Argentum

Capítulo 41

– Eu me sinto uma péssima pessoa – declarou Maia tirando o sobretudo úmido quando Alicia já estava guiando o veículo para a saída da cidade em direção ao Rancho – Estou quase seca enquanto você está completamente molhada – ela acusou a veterinária que soltou uma alta gargalhada.

– Sabe – começou a veterinária que realmente tinha água da chuva escorrendo por seu pescoço e pingando no queixo e nariz – Teve uma vez durante a graduação que fomos atender uma leiteria. Era a última aula antes das férias do meio do ano, bem no meio do inverno. Uma das vacas que não estavam em lactação tinha um problema no chifre. Era um senhor pobre, não tinha muita estrutura. Então o professor decidiu dar o tranquilizante e deixa-la deitar num gramado próximo a casa.

– Onde quer chegar com essa história? – perguntou Maia interrompendo a narrativa com um tom de riso – Estávamos falando da péssima pessoa que me sinto ao estar seca enquanto você está com as roupas todas molhadas pela chuva.

– Se tivesse um pouco de paciência descobriria sozinha – riu Alicia – Mas lhe adianto meu ponto. Quero chegar ao fato de que eu não ligo muito para as intempéries do tempo. Posso resistir muito bem a elas. Deve ser algo intrínseco a veterinários.

Maia soltou uma alta gargalhada com o sorriso convencido que Alicia tinha no rosto ao final daquela sentença. A mais velha acabou rindo junto e, dando de ombros, começou a procurar uma pasta de músicas no aparelho de som do carro.

– Certo, agora quero saber o final da história – declarou Maia depois de controlar seu riso e recuperar seu fôlego – O que aconteceu com a vaca? – perguntou ela virando parcialmente seu tronco sobre o banco do passageiro para poder encarar o perfil de Alicia.

– Pois bem, nem era sobre a vaca a história, mas eu termino de contar – falou ela com um sorriso colocando uma música baixa na qual nenhuma das duas prestou atenção – Bom, era por volta das duas da tarde e o tempo estava nublado apesar de não haver previsão de chuva. A temperatura deveria estar perto dos 5°C, como disse antes estávamos no meio do inverno. Deitamos nossa paciente na grama e preparamos tudo, a lesão dela não importa muito no momento para essa história. Estávamos quase terminando, um procedimento que durou quase duas horas. Eu era a assistente e o professor supervisionava um outro colega que havia ganhado o sorteio como responsável. A turma de 15 alunos estava em volta assistindo. Então começou a chover. Não como hoje, começou uma garoa fina e gelada. Os primeiros começaram a ir para debaixo da varanda da casa que estava pouco mais de 10 metros de onde a vaca havia deitado, mas o professor mandou voltarem. Todos deveriam ficar lá para assistir ao final do procedimento, segundo ele um veterinário não interrompe sua atividade até liberar o paciente, não importa o que aconteça, exceto se for algo que comprometa a integridade do animal ou a qualidade do procedimento. Resultado: improvisaram uma tenda com um saco de sal para a chuva não cair sobre a cabeça da vaca e eu e meu colega continuamos ajoelhados no chão ao lado dela.

– Um minuto – pediu Maia interrompendo o relato – Seu professor fez todos ficarem embaixo da garoa?

– Sim – afirmou Alicia rindo – O que eu concordo muito se não sairíamos apenas 3 molhados, eu, meu colega e o professor – disse ela rindo – Fato foi que a garoa começou fina, mas com alguns minutos aumentou e parecia que o céu estava desabando sobre a gente. No final do procedimento eu e o rapaz que era o responsável mal conseguíamos enxergar de tanta água caindo nos nossos olhos. Voltamos ao ônibus da universidade pingando e tremendo porque a temperatura também caiu ainda mais, mas só tivemos a noção do quanto no dia seguinte. Na manhã do outro dia já estávamos de férias e soubemos pelos noticiários que na região onde tínhamos estado houve dois minutos de precipitação de neve apenas 10 minutos depois de termos saído de lá.

Maia ofegou colocando as mãos sobre a boca surpresa com a última informação. Sua imaginação recriando a situação narrada pela veterinária e ela se imaginando em algo parecido. Se deu conta de que nem antes do acidente ela achava que seria capaz de fazer algo do tipo.

– Meu Deus – murmurou ela encarando o rosto sorridente da mais velha que continuava a dirigir sem desviar o olhar da estrada – É impossível que algum de vocês não tenha ficado doente depois disso!

– Bom, não teve nenhum que não ficou – contou a veterinária com um riso sem graça – Até o professor ficou uma semana resfriado. Mas valeu a pena. A volta foi divertida com um rindo do outro.

Maia e Alicia riram da declaração da mais alta e depois disso caíram em um silencio confortável. Em certo ponto Maia notou que Alicia começava a ficar com os lábios trêmulos mostrando que ela começava a sentir frio. A menor então aumentou a o ar quente para tentar melhorar a temperatura para a mais velha. Alicia sorriu ao notar, mas continuou dirigindo. Ela sentia que as roupas molhadas com a água gelada estavam começando a ter um efeito muito bom em baixar sua temperatura, mas não tinha como parar e se trocar. Na verdade até tinha, mas não se trocaria na frente de Maia, até porque acabaria molhando a roupa reserva que tinha no carro já que não teria como se secar corretamente.

Decidiu suportar o frio até chegarem e tentou ao máximo não demonstrar que o estava sentindo para não preocupar a mais nova além do que ela já parecia preocupada. A pista molhada e a chuva pesada que caía obrigavam Alicia a não desviar a atenção do caminho, mas ela sentia o olhar atento dos olhos verdes sobre sua pessoa. De fato Maia não conseguia desviar o olhar da mais velha. Notou a pequena ruga de expressão que surgia na testa da veterinária pela concentração na direção. Seus olhos também vagavam pelas roupas molhadas, a camisa completamente colada a pele da veterinária parecia ainda estar pingando em alguns pontos, mas o aquecedor do carro havia começado a secar as mangas.

Mesmo que a temperatura ali dentro não estivesse caindo ela notou que os dedos de Alicia estavam brancos e as pontas começavam a ficar arroxeadas pelo frio. A roupa molhada não estava fazendo nada bem à maior e ela começava a se preocupar com os pequenos tremores que começava a perceber. Depois de certo tempo na estrada de terra o percurso começou a ficar difícil e a velocidade delas diminuiu consideravelmente. Nas poucas vezes que desviou o olhar da mais velha Maia notou o forte fluxo de água barrenta que escorria pelo meio e pelas laterais da estrada.

Alicia ficou ainda mais concentrada em manter o carro estável principalmente nas curvas. Maia notou quando ela parou o veículo e apertou certos botões no painel que ela viu depois serem a tração do Troller. Alicia sabia que os próximos trechos teriam muito barro e a água talvez ficasse ainda mais forte e decidiu ativar a tração 4×4 de seu carro antes de seguir. A velocidade delas seria ainda mais reduzida, mas a segurança definitivamente seria maior. Maia olhou para frente em certo momento notando pedras pequenas e médias rolando nas encostas da estrada e decidiu que não queria ver aquele cenário para não se assustar.

A força da água continuava a deslocar pedras e pedaços de terra, havia quase um rio com forte correnteza descendo pela estrada, as vezes a favor do caminho delas e as vezes contra conforme elas subiam e desciam no relevo. A visão era realmente de assustar e a mais nova não queria ter aquelas cenas na memória. Ao invés disso decidiu se concentrar em observar a veterinária que parecia ainda mais concentrada.

Alicia tinha uma mão firme no volante e outra no câmbio do carro. Precisava mudar de marchas rapidamente conforme enfrentava os desníveis e a força da água. As vezes tinha que fazer manobras ligeiras no volante para impedir que o carro derrapasse demais e acabasse rodado na estrada e sendo arrastado pela chuva. Estava aliviada de certo modo por saber que Giulio e Antonieta não voltariam na chuva daquela noite. Sabia que o velho gerente era um ótimo motorista, mas sabia também que Giulio não tinha mais os mesmos reflexos e nunca foi muito hábil em dias de chuva.

Alicia sequer notava o olhar de Maia em certo ponto, tão concentrada estava em manter o veículo estável na pista, mas a dona do Rancho não desgrudava os olhos do perfil da veterinária. O cabelo molhado havia sido preso às pressas e sem muito cuidado, várias mechas haviam escapado do elástico e estavam grudadas no pescoço e laterais do rosto da mais alta. As mãos estavam firmes no volante e na alavanca do câmbio, as pernas se movendo constantemente enquanto ela mudava as marchas e alternava freio e acelerador para manter o carro em movimento.

Maia não sabia porque tinha tanta facilidade em não olhar para o outro lado da janela, mas tinha a sensação de que era apenas porque a visão do perfil da veterinária era a imagem que concorria com a do temporal do lado de fora do carro. Algo lhe dizia que nunca teria vencido sua curiosidade em saber como estavam as condições da estrada se houvesse outra pessoa na direção do veículo. Exatamente por ter sua atenção voltada para Alicia foi que ela só percebeu que estavam chegando quando notou a veterinária relaxar na direção e se recostar no banco. Ao olhar para o lado de fora os olhos verdes viram o arco da entrada do Rancho, apesar da chuva continuar forte impedindo que ela visse a casa.

 

N/A: 

Alguém chutou o número do capítulo certo!!
Então, como prometido, cá estou para uma maratona de 3 capítulos.

Até amanhã pessoinhas
;]



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para Capítulo 41

  1. voce e suas maratonas!rss, nao sei se fico feliz ou te enforco! mas se te enforcar nao vamos ter mais capítulos! kkk
    essas duas acho que so amarrando elas e falando pra elas, o quanto estao apaixonadas uma pela outra
    torcendo para o beijo ser na fazenda e logo!
    fica na paz
    Mascoty
    bjs

    • Viu, não deve me enforcar, tenho muitas ideias para trazer a vocês futuramente, não pode me enforcar não kkkkkkk

      Bjs
      ;]

  2. Primeiro, agradeço a quem acertou esse desafio!

    Segundo, queria dizer que estou indignada com Maia por ter uma beldade como Alícia “molhada” ao seu lado e não fazer nada kkkkkkk

    • Kkkkkk O importante é a maratona né? kkkk

      Maia não poderia fazer nada, Alicia estava concentrada em impedir que elas sofressem um acidente de carro Kkkkkkk

      ;]

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