Argentum

Capítulo 106

– Certo, chega de rirmos de mim – Alicia disse afastando seu prato e sua xícara vazia – Vamos sair e andar, vocês dois precisam conhecer um pouco do Rancho Aureus.

Maia concordou com a namorada e, nos segundos seguintes, todos se colocaram em pé. As duas mais velhas, de braços dados, lideraram o caminho para fora passando pela sala e descendo as escadarias da entrada. Juliet seguiu ao lado de Maia enquanto que Jordan se posicionou ao lado de Alicia. Enquanto a dona do Rancho contava onde ficavam as coisas seu irmão mais novo questionava a veterinária a todo momento sobre o que podiam ver, parecendo muito animado em ter alguém disposta a responder todas suas questões.

– Você vai adorar ver os cavalos – Alicia comentou ao rapaz logo que a namorada falou que estavam se dirigindo aos estábulos – Se Eduardo estiver livre podemos pedir para ele preparar alguns para vocês montarem.

– Porque não vai com Jordan procurar pelo Eduardo? – Maia sugeriu vendo a animação da namorada e do irmão – Vocês podem ir na frente, eu os alcanço logo logo.

– Tem certeza? – Alicia se virou para ela encarando os olhos verdes – Podemos acompanhar seu ritmo, não vai demorar muito para estarmos todos lá.

– Não se preocupe comigo, meu amor – Maia sussurrou sorrindo para a veterinária – Vocês dois estão claramente muito animados, vá com ele. Eu ficarei bem.

Alicia só aceitou ir depois de Maia lhe garantir mais algumas vezes que estava bem para ir sozinha o caminho todo. Os gêmeos acompanharam em silencio a conversa baixa e a troca de olhares que se estabeleceu entre elas. No final a veterinária só aceitou porque Juliet se intrometeu e afirmou que seguiria acompanhando Maia. Ainda houve um pequeno momento de incerteza, mas logo Alicia concordou e se inclinou para deixar um beijo rápido nos lábios da namorada antes de soltar a mão dela e indicar o caminho ao Jordan que se apressou a acompanhar os passos largos e ligeiros da mais velha. Quando eles se afastaram Juliet se ofereceu para tomar o lugar de Alicia e sua irmã mais velha aceitou o apoio para o seu caminhar.

– Vocês dois lidaram muito melhor do que eu esperava com essa situação – Maia comentou depois de alguns instantes e ouviu a irmã rir baixo.

– Não é algo fora da nossa realidade – ela deu de ombros – Mas não esperávamos por isso, de fato. Jordan e eu estudamos em colégios internos vizinhos, cada um apenas para um gênero, no meu só meninas, no dele apenas meninos. Com tão pouco contato com o gênero oposto não é surpreendente que experiências com o mesmo gênero acontecessem com frequência, é difícil controlar adolescentes nesse tipo de questão. E vocês duas tem um…um clima, acho que posso traduzir assim, é impossível não notar os sentimentos que tem uma pela outra – Maia sorriu, mas preferiu não formular a pergunta que lhe surgiu sobre quais experiências a irmã haveria tido ao notar que ela não se incluiu na fala sobre as ditas experiências.

– Vocês dois também parecem lidar bem com a separação não declarada dos seus pais – ela optou por levar a conversa para essa questão também para fugir do pequeno sentimento de timidez ao falar de seus sentimentos pela veterinária.

– A única coisa que nos preocupa é que essa separação deles possa gerar um afastamento entre nós dois – Juliet admitiu – Nossos pais são complicados juntos e piores ainda separados. Entrariam numa disputa pela nossa guarda. Só temos medo deles escolherem cada um ficar com a guarda de um de nós e acabarmos nos separando mais do que já estamos agora. Acho que por isso não interferimos.

– Vão fazer 16 anos não é? – Maia perguntou e Juliet concordou com a cabeça – Já pensaram no que fazer? Faculdades, quais cursos, em que cidades? Quando se graduarem no ensino médio vão poder escolher um lugar e seus pais provavelmente não farão oposição, poderão estudar perto um do outro.

– É algo que já estamos conversando, mas ainda temos pelo menos 3 anos pela frente antes disso – Juliet deu de ombros um tanto desanimada.

A conversa delas se encerrou quando entraram no longo corredor central dos estábulos e viram, mais a frente, Alicia e Jordan ao lado de um imenso animal que Maia contou ser um dos Puro Sangue Inglês do Rancho. Era um macho de menos de dois anos, mas que já havia atingido quase todo seu tamanho da idade adulta, sua pelagem era de um castanho avermelhado, a crina e a cauda um tom mais claro. Jordan encarava o animal com os olhos brilhando em admiração enquanto o acariciava no pescoço.

Alicia se aproximou das duas quando elas os alcançaram e Juliet soltou a irmã para, também, se aproximar do cavalo. Ela contou que eles tiveram aulas de equitação quando mais novos, antes de irem para o internato, e que os dois amavam montar. Maia prometeu que no dia seguinte sairiam em um passeio a cavalo pelo Rancho. Depois disso Alicia guiou os quatro para um piquete ao lado dos estábulos, onde Lua e seu potro Argentum estavam ficando. Ela e Maia foram as primeiras a entrarem e a égua logo se aproximou das duas, um tanto desconfiada da presença dos desconhecidos, mas logo se acalmando quando Maia começou a conversar com ela.

Alicia conseguiu a atenção do potro que já estava chegando a mais de um metro de altura. Argentum já estava muito mais coordenado e menos desconfiado. A curiosidade inata a idade o fez se aproximar dos gêmeos que se impressionaram com o tamanho e a fofura do pequeno. Ficaram longos minutos ali, até que Alicia notou que o cansaço de Maia começava a aparecer e convidou a todos para voltarem a casa para um descanso dizendo que não muito mais tarde Antonieta estaria servindo o jantar. Eles retornaram para a casa principal, estavam entrando na sala pela porta da frente sorridentes quando encontraram Otávio parado em frente ao sofá com uma clara expressão de desgosto.

– Por onde andaram vocês dois? – ele perguntou quase gritando, mas não deu tempo dos filhos responderem – Ah! Não importa. Vão os dois arrumar suas malas, nós partimos em alguns minutos.

– São quase 18 horas, sinto lhe informar, mas será quase impossível achar alguém que os leve para outra cidade hoje – falou Alicia com uma expressão muito séria encarando o ‘sogro’ e tentando controlar seu tom para não se exaltar.

– Isso não lhe diz respeito – ele respondeu a veterinária e novamente mandou os filhos subirem – Um dos funcionários vai nos levar – falou ele sem sequer encarar Maia.

– Não hoje – Falou Maia colocando as mãos sobre os ombros dos irmãos que tinham parado um pouco a frente das duas ao entrarem – Ninguém vai pegar a estrada ao anoitecer, vocês vão dormir aqui. Amanhã veremos o que fazer a respeito da permanência dos meus irmãos.

– Meus filhos não vão ficar – Otávio respondeu com raiva, mas notando que realmente não haveria como eles partirem aquela noite – Amanhã cedo um de seus funcionários vai nos levar até o aeroporto – continuou ele em tom de ordem e Maia apenas respirou fundo para não rolar os olhos pela cena que o pai protagonizava.

– Nós não queremos ir – Juliet decidiu encarar o pai de uma vez por todas colocando uma expressão calma, mas decidida – Já ligamos para nossa mãe, vamos passar o resto das férias aqui no Rancho.

Houve uma pausa, como se o tempo parasse por alguns segundos enquanto Otávio absorvia a informação. Nesse tempo os gêmeos torciam para que a mãe respondesse de forma favorável ao pedido deles, resposta que os dois ainda não tinham.

– De maneira nenhuma vocês vão ficar – o homem foi firme ao dizer com uma expressão de desgosto – Não permitirei que copiem o exemplo de minha filha para que a mãe de vocês depois venha jogar nas minhas costas a culpa por isso. Vão já para cima.

– E qual o problema em eles copiarem o exemplo da irmã mais velha? – Alicia se intrometeu – Por acaso não quer que seus filhos sejam adultos responsáveis, determinados e competentes?

– Como se esses fossem os únicos exemplos que ela esteja passando – Otávio falou com desdém.

Tanto Alicia quanto Maia abriram suas bocas para responder aquela afirmativa preconceituosa, mas uma voz se adiantou a delas pegando a todos de surpresa.

– O único outro exemplo que vimos em todo esse tempo foi o de um relacionamento saudável cheio de carinho e amor entre duas pessoas que querem apenas o bem uma da outra – quem falou foi Jordan, sua voz se sobrepondo em volume a do pai e suas palavras preenchendo a sala de estar – Algo que definitivamente o Senhor não seria capaz de aceitar já que nunca na vida parece ter se importado de verdade com outra pessoa além de si mesmo para reconhecer um relacionamento onde não haja interesse de nenhuma das partes!

– Como se atreve a falar assim comigo, garoto! – Otávio gritou avançando alguns passos na direção odo filho que não se encolheu e nem deixou que Alicia tomasse sua frente quando a mesma tentou.

– Ele é um dos dois filhos que você tem e dos quais não se dá ao trabalho nem de ligar para saber como estão durante todo um ano letivo! – Juliet se colocou ao lado do irmão – Nós somos só as partes necessárias para que o Senhor e a mamãe consigam sustentar a patética imagem de família perfeita que mostram aos acionistas. Pode fazer a cena que for, papai. No fim das contas Jordan e eu não vamos mais só ficar calados enquanto, por culpa de vocês, somos forçados a nos separar todos os anos. Se vamos ser forçados a voltar para aquele internato como todas as vezes, ao menos vamos passar bons dias um com o outro e não presos numa mansão gigantesca enquanto você e mamãe discutem e gritam pelos cantos e depois saem em algum jantar de negócios como se nada de errado estivesse acontecendo.

Enquanto ela recuperava seu folego depois do desabafo gritado ao pai mais um silencio preencheu o ambiente. Otávio não sabia como reagir, primeiro porque ele não aceitava que os filhos o confrontassem daquela forma, mas também porque ele acreditava que as discussões entre ele e a esposa estivessem passando desapercebidas para as outras pessoas. Maia se aproximou dos irmãos colocando uma mão sobre o ombro esquerdo de Juliet enquanto Alicia segurava de leve o braço direito de Jordan. Quando eles se viraram para trás encontraram dois sorrisos calmos e a voz da irmã mais velha lhes pediu para esperarem na cozinha que Antoniete lhes daria um suco. Eles aceitaram em silêncio e passaram pelo pai enquanto Otávio ainda estava sem reação.

– Você vai esperar a resposta da mãe deles – Maia disse em tom baixo depois dos irmãos se afastarem – Se ela não permitir, ok, vamos aceitar isso. Obviamente que eu vou entrar em contato com ela e pedir a visita dos meus irmãos com mais frequência. Mas, por enquanto, vamos apenas esperar. Se ela permitir eles ficam o resto das férias aqui. Os dois já tem idade para viagens sem acompanhante, você pode voltar a Minas e, depois, meus irmãos se encontram com você para voltarem aos Estados Unidos. Mas, nesse momento, você vai se decidir entre jantar sozinho no seu quarto ou se comportar como o adulto maduro que deveria ser enquanto jantamos todos juntos a mesa. Não se esqueça, pai. Está na minha casa, vai obedecer às minhas regras.

Otávio engoliu em seco com essas palavras e depois viu Maia e Alicia passarem por eles em direção a cozinha. Não teve como responder e nem encontrou alguma resposta. Acabaram por jantar num clima parcialmente descontraído pela atenção que Alicia e Maia davam aos irmãos da última e parcialmente tenso com o fato de Otávio ser claramente ignorado durante a refeição e não fazer força alguma para ser introduzido na conversa. Cada um seguiu para seu quarto depois. A resposta da mãe dos gêmeos só veio no dia seguinte pela manhã quando ela ligou para o marido e a discussão pode ser ouvida apenas pelo lado dele em um inglês forte e arrastado cheio do sotaque brasileiro.

Otávio fez as malas naquela mesma manhã avisando que os gêmeos já tinham passagem comprada para se encontrarem com ele no aeroporto Santos Dumont na cidade do Rio de Janeiro em cinco dias. Deixou as passagens com Maia e Carlos o levou até a cidade vizinha onde ele alugou um carro para ir até a capital embarcar de volta a Minas. Depois que ele saiu Juliet e Jordan abraçaram Maia enquanto a agradeciam pela ajuda e por tê-los deixado ficar. Alicia que não tinha nada marcado para aquele dia ficou no Rancho e os quatro alternaram entre momentos na cozinha importunando Antonieta que tentava cozinhar e horas nos estábulos e redondezas com os gêmeos montando sob a supervisão da veterinária enquanto Maia descansava num banco confortável.

Naquela noite eles foram dormir mais cedo do que o habitual. Maia e Alicia estavam em seus quartos e a mais nova se levantou dizendo que iria ver se os irmãos não precisavam de mais nada antes de dormirem, já que era cedo e eles poderiam querer ainda algo para beber ou comer. A veterinária riu da namorada e a abraçou por trás deixando um beijo em seu pescoço antes de dizer que iria também. O primeiro quarto no corredor era de Juliet e elas bateram antes de empurrar a porta apenas o bastante para colocarem suas cabeças para dentro, haviam combinado que as portas não seriam trancadas.

Quando elas abriram a porta dois pares de olhos azuis se viraram para elas. Os irmãos estavam deitados na cama, com a coberta posta sobre seus corpos e um espaço entre eles enquanto, pareciam, estar conversando. Quando elas entraram os dois ficaram corados e desviaram o olhar com uma expressão envergonhada.

– Eu ia voltar para meu quarto antes de dormirmos – Jordan falou quase se escondendo embaixo do cobertor por estar se encolhendo.

– E porque? – Maia falou entrando no quarto junto da namorada – Não vejo nenhum problema em vocês dividirem o quarto se quiserem dormir juntos. Estou até querendo pedir para me juntar a vocês – ela brincou sorrindo e se aproximando da cama, naquela noite não estava usando nem as muletas e nem a bengala, já que Alicia tinha lhe acompanhado.

– Pois eu não vou dormir sozinha – a veterinária se pronunciou, as duas haviam chegado a beirada da cama – Vamos ter que dividir essa cama em quatro pessoas então.

Os dois mais novos riram e acabaram por gargalhar quando Maia se sentou na cama ao lado de Juliet e Alicia pulou por cima dos dois para se deitar do lado de Jordan, os dois menores ainda em baixo do cobertor e as mais velhas por cima do tecido. Acabaram por apenas conversar por alguns minutos e, antes de se levantarem Alicia e Maia deixaram um beijo cada uma nas testas dos gêmeos. A veterinária se ergueu primeiro e as duas saíram juntas do quarto deixando os dois a sós. Elas não viram, pois fecharam a porta do quarto antes de irem para o delas, mas os dois olharam um para o outro e sorriram antes de fecharem os olhos para dormir. Eles definitivamente dariam um jeito de convencer a mãe a deixá-los vir ao Brasil mais vezes.

 

 

N/A: Até semana que vem pessoinhas

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