Argentum

Capítulo 51

Era segunda-feira outra vez, o dia em que Maia e Alicia viajariam juntas. Não foi surpresa para nenhuma delas que não houvessem conseguido dormir muito bem. Ansiedade era, definitivamente, algo com que ambas estavam lidando desde a noite anterior e talvez mais. Ambas já tinham as malas prontas, não que levariam muita coisa, apenas uma ou duas mudas de roupas e outras pequenas coisas. Alicia foi a primeira a acordar, antes das seis já estava andando por seu quarto tentando controlar seu nervosismo. Ela sabia que iria adorar estar tanto tempo com Maia, mas também tinha consciência do quão difícil seria se manter no controle.

Depois de enrolar para tomar seu banho e se vestir Alicia decidiu descer para o café. Tinha uma consulta de retorno às oito e meia e queria arrumar algumas fichas antes. Mas se surpreendeu ao não encontrar sua mãe sozinha na cozinha. Talitha estava sentada a mesa comendo um pão doce que Dona Marta havia feito na tarde anterior. Soube que não escaparia de uma pequena conversa sobre a viagem com a amiga no instante em que viu a mais nova sorrir ao lhe ver entrar na cozinha. Quando Dona Marta anunciou que estava saindo mais cedo para ir ao mercado a veterinária teve certeza de que não teria outra escolha além de encarar a melhor amiga.

– Então – começou a mais nova assim que a mãe de Alicia saiu, mas a veterinária se manteve concentrada em sua comida e não respondeu – Vamos Alicia, você não pode me ignorar o dia inteiro.

– Eu não preciso te ignorar o dia inteiro. Só, mais ou menos, até as nove horas – respondeu a maior com um largo sorriso antes de voltar a comer.

Talitha rolou os olhos e esperou pacientemente, ou nem tanto, que a amiga terminasse de comer. Antes que ela pudesse levantar e correr para seu consultório a mais nova voltou a falar e a acompanhou pela escada.

– Você tem noção de que essa viagem é a oportunidade perfeita para se acertar com a Maia, não tem? – perguntou Talitha, seu tom ainda era quase acusatório, mas não queria pressionar demais a veterinária.

– Não há o que acertar, Litha – respondeu Alicia dando de ombros – Estamos bem como estamos. Não tem outra forma de podermos estar.

– Você não está nada bem – resmungou a mais nova cruzando os braços – Dá para ver na sua cara que está cansada e triste. Certeza que não tem dormido o necessário por passar horas pensando na dona do Rancho. Não pode ficar assim pra sempre Ali.

– Claro que posso – resmungou a veterinária entrando em seu consultório, mas não tendo nem chances de pensar em fechar a porta e encerrar a conversa – Posso e irei – ela reafirmou indo para sua mesa.

– Pois não precisa – acusou Talitha perdendo a pouca paciência que tinha, que nunca foi muita – Alicia eu tenho certeza que ela não sente SÓ amizade por você. Ficou muito claro isso na festa de sábado passado.

– Só na sua cabecinha mirabolante que algo ficou claro – murmurou a veterinária tentando ignorar a amiga.

– Pelo amor de Deus, Alicia! Eu perdi as contas de quantas vezes achei que ia morrer pelo jeito que ela me olhava quando eu interagia com você! – falou a mais nova abrindo os braços indignada – E não me venha de novo com ser ciúme de amiga. Só você cai nessa bobagem. Em mais de um momento fiquei com medo dela me bater com a muleta quando eu ficava perto demais de você. Isso não é ciúme de amiga. Ciúme de amiga é o que eu sinto quando uma amiga minha conta pra outra um segredo e não conta para mim, fico emburrada e chateada, não querendo matar alguém quando uma pessoa começa a encostar demais em uma das minhas amigas. Sério! – Talitha continuou sentando na mesa e encarando a veterinária que vestia seu jaleco branco – Se os olhos dela fossem uma arma seria um fuzil verde do exército e eu já estaria cheia de furos causados por ele – acusou ela cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha para a maior que tentava ignorá-la, mas no fundo queria conseguir acreditar nas palavras que ela dizia.

– Eu realmente não acho que você tenha razão – suspirou Alicia terminando de fechar o último botão do jaleco – Mas mesmo que, por algum milagre, você tenha ainda não há nada que eu possa fazer. Eu não vou arriscar a amizade que tenho com Maia por conta de uma possibilidade cuja consequência pode ser meu afastamento total dela – declarou a veterinária se sentando em sua cadeira atrás da mesa – Eu sei que não é fácil apenas ser amiga dela. É uma sensação horrível ter que me controlar a cada instante em que estou perto da Maia. Mas só por pensar e imaginar que ela pode se afastar de mim permanentemente já consigo dizer que seria muito pior.

Talitha pensou em dizer algo, mas só de olhar a expressão de Alicia entendeu que não adiantaria nada o que ela pudesse falar. A amiga estava decidida a não fazer nenhum movimento. Alicia estava com tanto medo de sofrer que não tentaria nada que pudesse arriscar o pouco que tinha com Maia. Mesmo que as chances de darem certo estivessem muito altas. Ela queria ficar brava com a melhor amiga, mas ao lembrar do quanto Alicia já havia sofrido por confiar em boas perspectivas fazia sua irritação sumir. A mais nova só queria que a veterinária tivesse uma vida feliz e não ficasse presa na rotina maçante e monótona que vinha tendo nos últimos anos. Alicia merecia um amor, merecia alguém que aceitasse enfrentar o mundo com ela.

Com um longo suspiro a menor saiu do consultório. Não demorou muito para que o único paciente do dia chegasse e fosse atendido. Algum tempo depois Maia entrou pela porta de vidro cumprimentando Talitha com um sorriso. As duas falaram amenidades por alguns minutos até verem o pequeno gato sair com seu dono do consultório. Talitha se levantou de seu lugar e foi liberar Alicia para a viagem. A veterinária deixou sua assistente para arrumar tudo e saiu cumprimentando Maia com um abraço rápido antes de subir para buscar sua mochila com suas coisas. Seriam quase 6 horas inteiras dirigindo, mais os diversos minutos durante as paradas que pretendia fazer para que Maia não se sentisse muito incomodada.

As duas trocaram sorrisos ao entrarem no carro. Alicia já havia deixado a amostra do garanhão preparada no botijão de transporte que fora adicionado ao bagageiro do carro pela manhã quando Giulio trouxe Maia do Rancho. As duas pararam em um dos únicos dois postos de gasolina da cidade para completar o tanque e logo iniciaram a viagem. Maia e ela conversaram por longos quilômetros, após isso Alicia sintonizou uma rádio qualquer e não demorou muito para que Maia cochilasse.

A dona do Rancho não havia conseguido dormir praticamente nada pensando na viagem com a veterinária. As palavras do amigo ainda em sua mente e ela estava quase se decidindo por arriscar-se naquela oportunidade. Com seus pensamentos correndo em alta velocidade e o cansaço da noite não dormida ela sequer percebeu quando adormeceu. Só deu-se conta de que dormira quando, algumas horas depois, sentiu um carinho em sua testa e seus cabelos. Abriu os olhos levemente e se deparou com a porta de seu lado aberta e Alicia parada a sua frente com um sorriso terno e uma das mãos em seus cabelos.

– Oi – disse a voz da veterinária enquanto ela dava um pequeno sorriso vendo os olhos verdes confusos olharem em volta e pensando que ver Maia acordar era uma das coisas mais fofas que ela já havia visto na vida, o que era incrível já que ela trabalhava com filhotes.

– Onde estamos? – perguntou a menor confusa e desviando o olhar dos olhos cor de mel para o local em volta.

– Apenas um posto de gasolina nas redondezas de uma cidade no caminho. Achei que seria bom descermos para esticar as pernas e comprar algo para beber – contou a veterinária se apoiando no carro e ainda prestando atenção na jovem que estava começando a realmente acordar – Vamos parar mais a frente para almoçar.

– Porque não paramos apenas para almoçar? – questionou Maia já recobrando completamente a consciência e encarando os olhos da mais velha.

– Porque se eu te deixasse dormir mais uma hora e meia nessa posição você acordaria com um torcicolo terrível – explicou Alicia apoiando a mão na parte superior da porta se inclinando um pouco para dentro colocando a outra mão na lateral direita da testa da dona do Rancho – Você já estava com a testa batendo no vidro e na coluna do carro. Não era uma posição muito aconselhável.

O rosto de Maia corou levemente, mas ela não desviou o olhar vendo o sorriso da veterinária que logo a segurou pela mão puxando-a do banco para fora do carro. Juntas elas entraram na loja que havia no posto e Alicia as guiou diretamente para as geladeiras onde haviam diversas bebidas. A maior pegou com a mão direita duas garrafas de isotônico de sabores uva e limão e já as levava para a fila do caixa quando Maia as interrompeu. Por estar sem a muleta ela abraçava o braço esquerdo da mais velha com ambas as mãos.

– O que foi? – perguntou Alicia parando e virando o rosto para a menor – Quer mais alguma coisa?

– Na verdade sim – riu Maia sem graça – Não quero dormir de novo. Então acho uma boa ideia levar algumas balas e doces para me manter acordada.

– Vamos almoçar em menos de duas horas, não acho que comer doces agora seja uma boa ideia – riu a maior, mas se deixou ser guiada pela menor para outro setor onde haviam diversos doces e pacotes de biscoitos salgados também.

– Não vou comê-los agora – Maia rolou os olhos, mas teve que disfarçar um sorriso – Acabei de dormir quase duas horas, se o relógio do painel do carro não estiver errado. Mas após o almoço não quero voltar a dormir. E a melhor forma de fazer isso é com doces.

– Certo, desse jeito podemos até pular a sobremesa do restaurante – brincou a veterinária recebendo um tapa leve no braço que ainda era segurado pela mais nova.

– Desculpe-me ter dormido tanto – murmurou Maia desviando os olhos verdes para as prateleiras – Não foi minha intenção te deixar sozinha logo no começo da viagem.

– Não me deixou sozinha – afirmou ela com um sorriso gentil – Tinha sua presença ao meu lado. E também tive a ótima programação das rádios locais – pontuou ela erguendo o indicador esquerdo.

Maia rolou os olhos e Alicia riu, mas ajudou a outra a pegar a enorme variedade de doces que Maia escolheu e as duas passaram pelo caixa onde Maia fez questão de pagar tudo alegando que havia sido vontade dela. Quando voltaram para o carro as garrafas foram acomodadas no local apropriado no painel e os doces colocados todos no porta-luvas. Maia realmente não voltou a dormir e as duas conversaram sobre a região já que Maia não conhecia muito bem as cidades.

Uma hora e meia depois elas entraram numa das cidades pelo caminho a procura de um restaurante. Escolheram aleatoriamente um estabelecimento e entraram juntas, dessa vez Maia seguia se apoiando em sua muleta, mas ainda tinha o braço esquerdo em volta do direito da veterinária. Alicia escolheu uma mesa numa área mais calma e próxima das janelas e as duas se sentaram e almoçaram calmamente antes de voltarem ao carro.

– Faz anos que não como tanta bobeira – contou Maia rindo ao abrir mais um pacote de balas de goma.

– E porquê? – quis saber Alicia, ela não comia sempre esse tipo de coisas, mas ao menos um dia na semana tirava para coisas não saudáveis.

– Depois do acidente eu demorei um pouco para poder voltar a comer normalmente – contou Maia, parte de si queria desviar o assunto no instante em que ele surgiu, mas ela já havia se decidido a se abrir aos poucos com a veterinária – Depois por conta da dieta que eu precisava seguir. Não posso deixar meu peso aumentar pois isso pode acarretar lesões de esforço nas articulações. Então eu tendo a evitar doces em geral.

Alicia não soube como responder. Ficou alguns segundos calada até dar de ombros e esticar a mão pedindo uma das balas.

– Você precisa trabalhar com a fisioterapia e fazer exercícios. Assim não terá que se preocupar tanto com a dieta – disse ela colocando a mão dentro do pacote já que Maia a estava encarando e não havia se movido para compartilhar o doce com ela – Assim podemos começar a comer bobeiras juntas. Quem sabe marcar de ver alguma maratona de filmes ou séries uma vez por mês. Eu sempre faço, mas seria ótimo ter companhia para isso – falou ela com um sorriso discreto antes de colocar um punhado de balas na boca e voltar sua atenção à estrada enquanto mastigava.

Maia não respondeu, mas tinha um sorriso no rosto pela proposta que ela definitivamente aceitaria. As próximas três horas da viagem foram feitas entre risos, conversas sobre filmes e séries e, é claro, muitos doces.

 

N/A: Aqui estou novamente hehe.  

Agora até o fds pessoinhas lindas. Digam suas opiniões sobre o que acham que vai acontecer nesse laboratório =P

;]

 



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para Capítulo 51

  1. achei que algum fazendeiro fosse tentar fazer algo contra Maia, para ela nao registrar o garanhão!
    bjs

  2. O teste/exame correrá tudo nos conformes.
    A situação só irá ficar tensa qdo um fazendeiro aparece e destila todo seu preconceito contra a Maia e a Alícia. Ele acredita q as duas são um casal.
    Expectativas!!!

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