Caçadora

10. Carla

Boa noite, amores!

Uauuuuuu…. Vejam só, vocês ganharam um capítulo extra e uma ilustração no meio do texto! Hehe… Que bom que aceitaram esse “desafio” rs… Não vou mentir, achei que esse extra não ia rolar, mas que bom que vocês me provaram o contrário! 😀

Quero deixar meu agradecimento a todas que tiraram um tempinho para mandar uma mensagem no capítulo anterior. É bom saber que vocês estão aí, de vez em quando. rs. Responderei a todas o mais breve possível!

Aproveito para pedir desculpas pela postagem estar saindo um pouco tarde, é que como vocês garantiram a ilustração, eu tive que caprichar e isso leva algumas horinhas. Espero que gostem!

Um beijo super carinhoso e até a quarta-feira! :*

Táttah

 


Revisão: Naty Souza e Néfer


 

 

 

Vanessa mirava a estrada deixando, vez ou outra, que o olhar encontrasse as mãos de Diana no volante. Encolhia-se sempre que ela trocava a marcha, deixando os dedos resvalarem em sua perna com um sorrisinho debochado.

Ela não cansava de provocá-la.

Por alguns instantes, deixou a raiva de lado e se permitiu observá-la. Diana escondia as olheiras profundas por trás de lentes escuras, mas a palidez da pele era evidente e não lhe escapou os tremores nas mãos e o suor que escorria pela face, apesar do ar-condicionado do carro estar ligado no máximo.

Fora do veículo, a chuva caía serena, permitindo o avanço pela estrada sem problemas. Estavam viajando há pouco mais de uma hora e, mesmo chovendo forte no início da viagem, Diana não poupou o veículo. Ela pressionava o pedal até o fim; por vezes, obrigando Vanessa e Cristina a fecharem os olhos nas curvas com o coração apertado de medo e uma sucessão de palavrões revoltosos que respondia com um sorriso traquina.

— Você sabe que está dirigindo um carro comum, não é? Isso é uma estrada e não uma pista de corrida! — Vanessa berrou para ela em determinada altura.

— Só estou curtindo a estrada, Van. Ela é deliciosamente sinuosa! É praticamente um convite à aventura. — Diana retrucou, desviando de um buraco. — Entretanto, este carro não é lá essas coisas, é lento demais!

Fez um biquinho decepcionado e depois soltou uma risada cristalina, que inflamou os ânimos da ex-namorada.

— Para onde estamos indo, afinal?! — Vanessa perguntou, diminuindo o volume do rádio que estava excessivamente alto, todavia não incomodava-a tanto quanto a velocidade. Na maior parte do tempo o “barulho” que Diana escolheu para ouvir, evitava travar conversa com ela e, assim, impedia discussões desnecessárias e desgastantes.

No banco de trás, uma desanimada Cristina prestava atenção ao caminho. A moça se questionava se havia feito a escolha certa ao convencer Vanessa de que acompanhar Diana era o mais seguro, naquele momento. Estava muito consciente de que isso colocava em risco seu namoro, mas, também, seria um bom teste para ele.

Imaginava que mesmo que tivessem optado por partir e deixá-la para trás, seguindo com a vida normalmente, o fantasma de Diana estaria sempre entre elas. Previa o desmoronamento lento e angustiante do seu relacionamento, se fosse o caso.

Entretanto, Vanessa necessitava viver aquilo e ela, Cristina, também.

Se o relacionamento que tinham fosse realmente forte, como acreditava que era, sairiam daquela história mais unidas que antes e, talvez, pudessem fazer planos para um futuro juntas. Embora soubesse que se encontrava em desvantagem naquele triângulo. Afinal, a história daquelas era antiga e muito forte, mesmo que Vanessa continuasse se esforçando por negar o que seus olhos não eram capazes de esconder. 

O que era mais estranho é que começava a perceber que Diana também exercia um certo fascínio sobre si. Contudo, por motivos bem distintos dos de Vanessa. Claro que a achava bonita e atraente, mas era aquela personalidade pitoresca que a fascinava. E, depois do que houve naquela cafeteria e a breve conversa que tiveram no banheiro do posto de gasolina, começava a confiar nela. Achava o fato engraçado por se tratar de alguém cuja profissão era mentir e roubar.

Também era algo raro, visto que Cristina não costumava acreditar nas pessoas facilmente. Era necessário muito tempo e esforço para conseguir algum crédito consigo.

Ela balançou a cabeça, descrente consigo mesma. Ocultou um sorriso incomodado, escorregando os dedos pelo nariz. Apertou a ponta deste por um segundo, então desviou a atenção para o zíper da jaqueta.

— Bom, imagino que para um lugar seguro — Diana respondeu, fatigada.

A noite se aproximava rapidamente, ajudada pelas nuvens negras no horizonte. Ela atirou os óculos escuros sobre o painel, deslizando os dedos sobre os olhos rapidamente. Tinha colocado algumas centenas de quilômetros entre elas e os perseguidores, mas ainda não era o suficiente.

— Você imagina?! — Vanessa perguntou, desconfiada. — Achei que tivesse tudo planejado.

Os ombros da motorista subiram e desceram rapidamente, antes dela pressionar os lábios um contra o outro em um gesto de confusão.

— Eu tinha. — Revelou. — Porém, tive de mudar os planos depois do que aconteceu mais cedo.

Ela deslizou uma das mãos pela testa, jogando alguns fios que lhe caíam sobre os olhos para trás.

— Iríamos encontrar alguém naquela cidade, que nos levaria para um bom esconderijo na cidade vizinha. Depois disso, essa pessoa se encarregaria de transportá-las para o sul do país, onde ficariam em segurança até essa história com Aquiles acabar. Mas aqueles imbecis gananciosos colocaram o plano a perder. Então, estou improvisando.

— Que ótimo! — Vanessa ironizou, escondendo o rosto entre as mãos por um momento. — E onde fica esse novo “lugar seguro”?

A verdade era que Diana não sabia. Sendo assim, ela permaneceu em silêncio. O fato era que nenhum lugar seria efetivamente seguro enquanto Aquiles vivesse.

O último ano de sua vida fora desgastante. Diana conseguia se ocultar com facilidade, porém nunca ficava mais de duas semanas no mesmo lugar. E a tensão de estar sempre olhando sobre o ombro minava suas forças aos poucos. No entanto, permanecia firme em seu objetivo de se vingar do ex-chefe.

Mas sabia, nada do que fizesse seria suficiente para pagar o que ele lhe tirou.

Ela reduziu a velocidade gradativamente até estacionar no acostamento. A chuva tinha cessado alguns quilômetros atrás. Apoiou a testa no volante, tomada pelo mal-estar, entretanto logo livrou-se do cinto de segurança e saiu do carro apressada para despejar o conteúdo do estômago no asfalto.

Vanessa a seguiu e prendeu seus cabelos, amparando-a até que não houvesse mais nada para vomitar. Aquele gesto a atirou nas lembranças dos meses que antecederam a “morte” de Diana, quando o pai dela definhava no leito de um hospital. Diana o amparou daquela forma um sem número de vezes, fingindo ser forte na sua presença e se desmanchando em lágrimas nos braços da então namorada quando ficavam a sós.

Cristina acompanhou a cena com um suspiro longo. Quando fez o curativo dela, havia notado a temperatura ligeiramente elevada e a cor arroxeada do ferimento, no entanto, como Diana não demonstrou nenhum outro desconforto além da dor, pensou que estava tudo bem. Ajudou a ladra a ficar de pé, afastando-a do contato de Vanessa.

— Você não está bem — disse, apoiando-a no carro.

Diana tentou sorrir. Agora que tinha vomitado, sentia-se pior do que antes. A adrenalina da fuga lhe permitira guiá-las até ali, ignorando suas dores e a febre que a consumia, graças aquele corte que não parava de sangrar.

— Eu vou ficar bem. Aquele café horrível do posto de gasolina deve ter me feito mal — resmungou e tentou se livrar das mãos dela, sem sucesso. Cristina a empurrou para o banco traseiro sem esforço.

— Você vai é ficar quieta! — Passou a mão na testa dela. — Está queimando de febre.

A empurrou mais para dentro do carro e entrou, fechando a porta, enquanto Vanessa sentava no banco do motorista, observando-as com ar preocupado, embora tentasse fingir o contrário. Cristina ergueu a camiseta de Diana e se deparou com o curativo encharcado de sangue.

— Acho que está infeccionada. — Constatou.

— Estou bem. — A ladra tentou se afastar, mas Cristina lhe deu um safanão, se apossou da mochila, que estava jogada no piso do veículo, e começou a retirar o curativo usado para fazer um novo.

— É teimosa feito uma mula. Sempre foi! — Reclamou Vanessa. — Você precisa de um médico!

O deboche na risada de Diana a enfureceu ainda mais.

— Claro que preciso! Também podemos lançar foguetes anunciando nossa localização para os capangas de Aquiles e todos os outros que estão loucos para faturar alguns milhões com a nossa captura. — Empurrou Cristina. — Temos que continuar!

Vanessa bufou, mordendo a língua para não falar uma quantidade absurda de palavrões. Ligou o carro e acelerou, colocando-o na estrada outra vez.

— Está na hora de alguém que fez autoescola de verdade, dirigir. Você precisa de um pouco de descanso, então me diga para onde vamos!

Contrariada, Diana lhe deu as instruções que pediu e permitiu que Cristina continuasse sua tarefa.

 

***

 

Jorge encerrou a ligação fazendo um muxoxo e se juntou aos companheiros, que estavam encostados no carro que roubaram, uma hora antes.

— O que o cara disse? — Damião indagou ao vê-lo se aproximar.

Ele cuspiu no chão, fazendo uma tentativa de careta, mas tudo que conseguiu foi sentir mais dor. O nariz estava quebrado, tinha certeza disso. Encarou seu reflexo no vidro da janela do carona, com uma sensação de asco e passou a mão no rosto.

— Vinte mil. Foi tudo que consegui pela informação. O cara alegou que ela já deve estar longe daqui e a pista já terá esfriado quando chegarem.

Damião coçou o queixo, pensativo.

— Vinte mil é melhor que nada — reconheceu.

— É uma miséria, comparado aos dois milhões que ganharíamos! — Chutou o pneu do carro.

Uma camada grossa de lama cobria seus sapatos. Depois que Diana fugiu com seu carro, a polícia apareceu e tiveram de se esconder em um prédio abandonado por algumas horas. Roubaram o primeiro carro que encontraram pelo caminho. Agora, estavam em um posto de gasolina, na saída da cidade, onde pararam para abastecer e ligar para o número atrás da foto de Diana que Aquiles distribuiu para todas as organizações criminosas com as quais tinha contato.

O celular de Túlio tocou e ele se afastou para atender, tomando cuidado para que Tito, a pessoa do outro lado da linha, não ouvisse o ataque de fúria de Jorge que chutava sucessivamente o pneu do carro, pronunciando palavras de baixo calão.

— Era o Tito — informou, regressando para junto dos companheiros alguns minutos depois. — Estava uma fera porque ainda não retornamos. — Se voltou para Damião. — E ainda mais furioso porque você não atendeu as ligações dele.

Damião se empertigou, passando a mão no bolso à procura do celular.

— Que droga! — Exclamou.

— Cara, não vai me dizer que perdeu! Tito vai querer comer o teu fígado. Já estamos encrencados por essa demora… Tive de inventar uma desculpa safada para escapar das perguntas dele e vai ser pior quando voltarmos sem o carro.

Damião aguardou, paciente, que ele terminasse de falar e sorriu.

— Por que está rindo, idiota? — Jorge indagou.

O rapaz tomou o celular de Túlio, com um sorriso ainda mais largo.

— Estou rindo porque esqueci o celular, no modo silencioso, no porta-luvas do carro e, agora, podemos usar o GPS para encontrar a “nossa” garota!

 

***

 

Cristina reduziu a velocidade do carro, entrando em uma estrada de terra vermelha. Tinha assumido o volante meia hora antes para que Vanessa pudesse descansar.

— Tem certeza? — Questionou à Diana que agora ocupava o banco do carona, oscilando entre momentos de sono febril e de alerta.

— Sim — respondeu, desperta.

A febre tinha diminuído graças a uma parada rápida em uma farmácia, um pouco de lábia, um maço de notas de cem reais e um farmacêutico ganancioso de uma cidadezinha à beira da estrada.

Não era a melhor das soluções, mas teria de servir, por enquanto.

— Ótimo! — Vanessa exclamou quando o carro afundou em uma poça de lama, mas seguiu sem qualquer dificuldade. — Estamos indo para o meio do nada! Pretende nos esconder em uma caverna? Embaixo de uma pedra, talvez?

A ladra escondeu um sorriso com uma tossida e fungou, enquanto respondia:

— Só achei que um pouco de ar puro ajudaria a diminuir um pouco desse seu mau humor.

Cristina afundou o pé no acelerador, segurando o volante com firmeza. A estrada estava praticamente abandonada. Em alguns momentos teve que adivinhar onde ela continuava, já que a vegetação a escondia. Contudo, seguiram sem maiores problemas e chegaram ao seu destino meia hora depois.

Aliviada por poder esticar as pernas, Vanessa desceu do carro assim que a namorada estacionou. Seu pé afundou alguns centímetros na lama, tornando seu humor mais azedo. Estavam cercadas por mato alto e tudo que podiam enxergar era o início de uma estradinha de pedras no meio dele. Diana tirou uma lanterna minúscula da mochila, que parecia ter de tudo um pouco, e também saiu do carro.

Ela se encostou no carro, fingindo analisar o local quando, na verdade, estava esperando a tontura passar. Quando o motor foi desligado, a escuridão as envolveu e tudo que o viam era o brilho dos vagalumes e algumas estrelas.

— Onde estamos? — A voz de Cristina soou rouca. Assim como a namorada, estava aliviada por poder esticar os músculos.

A luz da lanterna se fez presente, deslizando pela superfície do mato até alcançar o início da estradinha.

— No lugar seguro, — Diana respondeu, torcendo para que fosse mesmo — eu acho.

Vanessa se voltou na sua direção, dando passos desequilibrados na lama.

— Você acha?! — Escorregou e ela a amparou, satisfeita por sentir um pouco do calor do seu corpo, então a liberou sem demoras quando foi empurrada.

— Nunca estive aqui — revelou a caminho da estradinha. O mato molhado farfalhava à sua passagem e o casal a seguiu de perto.

— Então, como sabe que é seguro? — Cristina quis saber.

Diana se voltou para fitá-las, deixando que um pouco da luz lhes atingisse a face. Ainda se sentia muito mal, mas esforçava-se para parecer melhor. A sobrevivência delas dependia disso.

— Porque ele era há alguns anos atrás e, espero, que ainda seja.

Depararam-se com uma porteira, a qual saltaram sem dificuldade e continuaram seu caminho.

— Sequestradas, “traficadas”, perseguidas, fugindo em carros roubados e, agora, invasão de propriedade. Me pergunto o que vem a seguir — Vanessa comentou, azeda.

Diana riu e a luz da lanterna oscilou.

— Ainda estou cogitando os assassinos de aluguel que comentou no barco — respondeu, ouvindo-a bufar de raiva. — Não é invasão de propriedade se conheço a dona.

— Que gentilmente nos deu permissão para pular a cerca — ironizou Cristina.

— Sério, há quanto tempo vocês não transam? Toda essa tensão só pode ser falta de sexo — ela soltou, fugindo de uma possível retaliação física por parte de Vanessa.

— Como você é inconveniente!

— Você costumava gostar disso — lembrou, encerrando a caminhada.

A luz da lanterna atingiu as paredes brancas e descascadas de uma casa. Era pequena e cercada por um alpendre, onde alguns jarros de plantas, há muito mortas, repousavam junto à parede.

Diana subiu os dois degraus que a separavam da porta. Passou o olhar pelos vasos de plantas, buscando a informação na memória. Havia muito tempo que não pensava sobre aquele lugar. Pretendia levá-las na direção oposta a que seguiram, contudo imaginou que seria mais difícil se esconder dos olhos de Aquiles em uma cidade maior, onde a criminalidade era mais presente.

— Hmm… Acho que é o terceiro… — sussurrou para si e entregou a lanterna para Cristina, que a seguia de perto, atenta a todos os seus movimentos. Tinha percebido o esforço que fazia para se manter de pé e antecipava a possibilidade de um desmaio.

Caminhou até um vaso menor, o ergueu e sorriu ao ver a chave.

— Para quem nunca esteve aqui, até que você parece saber muito sobre este lugar — deu espaço para que ela pudesse abrir a porta, cujas dobradiças enferrujadas reclamaram ao serem utilizadas após tantos anos inertes.

Diana testou o interruptor ao lado do umbral, mas nada ocorreu.

— Nem tudo pode ser perfeito — suspirou e entrou.

 Cristina vagou a luz da lanterna pelo cômodo, revelando uma sala pequena, decorada com poucos móveis em estilo rústico. Uma das paredes era ocupada por uma estante repleta de livros, enquanto as outras eram adornadas por fotografias de pessoas e lugares estranhos.

— É a cara dela — Diana comentou para si mesma.

Cristina foi até a lareira no canto da sala e jogou alguns pedaços da madeira, que estava empilhada ao seu lado, nela. Em poucos minutos, as chamas iluminaram o ambiente, aquecendo-o amigavelmente. Então, Vanessa puxou o plástico que cobria um dos sofás, levantando uma pequena nuvem de poeira. Espirrou algumas vezes e se jogou nele, assistindo a namorada circular pelo lugar, curiosa.

Diana, por sua vez, se dirigiu para a cozinha e retornou minutos depois com uma garrafa de vinho nas mãos. Tinha um sorriso maroto nos lábios e olhava para tudo com interesse desmedido. Finalmente, pôde conhecer aquele lugar, embora não fosse daquela maneira que imaginou.

— Tem comida na dispensa, mas acho que a maior parte está fora do prazo de validade. Pelo menos, temos vinho — deu um beijinho na garrafa. — Isso nunca fica velho o bastante!

— Há algumas horas, mal podia manter o café da manhã no estômago e, agora, quer se embriagar! — Observou Vanessa, incrédula.

— Você mal consegue ficar de pé! — Cristina completou.

Diana balançou os ombros.

— Encarem desta forma: ficarei bem quietinha e repousarei várias horas após algumas taças desta belezinha.

Cristina escondeu um sorriso, virando o rosto para o lado. Aquela mulher era mesmo uma figura. Todavia ainda se dividia entre a vontade de jogá-la, de vez, para longe de suas vidas e o desejo de conhecê-la melhor e descobrir o que a fazia tão especial para Vanessa amá-la tanto quanto seus olhos demonstravam.

Aproximou-se dela e lhe tomou a garrafa.

— Está bem, Gasparzinho! Acho que também precisamos de um gole disso — pegou a lanterna e retornou, minutos depois, com três taças. Tinha revirado algumas gavetas e encontrou velas, as quais acendeu e distribuiu entre os cômodos, diminuindo a obscuridade do lugar.

Só então, encheu as taças e sentou-se ao lado de Vanessa, enquanto Diana afundava em uma poltrona.

— De quem é este lugar? Se nunca veio aqui, como sabia onde estavam as chaves e o vinho?

A ladra escorregou pelo encosto, saboreando a bebida. Encontrava-se cansada demais para conversar, voltando a sentir a letargia da febre. Enxugou o suor da testa com as costas da mão. De repente, o lugar lhe pareceu terrivelmente quente, mas as outras duas aparentavam não se incomodar.

— Ela me disse, certa vez, que vinha aqui para se esconder do mundo e conversar consigo mesma. Na última vez em que nos vimos, falou que, se precisasse ficar longe do mundo por um tempo, poderia vir para cá.

Sorriu, deixando a saudade lhe tomar a face.

— Isso foi há três anos — afundou mais na poltrona.

Vanessa se empertigou ao lado de Cristina.

— Era dela, não é? Este lugar era da loira naquela foto.

Diana ficou satisfeita com a nota de ciúmes na voz dela, que Cristina também notou com um nó a se formar na garganta.

— Carla. Era assim que se chamava. E, respondendo à pergunta que me fez mais cedo, não foi por ela que forjei minha morte — se colocou de pé, dando passos arrastados até a porta, ainda aberta. — Se fosse para ficar com outra, tudo que tinha a fazer era terminar nosso namoro.

Fungou, emborcando todo vinho garganta abaixo.

— Ah, como sinto falta dela. Uma loira de verdade! Sem ofensas “Cristie”, o seu cabeleireiro é ótimo, mas… — escondeu um sorriso com a taça e Cristina deu de ombros. Não se ofendia com aquele tipo de comentário.

— Vocês eram… — Vanessa continuou, mas interrompeu-se. Não sabia se queria mesmo ouvir a resposta, embora já tivesse certeza de que era positiva. No entanto, Diana respondeu:

— Fomos muitas coisas uma para a outra. Empregadora e prestadora de serviços, amantes, — notou o modo como os lábios dela se comprimiram com um friozinho a lhe tomar a barriga — namoradas, amigas… No fim, éramos uma família.

Apoiou-se na parede, admirando o fundo da taça vazia.

— Como ela morreu? — Cristina quis saber. A voz dela soou baixa e seus olhos estavam presos às chamas da lareira.

— Como uma mulher livre, feliz e apaixonada! Carla Maciel, uma das criminosas mais temidas do país, encontrou a morte ao lado da mulher que amava. E, embora isso possa lhes parecer triste por se tratar de um final violento, ouso dizer que ela realizou seu maior sonho — depositou o olhar em Vanessa que limpou a garganta para afastar os ciúmes que a consumiam pelo modo apaixonado com que falava sobre a ex. — Ah, não se preocupe, Van. Carla chegou bem perto, mas você ainda é a dona do meu coração — sorriu, recebendo o calor do ódio nos olhos de Cristina. — Relaxa, “Cristie”, o que te falei era sério! O que não significa que não posso falar sobre o que sinto.

Se espreguiçou e todos os músculos do seu corpo doeram. O vento brincou com seus cabelos por um instante e se pegou pensando que se tivesse aceitado o convite de Carla para partir com ela e Carolina, três anos antes, não estaria vivendo aquela situação. Vanessa estaria segura e feliz.

Mas sempre cumpriu suas promessas. Fez um acordo com Aquiles e o cumpriria até o fim. Mesmo Carla tendo lhe alertado para a possibilidade de uma traição da parte dele, agarrou-se à sua honra e continuou roubando, mentindo e enganando para ele.

Na mesma via, se tivesse lhe tirado a vida quando teve a oportunidade em Madri, poderia estar a quilômetros dali, “vivendo” de sol e água fresca na beira do mar.

Enfastiada, ergueu um dedo e apontou para a porta ao lado da estante de livros, que tomava toda a parede.

— É um quarto. Podem ficar com ele. O sofá está de bom tamanho para mim.

Satisfeita com o arranjo, Cristina ficou de pé e Vanessa a acompanhou.

— Você ficará bem? — A morena indagou, se aproximando. Preferia ignorar a declaração que ela lhe fizera e aquele princípio de alegria que ameaçava tomá-la. Não podia esquecer a traição, as mentiras e a dor que ela lhe causou.

— O vinho que tomei diz que sim — fez um gesto para que saíssem. — Descansem. Amanhã tomarei providências para deixá-las completamente seguras.

— E depois? — Vanessa insistiu, já imaginando a resposta.

Diana se voltou para fitá-la, deixando um dos seus sorrisos marcantes vir aos lábios. Contudo, aquele era diferente, assim como o brilho em seu olhar. Ódio preenchia as pupilas castanhas e desfigurava sua bela face.

— Irei resolver minhas diferenças com Aquiles, de uma vez por todas e sairei da vida de vocês para sempre.

 

***

 

Ainda era madrugada e o dia se aproximava. Diana, incapaz de dormir com tantos pensamentos a rondar sua mente, buscou abrigo sob as estrelas. Sentou no último degrau da varanda com o rosto voltado para o céu. A fraca luz que vinha do interior da residência projetava uma sombra disforme alguns metros adiante.

Girava o celular nas mãos, ainda decidindo se deveria fazer uma ligação para o único número gravado na memória. Aquela poderia ser sua única chance de deixar Vanessa e Cristina em segurança e longe do alcance de Aquiles, mas fazer isso também implicava em envolver outras pessoas que lhe eram especiais e arrastá-las para um submundo do qual fugiram.

Ainda pensava a respeito quando percebeu que era observada por outra pessoa e o vento lhe trouxe o perfume de Vanessa.

— Você acha que teria dado certo? — Perguntou-lhe.

Surpresa por sua presença ter sido detectada tão rapidamente, Vanessa se aproximou. Tinha tentado dormir, mas tudo que conseguiu foi tirar alguns cochilos. Fechava os olhos e enxergava o rosto de Diana, a menina que lhe roubou o coração quando ainda era jovem demais para entender o amor. Os abria e a mente a remetia para a mulher deitada no sofá da sala, que possuía as mesmas feições, mas era uma completa estranha.

Por fim, acabou levantando. Passou um longo tempo admirando o sono da namorada, cujo semblante aparentava tranquilidade, mas os lábios ligeiramente crispados fizeram com que se perguntasse que tipo de sonho a atormentava.

Sabia muito bem a resposta e angustiava-se por isso.

Via no olhar dela a dúvida e o medo de perdê-la. Sofria por fazê-la sofrer. Ela estava certa quanto ao amor que gritava em seu peito sempre que seu olhar cruzava com o de Diana.

Era quase selvagem.

No entanto, não atirava palavras ao vento quando dizia que a amava também. Embora o amor que lhe dedicava fosse calmo e doce. Mas nem por isso, menos forte.

— O quê? — Indagou de volta.

— Nós. — Diana respondeu, sorrindo para a noite.

Apesar da confusão em que estavam metidas, sentia-se feliz. Pelo menos, Vanessa a enxergava, falava com ela, sabia da sua existência.

— Sempre me perguntei como teria sido se eu não tivesse escolhido partir.

Vanessa chegou mais perto e sentou ao seu lado. Tentava enxergar seu semblante, mas estava muito escuro.

 

 

 

 

 

— Acho que teríamos sido felizes — respondeu triste.

— Gosto de pensar que sim. Sonho com isso, às vezes.

Voltou-se para olhá-la e a fraca luz que vinha do interior da casa permitiu que Vanessa enxergasse a tristeza em sua alma. Era a menina que a fitava, a mesma que lhe roubou um beijo embaixo de uma escada.

— Você escolheu isso — acusou, afastando aquela doce lembrança.

O vento soprou mais forte, trazendo a harmonia das árvores para seus ouvidos. No horizonte, o sol começava a levantar-se. Seus ombros tocavam-se levemente e nenhuma das duas fez questão de afastar-se.

— Acredite, não foi uma escolha fácil. Mas posso afirmar que foi por amor.

Revoltada com essa declaração, Vanessa se pôs de pé e recuou um passo.

— Amor?! Amor a quem? A si mesma? O que te faltava na nossa vida?

Diana a imitou, ficando de pé também.

— Amor a você — respondeu com parte da verdade, após um momento de silêncio em que Vanessa cogitou partir, diante da raiva que aquela conversa lhe inspirava.

Ela ergueu a mão para impedi-la de falar.

— Eu sei! Como acreditar? — Afastou o olhar para o horizonte, a noite abandonava o local, permitindo que divisasse as formas das copas das árvores e da canoa atracada no pequeno embarcadouro do lago que ficava a alguns metros da casa. A noite cerrada não tinha lhes permitido visualizá-lo quando chegaram. — Não quero que acredite, não peço isso. Esta é apenas a minha verdade.

— Dane-se! — A morena gritou. — Dane-se você e a droga da sua verdade! Você me destruiu para dar a volta ao mundo roubando! Que tipo de amor é esse?

— Não. Eu fiz a escolha mais dif…

Engoliu as palavras ao sentir a arma pressionando sua coluna.

— Olha só o que achamos! — Disse Jorge, ao seu ouvido e, como da vez anterior, Diana girou o corpo e acertou-lhe uma cotovelada no rosto. Ele recuou alguns passos, deixando um gemido colérico escapar.

Vanessa tentou recuar para o interior da casa, mas Túlio a bloqueou, então correu para a lateral e Diana tomou sua mão, puxando-a para fora do caminho de Damião que lhe fechava a passagem. 

Desperta pela ausência do corpo da namorada, Cristina saiu do quarto a tempo de ver Vanessa escapar de Túlio. Se apossou da arma que Diana tinha deixado jogada sobre o sofá e correu para ajudá-las. Túlio se afastava em direção as duas mulheres, quando percebeu seu movimento, ocultou-se ao lado da porta e a golpeou. Todavia, Cristina conseguiu desviar quando cruzou o umbral.

Ela se curvou para trás puxando o braço de Túlio contra a parede e ouviu o estalar do osso. O capanga berrou, enfiando o pé por trás do dela e retirando seu ponto de apoio. Cristina caiu, e Túlio a chutou no rosto e depois nas costelas. A arma escapuliu das suas mãos e o capanga jogou o corpo sobre o dela, que bateu a cabeça no chão.

O sangue escorria pela testa dela, enquanto Túlio recuperava a sua arma e a mantinha presa ao chão, pressionando o pé em suas costas e o cano da pistola em sua nuca. Com a vista embaçada pelo sangue, ela assistiu Jorge avançar para Diana como se fosse um touro e a jogar no chão.

Eles rolaram em uma luta feroz. Diana atirou areia nos olhos dele e cuspiu sangue quando recebeu um soco em resposta. Lutava com todas as suas forças para se livrar do patife, mas debilitada como estava, a ladra logo foi dominada por ele que ergueu-se desferindo chutes em suas costas e face.

Desesperada, Vanessa tentou ajudá-la, atirando-se nas costas do capanga, que a jogou no chão facilmente e se voltou para Diana. Vanessa atirou-se nas pernas dele, trazendo-o para o chão também, mas Damião a puxou para longe, erguendo-a pela cintura. Ela esperneou, arranhou e mordeu o rapaz que acabou por atirá-la ao chão novamente e não pensou duas vezes para envolver seu pescoço com as mãos.

Dominadas, Diana e Cristina assistiam, com gritos de desespero presos na garganta, a mulher que amavam perdendo a vida.

Vanessa se debatia debaixo de Damião, buscando, em vão, uma forma de escapar daquela prisão mortal. Pontos negros surgiram diante dos seus olhos e teve certeza de que encontrara o fim. As forças a abandonaram completamente e seus olhos começaram a fechar.

Então, o mundo explodiu.

 



Notas:



O que achou deste história?

9 Respostas para 10. Carla

    • Ow, Patrícia, quarta-feira vai chegar rapidinho! Tu vai ver! rs… Vou caprichar no capítulo! 😀

      Beijos!

    • Tu tb tá lendo e lembrando o a vai acontecer??
      Tá um castigo essa coisa de um cap. por semana.

    • Siiiimmmmmmm! Estava louca para reler, tava até ensaiando perguntar a Tattah se ela não ia ter pena de mim e publicava a história de novo! hahaha

      Tb tô morrendo na espera de um capítulo semanal.

    • Mas olha pelo lado bom, Preguicella, estou revisando o texto e ele anda ganhando partes novas. Esperar um pouquinho não faz mal! Né, não? rs…

      Beijos!

  1. Tattah,

    Q presente lindo, um cap. maravilhoso.
    Saco q quarta-feira tá tão longe.

    Amei… mesmoooo.

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