Argentum

Capítulo 6

Alicia chegou em sua casa próximo às 10 horas da manhã. Encontrou o portão da garagem da casa e da clínica aberto o que indicava que sua mãe já havia feito seu café e passado arrumando a casa. Ela queria muito contratar alguém para fazer essas limpezas, mas Dona Marta não largaria suas funções facilmente e Alicia já havia entendido a muito que não adiantaria insistir. Entrou com seu Troller na vaga mais próxima do corredor para os fundos do sobrado onde havia um grande gramado.

Como a clínica ocupava apenas a frente do sobrado os fundos haviam se tornado uma grande área de convivência com uma grande varanda, um fogão com forno a lenha e uma grande mesa de madeira. A veterinária saiu de seu carro carregando suas botas nas mãos. Na pressa para atender a égua ela havia se esquecido completamente de calçar suas botas de borracha e, por isso, estava com as botas de couro marrom completamente sujas. Foi andando pela varanda tentando não fazer muito barulho na direção da mangueira que havia do outro lado onde pretendia se lavar um pouco antes de entrar em casa. Assim como lavar as botas e coloca-las para secar no fraco sol do dia.

– É bom que essas suas roupas não estejam pingando, mocinha – a voz de Dona Marta se fez presente e Alicia olhou para a porta que dava ao corredor das escadas – Você e seu pai são iguaizinhos. Nenhum dos dois se lembra de colocar as roupas apropriadas antes de ir atender um animal.

– Em minha defesa – ela disse chegando perto da torneira e sentando no chão para lavar as botas – A égua estava em trabalho de parto e eu precisei intervir. Não tive tempo de colocar as botas de borracha. E – ela continuou olhando por cima do ombro na direção da mãe com um sorriso sem graça – Eu esqueci a troca de roupas quando saí apressada com o Carlos.

– Você sempre se esquece quando eu não estou perto para lembrar – falou a senhora de cabelos brancos que usava um vestido de algodão quente com meias nos pés e uma sapatilha branca – Termine de limpar as botas logo – falou ela vendo que a filha já tinha limpado quase toda a superfície suja dos calçados.

– Ah mãe – reclamou Alicia sabendo o que sua mãe lhe mandaria fazer – Está frio!

– Pensasse nisso antes de esquecer a troca de roupas, agora não tem mais jeito – falou a senhora rindo – De jeito nenhum que tu vais entrar na minha casa com essas roupas imundas. Vamos, vamos – Dona Marta bateu as mãos apressando Alicia – Trate de tirar a camisa e a calça, já lhe trouxe uma toalha. Vai lavar o grosso da sujeira ai mesmo, se enxugar e subir tomar um bom banho.

Alicia poderia tentar dissuadir a mãe, mas sabia que se tinha uma coisa que Dona Marta não suportava essa coisa era sujeira. Terminou com as botas, deixou-as num lugar seco que pegasse sol e então retirou os jeans e a camisa colocando-as dentro de uma bacia com sabão que sua mãe havia colocado ao seu lado. Depois, apenas com as roupas intimas, teve que aguentar a água gelada da mangueira enquanto lavava bem os braços, rosto, pescoço e tronco.

Marta não fazia aquilo por mal, mas precisava ter um jeito de punir sua filha pelo seu esquecimento fácil de coisas importantes. Mas ela sabia que seria sempre assim. Mesmo que estivesse nevando do lado de fora Alicia ainda esqueceria sua troca de roupas e iria atender um animal em caso de urgência, se sujaria inteira e voltaria para aguentar o banho de mangueira. Seu marido foi assim até o fim da vida, não achava que a filha fosse ser muito diferente. Mesmo assim ela ainda riria muito daqueles banhos forçados.

Alicia estava com o corpo todo arrepiado, mas não era o maior frio que ela já houvesse enfrentado. Seus músculos já começavam a se contrair em espasmos quando ela terminou de se lavar. Ela tinha um físico melhor do que se imaginaria, resultado dos anos de treinamentos durante a faculdade que ela mantinha, mesmo longe de algum lugar para treinar. Havia feito uma semana de Muay Thay, mudou para o Boxe e, depois de 6 meses, migrou para o kickboxing. Ainda chegou a treinar um ano de jiujitsu e judô quando se formou e enquanto trabalhava em Porto Alegre.

Mesmo depois de se mudar ela não havia parado de praticar. Mesmo sozinha tinha suas séries de exercícios que praticava três vezes por semana e corria quase todos os dias. Isso lhe dava músculos fortes e definidos apesar de não estar com a barriga lisa como gostaria, mas ela se contentava com o ótimo preparo físico que tinha. Naquele momento estava se enrolando na toalha cinza que sua mãe lhe entregava enquanto começava a tremer. Passou correndo por Dona Marta que lhe acertou um tapa na cintura mandando-a ir direto ao banheiro. A senhora ainda ouviu a gargalhada da filha correndo escada a cima na direção de seu quarto.

Enquanto isso, no Rancho, Maia estava deitada em seu quarto, com as pernas embaixo de uma coberta quente logo após ela ter passado em si mesma uma pomada para amenizar suas dores. Sua perna esquerda estava latejando demais por que ela ficou quase meia hora em pé ao lado da baia de Lua observando a égua e seu potro. Ela havia ficado impressionada com o tamanho da égua e com o cuidado dela com o pequeno potro. Para a surpresa de Giulio Lua havia se aproximado voluntariamente da janela para cheirar Maia.

Quando a cabeça do enorme animal chegou perto dela Maia até se assustou um pouco, mas não conseguiria sair rápido do lugar nem se quisesse, então apenas ficou parada. Mas Lua apenas se aproximou devagar e Maia olhou bem dentro dos olhos dela. A égua cheirou primeiro seus braços e depois seu rosto até que ela ergueu as mãos acariciando a cabeça dela. Maia fez carinho na égua por alguns minutos antes dela se afastar para ajudar novamente seu potro a mamar. A surpresa de Giulio era que Lua sempre fora uma égua difícil que não lidava bem com pessoas estranhas, mas pareceu aceitar Maia completamente de imediato.

Claro que o homem não comentou nada e Maia sequer tinha noção do temperamento difícil que Lua tinha com pessoas novas. Mas ela aproveitou aquela tranquilidade que tinha olhando para a mãe e seu filhote antes de voltar para encarar o irmão. Suas pernas já doíam demais quando ela fez seu caminho escada acima para entrar na casa. Encontrou com Giovani sentado num dos sofás da sala e o ignorou completamente subindo mais um lance de escadas até o andar superior do casarão onde ficavam os quartos.

Ela sabia que o irmão iria procura-la para tentar convencê-la a desistir da ideia de manter o Rancho. Ela tinha plena consciência de que Giovani não aceitaria manter aquilo e nem iria concordar que ela o fizesse sozinha. Também tinha uma certeza lhe percorrendo de que ele já deveria ter orientado o advogado a preparar os papéis para a venda. Mas ela já havia se decidido, não importaria nada que o irmão lhe falasse, ela ficaria ali com ou sem a aceitação dele. Até porque Maia estava cansada de ter o irmão achando que ela precisava do consentimento dele para dar um passo que fosse.

O remédio que tomou assim que entrou no quarto ainda não havia feito efeito, mas a pomada começava a lhe dar a conhecida sensação de aquecimento que ela sabia que iria alternar para frio e depois virar queimação novamente. Sabia que dali a algumas horas viriam chama-la para o almoço, mas decidiu que iria tentar descansar e deixou seu corpo escorregar na grande cama de casal com dossel até que estivesse quase totalmente embaixo das cobertas. Tentou pensar em outra coisa além da dor e da queimação em suas pernas. Deixou sua mente vagar como sempre e se surpreendeu com a primeira imagem que ela lhe trouxe.

Seu primeiro pensamento racional foi que a veterinária tinha olhos cor de mel e que ela havia achado a cor incrivelmente bonita. Permitiu que sua mente repassasse o curto encontro com a mulher de cabelos negros. Sentiu uma pontada de inveja da felicidade que ela demonstrava por ter conseguido salvar a égua e o potro. O tipo de felicidade plena que ela nunca mais havia conseguido experimentar depois do acidente. Na verdade, ela tinha quase certeza de que nunca tinha experimentado uma felicidade tão plena quanto deveria ser a de concluir de forma bem feita seu trabalho.

Mas essa ponta de ciúmes sumiu tão rápido quanto apareceu e ela logo estava se lembrando de como a veterinária tinha uma voz agradável. Deveria ser uma das mulheres mais desejadas da pequena cidade. Riu sozinha imaginando que só teria homens interessados nela por saberem que ela era a herdeira de uma das maiores propriedades da região. Maia já havia se acostumado a ideia de que homem nenhum se adaptaria as suas dificuldades e que os que tentariam se aproximar seria apenas por suas posses.

Por isso ela queria muito se desprender do irmão. Amava Giovani, mas ele tinha uma mentalidade retrógrada demais para que ela assimilasse. Apesar de que ele nunca lhe imporia nada ela sabia que ele vivia a procurar entre seus amigos e conhecidos um bom homem que pudesse cuidar dela algum dia. Ela não queria depender de ninguém. Tinha lutado desde pequena para ser independente como sua mãe, tinha brigado por seu direito de fazer uma faculdade como o irmão.

Ela tinha brigado muitas vezes com o pai, e até com a mãe, enquanto insistia em continuar seu curso, mesmo com suas dificuldades. Não queria perder a pouca independência que tinha. Ela estava decidida a não perder a si mesma nas vontades que seu irmão tentaria cada dia mais impor a ela. Pensando que iria dar um jeito de comprar a parte do irmão do Rancho para assumir tudo sozinha ela começou a sentir o remédio fazer efeito e ela ficar sonolenta. Deixou que seus olhos se fechassem sendo vencida pelo cansaço dos últimos dias.

Antes que sua mente se apagasse e desse lugar para a inconsciência ela viu uma última imagem. Reproduzida em câmera lenta antes que Maia mergulhasse no sono sua mente lhe deu um vislumbre da primeira vez que viu a veterinária. A cena da mulher saindo da baia com um sorriso nos lábios e então se virando para ela com aqueles olhos cor de mel. Logo depois ela adormeceu.



Notas:



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4 Respostas para Capítulo 6

  1. Tomara que esse irmao mala da Maia nao atrapalhe muito ela! Mas acho que nao, pois ela é decidida e teimosa.
    Bjs
    mascoty

    • Moça, alguém confundiu os nomes kkkkk. Foi a Alicia quem tomou esse banho gelado. Kkkkkkkkk
      Mas não recomendo, não pe agradável kkkkkk

      ;]

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