Aléssia

Capítulo LII

POR ÐIANA ŘOCCO

Revisão: Carolina Bivard, Isie Lobo
Cartografia: N. Lobo
Mapa de Âmina
>>> LII <<<

— E então, escrava, não vai dizer à sua senhora o que fazia em Altnasfera? Você vai privar de minha vida íntima e, portanto, preciso saber tudo a seu respeito.
Nenhuma palavra. Aquilo começava a não ser muito inteligente. Em certas ocasiões, o excesso de coragem pode aniquilar uma pessoa. Irritei-me com seu desafio mudo e bati com força na parte interna de suas coxas. A pele ficou marcada onde meus dedos a atingiram, mas nem sequer um grito minha escrava pronunciou. Então decidi mudar de tática. Fiquei em pé e segurei-a novamente pelo pescoço. Irina se contorceu e fechou as pernas, mas bati com força em seu abdômen e ordenei que as abrisse de novo. Obedeceu, mas continuava sem dizer nada.
— Qual o nome de seu pai? – perguntei com a voz alterada, enquanto apertava-lhe a garganta.
— Diogo — ela balbuciou com dificuldade, e fiquei feliz por avançar de alguma forma. A informação não me importava em nada, mas era preciso assustá-la.
— E o que faz esse pobre coitado? Cria putas para exportação? — Dei um riso malicioso e o ódio faiscou pelos olhos de Irina, que mordeu os próprios lábios até arrancar sangue. Mas não me respondeu. Então apertei um pouco mais seu pescoço e ela sentiu dificuldade em respirar. Tentava puxar com força o ar, mas só afrouxei os dedos quando senti que ela realmente sufocava. Aguardei uns instantes, até que recuperasse o fôlego, e apertei novamente, repetindo a pergunta. Ela fixou os olhos nos meus numa atitude de desafio, e respondeu numa voz engasgada por causa da falta de ar:
— Cultiva espadas para matar ditadores como você e seu pai.
A resposta não deixava de ser espirituosa, levando em consideração a debilidade bélica da terra natal de Irina. Ri daquele desafio inócuo, e apertei novamente sua garganta, dessa vez com muito mais força do que anteriormente. Mas agora Irina não falou nada. Tentei forçá-la de todas as formas, e a jovem chegou perto do desmaio sem esboçar nenhuma resposta. Retirei meu punhal da cintura e bati com força o cabo contra a parte interna de suas coxas. O sangue escorreu no local atingido, mas Irina não me brindou nem sequer com um gemido.
Passei a lâmina sobre seus seios e ameacei cortar-lhe um dos mamilos, mas a simples menção do gesto me fez lembrar de Lara e então, subitamente, guardei a faca de minha mãe. Era uma arma sagrada, arrependi-me imediatamente por usá-la de maneira tão sórdida.
Entretanto, precisava comprovar minha autoridade sobre Irina, e ela estava disposta a não falar nada. Pela maneira como me olhava, percebi que preferia a morte a revelar qualquer coisa sobre seu passado. Coloquei a mão sobre o ventre de minha escrava. Ela estremeceu de pavor quando deslizei um dedo sobre seu clitóris murcho e sem vida. Sorri-lhe numa atitude de desdém e humilhação, e empurrei meu dedo com força. Seu rosto se contraiu e percebi que a penetração era dolorosa. Meu dedo desceu arranhando uma superfície seca e áspera, e forcei cada vez mais para dentro. O ódio dela só aumentava, mas não dizia nada. O toque rugoso, somado ao olhar de desespero e dor que Irina me lançava, acendeu uma centelha de prazer em mim. Afastei-me, horrorizada comigo mesma. Meu coração acelerou e a garganta ficou seca. A estrangeira me olhava em desafio, muda.
Sentindo-me derrotada, dei-lhe um tapa no rosto, segurei-a pelos cabelos e a arrastei para fora da cama. Os joelhos de Irina bateram com força no chão e ela lutou para ficar em pé, sem nenhum sucesso. Por outro lado, eu amaldiçoava a mim mesma, enquanto a arrastava pelo quarto e a atirava, nua como estava, para fora do quarto. Tranquei a porta, rezando para que a jovem estrangeira encontrasse uma criada antes de um soldado.
O por do sol sangrava o Monte Vermelho quando bateram em minha porta. Duas batidas leves que aguardaram resposta. Não esperava ninguém, por isso continuei onde estava e, só quando as batidas se tornaram insistentes, mandei abrir.
— Seu pai a convida para jantar com ele no salão principal, Princesa.
Era Átila, secretário de meu pai.
— Algum motivo especial?
— Creio que sua companhia o agrada, Princesa. O Rei ansiava por sua volta.
Disse que desceria dentro de alguns minutos, e assim vesti um fardão bordado em prata e apresentei-me em gala como forma de honrar o convite de meu soberano.
Encontrei meu pai compartilhando uma taça de vinho com uma mulher. Vi-a apenas de costas, os cabelos arrumados em um gracioso coque, o pescoço ornamentado com um belo colar de argolas de ouro. O Rei usava um fardão bordado com cetim e ouro. Fiz uma meia mesura a meu pai e caminhei para meu lugar à mesa, curiosa para descobrir quem seria nossa convidada. E a surpresa não poderia ser maior.
Arrumada como que para um jantar de gala, ostentando joias e um lindo vestido de seda, Irina cumprimentou-me secamente. As marcas de meus dedos eram visíveis em seu pescoço, embora as joias escondessem os hematomas aqui e ali. Rei Aran ostentava um sorriso maligno e parecia divertir-se imensamente com as dores da jovem estrangeira. Olhei-a assim, tão bem vestida… Poderia facilmente se passar por uma princesa. Tinha todo o porte necessário e, embora estivesse ali como prisioneira, apresentava uma altivez impossível de se encontrar em uma simples camponesa. Quem seria ela, afinal?
Não disse uma palavra sobre meus pensamentos, apenas sorri e ataquei uma coxa de pato que estava em uma das travessas. A inesperada presença de Irina me desconcertou um pouco, e comer era uma maneira de não permitir que meu pai notasse meu embaraço.
— Achei que gostaria da companhia de sua bela serviçal.
— Escrava — eu disse secamente, enquanto partia um pedaço de pão. Notei que o prato de Irina estava repleto com uma comida praticamente intocada, enquanto meu pai se fartava com pato grelhado, arroz com amêndoas, bolo de ovos e ervas e várias porções de pães. O meu apetite estava mais para o de Irina do que o de meu pai, mas me forcei a comer. Pessoas arrogantes não costumam perder a fome.
Molhei o pão no molho do pato e olhei a jovem com malícia.
— Escrava é o que ela é, e não há razão para chamá-la de outra coisa. Assim como não há motivos para usar um nome, seja ele qual for. Escravos não possuem bens, nem voz, nem direitos. Por que teriam nomes?
Meu pai riu:
— E como identificá-los? Por números?
— Por que não? Podemos marcá-los com números. Assim os identificamos e impedimos que se percam. Mas essa aí é a única que possuo por enquanto. E não quero que tenha a honra de receber o número um. Portanto, de hoje em diante, será chamada apenas de escrava. É o suficiente para ela.
Meu pai ergueu sua taça de vinho:
— Um brinde ao novo modelo de escravidão. Iremos implantá-lo tão logo a revolta seja massacrada.
Ergui minha taça e exigi que Irina fizesse o mesmo. Ela me olhou por um tempo demasiado longo, mas acabou cedendo e ergueu sua taça.
— Um brinde à sua escravidão. Que sua vida seja longa, para que eu possa usufruí-la por muito tempo.
Bebi da taça sem desviar os olhos de Irina, que acabou por beber em honra à sua própria escravidão. Depois ordenei que a jovem colocasse um bocado de comida na boca. Ser saudável é obrigação de uma escrava, disse a ela, e meu pai aprovou meu cuidado.
— Teremos muitos escravos quando a revolução for extirpada — eu disse — mas a marcação deles começará por minha escrava principal, Alexandra dos Olhos Cinzentos. Será dela o número um. Perderá não apenas suas posses e seus títulos, mas também seu passado, sua dinastia, seus graus de parentesco e seu próprio nome. Após a revolução será apenas a Número Um, e deverá se curvar a cada Amaranto que passe por ela.
Meu pai aprovou minha disposição para escravizar Alex. Aparentemente, eu pensava em cada detalhe. E de fato o fazia, só que ao contrário. Mas meu pai não precisava saber.
Irina, por seu turno, parecia cada vez mais escandalizada comigo. E a situação piorou quando a ofereci para meu pai. Ele a olhou com cobiça mas, por qualquer inexplicável pudor, recusou.
— A escrava é um presente meu para você. E fico feliz que tenha gostado. Tenho minhas próprias distrações. Use-a a seu bel prazer, é toda sua.
— Mas agrada-me compartilhá-la com você, meu pai. Que honra pode ser maior do que usar uma mulher que é usada também por um Rei?
Meu pai sorriu. Tomou um largo gole de vinho e depois me olhou cautelosamente. Por fim tocou a sineta e pediu que a sobremesa fosse servida. E com isso mudamos de assunto.
Naquela noite, levei Irina até o estábulo e a prendi com correntes na baia de Amora. Disse ao cavalariço que ambas eram minhas montarias e que, por isso, era natural que compartilhassem a cama. O rapaz riu e olhou com cobiça para a jovem escrava. Por isso, antes de sair, lembrei-o de que odiava que montassem minha égua. Minhas éguas, eu falei, acentuando bastante o plural. E garanti a ele que saberia caso tocasse em um único fio de cabelo de minha escrava pessoal. O rapaz fixou os olhos no chão e disse um “Sim, senhora”, quase inaudível. Prender Irina era uma forma de ter privacidade. Não era a forma mais justa, eu sabia disso. Mas me convenci de que aqueles exageros eram necessários para enganar meu pai.
Sentia-me abatida, entretanto, quando voltei para casa. Passei silenciosamente pelos cômodos, não queria encontrar ninguém. Ouvi vozes no escritório de meu pai, mas subi para o quarto, sem curiosidade alguma. Estava farta dele e de seus conselheiros. Queria silêncio.
Uma coruja pousou em minha janela assim que recostei na cama e piou insistentemente, até que decidi me aproximar. Então voou na direção dos muros no oeste, e eu a segui com o olhar. Longe, muito longe, uma coluna de fumaça chamou minha atenção. Brilhou por um instante e depois fiquei na dúvida se seria uma nuvem no horizonte ou… uma pequena fogueira?

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Notas:



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Uma resposta para Capítulo LII

  1. Olá Diana Rocco, tudo bem com você?
    Acho que estou sem saber o que dizer e esperar nesta nova fase de Aléssia, quando eu acho que estou no caminho de acertar algum palpite, bummm… Você muda o curso e transforma com maestria o enredo, me surpreendendo cada vez mais! Parabéns, estou aguardando ansiosamente para saber se esta nova Aléssia está conseguindo convencer o rei Aran com esta personalidade cruel. Tenha uma ótima semana!

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