Aléssia

Capítulo LIX

POR ÐIANA ŘOCCO

Revisão: Naty Souza
Cartografia: N. Lobo
Mapa de Âmina
>>> LIX <<<

A escuridão nos protegia. Esperar o momento certo foi mérito de Alex, e aumentou significativamente nossas chances. Os soldados de meu pai ficaram, amarrados, nas proximidades do rio, com uma pequena escolta. Se vencêssemos, sinalizaríamos das muralhas e os prisioneiros seriam levados ao castelo. Se fôssemos vencidos…
Montei Amora, rezando pelas vidas daqueles homens. Se permanecessem vivos, então eu também estaria. Observei o pelotão atrás de mim: era um exército mais numeroso do que o que saíra comigo. Que as sombras da noite nos protegessem, e iludissem as sentinelas!
— Vamos lutar — disse ao exército, que me ouvia em silêncio — mas o faremos com nobreza no coração. Todo homem que se render será poupado. Mulheres e crianças serão protegidas. Lembrem-se, nesse Castelo também vive nosso povo, e ele não deve sofrer mais do que já sofreu. Os únicos que pagarão caro são os nobres, mas desses cuidaremos depois da batalha, e com justiça!
Murmúrios surgiram aqui e ali, e sumiram em seguida. Olhei para o Castelo, a gigantesca fortaleza à nossa frente. Meu sangue latejava nas veias, e eu era um soldado preparado para a luta, coisa que não acontecia com a maioria de nossos soldados. O dia da batalha estava ali. A batalha com a qual passaram a vida sonhando, mas que poucos ousavam acreditar que aconteceria de verdade. Agora estávamos indo para ela.
Esporeei minha égua, e erguemos poeira. Marchamos em ritmo de trote até as proximidades do portão principal, e então ordenei que a trombeta fosse soprada. Os estandartes do Reino e de minha família se agitavam no ar, e então o grito de abrir os portões partiu da muralha e ecoou pela planície. A partir daí as coisas aconteceram rápido demais para que eu possa lembrá-las de maneira exata. Minhas memórias estão misturadas com tantos sentimentos e imagens desconexas! Estarei mentindo, se fizer um relato simples. Invadir um castelo não é simples em nenhum caso, mas talvez seja mais complicado quando ele é sua casa. A casa de seu pai, o lar de sua família, o lugar onde você foi criado!
Passar pelo pórtico de entrada do Castelo não era um evento corriqueiro para mim. Fiquei tempo demais enclausurada naqueles muros, de maneira que, cada vez que os portões gigantescos se abriam diante de mim, causavam uma avalanche de emoções! Até hoje sinto um arrepio na espinha quando cruzo esse umbral, e naquele dia não foi diferente.
Desembainhei Brenda enquanto passava pelo primeiro portão, ato ao qual nenhuma sentinela prestou atenção. O gesto, no entanto, trouxe a lembrança vívida de um sonho antigo. Na noite em que ouvi a conversa de Mestre Renan com um dos soldados de meu pai, a noite em que comecei a desconfiar de meu tutor, sonhei com uma tropa invadindo o castelo. Em meu sonho, era noite alta e não havia lua. Os portões tinham sido completamente rompidos, e o exército inimigo entrava. Em um uniforme vermelho com faixas cinzas, montada em Amora, era eu quem comandava a carnificina contra minha própria casa. E tudo isso correspondia ao que acontecia naquele exato momento!
Não diminuí a velocidade e entrei a galope em direção ao segundo portão. Supostamente, trazia o exército real comigo, e todos abriam passagem. Antes do segundo portão, a retaguarda espalhou-se pelo círculo interno, e isso era uma manobra comum, por isso o portão intermediário foi aberto, e passei por ele com Alex a meu lado. Centenas de soldados nos acompanharam, no entanto, e não vacilei enquanto cavalgava em alta velocidade para o portão interno. Mais de metade do grupo espalhou-se, agora pelo círculo intermediário, e alguns homens nas muralhas pareceram confusos com a quantidade de soldados.
Os primeiros gritos de alerta surgiram quando eu cheguei ao portão interno. O responsável por abrí-lo pareceu confuso. Dei-lhe um grito áspero, contudo, e o portão se escancarou à minha frente.
Não precisaria de mais do que algumas dúzias de soldados naquele círculo, o menos militarizado de todo o Castelo. Nunca ocorreu a nenhum de meus ancestrais que nossa fortaleza pudesse ser invadida. Se um exército inimigo tivesse a sorte de ultrapassar o primeiro portão, jamais cruzaria o segundo. Ninguém nunca cogitou a hipótese de ter o inimigo nas proximidades do Círculo Interno, e minha família gostava de privacidade. A área mais espaçosa de toda a construção estava praticamente deserta, ainda assim centenas de soldados ultrapassaram comigo a última muralha.
Meu pai ainda não sabia, mas sua fortaleza indestrutível havia sido invadida.
A essa altura os gritos se elevavam nas áreas dos círculos anteriores. Gritos de ordem, de desespero, de medo, de fuga, de luta. A batalha! O caos!
Mandei os homens se espalharem pelo Círculo Interno, e destaquei um grupo menor para cercar a casa principal.
— Mulheres e crianças não devem ser molestadas — urrei — Capturem todos vivos, evitem derramamento de sangue!
Uma labareda explodiu em um dos galpões de armazenamento. O fogo se espalhou rapidamente pelos telhados de construções vizinhas. Gritos. Correria. De dentro da casa vieram os primeiros sinais de desespero. Choro de mulheres, lamúrias, passos pesados e apressados, vozes de comandos, e então Don Otto desceu a escadaria da frente, acompanhado de um pequeno grupo de soldados.
— Larguem as armas — ordenei — nada lhes acontecerá, eu garanto.
Desci de minha montaria, no que fui imitada por Alexandra, Amaryllis e Mestre Renan.
— Cadela! — o homem rosnou quando estava a dois passos de distância. Trazia sua espada desembainhada e erguida a meia altura. Mantive Brenda abaixada.
— Entregue-se, Otto. Nenhum mal acontecerá a você ou a qualquer um dos seus, eu garanto.
— Eu sabia! Disse a seu pai inúmeras vezes que você era igual a esses malditos O’Liaths — e cuspiu na direção de Alex, que ergueu sua espada e deu um passo na direção do conselheiro real. Estiquei meu braço contendo a passagem de minha mulher:
— Não seja tolo — bradei ao homem — vocês já estão derrotados. Não queremos matá-los. Vamos entrar na casa e levar meu pai…
— Ninguém encostará um dedo em Aran — respondeu o homem, com uma fidelidade canina que quase me deu nojo.
— Vamos, homem! É só uma briguinha familiar! Não vai querer morrer por besteira, não é? Estamos antecipando a sucessão do trono, mais nada!
— Mais nada? Você traz os inimigos de seu pai para dentro do Castelo e isso não é nada?
— Os inimigos de meu pai, são meus primos. Quem sentará no trono sou eu, Otto, que diferença fará se eles estão aqui ou não? Só estou fazendo as coisas do meu jeito. Casar, ter filhos, você sabe, essas coisas nunca estiveram nos meus planos…
— Está dizendo que traiu seu pai por um mero capricho de menina rebelde?
Meus homens, em número muito maior, fechavam o círculo no nosso entorno. Otto e seus soldados não tinham qualquer chance, por isso o conselheiro abaixou sua espada.
— Os motivos não lhe dizem respeito.
— Eu avisei seu pai de que você estava mantendo um relacionamento com essazinha…
— Morda a língua antes de falar de Alexandra!
— O imbecil não me deu ouvidos! Duvidou da capacidade de meus informantes…
— Tudo isso é passado, Otto, e essa conversa está me cansando.
Fiz um gesto e os homens prenderam nossos inimigos, liberando o caminho para a casa real.
Entrei apressada e fui direto ao escritório. Estava vazio. Meus soldados se espalharam pela casa, mas também não foram felizes. Reuni toda a criadagem no salão principal. Encontrar o rei era urgente!
— Não se preocupem — disse com voz tranquilizadora, assim que os empregados se perfilaram à minha frente — nenhum mal lhes será feito. Quero apenas que me digam onde está meu pai.
O silêncio nervoso permaneceu por muitos minutos, e precisei repetir a pergunta mais duas vezes. Na última meu tom não foi tão pacífico quanto nas primeiras. A vida de meu pai estava em jogo! Agripina, então, quebrou o silêncio.
Agripina, que chegara ao Castelo como jovem viúva, procurando um jeito honesto de sustentar a filha recém-nascida. Foi acolhida por minha mãe, e desde então trabalhava em nossa cozinha. A Agripina das guloseimas de minha infância, a velha dos conselhos e das broncas. A Agripina, que aconselhara Lara a se afastar da princesa depravada.
— O Rei foi para a casa da futura Rainha, Alteza — ela disse com voz calma.
Achei que não havia ouvido direito. Futura Rainha?
Os empregados se entreolharam:
— Nós ouvimos as conversas da casa, Alteza, sabemos de tudo — disse, timidamente, uma aia nova.
— Tenho urgência! Fale logo o que sabe! — gritei, nervosa.
— Ele foi para casa daquela mulher, a que ele irá desposar.
— Meu pai vai se casar?
Os criados olhavam-se. Pareciam tão confusos quanto eu.
— Não sabia do casamento, Alteza? — contestou Agripina.
— Mas que mulher é essa? Falem logo! — esbravejei. Precisava encontrá-lo antes dos demais. Queria meu pai vivo! Seria julgado por seus crimes, talvez fosse exilado depois, não importa. Mas, vivo. A justiça seria feita em Âmina, todavia, meu pai não precisava morrer para isso. Meus soldados, no entanto, tinham opinião bem diferente, e eu sabia.
— Aquela indecente — Agripina contou, finalmente, e parecia ter nojo do que dizia — a rameira que tem um caso com ele há anos.
Olhei incrédula para Alex.
Matilde?



Notas:



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2 Respostas para Capítulo LIX

  1. Meu coração bateu acelerado durante todo o capítulo, era como se eu estivesse na batalha, uma sensação maravilhosa.
    Será que Matilde os traíra ou é só um mal entendido?
    Espero que eepois se tudo isso, Aléssia e Alex tenham bons momentos de paz.
    Ansiosa por Domingo.

    • Que delícia de comentário, Letty! Muito bom saber que consegui te colocar dentro da batalha! Mas se segura, porque ainda estamos invadindo esse Castelo. Agora é vencer ou…
      Que nossos Deuses nos protejam! Sábado — 09/09 às 09h09 — tem o último capítulo 😉
      Gratidão por tudo, e um beijão pra você

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