Argentum

Capítulo 127

Quando a veterinária trouxe o outro prato delas Maia encarou a namorada com uma sobrancelha erguida e um olhar de suspeita. Era macarrão instantâneo com filé de frango. Os olhos verdes se alternaram dos pratos para os olhos castanhos de Alicia esperando uma resposta para sua pergunta silenciosa e a mais velha não conseguiu segurar o sorriso bobo que denunciava que havia algo a mais naquele jantar. Entretanto nenhuma das duas falou nada e Maia resolveu esperar para ver o que aconteceria enquanto que Alicia não parava de sorrir vendo o olhar divertido que a namorada tinha.

Maia estava determinada a esperar para ver o que a veterinária faria, mas quando viu a sobremesa ser servida ela não aguentou mais a expectativa. Esperou Alicia se sentar e encarou a taça com pavê de chocolate e creme branco, uma das únicas sobremesas que Alicia realmente sabia fazer sozinha, mas que claramente havia sido feito por Antonieta, por estar montado em duas taças.

– Ok, é apenas impressão minha ou parece mesmo que estamos revivendo um certo jantar aqui? – ela perguntou apoiando os cotovelos sobre a mesa, aos lados da taça, entrelaçando seus dedos e apoiando seu queixo sobre eles para encarar a namorada que falhou miseravelmente em segurar um sorriso e tentou disfarçar colocando uma colherada do doce na boca.

Alicia enrolou mais do que o necessário para engolir o doce e buscar o guardanapo para limpar a boca, que não estava nada suja. Maia percebeu que apesar do divertimento havia um certo nervosismo aparente nesses movimentos lentos; com a paciência de sempre ela apenas esperou a resposta.

– Bem, não é apenas impressão – Alicia respondeu rindo baixinho e desviando o olhar dos olhos verdes; depois de tanto tempo ela ainda sentia-se sem jeito tendo sobre si aquele olhar forte da namorada – Não totalmente na verdade – ela falou imitando a posição de Maia e apoiando o queixo sobre as mãos para sustentar os olhos verdes – Consigo garantir que haverá um acontecimento novo, apesar de esperar, e muito – Alicia falou dando um sorrisinho sem jeito e desviando o olhar por apenas um segundo – Que o final seja bem parecido.

Maia mordeu o lábio recordando bem que o final do jantar que tiveram a um ano atrás envolveu as duas na cama da veterinária sem nenhuma preocupação porque estavam sozinhas na casa, algo que também estava se repetindo naquela noite já que seus irmãos foram para a cidade naquele dia e voltariam só no dia seguinte. Com um pequeno esforço, não tão pequeno assim, ela ignorou as lembranças e se focou na parte em que haveriam acontecimentos novos.

– Estou curiosa agora – Maia falou quebrando a troca de olhares e pegando sua colher para experimentar o pavê, escolheu desviar os olhos em parte para não parecer muito ansiosa e em parte para tentar deixar Alicia um pouco mais confortável.

– Não vai ficar por muito tempo – Alicia afirmou mordendo o lábio inferior também, mas de uma forma um tanto nervosa e com um outro tipo de ansiedade.

Elas voltaram a trocar olhares, mas alternavam entre se encarar e comer a sobremesa, nenhuma delas sabia se queria que o doce acabasse rápido ou não. Maia estava ansiosa e curiosa, mas também se divertia com a troca de olhares e as pequena sugestões implícitas nos olhos das duas. Alicia tentava controlar o nervosismo e, ao mesmo tempo que queria chegar logo ao momento diferente do jantar ela também tinha um sentimento ansioso por não saber se ele aconteceria como ela gostaria que acontecesse. De toda forma, elas não tinham muito mais para comer e logo terminaram a sobremesa e Alicia começou a tirar a mesa.

Maia percebeu que as diferenças começaram aí. Um ano atrás elas estavam apenas felizes demais para se importar com deixar a cozinha limpa antes de tomarem o caminho do quarto, mas ali ela podia notar o nervosismo e a ansiedade da namorada enquanto ela recolhia a louça suja e levava para a cozinha. Ela até tentou ajudar, afinal, era a dona da casa, mas ouviu o pedido de Alicia para que ela fosse subindo na frente. Assim que a viu desaparecer na escada Alicia correu com o que faltava para a cozinha e voltou pelo caminho que a levaria até o quarto delas.

Ela respirou fundo quando parou no primeiro degrau da escada. Colocou a mão esquerda sobre o peito sentindo o coração acelerando com a perspectiva do que aconteceria. Sua mão direita entrou no bolso da frente do jeans sentindo a pequena caixinha de 5x5cm. Respirou fundo de novo desabotoando os dois primeiros botões da camisa cinza que estava usando. Começou a subir os degraus desdobrando as mangas da camisa e seguiu para o quarto com as mãos nos bolsos.

Maia estava sentada na cama com os pés no chão de frente para a porta que ela tinha deixado aberta. Os sapatos num canto próximo aos pés da cama, a pulseira e a pequena corrente dourada que tinha usado o dia todo estavam provavelmente dentro da caixa de joias dela sobre a bancada do banheiro. Elas se encararam por um segundo e a veterinária virou para fechar a porta com a mão esquerda sendo a única a sair do bolso da calça. Os olhos verdes perceberam os botões abertos e as mangas soltas da camisa; a ansiedade que sentia vindo da namorada fez sua própria ansiedade mudar um pouco.

– Está tudo bem? – ela sentiu a necessidade de perguntar quando viu Alicia se virar e caminhar na direção da cama com as duas mãos nos bolsos outra vez.

Alicia não respondeu, ela continuou caminhando até parar em frente a namorada que ergueu o rosto para continuar encarando os olhos castanhos claros. Maia viu que ela estava respirando com um pouco mais de esforço, um pouco ofegante, e havia uma incerteza nos olhos cor de mel. Maia tirou as mãos do forro da cama e colocou ambas espalmadas nas laterais das coxas da veterinária que estavam moldadas pela calça jeans azul clara. De certa forma sentia que precisava dar alguma segurança para a namorada, mesmo sem entender o que estava acontecendo, mas a determinação que os olhos dela tinham a deixava mais tranquila.

Maia percebeu que as mãos de Alicia continuaram nos bolsos, ela desviou o olhar dos olhos castanhos e deixou os seus verdes passearem pela frente da camisa, a parte superior do colo a mostra pelos botões soltos, depois descendo até as mãos nos bolsos. Suas palmas escorregaram centímetros para baixo antes de subirem em direção ao quadril de Alicia. Maia separou os joelhos e puxou a namorada para mais perto fazendo a veterinária dar um pequeno passo até estar com os joelhos colados na beirada do colchão.

– Espero que fique ainda melhor – Alicia respondeu a pergunta que Maia já havia até esquecido que tinha feito.

Os olhos verdes um pouco confusos se ergueram até se recordarem do que Alicia falava; quando entendeu seus lábios moldaram um pequeno sorriso satisfeito que aumentou um pouco mais quando a veterinária tirou as mãos dos bolsos e as colocou em seus ombros ao mesmo tempo em que erguia um joelho e colocava sobre o colchão ao lado de seu quadril. Entendendo o que Alicia queria ela apoiou as mãos na cama deslizando um pouco mais para trás e viu sua namorada se ajoelhar sobre a cama até sentar sobre suas pernas.

Maia deslizou suas mãos pelo quadril da veterinária se aproximando da parte de trás do cinto preto e soltando a blusa cinza de dentro da calça. Quando ela ia colocar suas mãos por baixo do tecido Alicia deslizou suas mãos pelos braços puxando as mãos de volta para seu quadril. Os olhos verdes encararam os castanhos com uma pequena dúvida junto da surpresa, mas depois acompanharam a mão direita de Alicia voltando para o bolso da frente do jeans e tirando algo de lá de dentro.

– Já disse que te amo hoje? – a veterinária perguntou colocando a mão esquerda no rosto de Maia e trazendo os olhos verdes para longe de sua mão direita.

– Bem – Maia sorriu escorregando as mãos para a cintura e abraçando a veterinária enquanto ainda olhava para cima antes de responder – Eu acredito que tenha dito sim, mas nunca nos importamos em dizer mais de uma vez mesmo.

– Eu amo você, Maia – Alicia sussurrou vendo o olhar verde divertido mudar para um curioso e mais sério ao perceber que seu tom não era brincalhão como sempre – Eu nunca tive tanta certeza de algo na vida quanto tenho de que amo você – ela afirmou com um sorriso de canto enquanto sua mão esquerda se apoiava no pescoço da namorada e seu polegar dedilhava a linha da mandíbula até o queixo e se aproximava do lábio inferior; ela soltou um suspiro encarando os lábios levemente avermelhados do batom que Maia havia usado mais cedo e que ela havia tirado antes de se sentar na cama – Sabe, eu sempre me planejei bastante a vida toda, primeiro pra evitar que meu pai percebesse quem eu era porque eu sabia que ele não aceitaria na época, depois pra terminar meus estudos e ter minha independência para que ninguém pudesse me dizer o que fazer, daí tive que me planejar para reestruturar a minha vida quando voltei pra cá pra assumir a clínica. E vim me planejando calmamente desde então. Mas teve uma coisa que eu não fui capaz de planejar, simplesmente porque eu nunca poderia prever – Alicia usou o polegar esquerdo para fazer um carinho leve por baixo do lábio inferior de Maia que estava totalmente focada no rosto da namorada enquanto ela falava – Eu jamais poderia prever esses olhos verdes surgindo justo aqui – Alicia sussurrou um pouco mais baixo encarando o olhar concentrado nela – Daí eu, que sempre planejei tudo com calma, comecei a sonhar com planejamentos e imaginar situações freneticamente apenas pra ter certeza de que eu poderia estar próxima de você.

– Eu mesma nem sequer notei isso acontecendo – Maia sussurrou ainda sem desviar o olhar.

– Você acabou com os meus planejamentos, sabia disso? – Alicia falou brincando com um sorriso leve, Maia não teve tempo de responder porque o sorriso logo sumiu e os olhos castanhos ficaram intensamente sérios – Eu não me importo mais em planejar tudo, desde aquele momento em que você me beijou naquele quarto de hotel iluminado pela televisão com aquele filme que até hoje eu não lembro qual era porque não pude prestar atenção em nenhum segundo dele.

– Eu só lembro porque… – Maia iria falar, mas Alicia ergueu o polegar a impedindo de continuar e pedindo delicadamente para que ela ficasse em silêncio.

Ela precisava fazer tudo aquilo de uma única vez ou sentia que iria desistir ou errar ou, pior, se atrapalhar e não conseguir falar o que precisava. Ela baixou o rosto beijando Maia que fechou só olhos para retribuir, mas o beijo foi curto e logo os verdes estavam se abrindo para questionar outra vez o que estava acontecendo.

– Eu não preciso mais planejar nada porque só tem uma coisa importante na minha vida hoje e tudo o que eu penso sobre meu futuro envolve ela – Alicia falou encarando os olhos verdes de perto – Isso é você, Maia Augustus. Isso somos nós. E desde que começamos a namorar eu percebi que todos os meus planejamentos me levam a mesma coisa. E por isso eu decidi que não vou fazer mais todas as coisas com calma, eu não preciso de calma e esperar mais quando tenho certeza de que nada vai mudar com o passar do tempo.

Alicia soltou a caixa ao lado delas na cama, mas Maia não percebeu, nem quando a veterinária segurou seu rosto com as duas mãos, que ela havia soltado o que segurava.

– Casa comigo – Alicia pediu com uma expressão de súplica, como se esperasse a possibilidade dela negar – Pode ser amanhã ou daqui a 10 anos, só casa comigo, por favor.

Os olhos verdes se arregalaram, a mente de administradora e gestora encaixou todos os fatos; o nervosismo, a simbologia do jantar que trazia uma data importante, as pequenas hesitações e, principalmente, a caixinha que ela havia visto sair do bolso da namorada. Maia não demorou meio segundo para perceber que aquela noite toda havia sido planejada para esse momento acontecer. Suas mãos se agarraram a cintura da veterinária com força enquanto ela sentia sua própria respiração ficar tão ofegante de surpresa quanto a de Alicia estava de ansiedade. E ela simplesmente estava tão surpresa e maravilhada com aquele momento que não conseguia articular a resposta. Sua boca se abriu uma e duas vezes sem que ela conseguisse realmente falar nada. Percebendo que Alicia ficava ainda mais nervosa com a falta de respostas Maia fez a única coisa que conseguiu pensar em fazer que deixasse claro seu sim. Ela soltou a cintura da veterinária e agarrou o rosto dela puxando-a para um beijo longo, apaixonado e com o qual ela esperava demonstrar o quanto amava aquela mulher sentada em seu colo.

– Eu caso – Maia finalmente conseguiu dizer meio sem fôlego quando os lábios das duas tiveram que se separar para que elas respirassem – É óbvio que eu caso – ela falou sorrindo bobamente enquanto encarava a boca da namorada que também sorria totalmente rendida de felicidade.

Alicia alcançou a caixa que estava quase caindo no chão e abriu mostrando para Maia dois pequenos anéis de noivado, finos e cada um deles com uma pequena pedrinha, uma esverdeada e outra amarela, Maia sorriu boba vendo que as cores pareciam com os olhos delas. O anel com a pedra amarela foi retirado primeiro e Alicia puxou delicadamente a mão direita da namorada deslizando a joia no dedo anelar enquanto ria baixinho ainda sem acreditar que aquilo estava acontecendo. Logo depois Maia puxou o anel verde e fez o mesmo com a mão direita da veterinária. Nenhuma delas conseguia se conter e os sorrisos eram tão grandes que quase doíam em seus rostos, até o momento em que elas voltaram a se beijar.



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