alguém! Que inferno! Quando vocês vão entender? Eu sou lésbica! O que preciso fazer para que aceitem isso? Desenhar? Tatuar na minha testa? 

Aline lhe tomou o cigarro e deu uma tragada longa antes de devolvê-lo. Recostou-se à pia, analisando-a com cuidado. Estava surpresa com aquela explosão por parte da irmã, cujo temperamento era sereno, beirando à frieza em alguns momentos, embora fosse uma mulher bem-humorada e disposta a distribuir seu charme. 

— Desculpa, mana, mas não pode culpá-los por não estarem muito seguros disso. Você namorava os caras mais gatos. Aliás, trocava de namorado todo mês. E vem com essa agora? Arranja essa história justo quando o papai inventa de te apresentar alguns candidatos a genro? É de se imaginar que só quer afrontá-lo com essa história de ser gay. 

Irritada, Nicole liberou uma lufada de fumaça e apagou a ponta do cigarro com água da torneira antes de jogá-lo na lixeira. 

— Não estou afrontando ninguém. Céus! Nunca escondi meus namoros, vocês é que nunca se deram ao trabalho de ver isso. 

 — Ser discreta nunca foi seu estilo. 

— Ah, me poupe! Eu não tenho mais vinte anos! Não preciso anunciar para os quatro ventos quem dorme entre os meus lençóis! 

A irmã deu de ombros, concordando. Não dava a mínima para com quem ela dormia, desde que estivesse bem e feliz. 

— E por que cargas d’água estamos tendo essa conversa agora? Pensei que houvesse um acordo velado nessa família para não tocar nesse assunto. Até o nosso pai anda silencioso. 

— Foi você que começou com seu chilique — retrucou. 

Nicole resistiu a vontade de pegar outro cigarro. De fato, os últimos meses tinham se passado em paz com seus familiares e isso era um grande alívio. Mas não era tão simples. 

Inspirou fundo, recuperando um pouco da calma costumeira. 

— Eu sinto muito, Line. Ando com a cabeça cheia, ultimamente. 

A caçula fez um gesto para que deixasse a desculpa de lado. Não se importava mesmo. No lugar dela, também estaria uma pilha de nervos. Principalmente, com aquela armação estúpida do irmão mais velho. Ela mesma se encarregaria de ter uma conversa séria com ele depois e sobraria sermão para os outros também. Embora fosse a caçula da família, costumava ser a voz da razão entre os demais. 

— Se quer acabar com essa história, nos apresente logo essa tal de Aléxia que você namorando — aconselhou. 

Nicole ergueu as sobrancelhas. 

— Como você sabe disso? 

A outra riu, mostrando dentes muito brancos e caninos ligeiramente pontudos. 

— Andei xeretando, claro — sorriu traquina e a irmã quase acreditou que tinha mesmo fuçado sua vida, mas Aline não era assim, então aguardou que explicasse. — Descobri por acaso. Fui na tua casa, dia desses, e Mateus estava saindo com a namorada. Vocês conversavam à porta sobre seu namoro com a tal Aléxia. Não ouvi muito, não queria invadir tua intimidade. Mas se quer acabar com isso, apresenta logo ela para a nossa família. Sabe que nossos irmãos não têm bronca com isso, mas enquanto não te virem com alguém, vão acreditar que sua homossexualidade é conversa fiada e tentarão fazer as vontades do velho. Ele te quer de aliança no dedo; “amarradinha” como todos nós. 

Revirou os olhos, decidindo-se por pegar outro cigarro. 

— Não pode culpá-lo por te desejar o bem; que tenha uma família e que se aquiete. 

— Como se eu vivesse na farra! 

— Não mais. — Recordou, afinal assistiu de perto sua vida desregrada na adolescência e depois que voltou da faculdade. Em verdade, Nicole não era mais assim há muitos anos, contudo, comentou: — Notei que anda saindo menos ainda, depois que soube que está namorando essa moça. 

A mais velha exalou, coçando a testa e fitando o próprio reflexo no espelho sobre a pia. 

— Meu lance com Alê, é complicado… 

— Hmm… “Alê”. — Fez uma graça e estalou a língua. — Que fofo o jeito que pronuncia o nome dela! Ai! — Passou a mão na testa para aliviar a dor do peteleco que recebeu, mas lhe deu uma piscadela e após mais algumas gracinhas que foram interrompidas por duas moças que entraram, comentou: — Vocês formam um casal bonito. 

A outra se demorou a fitá-la em silêncio, então tratou de explicar: 

— Vi vocês na praia, há algum tempo. — Ergueu as mãos na defensiva. — Juro que foi pura coincidência! Minha sogra queria levar o Davi para passear e fui junto; sabe como ela é distraída e o quanto seu sobrinho é espoleta… — interrompeu-se para admirar o sorriso dela quando falou no menino. Nicole era louca pela criança e lhe fazia todas as vontades. — Não teria achado nada de mais se não tivesse ouvido sua conversa com Mateus e você não tivesse saído do armário antes disso. Foi uma questão de juntar dois mais dois. 

— Você não existe, Line! — Apagou o cigarro e o atirou na lixeira. — Está se saindo uma grande abelhuda — sorriu de lado quando a outra fez uma carinha afetada. 

— Não tenho culpa se estou sempre na hora certa e no local certo! — Empinou o nariz. — Só me responde uma coisa. Você gosta dessa mulher? Gosta mesmo? 

Foi com um sorriso carinhoso que respondeu: 

— Amo com cada célula do meu corpo. 

Aline tocou-lhe o queixo, afetuosa. 

— Então, mana, nos apresente ela e acabe logo com esse circo! 

Agitou-se, preparada para explicar que não poderia apresentar Aléxia porque nunca foram namoradas de verdade e que a possibilidade disso acontecer ainda lhe parecia muito distante. Contudo, a entrada da irmã mais velha a impediu. 

— Ah, vocês estão aqui! Algum problema para demorarem tanto? Você está bem, Nicole? 

— Não, Mari, já estamos voltando pra mesa. Certo, Nico? 

— Só nos distraímos conversando — confirmou. 

— E fumando, pelo cheiro. — Observou a outra, abanando a mão diante do nariz e se encaminhando para a porta com as duas em seu encalço. — Olha, desculpa por esta noite, Nicole. Não fazia ideia de que Vitor… 

*** 

— Então, Nicole, o que você gosta de fazer no seu tempo livre? Porque nós podemos marcar… 

Ela suspirou, enviando um olhar nada feliz para os irmãos e pedindo um pouco mais de paciência ao divino. 

— Eu gosto de achar que é estar em minha companhia! — Uma voz se elevou atrás deles, a mão de sua dona escorregou pelo ombro de Nicole, que sentiu um arrepio gostoso percorrendo sua coluna ao reconhecer o calor daquele contato e a voz dela. 

Voltou-se para olhá-la, o coração disparado de alegria e foi presenteada com um sorriso lindo. 

— Ei! — Disse ela e, imediatamente, se pôs de pé, ainda sem saber como agir ou o que dizer, como sempre lhe acontecia quando a encontrava. 

A vontade que tinha era de se atirar em seus braços e beijá-la até que o ar lhes faltasse, mas não podia, nem sabia se um dia poderia fazê-lo outra vez. Gostava de ter a amizade de Aléxia, mas isso só aumentava o tormento do seu coração, pois a proximidade solidificou e enraizou de vez aquele amor. 

Aléxia a puxou para um abraço apertado. 

— Achei que você podia estar precisando de uma “namorada” para se livrar de um babaca. 

A loira riu, desejando não se apartar dela. Havia uma revolução de sentimentos conflituosos em seu interior; estava tão feliz dentro daquele abraço que demorou alguns instantes para dar volume a voz. 

— Como sempre, minha “heroína” — aspirou o perfume do pescoço dela. — O que está fazendo aqui? 

Aléxia afastou-se; deslizou uma mecha de fios loiros para trás da orelha dela e lhe sapecou um beijo rápido nos lábios, notando o choque que o gesto causou nos integrantes da mesa e na própria Nicole, cujos olhos se abriram mais e apertou a mão que pousava em sua cintura. 

— O de sempre: bebendo, jogando conversa fora e ouvindo conselhos amorosos de um mulherengo e de uma garota que está afim de mim.

O ciúme lhe desfigurou a face por um instante e Aléxia riu. 

— Você fica uma gracinha com ciúmes, sabia? 

Falavam baixo e a música alta impedia que os demais ocupantes da mesa as ouvisse. 

— Quem disse que eu estou… — a ex-colega sentou um dedo em seus lábios. 

— Discutimos isso depois! Não vamos fazer cena na frente dos meus cunhados, né? A não ser que não deseje ajuda. 

Era uma provocação, claro, mas os lábios vermelhos de Nicole se contraíram, demonstrando seu desagrado por isso e arrancou uma risadinha de Aléxia, que finalizou:

— Então sorria, “amor”, e me apresente! 

Nicole limpou a garganta e obedeceu. Escorregou a mão até a dela, possessiva. Sentia saudades o tempo todo; saudades de um amor do qual só tinha experimentado uma migalha. Outra vez, representariam aqueles papéis e o que ela não daria para que fosse verdade? 

Voltou-se para a mesa, dando-se conta do silêncio que a tomou. Todos observavam sua interação com Aléxia e capturou alguns olhares inquisitivos. Exceto de Aline, cujo sorriso era puro sarcasmo para os demais.

— Alê, estes são os meus irmãos: Vitor, Fernando, Aline e Marisa. 

Aléxia sorriu e cumprimentou a todos, enquanto imaginava como teria sido a briga pelo controle remoto da TV, quando eram crianças. Sabia que Nicole tinha irmãos, mas não a quantidade, nem que seriam todos tão bonitos e atraentes quanto ela. 

Devia ser crime uma família tão bonita assim. 

Nicole se parecia com eles, com exceção de Marisa, que era a mais velha do quinteto, e o tom dos cabelos puxava mais para o cobre do que para o loiro. 

— E este é um amigo do Vitor, João Carlos — concluiu Nicole, claramente satisfeita com o modo como o rapaz ficou desconcertado. Imaginou, acertadamente, que o beijinho que Aléxia lhe deu era a razão. 

Era um moreno muito bonito de feições expressivas, olhos castanhos e barba bem aparada. Seus músculos ficaram bem visíveis ao ficar de pé para cumprimentá-la com jeito de galã de cinema americano e Aléxia constatou que era o que Vivian chamaria de “deus grego”. Apesar dos ciúmes, Aléxia tinha de admitir que, se Nicole estivesse interessada, os dois formariam um casal de arrasar corações. 

A ideia lhe cegou por alguns instantes, injetando-lhe nova onda de ciúmes e assustou-se com a sensação. Não costumava ser ciumenta, ainda mais com alguém com quem ainda não tinha um relacionamento formal. Mas quem disse que o coração se importa com isso? 

Foi simpática com o rapaz, mas não deixou de marcar seu território, enlaçando a cintura da loira uma vez mais, antes de ser apresentada. Nicole sugou uma grande quantidade de ar, nervosa, mas quando falou era dona de uma naturalidade encantadora. 

— Pessoal, esta é Aléxia, minha namorada. 

Apesar de ter estado naquela mesma situação meses antes, ouvi-la naquele instante foi muito prazeroso. Houve uma troca de olhares intensa entre os irmãos; brilhos distintos que passaram pela surpresa, vergonha, simpatia e até um pouco de raiva. Entretanto, a cumprimentaram educadamente. A única exceção foi Aline, que deu a volta na mesa e a puxou para um abraço de estalar ossos. 

— Até que enfim! Não aguentava mais de curiosidade sobre você!

A “namorada”, por sua vez, puxou-lhe uma cadeira. Sentou, tentando parecer relaxada; um estado quase inalcançável naquele momento. Onde estava com a cabeça quando resolveu ir até aquela mesa e bancar a “princesa encantada” dela? Sempre foi uma mentirosa medíocre e poderia pôr tudo a perder. Mordiscou o lábio, remoendo aquele breve instante de insegurança. 

Nicole pousou a mão sobre a sua na mesa, era a personificação da confiança. 

— Não seja exagerada, Line! — Repreendeu a caçula, que já retornava para o seu lugar. 

— Nada de exagero — a outra estalou a língua. — Há meses que espero você parar de escondê-la. 

Os olhos verdes Nicole reviraram, acompanhados por um dar de ombros. Aléxia acompanhava a troca de farpas bem-humorada, recordando seu irmão. Quase deixou o sorriso morrer ao pensar nele, então respirou fundo e aproveitou uma trégua entre as duas para dizer: 

— Aposto que não estava tão curiosa quanto eu. Fiquei muito feliz quando Nico me pediu para buscá-la e contou que finalmente iria conhecê-los! — Quase bateu palmas para si; até que não foi uma mentira ruim. 

Nicole passou o braço sobre seus ombros, carinhosa. Do outro lado do salão, Ricardo observava a cena. Ele soltou uma gargalhada e lhe fez um brinde, que fingiu não ver. 

Aline admirou as duas sem conseguir esconder sua satisfação. As feições de Nicole tinham se transformado com a presença da “namorada”. Nunca a viu tão leve e, diferente dos demais, mostrava-se disposta a conhecer a “cunhada”. Não mentiu quando afirmou estar cheia de curiosidade sobre ela. Alguém que foi capaz de conquistar o coração da irmã, merecia sua total atenção. 

— Ainda há pouco, pedi a Nico que deixasse de escondê-la e nos apresentasse a mulher que a tirou do armário — brincou ela, e recebeu um olhar indagador de Marisa e Vitor. 

— Engraçadinha! — Nicole retrucou, com fingido azedume e recebeu uma risada como resposta. 

— Então, Aléxia, há quanto tempo você e a minha irmã estão juntas? — Aline atacou, satisfeita pelo desfile de amigos e pretendentes à sua irmã chegar ao fim. Talvez, pudessem retornar a paz no seio da família. 

Com os irmãos sabia que não haveria problemas. Com o pai… aí já era outra história. Mas tinha certeza de que ele acabaria por aceitar, fosse por bem ou por mal. Afinal, Nicole sempre foi sua filha preferida. 

— Por favor, não nos prive de nenhum detalhe. Sua namorada é do tipo que aprecia segredos. Só descobri sobre você por acaso. 

Ela tinha o jeito despachado e provocador de Nicole, elevado a terceira potência. 

— Meses, anos… Depende do seu ponto de vista. — Aléxia admirou as suas feições, concluindo que era ainda mais bela que a irmã mais velha. 

Nicole aumentou a pressão sobre seus ombros e balançou a cabeça, afirmativa. Teria confirmado qualquer coisa, apenas por estar envolta na felicidade de estar junto dela. Mas, infelizmente, a relação que as unia ainda era uma mentira e isso fazia com que mantivesse os pés no chão. 

— Anos, mana? — Aline assobiou, ainda mais curiosa.

— Como assim anos? — Marisa resolveu participar da conversa. Fitava Aléxia como se pudesse lhe partir ao meio com um simples gesto, mas não era um olhar agressivo, apenas curioso. 

— É que nos conhecemos desde a faculdade. Estudamos juntas. — Esclareceu Nicole, e houve outra troca intensa de olhares. 

Os rapazes se mantinham em silêncio, sorvendo cada palavra que trocavam. Aléxia tinha se tornado um peixinho no aquário e sentia-se muito desconfortável com a atenção. Contudo, mantinha-se firme. 

Nicole se colocou de pé, sentindo que suas energias e capacidade de manter-se concentrada se esvaiam. Aléxia a imitou.

— Bem, vocês terão que nos desculpar, mas nós temos outro compromisso e precisamos ir. 

— Mas já? 

— Avisei que precisaria sair cedo — Nicole recordou.

— Qual é, mana?! Você esconde a nossa cunhadinha e quando, finalmente, a conhecemos nem nos dá a chance de saber mais sobre ela. Se não tiver ninguém morrendo à espera de vocês, podem ir sentando. — Aline insistiu. 

Nicole enviou um olhar atravessado para ela, recebendo um sorriso traquinas em desafio. 

— Não há ninguém morrendo, mas corremos o risco de perdermos as orelhas se, outra vez, furarmos com meus pais. Eles estão nos esperando para jantar — Aléxia atalhou, novamente surpresa pela rapidez e facilidade com que mentiu. 

Diante daquele argumento, foram liberadas, mas Aline insistiu para que fossem jantar com ela e o marido no fim de semana. Um pouco exasperada, Nicole tentou livrá-las do compromisso, sem sucesso. Acabaram combinando o jantar para o fim de semana seguinte. Quando saíram para a noite fria, Aléxia se voltou para a “namorada”. Toda a confiança que tinha exibido naquela mesa, se fora. 

— Olha… — ela começou a dizer, mas jamais terminou a frase, pois a Nicole a empurrou contra um carro e colou os lábios nos seus em um beijo quase insano. Aléxia a correspondeu com uma sede absurda da boca dela.

E quando se afastaram em busca de ar, Nicole fez um gesto suave, impedindo que falasse. Então, confessou:

— Eu sei que foi teatro, mas estava morrendo de vontade de fazer isso. Desculpa, Alê, essa amizade… Eu sei o que prometi naquele dia, mas não sei se consigo continuar com ela! É muito difícil estar ao seu lado e não poder te abraçar, beijar, falar sobre o que sinto…

Aléxia a puxou para os seus braços e enfiou o rosto entre seus cabelos, cheiravam tão bem que, por alguns instantes, ela esqueceu onde estavam. Sentou os lábios no pescoço perfumado, carinhosa, e divertiu-se com o tremor que se espalhou pelo corpo desejado.

— Nem tudo foi teatro, Nicole. Esse beijo não foi. — Sussurrou, mordiscando-lhe o lóbulo da orelha. Nicole agitou-se, um friozinho a lhe tomar a barriga, e usou uma pilhéria para esconder o nervosismo:

— Hmmm… andou sentindo falta dele, é? — Aspirou um pouco de esperança. 

Aléxia afastou-se com um sorriso cafajeste. 

— Sabe qual é o seu problema? Você fala e se acha demais! Está precisando de uma lição de humildade. 

Eventualmente, ao longo daqueles meses de amizade trocavam insinuações; frases carregadas de duplo sentido e querer disfarçado. Mas nunca foram além das palavras. Nicole sempre se conteve, pois reconhecia em Aléxia apenas o desejo de brincar consigo. Contudo, havia algo diferente naquele instante. Aliás, Nicole a tinha notado diferente nas últimas semanas e isso a incomodava profundamente, pois não sabia o que esperar. 

— Você pretende me dar essa lição? — Continuou a brincadeira, desejando que se tornasse verdade.

— Talvez! — Aléxia devolveu. Suas mãos estreitavam a cintura dela e, de repente, tornou-se séria. — Você está bem? Estava com meus colegas e te vi… 

Nicole deixou o riso de lado, também. Sentia-se bem pela presença dela e, definitivamente, encantada pelo beijo que trocaram. 

— Estou bem, Alê. Neste exato momento estou muito mais que bem. — Contudo, ainda estava agastada com a armação do irmão mais velho. — Obrigada pela ajuda. Você não tem ideia do quanto estava incomodada naquela mesa. Era uma situação frustrante e desgastante. 

Aléxia escorregou a mão por uma mecha de seus fios loiros. 

— Na verdade, eu tenho. Desculpe te informar, mas conversas íntimas no banheiro feminino não ficam exatamente em segredo. 

— Você estava lá?!

— Quietinha e silenciosa, como se fizesse parte dos azulejos nas paredes — sorriu de lado. 

— Então, foi em meu socorro — recordou a confissão que fez para a irmã, mas seu amor não era segredo para Aléxia e não tinha do que se envergonhar. 

— Assim como você foi quando precisei. É o que amigas fazem, não é? — Arqueou os lábios, jocosa. 

— É… — seu olhar entristeceu.

Amava a amizade que cultivaram ao longo daqueles meses, mas não era assim que a queria. No entanto, era o que Aléxia parecia desejar. Seu estômago contorceu-se, contrariado. 

Afastou-se por completo e buscou um cigarro na bolsa. 

— Vem! Te levo para casa — Aléxia chamou. 

Nicole interrompeu-se, antes da chama do isqueiro tocar o cigarro, arqueou uma sobrancelha. 

— Você está cheirando a álcool como se fosse uma bomba de posto de gasolina. Nem pensar que vou te deixar dirigir. 

Ela riu alto. 

— Na verdade, planejava ir de táxi. Deixei meu carro na empresa. 

— Boa menina! — Voltou a pôr o cigarro nos lábios. — Eu te levo em casa. 

— Para a sua casa. 

Nicole a encarou, confusa. Aléxia tratou de emendar: 

— Não conheço sua casa nova. Me convide para conhecê-la. — Lhe tomou o cigarro antes que pudesse acendê-lo. Então, a puxou pela cintura, colando-a a sua. Tinha um olhar lascivo e um sorrisinho cafajeste, que Nicole reconheceu de imediato. Ela a tinha fitado da mesma forma naquela noite na chácara. 

— Por quê? 

— Porque amigos conhecem os lares de seus amigos. Além disso, quero fazer algumas coisas contigo, mas se fizer aqui, podemos ser presas por atentado ao pudor. 

— Acho que você bebeu demais. Está fazendo insinuações eróticas? 

— Pareço estar falando outra coisa? Caramba! Acho que tenho que ser mais direta, então! — Lhe tomou os lábios, voraz. Deslizava as mãos por suas costas, grudando seus corpos ainda mais. 

Sem ar, Nicole foi obrigada a se afastar. Deu alguns passos para atrás. O coração pulsava de alegria, enquanto a mente nublava de pura confusão. Cruzou os braços, fincando as unhas na própria carne para impedir-se de ir até ela novamente. 

— Você me confunde, Aléxia. Primeiro, me odiava. Aí dormiu comigo. Depois, me rejeitou e disse que queria ser minha amiga. Agora… Nem sei o que é este momento! Não sei se está brincando, se está bêbada ou se, finalmente, resolveu se vingar e me tortura dessa forma. 

A ex-colega abandonou a alegria que os beijos lhe trouxeram. Bagunçou os cabelos em nervosismo e respirou fundo. 

— Há uma possibilidade em que não pensou. Não é vingança, nem loucura ou maldade. Hoje, somos amigas de verdade. Só que eu não quero mais ser sua amiga, Nico. — Assistiu com satisfação a transformação que se deu nela. 

A loira encarou a face amada, emudecida. Aléxia continuou: 

— A verdade é que estava reunindo coragem para ir falar contigo sobre isso. Aliás, estou tentando fazê-lo há algum tempo. — Um dos cantos da boca se ergueu, tímido. — Não foi assim que imaginei, nem foi em um lugar como este também. Mas já que estamos aqui, não vou deixar o momento escapar como fiz tantas outras vezes, por medo e dúvidas idiotas — gesticulou, fazendo um muxoxo. 

— Então?! — O coração batia esperançoso dentro do peito. Havia mesmo uma promessa de romance naquela frase, no brilho daqueles olhos? 

Os poucos segundos que ela levou para responder, lhe pareceram uma eternidade imersa na ansiedade. 

— Ah, Nico! — Aléxia adiantou-se e escorregou a mão pela face dela, buscando as palavras certas. — Sem joguinhos, sem brincadeiras. Eu adoro ter a sua amizade, mas não a quero mais. Pelo menos, não quero só ela. Eu quero você por inteira. Quero a amiga, quero a mulher. E se a inimiga tiver de vir junto, a quero também. Quero todas as mulheres que você já foi, é e será. 



Notas:



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2 Respostas para 15. TODAS AS MULHERES

  1. 😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍e exatamente o que achei do capítulo

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