As Peças do Jogo

Capítulo 6 – A Força da Magia

As Peças do Jogo

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Isie Lobo e Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento

  • Modificações foram feitas na ilustração para se adequar ao padrão de tamanho do site, eximindo a ilustradora de qualquer distorção da imagem.

 

Capítulo 6 – A Força da Magia

Vária olhava o jardim da casa da granja, ainda atônita. Ailisha despontou na porta da frente com um enorme sorriso no rosto. Todos sorriam. Madi se adiantou, mandando os outros guardas levarem os cavalos e se curvou diante das duas, antes de se retirar.

– Devo fazer os preparativos para a nossa investida, minhas Dámas. Hoje todos nós nos recolheremos em comunhão com “Darvar” para nos purificar.

— Vocês sabem os rituais.

Amarylis elevou sua mão, que ainda segurava a mão de Vária, e tocou a cabeça de Madi. Novamente, a guarda-costas, se viu surpreendida e capturada pela energia que era emanada através de seus corpos, até serem desprendidas pelas mãos, sobre a cabeça do chefe da guarda.

– Vá, meu amigo; façam todos os rituais. Depois de amanhã estaremos em casa.

– Não poderei fazer todos os rituais, Dáma. Meu coração está pela metade.

Amarylis o olhou com compaixão, como se soubesse de algo que nem mesmo Madi compreendia.

– Vá. Algum dia será possível você fazer.

– Amarylis, eu…

Vária tentava formular perguntas que rondavam sua cabeça, sem sucesso. Estava desorientada.

– Eu sei que você está um pouco perdida, Vária. Eu lhe explicarei tudo, enquanto nos banhamos. Quero trocar essa roupa e depois comer algo, mas antes, vá ver sua mãe que eu lhe esperarei na sala de banho.

Amarylis soltou a mão de Vária, com dificuldade. Era como se tivesse medo que a outra repudiasse aquela situação. A sensação de completude em que se encontrava, não se comparava a nada que um dia sentira em qualquer época de sua vida. Mesmo antes quando ainda era a alcaidessa da “Cidade do Princípio”.

Assim que Amarylis entrou, Vária caminhou pela pequena alameda lateral à casa que levava até a vila dos empregados. Telamir a esperava na porta, sorrindo.

– Minha criança, então era você?

– Você sabia, Telamir?

– Não até a Dáma Amarylis aparecer na sua casa. Sabia que alguém havia tirado as peças do jogo de dentro da sala do tesouro, mas não sabia que era você, minha criança. Achava que tudo estava perdido.

– Mas você sabia que Trevor não tinha matado a alcaidessa?

– Para mim, ela havia morrido. Nunca achei que o feitiço pudesse ser quebrado. Na época eu só não fui pega junto com os outros, porque tinha me atrasado para o serviço. Não cheguei na hora para trabalhar e quando entrei na “Cidade do Princípio” vi o alvoroço todo. Foi quando me escondi com medo e vi todos serem transformados nas peças. O feitiço que ele proferiu, não deixava margens para que fosse quebrado. – Sorriu. – Bom, pelo menos era o que eu achava – Sorriu novamente.

– É, Telamir, tem horas que eu é que me sinto em um jogo…

Vária passou por Telamir, suspirando. Entrou na pequena casa, viu sua mãe sentada à mesa fazendo a refeição. Aquela imagem alegrou o coração de Vária. Há meses que ela não conseguia se levantar da cama sozinha.

– Mãe! A senhora está de pé! O que aconteceu?

Adla a olhou e sorriu. Estava muito feliz.

– Eu não sei exatamente, minha filha. Mais cedo, comecei a sentir um formigamento e meu corpo aquecer, quando a sensação de calor passou eu não sentia mais dores e minha força tinha voltado ao meu corpo.

Adla levantou, deixando que sua filha a abraçasse. Estava feliz.

– Ailisha conversou com Telamir. Ela me contou toda a história de Dáma Amarylis. Acha que me curei por ter vindo para este lugar. E você, minha filha? O que levou você a roubar o alcaide? Você poderia ter morrido nas mãos daquele bruxo!

Vária pensou um pouco. Olhou a mãe com saúde e sorriu.

– Pois eu pensava em curar sua doença indo ver a bruxa Dalad, mas pensando bem, acho que o resultado está ótimo e faria tudo novamente.

Ambas sorriram e se abraçaram, novamente. Vária permaneceu um tempo com sua mãe. Contou-lhe tudo que se passou e como se sentia, agora que tinham voltado. Estava serena. Confusa, mas serena e feliz.

Voltou à casa da granja e foi ao quarto de Amarylis. Bateu à porta, que foi aberta após algum tempo.

– Poderia ter entrado. Você não precisa bater.

Segurou Vária pela cintura e trouxe-a para um beijo, enquanto a porta era fechada. Vária permitiu o carinho, aprofundando o beijo que, para ela, não tinha precedentes. Sentia seu corpo estremecer, sempre que tocava ou era tocada por aquela mulher de atitudes seguras e temperamento calmo. Não era diferente com Amarylis. A alcaidessa ficava insegura quando estava distante de Vária, mas ao ser tocada por ela, sentia que poderia fazer qualquer coisa, estando a seu lado. Se desvencilharam e se encararam por alguns segundos, tentando perceber o que ia nos pensamentos, uma da outra.

– Está com medo? – Perguntou Amarylis.

– Não. Só admirando você e me permitindo ser um pouco feliz.

Sorriu, acalmando o coração da mulher menor e arrancando, também, um sorriso dela.

– Vem. – Amarylis puxou-a pela mão. – Temos que nos preparar. Vamos tomar um banho, nos alimentar e fazer os rituais de energia.

– Só tem uma coisa que eu queria te perguntar.

– Pode perguntar. O que quer saber?

– Foi você que curou minha mãe?

– Sua mãe? Não eu… Eu pensava em passar para ver Adla amanhã, antes de seguirmos para a Cidade do Princípio, após os rituais. Por quê?

– Encontrei minha mãe sem dores e sem a fraqueza nos músculos. Ela estava sentada à mesa se alimentando, sem ajuda. Me disse que começou a sentir o corpo aquecer e formigamento. A sensação passou e, com isso, a fraqueza também se foi.

Amarylis abriu um enorme sorriso e caminhou lentamente para dentro do quarto, conduzindo Vária pela mão.

– Então, Dalad não é tão insensível quanto faz parecer.

– Por que diz isso?

– Na minha família, Vária, temos o dom da magia, mas não é como se você conseguisse fazer tudo com a magia. Cada um carrega um dom específico, apesar de também compartilharmos muitas habilidades mágicas. Eu, embora possa parecer uma pessoa calma, tenho o dom da magia da destruição. Pode-se dizer que sou a senhora da guerra.

– Você? Tem o dom da destruição? Não posso acreditar!

Amarylis sorriu ao ver o eto no rosto de sua companheira.

– Pense, Vária. Imagina se o dom da destruição viesse com alguém como Dalad? – Sorriu, novamente – Onde estaria o equilíbrio? Dalad nasceu com o dom da cura, amenizando um pouco a sua personalidade impulsiva. Lá, em Telmov, pedi a Dalad que curasse sua mãe. Pelo visto, ela esteve por aqui e atendeu meu pedido. Ela não está mais presa em seu palácio, desde que estivemos lá. O feitiço que a prendia foi quebrado.   

****

Há horas que estavam ajoelhadas sobre almofadas, uma de frente à outra. O quarto era tomado por aromas cítrico-amadeirado, vindo de incensários espalhados, onde queimavam ervas aromáticas. Amarylis sussurrava preleções e as duas pareciam estar em transe. Pedras preciosas estavam espalhadas em torno delas e reluziam a cada palavra que saía da boca da alcaidessa. O som se propagava cada vez mais alto e numa entonação mais contundente, até chegar ao ápice que foi interrompido bruscamente.  Permaneceram assim por algum tempo; despertaram do transe. Vária se sentia levemente zonza.

– Como se sentiu, Vária?

– Não sei bem… Como se eu não estivesse aqui. Como se meu corpo estivesse, mas meu espírito não. Escutei vozes, cheiros diversos e alguém me falando coisas das quais não me lembro, agora. Estou bem… Na verdade, estou muito bem. Me sinto como se tivesse energia para levantar um elefante.

Sorriu, recebendo outro sorriso de volta.

– Ótimo! É exatamente assim que deve se sentir.

Amarylis parou de falar, momentaneamente. Estava avaliando se contaria para Vária o que viu em seu transe, ou não. Optou pela sinceridade. Ela não poderia ficar escondendo tudo da companheira. Ocultar estas coisas poderia coloca-la em perigo.

– Eu vi Trevor. Ele já sabe que estamos escondidos nas brumas do Darvar.

– Escondidos nas brumas do Darvar?

– Lembra que falei que a granja estava em outro plano? Esse plano em que nos encontramos pertence ao “Paraíso de Darvar”. Encantei a granja para escondê-la aqui, pois sabia que Trevor não poderia entrar, tendo intenções de nos destruir. Ele não pode atacar aqui. Se perderia nas brumas e nos sonhos.

– Mas nós passamos pelo Paraíso de Darvar, quando íamos para Telmov. Como a Granja pode estar nele, se saímos de Treider?

– Aquelas rochosas não são o Paraíso de Darvar. Elas pertencem ao Paraíso de Darvar. Ele não é um local específico, Vária. No mundo, existem portais onde podemos acessar esta outra dimensão.

Amarylis ia esclarecendo, enquanto levava Vária para a cama. Respondia todas as perguntas que sua companheira fazia. Não tinham muito tempo, mas a alcaidessa precisava explicar como elas fariam para entrar na Cidade do Princípio. Vária tinha um papel importante e não poderia ficar alheia aos fatos. Deitou-se, estendendo a mão para sua amante. Vária aceitou de bom grado, engatinhando sobre a enorme cama e se postando sobre a alcaidessa, que acariciou seu rosto sorridente.

– Amanhã não será um dia muito fácil. Embora esteja recuperando a plenitude de minha magia, Trevor se alimenta da fonte da Cidade do Princípio.

– O que é essa fonte?

– Ela alimenta forças mágicas de quem a bebe ou toca nela. Podemos dizer que é a fonte da vida. Há muitos séculos, minha família, que era dotada do conhecimento do oculto, descobriu esta fonte. Ela foi a ruína dos Habibeds, pois antes eram unidos e, com a descoberta dela, a família se dividiu e começaram as disputas para ver quem seria o “protetor” da fonte. A família se dizimou em matanças daqueles que compartilhavam o mesmo sangue. O desagravo levou muitas gerações, até que restaram apenas meu tetravô e sua prima. Eles caíram em si, no que ocorreu a toda a família por causa da fonte. Eram pessoas de bem e que não queriam mais levar adiante um ódio sem razão. – Amarylis inspirou fortemente, lembrando da história que ouvira desde criança. – Construíram juntos a Cidade do Princípio para escondê-la, pois entenderam que ela podia ser uma fonte de incríveis virtudes, mas, também, da desgraça para quem não entendesse o princípio da sua existência. Por isso, o nome do palácio ser “Cidade do Princípio”. Após a construção do palácio, Treider surgiu, próspera, com as famílias de trabalhadores que vieram para a construção e com o apoio dado por meu tetravô e sua prima. Eles se casaram, tiveram filhos e a família se constituiu, novamente. Os ensinamentos deles permaneceram fortes e virtuosos, até que eu e minha irmã tivemos nossas desavenças, por conta da influência de Trevor.

Vária estava concentrada, escutando toda a história e, em seu rosto, podia-se vislumbrar uma expressão taciturna. Amarylis, apesar de querer saber o que ia nos pensamentos da amante, não a interrompeu em sua introspecção. Esperou que ela se pronunciasse.

– O que você está querendo me dizer é que poderemos não conseguir; é isso?

Amarylis sorriu desalentada e meneou a cabeça em afirmação.

– No ritual do fogo, que foi este último que fizemos, vi muitas mortes e muita dificuldade, mas não consegui saber se venceríamos.

– Este último? Não fizemos nenhum outro ritual.

– Fizemos, sim. – Sorriu novamente. – Quando nos banhamos, haviam essências na água para limpar nosso corpo e espírito, para que fizéssemos o ritual. O ritual do fogo é para expurgar nossos medos e vislumbrar algumas possibilidades no nosso destino. Há ainda o ritual da carne. Deve ser executado com amor e com quem se ama. Nem todos conseguem fazê-lo, pois depende de duas pessoas que estão unidas pela alma. Ele traz força e plenitude ao corpo carnal e conjura o plano espiritual a se unir ao material.

– Por isso Madi disse que não poderia fazer todos os rituais? Ele ainda não encontrou a sua alma, é isso?

– Ele já encontrou sim, Vária, mas ela não está com ele.

– Entendo…. Que a boa fortuna o encontre, então!

Vária evocou, com pesar, desejando que o homem corpulento, que protegia com a vida a mulher que ela amava, pudesse obter alento. Era de poucas palavras. Nunca fora eloquente. Porém, seus ouvidos atentos e seu bom coração, sempre a levara a caminhos dos quais nunca se arrependera.

 


Nota: Pessoal, este é o penúltimo capítulo. Estamos bem perto do fim. Essa história é curtinha. 😉

Um beijão e até a próxima semana!



Notas:



O que achou deste história?

10 Respostas para Capítulo 6 – A Força da Magia

  1. Fiquei feliz com a cura da mãe de Vária. Que bom que Dalad teve compaixão, isso indica que ela pode ser do bem, só cometeu um erro no passado mas se arrependeu e está tentando se redimir.
    O penúltimo? Poxa, curtinha mesmo em Carol. Então, que venha o capítulo final, com muita magia e não muito sufoco para nossas dámas, rs

    Beijo

    • Oi, Fabi!
      Então, a procura de Vária no início pela “bruxa-curandeira” Dalad não era sem propósito, né?

      Ela é curtinha sim e hoje teremos o último! Espero que goste!
      Brigadão e um beijo grande!

  2. Ahhh que belo encontro com a Magia perdida vc nos trás!Adoro teu jeito de escrever e que tua imaginação não fique um dia sequer bloqueada neste mundo tão material!. Bjs

    • Oi, Ione!
      Estava com saudades de você por aqui! 😉

      Muito obrigada pelo carinho e que assim possa ser! Que a imaginação possa me visitar sempre, para que consiga escrever coisas legais para vocês.

      Um beijão!

  3. Oiee,Bi!! Oxenteeee!!Mas nem deu tempo direito deu criar laços com uma das personagens ?
    Bem que vc avisou que era curtinha,mas bem, curtíssima!!?
    Mas foi show, Bi!!É difícil mesmo condensar tudo..
    Eu me confundi respondendo em outro comentário..rs.
    Obrigada por entender! Fica com Deus e até segunda!!!
    Beijão
    PS: Quinta ou sexta será o último capítulo, n?!

    • Oi, Lailicha!
      Não tem importância, às vezes eu mesma me confundo com essa coisa do lugar dos coments. rs
      Ela é curtinha sim. rs E hoje é o capítulo final!
      Fica com Deus também e um beijão pra você e esposa.
      Valeu pelo carinho de sempre!

  4. Carol,
    estou a cada cap. mais apaixonada.
    Normalmente escolho uma personagem como favorita,
    neste romance tu ferraste comigo, como escolher?
    Amarílis, Varia, Dalad são todas apaixonantes e
    eu estou apaixonada…

    Parabéns é pouco, obrigada fica melhor…

    Bjs

    • Oi, Nádia!
      É. Sei o que é isso. rsrs Eu queria personagens fortes, cada uma a seu jeito. Uma para cada gosto, masss… se gostou de todas, melhor ainda! rsrsrsr
      Eu que agradeço o carinho de sempre que dispensa a mim e as minhas histórias!
      Fica na paz e um beijão pra ti!

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