Argentum

Capítulo 24

Maia sabia o que precisava fazer, já havia tratado de diversos cortes e arranhões em si mesma para não saber. Mas havia uma parte que a fez travar antes mesmo de começar. Tentou pensar no assunto de forma prática, mas só formular o pedido em sua mente já a estava fazendo ficar envergonhada. A veterinária estava ali, sentada logo a sua frente, aceitando que ela cuidasse do corte e tudo o que Maia conseguia fazer era tentar não corar por ter que pedir que Alicia retirasse a camisa. Percebendo a demora a veterinária acabou notando o leve rubor na face da mais nova. Maia agradeceu quando viu a maior arregalar os olhos e se dar conta sozinha de que precisava retirar a camisa.

A própria Alicia ficou tímida com a situação. Seu rosto adquiriu um leve tom rosado enquanto ela começava a desabotoar a camisa pela gola. Estava um clima frio ainda, ela estava indecisa sobre tirar completamente a camisa ou não. Parou os movimentos de suas mãos quando sentiu os dedos da Maia tocarem na gola da vestimenta. A mais nova não tinha muita consciência do que estava fazendo. Tentava se recordar das poucas vezes em que dividiu vestiários com outras pessoas ou de quando ia a festas de piscina na casa de amigas. Nunca havia ficado tão hipnotizada vendo alguém se despir.

Estava sem reação até certo ponto, não conseguia desviar o olhar. Mas acabou notando a incerteza de Alicia ao chegar aos botões finais. A veterinária não tinha certeza se deveria realmente despir seu tronco ou apenas abrir a camisa, mas antes que se obrigasse a tomar uma decisão sentiu as mãos de Maia lhe tocando. A esquerda sobre suas mãos e a direita indo até a gola da camisa. Alicia não conteve o arregalar dos olhos ao sentir o toque da mais nova, muito menos pode conter o arrepio que tomou conta de sua pele quando os dedos finos tocaram de leve seu pescoço ao começar a afastar o tecido, a camisa permanecia com os dois últimos botões fechados.

Ela manteve suas mãos calmas, o que destoava completamente do que sentia dentro de si. Era uma ansiedade misturada a certa dose de confusão, ela não pode distinguir a necessidade e vontade ao fundo, mas estavam lá. Com lentidão, e tendo os olhos cor de mel a acompanhar cada movimento seu, Maia afastou a gola da camisa trazendo o tecido até que ele caísse por um dos ombros da veterinária expondo o corte e todo o lado esquerdo do top branco que usava. O contraste do tecido branco com a pele morena quase fez a menor perder o foco, mas o sangue que havia escorrido do corte e manchado o tecido a trouxe para a realidade.

Estava próximo ao ombro, logo abaixo da clavícula. Era um corte de mais de 5 cm e um filete de sangue descia paralelo a alça do top até chegar ao tecido branco próximo aos seios de Alicia. A mancha de sangue já estava maior do que as duas esperavam. Com uma respiração profunda que a trouxe novamente aos eixos de sua razão a menor se apressou a buscar o pacote de gaze e o frasco de soro fisiológico. Abriu as embalagens, umedeceu a gaze e começou a limpar o sangue da pele da veterinária. Estava preocupada com a profundidade do corte, mas ficou surpresa com o quanto Alicia se mantinha firme e sem nenhuma expressão de dor.

A veterinária estava simplesmente entorpecida, não sentia nada além da leve pressão e do calor que passava das mãos de Maia, pela gaze, até sua pele. Nunca havia sentido tanta inibição e timidez ao estar com parte do corpo às vistas de alguém. Nunca ligou para mostrar pele demais ou não, mas naquele momento sentia-se como uma garotinha tímida com vergonha e morrendo de vontade de se cobrir e se esconder. Talvez por conta do peso dos olhos verdes caindo sobre seu corpo, aquele olhar preocupado e atencioso. Havia algo mais por trás daquilo tudo, algo que Alicia não conseguia desvendar, mas que também tinha medo de tentar e se perder na imensidão esmeralda que eram os olhos de Maia naquele momento.

A jovem formada em história tentava se focar na parte mecânica do que fazia. Metodicamente limpando o corte e em volta dele, metodicamente evitando erguer o olhar aos olhos castanhos que a encaravam. Ela sabia que a mais velha o fazia, podia sentir os orbes de tonalidade mel em si, era como uma presença, ou um toque, era quase físico. Físico como o corpo a sua frente que estava arrepiado e que pareceu se arrepiar ainda mais quando ela tocou com a mão direita próximo ao corte. Queria apenas firmar a pele para que as bordas não repuxassem quando ela passasse a gaze para limpar tão perto.

– Desculpe, meus dedos devem estar frios – disse ela creditando o arrepio de Alicia a temperatura de suas mãos.

Tudo o que a veterinária pode fazer foi negar com a cabeça, mostrando que não era problema. Não podia negar que havia sido a mão dela, mas se a razão fosse a temperatura então Alicia teria que admitir que havia sido pelo outro extremo do termômetro. Não era o frio das mãos de Maia, era o calor que elas lhe traziam, mas obviamente a veterinária não diria isso nunca. Em Maia haviam sentimentos conflitantes que ela não sabia definir. O primeiro deles era o causado por sentir diretamente o calor da pele morena nas pontas de seus dedos. O segundo era provocado por sua consciência lhe gritando junto ao bom senso que o arrepio era apenas uma reação automática por conta de suas mãos geladas.

Esses dois sentimentos tentavam se sobressair um ao outro. Cada um com sua intensidade aumentando conforme os segundos tocando a pele de Alicia passavam. Maia se sentia diferente em tantos aspectos que não saberia enumerá-los ou identifica-los nem para si mesma. Sabia apenas que havia apreciação por estar fazendo aquilo, lhe trazia uma sensação indescritivelmente boa estar sendo capaz de cuidar de Alicia, ela não admitiria nem a seu subconsciente que era uma sensação boa também por poder realmente tocar a veterinária. Mas havia algo ruim, um ruim que surgiu ao se desculpar pelas mãos frias e notar a anuência da mais velha. Mas Maia se impediria de pensar nisso.

Os próximos minutos foram longos e rápidos ao mesmo tempo. Maia limpou, passou um antisséptico, uma pomada cicatrizante e, por último, fez um curativo com gaze e fita microporosa. Porque sim, ela realmente se machucava vezes o bastante para preferir essa fita ao simples esparadrapo. Cada toque em sua pele era um arrepio percorrendo seu corpo e Alicia não os podia controlar, eram intensos demais para isso. Já Maia se viu controlando a si mesma para não tocar a veterinária mais do que o necessário. Descobriu que era a tarefa mais difícil a qual se submeteu em muito tempo. Parecia quase impossível ter auto controle o suficiente para se impedir de deixar suas mãos sentirem a pele quente de Alicia.

– Acredito que você saiba o que fazer em casa – falou a mais nova com um sorriso contido ao, relutantemente, afastar suas mãos de Alicia e começar a organizar e guardar o que havia usado.

– Sim, eu sei – falou a veterinária quase forçando a voz a sair, mesmo assim as palavras foram ditas quase de forma sussurrada enquanto ela tomava coragem para encarar a mais nova até ter o olhar dela preso no seu outra vez – Não era necessário que fizesse isso, mas eu realmente agradeço por tê-lo feito – falou ela levando as mãos as laterais abertas da camisa e recolocando o tecido sobre seu ombro.

Maia finalmente a encarou, os olhos presos uns nos outros fizeram com que elas paralisassem. Maia no meio do caminho para fechar a valise e Alicia no início do fechamento dos botões da camisa. Havia gratidão mútua naqueles olhos. Havia muita gratidão, mas havia também outra coisa. Algo que nenhuma delas sabia ou conseguiu definir daquele momento. Por um instante foi como se emergissem uma na outra, o resto do mundo sumiu, não havia um único pensamento racional percorrendo suas cabeças. Havia apenas os olhares, conversando entre si, como se conhecendo-se verdadeiramente. Elas sentiam uma ligação se estabelecendo entre ambas, era forte, mais profundo do que elas conseguiriam perceber naquele instante. Era incrivelmente gentil e confortável.

– Obrigada por tudo hoje, ontem e nos últimos dias – sussurrou Maia, sentia a necessidade sufocante de dizer aquelas palavras, de verbalizar seu apreço e sua gratidão por cada pequeno gesto e ação daquela mulher a sua frente nos últimos dias – Eu realmente não sei o que seria de mim sem você aqui para me ajudar. E não falo apenas de salvar a mim quando Angel se assustou. Falo da sua gentileza sem tamanho ao se dispor a avaliar os potros comigo. E seu cuidado com a minha pessoa ao me trazer para cima e me acalmar.

As palavras saíam sem que ela tivesse consciência, mas ela não se arrependia. Precisava verbalizar aquilo tanto quanto precisava respirar. Tanto quando precisava tocar Alicia de novo, mas ela ainda não entendia isso. Se encararam por mais alguns segundos, a veterinária absorvendo cada significado naquelas frases. Ela queria dizer tanta coisa, explicar tantas das suas ações, justificar todo o seu cuidado e preocupação. Não que ela não faria o mesmo por outra pessoa que não Maia, mas queria muito dizer que o carinho com que fez tudo aquilo só existiu por conta da pequena de olhos verdes brilhantes a sua frente.

– Faria tudo de novo – disse ela se contendo, sabia que não podia verbalizar o que realmente estava em seu coração – Pode sempre contar comigo Maia. Para tudo e qualquer coisa.

Elas entrariam novamente no mesmo encarar de olhos se a porta do quarto não tivesse sido aberta. As duas soltaram expressões assustadas, mas logo respiraram fundo notando que era apenas Antonieta com uma bandeja. Por sorte Alicia estava parcialmente de costas para a porta e aproveitou disso para rapidamente fechar a camisa.

– Trouxe o chá de camomila para vocês – disse a senhora com calma levando tudo para a pequena mesa em frente a uma das janelas – Senhorita Maia, seu irmão está lá embaixo um tanto transtornado, parecia realmente bravo. Me pediu para arrumar o quarto principal para ele. Já mandei levarem as bagagens.

– Desmande Antonieta – disse Maia desviando o olhar da veterinária que terminava com os botões e encarando a senhora que, pela primeira vez desde que entrou, realmente olhou para as duas mulheres – O quarto principal não será mais usado. Não o usamos da primeira vez em respeito ao falecido Tio Augustus, pois em respeito a ele não o usaremos nunca mais. Ficará do jeito que meu tio-avô deixou. E se Giovani discordar diga apenas que foram ordens minhas, deixe que ele se entenda comigo.

– Sim senhorita, pode deixar – respondeu a senhora com um sorriso doce e gentil – Vou deixar tudo aqui, volto para buscar depois de resolver as coisas sobre o quarto para seu irmão.

Elas se despediram e as duas mulheres viram a senhora sair e, novamente, encostar a porta. Assim que estava fechada Alicia se levantou ajeitando a camisa no corpo e respirando profundamente. Olhou para Maia na tentativa de se despedir, mas foi surpreendida por um sorriso ínfimo no rosto dela.

– Toma chá comigo? – perguntou ela em tom de pedido, Alicia queria mais do que tudo ter forças para negar algo àquela mulher, mas parecia fisicamente impossível.

– Eu deveria me arrumar e ir para casa – falou ela, não negando, mas também tentando fortemente não aceitar.

– Uma xícara de chá não vai lhe atrasar muito – respondeu a mais nova colocando as pernas para fora da cama com calma e cuidado – Apenas uma xícara. Você também precisa de um chá de camomila, não quero que saia dirigindo ainda estando tão nervosa. Sei que se controlou, mas vi que também lhe afetou tudo o que aconteceu no redondel.

Alicia queria muito negar. Negar que havia se afetado, negar que estava nervosa, negar a oferta do chá. Mas simplesmente foi impossível. Ela não conseguia dizer um não a Maia, nem que realmente o quisesse fazer. Só esperava que a mais nova nunca se desse conta desse poder que tinha sobre ela. No fim ficou, apenas uma xícara. Não haveria mal nenhum nisso.



Notas:



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8 Respostas para Capítulo 24

  1. Aí!, nunca vi curativo ser tao torturante como esse! kkk. cara, Alicia era para ter agarrado Maia ali mesmo! essa espera me mata! você é ma! adora essa nossa ansiedade!
    Tomara que maia mande logo irmão dela embora! oh, cara chato!
    bjs
    Mascoty

    • Kkkkkk Alicia concorda, foi uma grande tortura. Mas temos que dar um prêmio a ela pelo autocontrole de não agarrar Maia kkkkk Isso teria assustado ela, com certeza =P

      Bjs
      ;]

  2. Trocas de olhares, pequenos toques na pele uma da outra, momentos de silêncio…onde irão se conhecendo e talvez descobrindo um sentimento mais forte q a amizade entre elas.

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