Aléssia

Capítulo LI

POR ÐIANA ŘOCCO

Revisão: Carolina Bivard, Isie Lobo
Cartografia: N. Lobo
Mapa de Âmina
>>> LI <<<

Encarei meu pai, que estava estupefato.
— Alexandra O’Líath rastejará aos pés da Rainha Aléssia de Âmina, para que todos vejam o que acontece com aqueles que atravessam o caminho de um Amaranto — continuei com a voz mais branda — E então haverá paz nesse reino. Haverá paz, pois não haverá ninguém com força ou coragem para nos ameaçar. E haverá prosperidade também em meu reinado, isso eu lhes garanto. E todo aquele que for leal a mim e a meu clã, receberá a dádiva por isso. Mas quem não me servir como eu espero que sirva, encontrará na minha espada a resposta para essa ingratidão.
Sentei calmamente, aguardando algum pronunciamento e, quando percebi que o silêncio se estenderia, encerrei a discussão.
— Alexandra dos Olhos Cinzentos será minha escrava pessoal. Essa é a decisão desse conselho. E quem não concordar fale agora, ou se cale para sempre.
Os conselheiros olhavam para o chão ou para o teto. Minha autoridade os assustava.
— Se é assim tão importante para você, será feito conforme sua vontade, minha filha. Mas que seja então você a responsável por capturar Alexandra e destruir Líath.
Sorri vitoriosa.
— Dê-me o comando do exército real, meu pai, e garanto que antes do término do verão seus problemas estarão resolvidos.
A reunião do conselho foi encerrada sumariamente para que meu pai e eu pudéssemos conversar. Minha determinação e fúria eram inesperadas até mesmo para o Rei.
— O exército é uma responsabilidade grandiosa, minha filha.
— E eu sou plenamente capaz de assumi-la. Sou melhor preparada do que qualquer um dos seus comandantes. Aquele Drusus, por exemplo? Um idiota que assassinou um soldado apenas para intimidar os outros homens.
— Se quer que os homens lhe obedeçam é bom ser temido.
— É bom ser temido por provocar dores atrozes a um homem, não por matá-lo. A morte é branda, meu pai, e muitos são os que a encaram com alegria, desde que possam ser lembrados como mártires.
O dia caminhava para seu fim e meu pai andou até a janela, ficando contra a luz. Observei-o com as mãos apertadas às costas, e sabia que estava ponderando o que eu dissera. A ideia não lhe agradava por completo, e depois de alguns instantes decidiu me dizer o que o preocupava.
— Você é uma mulher, Aléssia. Nunca me ressenti por ter tido uma filha menina, sempre a amei e você sempre foi especial. Sei que é capaz de tudo o que diz. Sei que é mais capaz do que a maioria dos homens que conheço. Se é que algum homem pode mesmo rivalizar com você… A força física que lhe falta você compensa com rapidez e inteligência.
Virou-se para me olhar nos olhos, e seu olhar era bondoso.
— Mas os homens não vão aceitá-la. Os soldados jamais seguirão uma mulher. Não com a mesma confiança com que seguem um homem.
Era verdade e eu não soube o que dizer. Havia o esboço de um plano em minha mente. Uma ideia que beirava a idiotice, mas que, se desse certo, libertaria Âmina e evitaria o derramamento de sangue. Se eu pudesse ter controle total do exército de meu pai, então não haveria guerra.
Meu pai havia pensado na mesma coisa? Ou estava apenas tentando me ajudar? Sua postura em nossa conversa era protetora, mas a posição que assumiu impossibilitava meu plano de forma quase completa. Eu poderia domar um homem como Galvan — o principal comandante de meu pai — se por acaso meu pai quisesse que compartilhássemos o poder. Mas estávamos na beira de uma guerra, e a decisão de meu pai seguiu o curso da decisão de um Rei cujo trono está ameaçado. Eu havia subestimado a inteligência de meu pai, ou superestimado minha capacidade de persuadi-lo.
— Comandaremos juntos, Aléssia. Os homens podem até mesmo resmungar nos bastidores, mas serão obrigados a lhe seguir se souberem que eu lhe dou autoridade para comandar algumas tropas. Por outro lado, se lhe der o poder sobre todo o exército e me concentrar apenas em questões políticas, parecerá à tropa que fujo da luta, que sou covarde e que não ligo para os meus homens.
— Você é o Rei, meu pai, o comando do exército sempre lhe pertencerá. Mas já é hora de eu representar um papel real nesse reino. Sou uma guerreira preparada para o comando. Quero que me nomeie Chefe-Em-Pessoa do Exército Real de Âmina.
Havia assumido uma postura muito rígida na reunião do conselho, agora não poderia simplesmente recuar. Se pudesse retirar Galvan do comando do exército… se pudesse deixar as tropas de meu pai acéfalas, abria uma vantagem significativa para o exército revolucionário. Mas meu pai não parecia disposto a sacrificar seu homem de confiança com tanta facilidade assim.
— Você é nossa Princesa e a principal conselheira do reino. Será meu braço direito no comando do reino, e deixarei isso muito claro a todos. Partilharemos o governo e, como consequência disso, o poder do exército. Mas os homens precisam de um líder em quem confiem, e Galvan exerce esse papel com maestria há muitos anos.
— Galvan exercia esse papel porque eu era jovem demais para desempenhá-lo. Por tradição, o príncipe herdeiro comando os exércitos de seu pai. E eu exijo assumir meu papel agora.
Jogos de cartas são um complemento maravilhoso para os estudos de estratégia. Eu sabia na prática a importância do blefe, e era capaz de utilizá-lo sem que nenhum músculo de meu corpo me denunciasse. Deixei que a raiva que sentia de meu pai brilhasse em meu olho, e isso deu ênfase à minha exigência. Ele sustentou meu olhar, mas havia algo de apreensão e susto nele. Aproximei-me até que nossos rostos estivessem quase colados, e deixei que uma ideia ainda amorfa ganhasse vida em uma pequena ameaça:
— Você está velho, Aran — sibilei, e percebi seu olhar ganhar uma tonalidade sinistra diante da voz gutural que adotei — Aléssia é o futuro. Obedeça-me!
Engoliu a isca. Ficou um instante paralisado, depois abaixou a cabeça. Jamais cederia a qualquer pessoa, era Rei entre os homens. Mas era serviçal da Pedra e não podia enfrentá-la. Recuou em direção à porta, como se pretendesse sair, mas eu ainda tinha coisas a lhe dizer. Se pudesse convencê-lo de que a Pedra me controlava, então poderia manobrá-lo a meu favor.
— Dê a Aléssia o comando do exército e a autoridade para cobrança de impostos.
Para minha surpresa, meu pai me fez uma mesura e pediu permissão para sair. Consenti, enquanto sufocava a vontade de rir. Será que, com esse truque, não conseguiria reverter a questão do casamento também? Voltei a meus aposentos, feliz por controlar meu pai. E essa era uma sensação bastante perigosa.
Dormir com Irina foi um momento de fraqueza, e agora deixava consequências. A jovem escrava, presente de meu pai, surgiu lânguida tão logo entrei no quarto. Enroscou-se em minhas costas e mordiscou minha nuca. Imaginei se, àquela altura, meu pai já sabia que eu havia provado a fruta estrangeira que ele empurrou para meus aposentos.
Não pretendia magoá-la, mas também não podia desprezar a possibilidade de aquela belezinha ser uma espiã a serviço do próprio rei. O que provavelmente era, aliás. Seu jeito desprotegido era a cilada perfeita para mim. Ou para a antiga Aléssia.
A nova, entretanto, devia ser fria e egoísta.
Puxei Irina pelos braços e a prendi contra a parede. Ela sorriu com malícia, mas o sorriso desapareceu quando a segurei pelo pescoço e ordenei que ficasse nua.
A jovem estrangeira tinha os cabelos longos e lisos soltos sobre os ombros. Usava uma túnica curta que mostrava as bem formadas pernas até a altura das coxas. Seus olhos eram negros e grandes, marcados por sobrancelhas grossas. Seus cílios longos davam ao olhar um jeito sério e sedutor. Era muito bonita e poderia ter enlouquecido reis, conquistado exércitos, comandado terras apenas pelo dom da beleza. Mas ao invés disso, me fora presenteada como escrava. Seu destino havia se entrelaçado com as piores brincadeiras que meu próprio destino me pregava. Irina era inocente, e ainda assim iria sofrer. E eu, que lhe causaria o sofrimento, não tinha o poder de evitá-lo.
Apertei um pouco mais meus dedos em sua garganta, e isso afastou a relutância da jovem. Com certeza já havia passado por coisa pior nas mãos de meu pai e seus amigos, mas parecia evidente que não esperava sofrer maus tratos em minhas mãos. Entre os serviçais do Castelo, minha fama era de alguém cortês e gentil.
Irina desamarrou a faixa da cintura e o tecido voou livre desmanchando as formas insinuantes da mulher. Apertei ainda mais meus dedos e ela se apressou em soltar os nós das alças e assim, ao perder apoio, a túnica escorreu por sua pele e enrolou-se em seus pés. Olhei-a com ar de superioridade e sorri como se estivesse feliz em humilhá-la. A jovem que, na noite anterior, oferecera-me alegremente sua nudez, agora estava rubra de vergonha.
Atirei-a com violência sobre minha cama e ela, assustada, não ousou se mexer. Caiu com as pernas abertas e assim permaneceu. Eu podia entrever a concavidade de seu sexo, sutilmente escondida pela pequena mancha de pelos negros e isso, sou obrigada a confessar, dava-me água na boca.
Mas não a toquei. Fiquei parada em pé, junto à parede onde há pouco ela esteve encurralada, e a olhava com cobiça e despudor. Mandei que abrisse ainda mais a perna e coloquei uma poltrona na beira da cama de maneira tal que, sentada, via com perfeição seu clitóris desafiando a pelugem negra.
— De onde você vem?
Não tirei os olhos de seu sexo aberto e desprotegido. Podia perceber a vergonha em seu rosto. Mesmo uma prostituta se sentiria constrangida ao ser tratada assim. E aquela jovem, embora fosse agora uma escrava sexual, não me parecia ser uma prostituta.
Falei pausadamente como se realmente acreditasse que ela tinha dificuldades com meu idioma, mas sabia muito bem que, estando há meses na posse de meu pai, a urgência da situação havia lhe ensinado mais do que o suficiente para me compreender. Ela tentou esboçar um sorriso, como se fosse bom eu me interessar por sua vida. Mas o fato é que aquilo nada tinha a ver com interesse, era apenas uma forma mais rebuscada de humilhação. Desnudar o corpo de uma pessoa provoca constrangimento. Mas obrigá-la a despir a alma provoca sofrimento e loucura. Ainda assim, Irina tentou reverter a situação simulando algum prazer naquilo. Encarei-a com expressão sinistra e o sorriso logo desapareceu. Comecei a bater a ponta do pé no chão num sinal de impaciência, e então ela forçou a voz a sair.
— Altnasfera.
Eu fora criada no interior do Castelo e não conhecia nem sequer as terras de Âmina. Outros reinos eram, para mim, apenas nomes em mapas e listas. Altnasfera era um principado a sudoeste de Âmina. Igor Iriorson era o regente. A economia era baseada na criação de cabras e ovelhas. O terreno era irregular e arenoso, nada propício à agricultura. As terras, muito íngremes, eram fáceis de serem defendidas, mas com uma população total que não chegava a dez mil pessoas, o exército de Altnasfera era ridiculamente pequeno. A sobrevivência do minúsculo reino dependia mais de política do que de força e, por isso, eram aliados de todos os seus vizinhos fronteiriços, e de mais alguns reinos que fossem fortes o bastante para significar alguma ameaça. Isso era tudo o que eu sabia daquele desprezível principado. E agora tinha em minha cama alguém que poderia me dar detalhes pitorescos de um reino que não tinha serventia alguma.
— Ah, o grande principado de Altnasfera! Como não adivinhei isso antes?
O escárnio era quase forçado em minha voz. Apiedava-me cada vez mais. Ela, entretanto, não tinha como saber disso.
— E o que você fazia lá — continuei com minha sessão de tortura — abria as pernas em alguma das tabernas do vilarejo?
Pela primeira vez vi raiva no olhar de Irina. Mordeu os próprios lábios, mas não respondeu.
— Altnasfera tem tabernas? Às vezes me esqueço de quão ridículo é o seu povoado. Já ouvi dizer que os homens de lá são obrigados a se satisfazer com as cabras, porque as mulheres não insossas. E as poucas que prestam para alguma coisa, são confiscadas por quem realmente tem força e poder no mundo, não é?
Irina parecia diminuir a cada palavra que eu pronunciava, mas não ousou se mexer nem contestar. Se algum dia nutriu real simpatia por mim, eu conseguira transmutar o sentimento por ódio total. Restava-me torcer para que isso se alastrasse como fogo nos fuxicos da criadagem do castelo. A fama de boa moça de Aléssia Valentina precisava ver destruída.

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Notas:



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Uma resposta para Capítulo LI

  1. Oi Diana

    Aléssia tá que tá!!! rsrsrs Super curiosa pra saber se o rei tá caindo mesmo na dela!

    Abrs ?

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