Aléssia

Capítulo LVIII

POR ÐIANA ŘOCCO

Revisão: Naty Souza
Cartografia: N. Lobo
Mapa de Âmina
>>> LVIII <<<

A lua era apenas um filete prateado no céu estrelado, enquanto eu caminhava pelas fileiras de carroças e soldados verificando nossos preparativos. Partiríamos ao alvorecer e nada podia dar errado.
Não tive trabalho algum para convencer meu pai da importância daquela expedição. Prometi trazer Alexandra como prisioneira, e ele me fez perguntas sobre Breno. Estava obcecado com a ideia de ter netos, e já não se importava com a origem do pai de meus filhos.
— Você prefere assim, não é? — perguntou-me ansioso — Terá os filhos necessários para a continuação de nossa dinastia, mas continuará solteira e poderá usufruir da vida como bem entender.
— O povo não achará isso muito indecente?
Meu pai deu de ombros.
— Posso até casá-los, se achar conveniente convencer o povo. No entanto, isso não mudará a condição de Breno de prisioneiro para marido. E podemos nos livrar dele, depois que você tiver dois ou três filhos.
Achava fascinante a maneira como ele determinava quantos filhos eu teria, tendo ele mesmo, oficialmente, apenas uma filha. Não discuti, contudo. Dei-lhe um beijo na testa e o assunto morreu. Suspirei, caminhando para o quarto, e pensei em minha mãe. Meu pai falava com tanta facilidade em eliminar aqueles que já não serviam mais a seus propósitos…
Uma faixa azul erguia-se no céu a partir do leste quando os portões foram abertos. No oeste, onde estávamos, o mundo era formado por sombras indistintas. Trotamos com o amanhecer em nossas costas, ganhando velocidade para cobrir maiores distâncias. Impus o ritmo forte desde o começo e, quando paramos, horas depois, os lanceiros estavam exaustos. Esses homens acompanhavam o exército a pé, carregando a lança ereta ao lado do corpo. Se por um acaso fossem, de fato, a uma guerra, chegariam exaustos.
Fizemos uma parada em Porto Doce. Soltamos os cavalos para que pastassem e bebessem, alguns homens se aventuraram em mergulhos no rio. Fogueiras foram acesas para assar a carne, e logo o cheiro de comida se espalhou pelas planícies. Os homens aproveitavam a pausa, porém eu não tinha descanso. Andava de um lado para o outro e procurava a esmo algo na paisagem. O que era, no entanto, não estava claro nem para mim. Talvez fumaça ou poeira. Um sinal qualquer da proximidade de um exército. Mas, não havia nada.
— Algo a preocupa, Alteza?
A voz de Chad me assustou. Não sei há quanto tempo estava me procurando.
— Inimigos — respondi com sinceridade. Ele me olhou interrogativamente — Vamos atacar áreas totalmente controladas pelos rebeldes, e é impossível esconder um exército como o nosso. A única chance que eles têm é nos atacar enquanto estamos desprevenidos.
— Nossos batedores varreram toda a região e não encontraram vestígios dos rebeldes. Devem estar aquartelados nas aldeias. Nunca lutaram em terreno aberto, não são soldados experientes. São apenas homens desesperados.
— Espero que você esteja certo, Chad.
Continuamos caminhando às margens do rio, em silêncio. Eu conhecia Chad desde a infância, todavia pouco sabia a seu respeito. Nunca o vi mencionar família e, até onde sabia, meu ex-instrutor não tinha amigos. Em poucos dias eu teria que tomar decisões sobre todas as pessoas do Castelo. Para a nobreza eu sabia exatamente qual destino dar a cada um. Contudo, alguns funcionários seriam problema.
— O que você acha dos rebeldes, Chad?
A pergunta direta o fez engasgar com a água do cantil.
— Como assim, Princesa?
— Vamos, homem, estamos a sós e eu te conheço desde a infância! Pode falar abertamente. Vou governar em breve, e quero saber o que o povo pensa.
— Agradeço a honra, Princesa, mas não sou povo, exatamente. Estou há tanto tempo dentro do castelo…
— Há quanto tempo?
— Cheguei com cinco anos de idade, quando meu pai largou a lavoura e veio tentar a vida de soldado.
— Seu pai era soldado?
— Foi com ele que aprendi meu ofício, Princesa. Tentei seguir seus passos, na verdade, mas era indisciplinado demais. Vivia me metendo em brigas, ficava mais preso do que solto. E como era muito rápido com a espada, fazia estrago nas nossas fileiras. Creio que foi por isso que o Rei me ofereceu a oportunidade de treinar recrutas. Eu gostava de duelar, e essa era uma maneira de dobrar meu espírito. Aí acabei me enrabichando por uma menina e… Bem, com as responsabilidades de pai, tive que parar de ser inconsequente. Tomei juízo e me firmei como instrutor.
— Você tem filhos? — Meu eto era visível.
— Duas meninas, Princesa. Trabalham na casa de Sir Alencar.
— Com licença, Alteza, a comida está pronta — um dos homens veio nos avisar.
Retornamos ao acampamento. Comi pouco, estava nervosa.
Cavalgamos logo em seguida ao almoço. Nossas sombras caiam alongadas para noroeste quando parei. Ordenei a Chad que seguisse adiante enquanto eu retornava com os porta-estandartes. O funcionário balbuciou, confuso, por fim conseguiu perguntar o que eu pretendia fazer.
— Ataquem os povoados, conforme ordenei. Mas não digam que somos o exército real! Quero que pensem que são atacados pelos rebeldes. Vou seguir com os estandartes em direção a Luzerna, quero que me vejam, que saibam que nosso exército não tem nada a ver com esse massacre. — Pisquei marotamente, e Chad sorriu. Não sei se eu acreditaria em minha própria desculpa. Mas, quem vai discutir com uma Princesa? Ainda mais uma que tem fama de excelente espadachim? Chad balançou a cabeça positivamente, e assumiu o comando das tropas. Pelos planos, cavalgariam mais sete milhas até se dividirem em três.
Dei meia volta e retornei a todo galope. Seguia com quinze guarda-costas e dois porta-estandartes. Meu coração batia acelerado enquanto o sol baixava em direção a oeste. Esporava Amora com força, exigia dela mais do que podia me dar. Os outros cavalos tinham dificuldade em nos acompanhar, e o líder da minha guarda pessoal chegou a me gritar uma reprimenda, que ignorei.
O castelo aproximava-se velozmente. A luz diminuía na estrada e ainda assim não havia sinal das tropas que me salvariam. Onde estava Alex?
E se Matilde não transmitiu meu recado?
Começava a me desesperar. Se meu plano falhasse, meu pai saberia a verdade assim que Chad viesse com a notícia de que os povoados estavam vazios. E eu estaria dentro do castelo, novamente prisioneira. Por que não fugir agora? Por que não fugir enquanto tinha tempo?
Ir para onde, no entanto? Fazer o que? Se Alex não viesse, talvez significasse que Matilde não me levou a sério. Mas, também poderia ser que Alex não acreditasse mais em mim. Estava com o coração apertado em medo, com o castelo, enorme, à minha frente. Estava a pouquíssimas milhas de meu cativeiro.
O céu era quase todo negro quando passamos por Parada Segura. Ordenei que parassem. Os cavalos estavam sedentos e exaustos, e eu não tinha certeza sobre o que fazer. Por meus planos, o Exército Rebelde já deveria ter nos alcançado.
Os homens tiraram suas espadas e entraram na água. Puxavam suas montarias e esfregavam o suor dos cavalos. Não havia nada por perto que aconselhasse precaução. Estávamos tão próximos que podíamos ver os soldados caminhando nas muralhas. Tudo isso causou a negligência de quem devia me defender. Isso, e o fato dos homens não amarem a mim ou à minha família. Talvez até torcessem para que algo me acontecesse.
Havia apenas uma faixa fina de luz a oeste quando o barulho de cascos nos alcançou. Vinham pela estrada, o que fez um dos porta-estandartes julgar que fossem nossos homens. O infeliz perguntava, em voz alta, o que teria feito nosso exército retornar, quando o homem a seu lado caiu atingido por uma flecha. Logo outro foi derrubado dentro do rio. Em segundos estávamos cercados, e os soldados completamente dominados. Alex tomou o estandarte real das mãos do menino e sorriu para mim. A invasão iria começar.
— Pelos céus, Alex, achei que fossem me abandonar!
Minha mulher passou o estandarte para Breno, desceu de sua montaria e me tomou nos braços. Os homens se espalharam, transformando os soldados do rei em prisioneiros.
— E eu pensei que nunca mais fosse lhe beijar, Alê — e uniu o ato às palavras, roubando-me o fôlego. Enrosquei meus braços em seu pescoço, e teria a teria jogado ao chão e amado ali mesmo, não fosse a consciência do risco que corríamos.
— É agora! Não tem mais volta, Alex. Ou vencemos meu pai, ou morremos.
— Venceremos! — respondeu firme, e me abraçou apertado. De relance observei nossos amigos e, mesmo no escuro, podia perceber que se alegravam em nos ver reunidas.
— Vamos — Mestre Renan nos interrompeu — a estratégia foi muito bem montada, Majestade. Em poucos minutos tomaremos o Castelo, e com um mínimo de mortes! Realmente brilhante!
— Não sou Majestade — ralhei com ele, enquanto tomava as rédeas de Amora — precisamos que a estratégia funcione primeiro, Mestre. Depois aceitarei os cumprimentos de bom grado.
— Você já é nossa Rainha — interrompeu Amaryllis, postando seu cavalo a meu lado — Somos seu exército, Majestade. Vamos conquistar esse castelo, ou morrer por você! — E ergueu sua espada, no que foi imitada por todo o Exército Rebelde, numa homenagem silenciosa que me levou às lágrimas.
— Pois chegou a hora, homens — falei com a voz mais firme que pude — Vamos entrar no Castelo de Três Círculos pelo portão principal e fazer com nossas mãos a história de Âmina. Vamos transformar esse reino em um lugar melhor para vivermos — gritei, empolgada, causando um grito de urra que, por pouco, não coloca tudo a perder.
— Acalmem-se! — Alex gritou, gesticulando nervosa, no que foi imitada por Breno, Mestre Renan, Amaryllis e Diana. Em seguida organizamos nossos homens, para que formassem uma fila organizada, dois soldados jovens seguindo à frente como porta-estandartes. Os homens no alto da muralha nos olhavam, e era certo que imaginavam o que o exército fazia parado ali. Tive medo que alertassem meu pai, pois era cedo para termos retornado de nossa missão. Não havia nada que eu pudesse fazer, contudo, além de marchar contra o castelo. Quando chegássemos ao portão, saberíamos nosso destino.

E assim marchamos por nossas vidas. Ou nossas mortes.



Notas:



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6 Respostas para Capítulo LVIII

  1. Olhe, ainda bem que deixei para ler apenas depois de a história ser concluída, pois não daria conta de esperar dias pra saber o que vai acontecer.
    Diana, parabéns pela história maravilhosa e empolgante.
    Viva à Rainha Aléssia!!!

    • Gratidão enorme, Linier. É uma honra ter você lendo minha história. Daqui a uns meses terá outra (bem diferente de Aléssia) pintando por aqui, espero que você crie coragem para ler durante a “viagem” rsssss. Beijos enormes, obrigada por tudo, querida

  2. Ai meu Deus, ai meu Deus! Quarta-Feira sua linda chegue logo que eu não aguento tanta ansiedade.
    Finalmente Alex apareceu, ôh mulher que some.

    • “Finalmente Alex apareceu, ôh mulher que some” né? Pero Alex tarda, mas não falha! Tá aí a mulher, com todo o seu exército, e agora é botar pra quebrar! Se segura, Rei Aran!

      Gratidão pelo comentário, Letty, estamos nas emoções finais: controle o coração!

  3. Urra!!!!

    Tá chegando o momento! ??

    Alex & Alê juntas novamente

    Muito muito anciosa Diana!

    Abrs ?

    • Quarta-feita tá chegando! Só espero que, até lá, ninguém avise Rei Aran que o Exército Rebelde está pronto pra invadir o Castelos de Três Círculos!

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