Argentum

Capítulo 45

Quando Maia entrou em seu quarto sua mente ainda estava confusa. Ela virou-se fechando a porta e soltou um suspiro assim que se virou novamente na intenção de ir até sua cama. Mas algo chamou sua atenção e seus olhos se voltaram para a cadeira em frente a mesa próxima a porta. Pendurada no encosto da cadeira estava a jaqueta preta que Alicia tinha lhe feito usar na noite anterior. Seus pés a levaram até a cadeira e ela pegou a peça pesada de couro notando que estava seca devido ao tecido ser um tanto impermeável.

Ela caminhou em direção à cama, sentou-se no colchão, largou a muleta encostada no criado mudo e segurou a jaqueta com as duas mãos. Sem se dar conta ou pensar a respeito ela ergueu a peça até seu rosto, o forro interno contra seu nariz. Inspirou o cheiro do perfume misturado ao cheiro de Alicia que ainda estava impregnado no forro interno da jaqueta e seus dedos apertaram o tecido. Respirou mais algumas vezes e então soltou um riso baixo abrindo os olhos e encarando a jaqueta. Sua mente começava a assimilar o que estava acontecendo com seus sentimentos.

Sentou-se na cama cobrindo as pernas com o cobertor e se recostando contra os travesseiros. Seu notebook que estava no criado mudo foi alcançado e colocado sobre suas pernas. A jaqueta estava pousada ao seu lado na cama. Precisava distrair sua mente para não se perder em pensamentos. Necessitava de um tempo para absorver o que achava estar sentindo e repassar tudo continuamente não estava ajudando. Ligou o computador e, enquanto esperava ele iniciar, sua mão direita pousou sobre a jaqueta. A peça seria a responsável por ela ver Alicia novamente mais rápido.

Abriu algumas planilhas de custos que precisava avaliar e começou a trabalhar. Ficou concentrada, parcialmente, nisso por algum tempo. Antonieta chegou no meio da manhã e subiu para vê-la, logo depois lhe trouxe um chá de hortelã antes de deixa-la sozinha outra vez. Maia encarou as planilhas na tela e soltou um longo suspiro pousando a caneca com o chá sobre o criado mudo antes de pegar a jaqueta outra vez. Entretanto, antes que pudesse fazer qualquer coisa o ícone de chamada de vídeo pelo Skype surgiu em sua tela mostrando a foto de seu melhor amigo dos tempos da faculdade.

Enzo cursara literatura e haviam se conhecido quando um professor que lecionava aos dois cursos integrou as turmas dos cursos de História e Literatura em uma matéria comum a ambos e os colocou em duplas mistas para realizarem um projeto a ser entregue como nota do semestre. Na época ela tinha 21, ele 23, e durante as tardes em que se encontraram na biblioteca da instituição acabaram por construir uma sólida amizade que, infelizmente nunca foi muito bem vista nem aprovada por sua mãe ou seu irmão.

Ela se formara um ano após o amigo, na época ele já não estava mais na cidade. Havia se mudado para São Paulo e trabalhava em uma escola pública dando aulas de literatura a quase 4 anos. Pelo fato da mãe não aprovar o amigo Enzo sempre evitava visitar Maia em casa o que restringia o contato de ambos à faculdade e as vezes em que ela o visitava em seu singelo apartamento próximo ao campus. Mas, mesmo após a mudança, eles não perderam contato e conversavam todos os dias por mensagens. Além de, uma vez por semana pelo menos, fazerem uma chamada de vídeo para mantarem a saudade.

Maia já deveria saber que o amigo falaria com ela em algum momento naquele dia, afinal, já faziam quase 8 dias que não se falavam. Mas sua mente, focada em coisas completamente diferentes, se esqueceu disso e ela foi pega de surpresa pela chamada, mas não poderia rejeitar o amigo. Além de que parte de si queria que ele lhe passasse coragem para falar sobre o que se passava em sua mente pois sabia que Enzo poderia lhe ajudar. Mas outra parte de si ficava envergonhada até ao pensar em iniciar o assunto.

– Oi amigo – falou ela com um pequeno sorriso após aceitar a chamada e a imagem de Enzo aparecer em sua tela.

– Oi meu anjinho – respondeu o rapaz que agora tinha os cabelos muito mais curtos do que na época da faculdade – Como está? A festa de ontem foi boa porque vejo olheiras nesses olhinhos verdes – ele completou apontando o indicador para a câmera como se apontasse para os olhos dela.

Maia soltou uma gargalhada que foi acompanhada pela do amigo. Ela se apoiou melhor e alcançou a caneca com o chá que Antonieta havia deixado enquanto preparava uma resposta para Enzo. Sabia que não conseguiria mentir para o amigo, ele a conhecia bem demais para não saber que estava mentindo. Mas ainda não queria contar tudo.

– A festa foi ótima sim. Mas as olheiras são por outro motivo – falou ela erguendo a caneca para esconder parte do rosto enquanto bebia o líquido quente de forma que o amigo não percebesse sua expressão envergonhada.

– Quero explicações, pode começar – falou Enzo apoiando os antebraços na mesa onde seu computador estava apoiado e se inclinando para a câmera erguendo uma sobrancelha com uma expressão de expectativa que fez Maia rolar os olhos e soltar um suspiro.

Os olhos verdes desviaram da tela por segundos e pararam na jaqueta preta ao seu lado. Ela suspirou outra vez sem perceber e bebeu mais um pouco de seu chá. Não percebeu os olhos espertos do amigo reparando em seu olhar e em seu segundo suspiro.

– Realmente fiquei mais do que imaginava na festa, mas as olheiras são porque fui dormir muito tarde – falou ela dando de ombros e segurando a caneca com as duas mãos para se impedir de pegar a jaqueta – Tive uma pequena crise de dor no quadril e na perna, nada que já não tenha acontecido antes.

– Hm, certo – disse Enzo apoiando o rosto na palma da mão – Agora me diga o resto – falou ele numa expressão cética.

– Caiu uma chuva forte e inesperada – falou Maia com um pequeno sorriso pela forma como o amigo parecia saber que havia muito mais.

– Continue, continue – incentivou ele quando a pausa dela foi maior do que deveria – Quero saber o motivo desses seus suspiros subsequentes – falou o amigo dando um sorriso indiscreto que fez Maia arregalar os olhos e corar, a reação dela provocou um ataque de riso no rapaz – EU SABIA! Vamos, conte logo. Quem foi que lhe causou esses suspiros logo cedo! Não me esconda nada, sabe que eu pego suas mentiras antes mesmo de você começar a dizê-las.

Maia tentou desconversar e dizer que ele estava vendo coisas, mas Enzo era esperto demais para cair em suas desculpas e ela acabou suspirando outra vez. Recolocou a caneca sobre o criado mudo ao lado da cama e encarou os olhos castanhos escuros do amigo na tela do computador. Não sabia se já estava preparada para falar sobre isso, mas não teria escolhas no momento.

– Certo, você venceu, como sempre – falou ela cruzando os braços, novamente para impedir suas mãos de puxarem a jaqueta – Aconteceu uma coisa, mas não sei se já estou pronta para falar sobre isso.

– Ora vamos. Sou eu Maia. Seu melhor amigo. Não há nada que você não possa conversar comigo – disse ele dando um sorriso gentil percebendo que o assunto era mais sério do que ele imaginava – Sabe que sempre tentarei ajudar e que nunca vou te julgar ou recriminar. Estou aqui por você como você sempre esteve por mim.

– Eu sei meu amigo – respondeu ela soltando um suspiro cansado antes de desviar o olhar da tela e focar na jaqueta – Lembra-se que eu disse que iria me encontrar com a minha amiga, a veterinária aqui da cidade?

– Sim, me disse que só iria a essa festa porque ela havia lhe convidado – respondeu ele sem ter noção de que o assunto não era mais a festa e sim a própria veterinária.

– Lembra que eu disse que tinha medo de toda aquela gentileza dela ser fingimento? – falou Maia e continuou sem esperar a resposta do amigo – Pois esqueça, é a mais pura verdade. Ela é gentil como nenhuma outra pessoa que já conheci – contou Maia com um sorriso ao se lembrar dos momentos em que viu a gentileza de Alicia para com todos – Parece que a cidade inteira tem carinho por ela pela forma como trata a todos. É incrível. As crianças principalmente a amam – contou ela rindo e então olhando para o amigo que estava um tanto confuso com o rumo da narração, mas não parecia pretender interrompê-la – Ela ficou todo o tempo comigo me ajudando e me mostrando as coisas, gentil como sempre. Perdi a noção das horas enquanto conversávamos e comíamos, quando notamos a festa já estava se encerrando. Mas antes que conseguíssemos sequer cogitar sair um temporal começou do nada. Conseguimos correr para debaixo de um toldo, mas a chuva estava pesada e gelada. Falei com Antonieta e Alicia acabou por me fazer aceitar que ela me traria para o Rancho – continuou ela a contar e Enzo tinha o cenho franzido enquanto sua mente ligeira juntava as peças do quebra-cabeças que a amiga ia soltando – Por ter ido buscar seu carro ela acabou encharcada com a água gelada da chuva. Viemos para o Rancho e ela dirigiu por mais de duas horas na chuva enfrentando a estrada difícil por causa água. Quando chegamos a convenci a passar a noite aqui, a chuva havia piorado no último trecho de estrada e não parecia que iria diminuir. Não me surpreendi quando cheguei ao quarto dela e a encontrei com febre, depois de ter ficado com as roupas geladas por tanto tempo. Ela já tinha chegado tremendo aqui em casa. Consegui fazê-la tomar os remédios e deitar.

– Você falou que teve uma crise de dores – disse o amigo tentando direcionar a narração para que conseguisse encontrar as últimas peças para concluir seu raciocínio.

Maia fez uma pausa decidindo o quanto contava sobre aquilo, mas não havia nada demais em contar tudo. Afinal, não fora nada demais.

– Sim – disse ela dando de ombros – Foi quando ia me levantar para voltar ao meu quarto. A crise me fez quase cair, mas Alicia conseguiu me impedir de bater a cabeça no criado mudo. Depois ela também me ajudou a lidar com a dor.

– Devo perguntar como? – questionou o rapaz já tirando algumas conclusões, mas ainda não acreditando nelas, o rosto corado da amiga ao ouvir sua pergunta começou a confirmar algumas suspeitas.

– Acho que ela tem experiência com lesões musculares – comentou Maia sem saber como dizer exatamente – Me ajudou com as câimbras que sempre acontecem na minha perna esquerda quando tenho essas crises de dores por causa das articulações.

– Ela lhe fez uma massagem – concluiu Enzo controlando seu sorriso cínico, principalmente ao ver Maia corar ainda mais fortemente ao ouvir sua frase – Ainda estou esperando a explicação para os suspiros – provocou ele para ver o que Maia responderia.

 

N/A: 

Bom dia pessoinhas.
Tenho um anúncio hoje. Estarei viajando até sábado. Por esse motivo tentarei postar 2 capítulos hoje.

Esclarecendo alguns pontos. Eu sei que o selinho não foi correspondido, mas para Maia foi o primeiro beijo delas e ele tem uma importância grande na autodescoberta dela sobre os próprios sentimentos. Mas, para quem espera um beijo melhor, ele vai acontecer logo.

;]

 



Notas:



O que achou deste história?

2 Respostas para Capítulo 45

  1. pelo menos a Maia, ja esta descobrindo e tentando aceitar o que sente por Alicia, nao é so amizade! Espero que esse amigo dela o Enzo ajude e nao venha para atrapalhar!Bem ele pode ate vir pra cidade e namorar a Talitha! kk
    beijos
    Mascoty

    • Ela está começando a se entender *-*
      E quanto a Enzo e Talitha hehe, bom, digamos que eles gostam da mesma coisa =P Mas podem se tornar grandes amigos kkkkkkk

      Bjs
      ;]

Deixe uma resposta

© 2015- 2017 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.