Caçadora

12. Cristina II

11. Cristina II
 

I

 

Miles ergueu o olhar para o céu, pedindo um pouco de paciência divina. Ao seu lado, Juan fumava. Ele falava, para variar, uma quantidade absurda de besteiras, fazendo os minutos se arrastarem como se fossem horas.

Estavam sentados dentro do carro, diante de um prédio com a fachada de tijolos vermelhos opacos. 

— Odeio esperar. — Juan comentou, em meio a uma nuvem de fumaça.

Ele falou com ar displicente, como se estivesse discutindo sobre o tempo e Miles permaneceu em silêncio, entregue a outros pensamentos. Estava louco para que aquele trabalho chegasse ao fim e pudesse, finalmente, se ver livre daquele sujeito e do desgaste da caçada à Diana.

— Então, escolheu a profissão errada. — Retrucou, limpando as lentes dos óculos de sol na camisa.

Enquanto isso, um homem careca saiu do prédio e caminhou até eles, lançando olhares desconfiados para a rua. Miles saiu do carro, voltando a colocar os óculos.

— É tudo o que temos — disse o sujeito careca, oferecendo um envelope pardo para ele.

Desconfortável, o sujeito soltou um sorriso sem graça para uma mulher que passou por eles, então voltou a mirar a entrada do prédio do qual saiu. Explicou, apontando para o envelope:

— Aí tem um levantamento de todas as câmeras de trânsito que flagraram a ação dos bandidos e a fuga da mulher que eles perseguiam. — Fez uma pausa para coçar a barbicha rala e riu. — Acredita que ela se disfarçou e roubou as chaves do carro dos caras? 

Miles não respondeu. Em vez disso, entregou outro envelope para ele, que o abriu apenas para confirmar que estava recheado de dinheiro.

— Você fez o que combinamos?

O careca balançou a cabeça, afirmativamente. Contou:

— Durante a madrugada, houve uma pane no sistema. Um vírus corrompeu nosso banco de dados. Imagens da semana inteira foram perdidas. Infelizmente, — riu — não temos mais como identificar os protagonistas daquele incidente e as imagens que a imprensa liberou não possuem muita qualidade… — encolheu os ombros, aparentando consternação, e o capanga sorriu enquanto regressava para o carro.

 

II

 

Diana estava sentada na beirada do pequeno ancoradouro no lago. O sol forte do início da tarde castigava a pele dourada, enquanto ela deslizava a ponta dos pés na superfície da água.

Soltou um suspiro lento, afundando o pé completamente no lago. Ela sempre encontrava clareza e paz na água. Todavia, não era assim que se sentia naquele momento.

— Ela tem razão, sabe? — Falou, e Vanessa se perguntou como sempre notava sua presença antes que se anunciasse.

Silenciosa, juntou-se a ela. Sentou com as pernas cruzadas e deixou que um minuto se passasse antes de perguntar:

— No quê?

Um sorriso amargo apareceu nos lábios da ex-namorada, enquanto respondia:

— Sou uma idiota e você quase morreu por isso, hoje.

O vento forte soprava seus cabelos, dando-lhe um aspecto juvenil. Pelo que se lembrava, Vanessa nunca a vira com olhar tão perdido, nem mesmo durante a doença que acabou tomando a vida do pai.

— Nós três quase morremos — retrucou, afundando os pés na água, também.

Naquela manhã, tinha experimentado diferentes tipos de medo. Medo por si, por Cristina e medo de perder Diana, outra vez. Mesmo que não conseguisse dizer aquilo em voz alta, nem desejasse admití-lo, era a verdade do seu coração.

Apesar de toda a confusão, das incertezas, da raiva, das mentiras, lá no fundo, estava feliz por tê-la de volta. Observadora, Cristina o tinha notado rapidamente, porém continuou a insistir no contrário. Em parte, porque não queria magoá-la e, também, porque não queria se magoar.

Soprou o ar, ainda envolta na aura de confusão e medo que a tomou pela manhã. Por sobre o ombro, fitou a casa. Passou algum tempo assim, admirando a mancha escura na parede, junto à porta. Após uma boa quantidade de água e sabão, Carla conseguiu se livrar do sangue nela, porém aquela mancha permaneceu. E ainda que não tivesse mais a cor vermelha, era assim que Vanessa a enxergava.

Enquanto se voltava para o lago, seu olhar resvalou pela janela da cozinha. Carla não estava mais à vista, porém conseguia sentir a presença dela, quase de uma forma sufocante. O fato era que não confiava naquela mulher, de beleza gritante e olhar gélido, mesmo ela tendo salvo suas vidas. Imaginava, a cada vez que o azul do olhos dela pousava sobre si, que não demoraria para que ela pegasse a arma e matasse a todas com a mesma expressão doentia que tirou a vida dos homens que as atacaram.

Entretanto, Diana confiava nela, a admirava, e se tornava uma mulher diferente quando estavam juntas. Era como se, na presença de Carla, ela pudesse relaxar e abandonar as muitas faces sob as quais se escondia.

E, por mais que Vanessa não quisesse admitir, parte da sua desconfiança em relação à Carla, vinha dos ciúmes que sentia sempre que Diana a olhava ou tocava de forma carinhosa.

— A culpa é toda minha. — Diana continuou.

— É claro que é! Se não tivesse escolhido essa vida de crimes…

Os lábios rosados da ladra se curvaram, em desagrado, e continuou a falar, desprezando suas palavras.

— Tive a oportunidade de pôr um fim nisso, há um ano. Se tivesse seguido adiante, não estaríamos aqui e você nunca saberia a verdade sobre mim. — Chutou a água e gotas espirraram nas pernas da morena. — Às vezes, gostaria de ser mais como Carla.

— Uma assassina fria e calculista? — Vanessa não podia acreditar que tinha ouvido isso, muito menos imaginá-la tirando uma vida, mesmo sabendo que era uma criminosa e conhecendo o tipo de gente com a qual convivia.

A ex-namorada franziu o cenho, ante o jeito inflamado com o qual ela fez a pergunta.

— Não uma assassina, mas sim, alguém que está disposto a fazer o que é necessário para proteger as pessoas que ama e, se isso incluir tirar uma vida, ir adiante sem remorsos. — Respondeu.

— Isso é inconcebível! — Vanessa agitou-se.

Diana ergueu a face para o sol e a manteve assim, por alguns instantes, enquanto perguntava:

— Por quê? Somos todos animais, Van. Isso, Carla me ensinou, há muito tempo. Escolhemos sempre viver, mesmo que isso implique em tirar a vida de outro.

Os lábios dela se apertaram. Falava com um sorriso suave, mesmo o assunto sendo tão indigesto.

— Se tivesse conseguido me libertar e alcançado uma arma, naquele momento, os teria matado por você. — Declarou, observando o horror nas feições de Vanessa ganhar som:

— É insano!

— É um fato. — Afirmou, tranquila. — Teria matado alguém por você. Teria derramado sangue alheio, como nunca fiz antes, como não tive coragem de fazer um ano atrás, quando me encontrei com a vida de Aquiles em minhas mãos.

Girou o corpo, ficando de frente para Vanessa.

— Eu morri para que você pudesse viver em paz e segurança; e mataria para que continuasse assim.

— Isso não tem o menor sentido, Diana! Você fala como se fosse algum tipo de super-heroína, como se seus atos hediondos e mesquinhos fossem nobres! Você só fugiu da sua vida e do nosso relacionamento. Não há nada de nobre nisso. 

Diana expulsou o ar dos pulmões, mirando a superfície da água. Passou um minuto assim, antes de voltar a encará-la.

— Por favor, seja sincera, Van. Se eu tivesse pedido que fosse embora comigo, há onze anos, teria ido?

O vento forte gerou pequenas ondulações na água e Vanessa encarou seu próprio reflexo nela, cogitando desprezar a pergunta e partir, sem ânimo para continuar se esforçando para manter aquele diálogo. Ficou de pé e Diana a imitou, aguardando a resposta com ansiedade, enquanto prendia a mão dela entre as suas, causando-lhe um arrepio suave e prazeroso.

— Não pensaria duas vezes para seguí-la — Vanessa decidiu-se por ser sincera e viu o semblante dela se tornar triste.

— Então, mesmo que continue me odiando pelo resto da sua vida, continuarei pensando que “morrer” foi o certo a fazer.

Contrariada, Vanessa puxou a mão, ganhando sua liberdade. Como Diana podia ser tão estúpida?!

— Você é um filha da mãe! Foda-se, Diana! Vá para o inferno, você e toda essa merda que a persegue! E leve aquela loira assustadora junto! — A empurrou, impulsionada pela raiva.

Diana afundou na água e Vanessa começou a se afastar, mas voltou-se quando percebeu que ela não retornou à superfície. Esperou mais alguns segundos e nada dela aparecer.

O que estava pensando? Diana mal conseguia se manter de pé, pela manhã. Lívida de medo, jogou-se no lago à procura dela, para descobrir que a água mal chegava até a cintura e ouvir a risada da ex-namorada debaixo do ancoradouro.

Virou-se para fitá-la, incrédula. Sua face passou do terror para o alívio e, depois, raiva.

— Sabe de uma coisa, Van? Gosto dessa sua versão malvada! É terrivelmente sexy!

— Idiota! Quase me matou de susto! — Aproximou-se devagar, os pés afundando na lama do fundo.

Diana lhe estendeu a mão, porém a rejeitou para aceitá-la no instante seguinte, quando tropeçou em algo.

— Não é para tanto, foi divertido! — Disse-lhe a ex, com um sorriso travesso.

— Como você consegue? — Vanessa soltou a mão dela, ficando a poucos centímetros do seu corpo.

A morena agarrava-se a raiva para não devorar sua figura com os olhos. A tensão do momento ainda estava presente, todavia era difícil ignorar a água que escorria sensualmente pela pele bronzeada, evidenciando as curvas do corpo torneado.

Era quase como se uma lembrança estivesse ganhando formas à sua frente. Contudo, naquela memória, em vez de água até a cintura e um ancoradouro, elas estavam embaixo de uma árvore, tentando fugir da chuva forte e repentina. Vanessa quase pôde sentir o mesmo frio na barriga e o tremor nos lábios quando reuniu coragem para pedir Diana em namoro. Foi com um sorriso parecido com aquele, que ela a respondeu com um “sim”.

— O quê? — Diana perguntou e a lembrança dissipou, deixando apenas a raiva.

— Como você consegue ser tão idiota! — Vanessa rosnou.

— Acreditaria se eu dissesse que é você quem causa esse efeito?

A morena fez uma careta.

— Engraçadinha! Comigo você banca a idiota e com a loira pistoleira se derrete!

— Ciuminho? — Diana sorriu, divertida com o rumo que a conversa tomava.

Vanessa fugiu do seu olhar, mordiscando os lábios para não admitir que era isso mesmo, estava morrendo de ciúmes. Acabou por observar o caminho que a água traçava no corpo da ex. A camiseta branca, que ela usava, revelava as formas do sutiã e a tinta escura da tatuagem na altura das costelas, onde a forma de uma flecha, uma meia lua e a cabeça de um cervo, uniam-se em um intrincado desenho.

Sem perceber, ela ergueu a camiseta dela. Seus dedos deslizaram pela pele arrepiada com o seu toque, até encontrarem o desenho que fizera treze anos antes, após Diana lhe contar que seu nome vinha da versão romana da deusa grega Ártemis. Ela tinha brincado, dizendo que Vanessa precisava venerá-la e, como uma piada, a moça a presenteou com aquele desenho. A então namorada ficou encantada com o regalo e disse que iria tatuá-lo, mas durante o tempo em que permaneceram juntas, não o fez.

Notando o quanto estavam próximas, Vanessa tentou recuar, mas, em vez disso, se aproximou mais. Olhava-a fundo nos olhos.

— Qual o seu lance com ela? — Perguntou, em vez de dizer o que realmente queria; que sentiu saudades, que nunca a esqueceu, que ainda a amava.

A ladra assumiu um semblante suave, a pele ardendo ao seu toque.

— Sabe quando você encontra alguém que, com apenas um olhar, te entende? Alguém que é capaz de amainar seus medos e dores com um sorriso ou a simples presença? Alguém que sempre estará lá por você, mesmo que não concorde com suas decisões? Alguém cuja amizade é tão pura e forte que poderia, muito bem, se tornar um grande amor?

A morena engoliu em seco. Balançou a cabeça, devagar, admitindo que compreendia e sentiu-se sufocada pelo ciúme.

— Esse é o nosso lance. Somos isso, e muito mais. — Diana sorriu sem pressa. — Carla foi a única pessoa por quem me apaixonei, depois de você. Eu quis muito que ela se tornasse o meu “tudo” e ela também se esforçou para me ver assim. Contudo, não é possível enganar ou forçar o coração, certo?

Pousou a mão sobre a de Vanessa, deixando à tona uma expressão serena.

— Ela amava alguém além de mim, assim como eu amava e ainda amo você.

Aquela confissão roubou o ar de Vanessa, por alguns segundos. Diana sorria, os lábios curvados em um arco singelo, sem imaginar o quão poderosas e devastadoras eram suas palavras.

— Eu te odeio — disse a professora, hipnotizada por aqueles olhos, com os quais sonhou todas as noites, por onze anos. Eram como imãs atraindo-a para mais perto, tornando-a uma prisioneira das vontades de Diana, quando suas bocas se encontraram.

A doçura e maciez dos lábios rosados e úmidos, lhe trouxeram lembranças felizes. Ondas de emoção percorreram cada centímetro do seu corpo, e abriu os lábios, lhe dando permissão para explorar sua boca carinhosa e ardentemente.

Era como se nunca tivessem estado longe, como se entre o último beijo que trocaram, onze anos antes, e aquele, não houvesse nada. Vanessa a puxou para mais perto, ávida por um contato mais estreito e a abraçou forte. A saudade tomava espaço, desejando ser apagada.

O beijo chegou ao fim suavemente, assim como tinha começado. No entanto, um longo minuto se passou, enquanto estiveram presas em seus olhares. Vanessa foi a primeira a se afastar, reunindo todas as suas forças para realizar tal feito. Confusa, fugiu do desejo de permanecer nos braços dela e se entregar, outra vez, de corpo e alma, esquecendo as mentiras e as dores que lhe causou.

Caminhou em direção à margem, apressada, enquanto dizia:

— É melhor você se secar. Há poucas horas estava queimando de febre.

Diana, por sua vez, estava tão feliz que atirou-se novamente na água e deu algumas braçadas vigorosas por alguns metros, contudo acabou atendendo ao clamor do corpo, cuja dor alertava para não abusar dele, e retornou para a terra firme com um sorriso largo.

Vanessa ainda a amava, mas era preferível que a odiasse. Seria mais fácil quando chegasse o momento de partir outra vez; ou pior, se Aquiles conseguisse alcançar seu objetivo.

 

***

 

Cristina acreditava que a vida tinha lhe pregado muitas peças, mas aquela era a maior delas. Não tinha palavras para descrever aquele momento, jamais as encontraria.

Quando Aquiles mostrou, ainda na mansão, uma foto de Diana acompanhada por uma loira, não deu importância, já que não era possível ver seu rosto. Porém, quando Tito fez a mesma coisa, no porto, foi diferente.

Aqueles traços eram inconfundíveis.

Ela estava diferente do que se recordava, mais velha, mais mulher, os cabelos compridos, vestia-se com requinte. Ainda assim, se apegou a ideia de que podia ser apenas alguém muito parecido. Contudo, quando ouviu Diana pronunciar o nome dela, durante a conversa que tiveram ao chegarem naquela casa, não teve mais dúvidas.

Era inacreditável que o destino a fizesse se apaixonar por uma mulher comum, que viria a ter ligações, involuntárias, com criminosas. Ainda mais inimaginável era o fato de que uma delas fosse alguém importante da sua juventude.

O passado era algo que não gostava de relembrar. Olhava sempre para a frente, para os caminhos que se apresentavam rumo ao futuro. As escolhas feitas e os erros cometidos não podiam ser apagados. Restava aprender com eles e seguir adiante.

Era assim que se sentia em relação a Carla. Nunca procurou saber o que tinha lhe acontecido, de fato. Preferia imaginar que estava em um “lugar melhor”.

Deixou-se envolver por um breve momento de alegria ao identificá-la naquela fotografia, mas quando notou que falavam dela no passado foi assaltada pela tristeza, o remorso e a saudade da menina que não desistiu dela, quando tantos outros o fizeram.

 Teve de fazer um grande esforço para mascarar seus sentimentos e afastou as lembranças do passado sombrio, com a raiva que sentia de Diana por ter ressurgido na vida de Vanessa, arrastando-as para toda aquela confusão e por, sem querer, lhe dar respostas para as perguntas que não se fazia, além de relembrá-la de um passado que apagou quando assumiu a identidade de Cristina.

— Achei que você tinha morrido naquela noite — falou, já recuperada das emoções recentes. Todavia, ainda tinha lágrimas nos olhos.

Estavam sentadas de frente uma para a outra, as mãos entrelaçadas sobre a mesa.

— De certa forma, eu morri. — Carla aumentou a pressão na mão dela. — Entretanto, não vale a pena falar sobre isso. Nós duas sobrevivemos, é o que importa.

A moça concordou com um sorriso.

— Jú, — lhe fez um carinho — não sabe o quanto estou feliz por tê-la reencontrado.

— Eu também, Maci. — Cristina a chamou pelo apelido, proveniente do sobrenome dela, Maciel.

Uma risadinha baixa escapou da loira.

— Senti saudade de ouvir você me chamar assim. Era aconchegante, se é que posso descrever dessa forma. Com efeito, neste momento, me sinto como se o tempo não tivesse passado, embora esteja olhando para uma mulher e não uma garota magricela. — Fez uma pausa, soprando o ar e explicou: — Eu não uso mais esse sobrenome, ele carrega um grande peso e muitos inimigos, também. É Carla Evans, agora.

— Como a sua mãe. — Relembrou Cristina.

— Exato. — Carla voltou a sorrir.

Os olhos de Cristina fitaram suas mãos unidas e ela inspirou fundo, afastando a emoção que tornou a lhe tomar. 

— Estou surpresa e muito feliz de saber que está viva. Por muito tempo, acreditei que tinha sido responsável pela sua morte.

— Éramos muito jovens, vivíamos nas ruas, aprendemos coisas boas e outras tantas ruins. Somos sobreviventes. — Carla declarou, tranquila. Porém, foi inevitável não se deixar envolver por algumas lembranças.

Um dar de ombros acompanhou o sorriso vacilante de Cristina.

— Você aprendeu a sobreviver, eu aprendi a me drogar com o pouco dinheiro que você ganhava, derramando seu sangue naquelas lutas clandestinas. E, depois… — ficou em silêncio por um instante, fitando o vazio — depois aprendi a fazer coisas piores e degradantes.

Tinha fugido dos abusos do pai alcoólatra, aos treze anos. Qualquer lugar era um paraíso longe dele. Aos dezessete, conhecia as ruas e seus segredos como a si mesma e os ensinou para Carla.

Quando a viu, pela primeira vez, ficou impressionada com a beleza, mas foi aquele jeito distante e olhar sério, que a fizeram se aproximar. De início, era apenas curiosidade e diversão, no entanto passou a apreciar sua companhia. Carla cuidava dela, lhe dava o que, havia anos, não recebia, carinho e amor, mesmo que de uma forma velada.

E como havia lhe retribuído? Da pior maneira possível.

Mentia, roubava seu dinheiro para se drogar e, no fim, acabou despejando a fúria de um traficante perigoso sobre ela.

— Éramos crianças, Júlia! — Carla voltou a declarar, tranquilamente.

Os lábios dela se comprimiram.

— Cristina. Meu nome é Cristina agora. Apesar de tudo que vivemos, eu nunca olhei para trás, Carla. Eu cresci, aprendi a ser uma pessoa melhor. Em parte, porque queria ser a pessoa que você via em mim. Mas o passado deve ficar no passado. Espero que me compreenda. Eu não sou a Júlia, sou Cristina.

A loira sorriu largamente, algo que raramente fazia quando vivia na criminalidade. Ela entendia bem mais do que Cristina imaginava. Por trás daquele nome, daquelas lágrimas, daquela mulher, ainda havia muita história para ser contada. Júlia ou Cristina, não interessava o nome real, assim como ela própria, tinha muito a esconder e esquecer.

— Então, Cristina, espero que me perdoe se, em alguns momentos, a enxergar como uma velha e querida amiga. Uma alma perdida, como a minha, de um passado distante.

Ela concordou, os lábios se arqueando suavemente. Carla estalou um beijo em sua bochecha, então se recostou na cadeira e riu. Um som suave, que foi aumentando gradativamente e surpreendeu Cristina que, em todos àqueles anos de convivência, nunca a tinha visto gargalhar. A acompanhou no riso, apenas pela diversão de vê-la rir, mas logo se aquietou.

— Ai, certo, certo… — Carla enxugou uma lágrima imaginária e, no instante seguinte, a face divertida e suave tinha se tornado fria e perigosa. — Agora, vamos falar sério.

As sobrancelhas de Cristina se arquearam ao vê-la mudar o tom.

— E é bom que me conte a verdade e que ela seja muito boa, porque você sabe que não lido muito bem com mentiras. Então, quem te pagou para vigiar Vanessa?

O rosto de Cristina foi do alegremente corado, pelo riso recente, ao pálido. Ela inspirou fundo, balançando a cabeça devagar até recuperar a firmeza e adquirir uma frieza semelhante à dela.

— Não estou vigiando ela.

A ex-criminosa riu, descansando o rosto na mão.

— Não, não mais. Mas estava.

Descrente com a situação em que se encontrava, Cristina vagou o olhar pelo cômodo até retornar para ela e perceber que não havia movido um músculo, enquanto avaliava sua reação.

— Como soube?

A loira fez um círculo imaginário, com a ponta do dedo, na madeira da mesa. Um dos cantos da boca elevado, com ar de superioridade. Contou:

— Há alguns anos, Diana me pediu um favor. Vanessa tinha uma ex que a perseguia.

— Mariana. — Cristina falou, demonstrando que conhecia a história. Antes de engatarem o namoro, ela e Vanessa se tornaram amigas e a morena lhe confidenciou histórias sobre esse relacionamento fracassado e a perseguição que sofreu.

— Isso. A mulher tentou matá-la e dei um jeito nisso.

Cristina exalou, escondendo as mãos trêmulas embaixo da mesa. A Carla que conheceu na adolescência também era fria e taciturna, porém não tinha aquele ar de desdém pela vida alheia que agora exibia.

— Deve ter sido um bom susto, pois, pelo o que Vanessa me disse, sempre que se esbarram na rua, Mariana foge dela como o diabo foge da cruz.

Ainda sem demonstrar emoção, Carla deu de ombros.

— Sempre dou uma passada pela cidade dela, para ver como está. E deixo que Mariana perceba minha presença — sorriu, malvada. — Apenas para garantir que ela saiba que estou de olho — explicou.

— Isso é medonho e cruel.

— Não é muito diferente do que ela fez para Vanessa, a perseguindo, ameaçando e tentando matá-la. Só estou deixando que ela prove um pouco do próprio veneno. Ou, vai me dizer que, quando ela lhe contou sobre isso, você não quis dar uma lição em Mariana? Se bem me lembro, você tinha um complexo de protetora.

— Assim como você. — Cristina retrucou. — E, sim, não está enganada quanto a isso. Desejei mesmo tirar satisfações com aquela mulher. Na verdade, isso quase aconteceu. Vanessa e eu esbarramos nela em uma boate, algum tempo atrás… Enfim, imagino que em uma das suas visitas, você me viu com Vanessa.

A loira inclinou a cabeça, concordando.

— Na verdade, tinha esperança de encontrar Diana. Desde que ela fugiu de Madri, me mantenho informada sobre os passos de Vanessa. Pelo menos uma vez por semana, recebo um relatório detalhado. Imagine a minha surpresa quando te vi em uma foto.

— Deve ter sido semelhante à minha quando a vi hoje cedo. Quando me encontrei sozinha, há 16 anos, assumi a identidade de Cristina. Apaguei Júlia e o seu passado da minha memória. Arranjei trabalho, estudei, lutei contra o vício, cresci. Mas, no fim das contas, não sou tão diferente de você ou Diana.

Escorregou as mãos pelos cabelos, prendendo uma mecha atrás da orelha.

— Pelo menos, era assim até pouco tempo. Mentir e enganar era uma parte importante do meu trabalho. Eu era um tipo especial de guarda-costas. O que, em alguns círculos, chamam de Anjo da Guarda, pois estou lá, mas ninguém me vê, realmente. Pelo menos, não como uma possível ameaça.

A loira cruzou os braços, pensativa.

— Você era contratada para proteger pessoas que não querem ser protegidas por guarda-costas ou desconhecem estarem em perigo.

— É por aí. Geralmente, me infiltrava nos círculos sociais do meu protegido. Me tornava uma amiga, alguém de seu convívio e, assim, podia mantê-lo seguro sem que percebesse. Dependendo do desejo do contratante e de quem seria o protegido, poderiam ser dois protetores ou mesmo uma equipe maior. Todavia, nesse tipo de trabalho, apenas uma ou duas pessoas se aproximam do protegido.

Carla ficou de pé, deu a volta na cadeira e apoiou as mãos no encosto. Fitou a janela por um momento, vendo Vanessa sair do lago, completamente ensopada, enquanto Diana foi em direção ao centro desde com braçadas ritmadas e elegantes. Fez uma ligeira careta para a irresponsabilidade da amiga, então voltou a olhar para Cristina que, na posição em que se encontrava, não podia enxergar as duas mulheres.

— O seu contratante pediu que se envolvesse com Vanessa?

A moça balançou a cabeça com vigor.

— Não!

Fez um gesto brusco, ajeitando-se sobre o assento.

— Algo do tipo nunca aconteceu comigo e, se tivesse ocorrido, teria me negado a fazer. Seria, basicamente, um tipo de prostituição. Não acha?

— Sim. — Carla admitiu, indo atrás de uma xícara limpa, a qual encheu de café, ouvindo-a explicar:

— Eu deveria ser aquela vizinha xereta, que acaba se tornando uma amiga. Sabe? É uma abordagem bastante comum, entretanto, foi diferente com Vanessa.

Ela permitiu que Carla também enchesse uma xícara para ela e tomou um gole do café, antes de prosseguir.

— No início, era apenas um trabalho como qualquer outro. Fiz o que me foi ordenado. Mudei para a rua dela, me tornei amiga e as coisas começaram a mudar sem que eu percebesse. — Sorriu de lado, balançando a cabeça. — Chega a ser ridículo como comecei a me sentir e comportar perto dela. Eu sonhava com os fins de semana, apenas para convidá-la para ir dar uma volta, tomar algo ou, simplesmente, caminhar.

Tomou outro gole do café, olhando para a fumaça que se elevava da xícara da amiga.

— Logo eu, que nunca achei muita graça no amor, caí de amores pela pessoa errada. Percebi que ela também se sentia atraída, contudo não queria dar o primeiro passo. Então, tudo o que eu tinha de fazer, era focar no trabalho e fingir que não sentia nada, mas sentia. Eu tinha uma parceira nesse trabalho, era o meu apoio. Ela percebeu logo o que estava acontecendo, então conversou com o nosso chefe e ele achou melhor me afastar de Vanessa.

Depositou a xícara na mesa, pensativa.

— Parti para outros trabalhos, mas não consegui esquecê-la. Então, um dia, liguei para o meu chefe e disse que estava largando o emprego. Assim que desliguei, peguei o primeiro avião e, pela manhã, estava na porta dela, me declarando.

Escondeu o rosto entre as mãos, por alguns segundos.

— Não tinha ideia do que ou de quem ela precisava ser protegida. Imaginei que outra pessoa iria me substituir no trabalho, mas minha antiga parceira disse que assumiu o trabalho sozinha e depois que retornei foi dispensada, então concluí que o perigo tinha passado. Então, arranjei outro emprego, Vanessa e eu iniciamos um relacionamento e cá estamos. Mas depois disso tudo, vejo o quanto sou inútil ao protegê-la. — Estapeou a mesa. — Fomos sequestradas pelo tal Aquiles, raptadas por Diana e, se você não tivesse aparecido, assassinadas por aqueles caras.

Sua revolta trouxe novo sorriso para Carla.

— Não podemos ter o controle sobre tudo, Cristina. Algumas coisas nos escapam e, você sabe, é sempre mais fácil reagir quando se está esperando um ataque, o que não era o caso.

Ela estava com a razão, Cristina sabia. No entanto, não conseguia se desvencilhar daquele sentimento de impotência.

— Não sei quem me contratou, Carla. Nunca recebi essa informação e, geralmente, é assim que as coisas são nesse ramo. Discrição é tudo.

Alguns minutos se passaram, enquanto assistia Carla finalizar seu café, pensativa.

— Você vai contar a ela sobre mim? — Indagou.

A ex-mafiosa lhe dirigiu um olhar gentil, avaliando a pergunta. Poucas vezes, em suas lembranças, viu a amiga e ex-namorada com semblante tão carregado. Naquela época, Júlia estava sempre encontrando motivos para sorrir e só se mostrava apreensiva quando a acompanhava nas lutas clandestinas que, por algum tempo, foi o que as sustentou.

— Essa verdade pertence a você. Porém, se me permite dar um conselho, recomendo que não demore a contar.

— Ela vai me odiar. — Cristina declarou, consternada. — Vou perdê-la. Eu sei que vou perdê-la para Diana, mas isso não dói menos.

A mão de Carla sentou sobre sua perna, quando ela se curvou um pouco na sua direção.

— Cris… Se importa que a chame assim?

Cristina esboçou um sorriso, balançando a cabeça, e Carla prosseguiu:

— Isso é algo que aprendi com a vida “não se pode perder o que nunca se teve”.

Aquela frase a atingiu como um soco e respirou fundo, erguendo os ombros. Ainda não estava disposta a aceitar a derrota. Vanessa gostava dela, talvez não tanto quanto de Diana, mas gostava.

— Sinto muito. — Carla concluiu. — Entretanto, se Vanessa te amar de verdade, a maneira como entrou na vida dela não terá a menor importância.

 

III

 

Aquiles coçava o queixo, assistindo o vídeo da perseguição protagonizada por Diana, que Miles tinha lhe enviado uma hora antes. Sorriu quando a viu roubar o carro de seus perseguidores. Ele se recostou na cadeira de espaldar alto do escritório, o mesmo em que Vanessa travou diálogo com ele, através de uma videochamada.

Fechou o notebook e se voltou para a janela que refletiu sua figura. Ele tracejou, com o olhar, as cicatrizes que Diana lhe deixou e a expressão aristocrata em sua face se contorceu em uma máscara de ódio por alguns instantes.

Conhecia a inteligência dela, seu jeito de agir e pensar. Isso o fez baixar a guarda naquele quarto de hospital.

Uma cirurgia plástica removeria as cicatrizes facilmente, todavia optou por deixá-las, como uma lembrança do quanto a sua arrogância poderia lhe custar. Diana não lhe tomou a vida naquela noite, mas estava destruindo tudo o que construiu e, isso, para um homem como ele, era um duro golpe.

Pancadas suaves na porta o arrancaram de seus devaneios. Gillian entrou no recinto, com passos leves e ligeiros, apesar do tamanho avantajado.

— Sim?

— Acabo de saber que Dominick Benson está no país. — Informou o capanga.

Os músculos do maxilar de Aquiles se contraíram. Dominick era o seu maior rival e estava se beneficiando muito com a vingança de Diana.

— Ele está oferecendo cinco milhões pela Caçadora — o capanga completou, mantendo-se firme como uma rocha diante do rompante de fúria do patrão, que atirou todos os objetos sobre a mesa no chão, berrando:

— Encontre aquela maldita!

 

IV

 

Vanessa fitava as cinzas da lareira, recolhida em seus pensamentos. Evitava, a todo custo, olhar para Diana. Temia a força de seu desejo por ela, aumentada uma centena de vezes, depois daquele beijo.

Ao seu lado, Cristina lançava olhares mortais para a rival, que se encontrava empoleirada na poltrona junto à porta, com olhar no vazio. Não precisou fazer perguntas, quando encontrou Vanessa no quarto, completamente encharcada. Em poucos segundos, a namorada lhe contou o que tinha se passado, aumentando seu tormento.

— Eu sinto muito! — Vanessa dissera com tanta tristeza no olhar, que não encontrou forças para brigar com ela. Em vez disso, a puxou para um abraço. No fim, esperava que, em algum momento daquela louca situação, algo do tipo viesse a acontecer. Só não imaginava que fosse tão cedo, nem que tivesse sido uma experiência tão devastadora para a morena e para ela, Cristina, cujo medo de perdê-la era quase sufocante.

Sempre que a olhava, a conversa com Carla ressoava em seus ouvidos, lhe roubando a tranquilidade. Então, desviava suas dores e medos para a raiva que sentia de Diana.

A ladra acordou de seu transe, lançando um sorrisinho para ela, ao notar a forma como era observada.

— Qual é, Cristie! Vai ficar me secando para sempre? Foi só um beijo! Não é, Van?

Vanessa se empertigou, baixando o olhar para os pés. Encontrava-se num mar de sentimentos conflituosos, completamente abalada pela força arrebatadora do amor que ainda sentia por ela. Não adiantava mais se enganar. Como Cristina lhe dissera, mesmo que ela estivesse diferente, ainda seria a sua Diana e não podia mais negar para si o quanto ainda a amava. Contudo, magoar Cristina estava lhe atormentando, pois também a amava.

Diana saltou da poltrona. A dor do ferimento não cicatrizado, se espalhou pelo abdômen e as braçadas alegres que deu no lago, também cobravam seu preço. Todavia, ela mascarou a dor com um sorriso.

— Vamos lá, Cristie! Diga algo, faça algo! Sei que está se segurando.

Cristina ficou de pé e Vanessa suspirou, antevendo a discussão que ocorreria e preparando-se para intervir.

— Sua hipócrita! — Cristina vociferou. — Você disse…

— Eu sei o que eu disse!  — Diana a interrompeu com um gesto suave e um tom moderado. — Simplesmente, aconteceu. E não vou dizer que estou triste, porque não é verdade. A Van também não parece descontente com isso. — Apontou para a morena, que se colocava de pé, carrancuda.

— Van, Van, Van! Pare de chamá-la assim! Você perdeu esse direito quando fugiu.

— Vocês querem parar com isso? — Vanessa gritou. — Eu não sou um troféu para que me disputem. Aquele beijo aconteceu, porque eu também quis.

O sorriso de Diana voltou a crescer e Cristina avançou para ela com a mão erguida, porém desistiu da agressão ao recordar algo que Carla havia lhe dito. Inspirou fundo, deixando a mão pender na lateral do corpo.

— Carla tem razão, não tem? Você esconde seus sentimentos por trás desse sorriso debochado e das provocações.

Deu um passo atrás, observando o sorriso dela murchar um pouco.

— Eu não vou brigar com você, Diana. Vanessa tem razão, ela não é um prêmio. O que não significa que eu não esteja chateada e magoada — se voltou para a namorada, que desviou o olhar do seu. — Somos todas adultas aqui, então vamos esquecer isso, por enquanto, e nos concentrar em sair dessa confusão em que você nos meteu. Tudo bem?

A ladra inclinou a cabeça, assentindo.

— Concordo, em parte.

Vanessa revirou os olhos.

— Por favor, Diana! — Pediu, enquanto a assistia se aproximar de Cristina com um sorriso malicioso.

— Está tudo bem, Van. Só não quero que fiquem chateadas ou discutam por causa de um beijo.

Avançou outro passo, invadindo o espaço pessoal de Cristina, que se manteve firme na posição.

— Eu só conto mentiras quando o assunto é trabalho, Cristie. Continuo afirmando que o que lhe disse, naquele posto, é a verdade.

— Ouço você falar uma coisa e agir diferente. — Reclamou a outra.

— É exatamente por isso que vamos resolver essa história do beijo agora — fez um gesto de basta com as mãos.

— E como pretende fazer isso, Gasparzinho? Nada do que diga ou faça, poderá mudar o que se passou.

— Será? — Ela indagou.

Era da natureza de Diana provocar e estava se divertindo às custas do casal. Mas não queria mesmo que elas brigassem. Já tinha feito uma tempestade na vida delas e aquele beijo, embora muito desejado, não deveria ter acontecido. Mesmo Cristina afirmando que deixaria para lá, a culpa do que houve perturbaria Vanessa por um bom tempo e isso a deixava triste pela confusão que causou. Resolveu, então, que equilibraria aquela balança no “estilo Diana de ser”. O que, segundo Carla, sempre implicava em mais confusão.

Coçou a testa, ainda pensando se deveria mesmo fazer aquilo. Por fim, deu de ombros e sorriu, traquina.

Empurrou Cristina contra a estante às suas costas. Vanessa avançou, imaginando que elas iriam brigar, mas deixou o queixo despencar, quando Diana grudou seus lábios nos da sua namorada e, surpreendentemente, ela a correspondeu.

Foi um beijo furioso, selvagem, como se desejassem se ferir. Mas como tinha ocorrido naquela manhã, enquanto choravam a dor do medo de perder Vanessa, houve sintonia entre elas e o beijo, aos poucos, foi se tornando suave e carinhoso. Diana afrouxou as mãos que a mantinham presa, permitindo que Cristina envolvesse sua cintura.

Por sua vez, Vanessa não conseguia reagir, tão surpresa e incapaz de se decidir de qual das duas tinha mais ciúmes. Então, elas se afastaram, olhando-se com a mesma cumplicidade daquela manhã.

Naquele momento, não cabia mais palavras entre elas, principalmente, pela surpresa que foi terem se entregado àquele beijo. Foi Diana quem se recuperou primeiro. Ela limpou a garganta, assistindo a face de Cristina adquirir um adorável tom avermelhado sob o olhar, ainda atônito, de Vanessa.

 — Prontinho! As duas tiveram uma provinha dessa delicinha que é o meu beijo. Portanto, não há motivos para brigas. Certo, crianças? Voltamos ao zero a zero! — Piscou, marota, e retirou-se com passos apressados, encontrando Carla recostada à porta. A loira balançou a cabeça, em desaprovação, e a amiga passou por ela em silêncio.

Cristina permanecia emudecida, olhando para Vanessa, que também não sabia o que falar.

— É o efeito Diana — Carla se aproximou e se jogou na poltrona que a amiga ocupava, um minuto antes. — Ela fez a mesma coisa com a minha mulher e, acreditem, Carol nunca mais falou daquele beijo. Acho que, com vocês, vai ser a mesma coisa.

Cristina respirou profundamente, abalada pelo que tinha acabado de acontecer e por ter se deixado envolver tão facilmente. Tentou falar, mas não conseguiu encontrar palavras e sentou-se. Vanessa juntou-se a ela e entrelaçaram as mãos.

De fato, não tinham como brigar se ambas se derreteram nos braços de Diana.

 

***

 

— Não é à toa que Carol te chama de ladra beijoqueira! Ainda me surpreende como você consegue acabar uma briga com um beijo.

Diana sorriu para a amiga, que se juntou a ela, sentando no banco de pedra embaixo de uma mangueira atrás da casa. O fim da tarde se aproximava, tingindo o céu com um forte tom laranja.

— Não me venha com seus olhares de reprovação, loira! Sei que o seu lado safado adorou me ver pegando a sua namoradinha!

Carla gargalhou alto, deslizando a mão nos cabelos dela, carinhosa.

— Não me surpreende que tenha percebido. Sempre teve uma memória privilegiada.

— Não foi tão rápido como pensa. Sabia que conhecia aquele rostinho mal-humorado de algum lugar, mas o reconhecimento só veio quando vi vocês à mesa. O tempo mudou vocês, contudo não foi o suficiente para me impedir de recordar daquela foto na cabeceira da sua cama. Droga de mundo pequeno!

A amiga concordou com um inclinar de cabeça e um sorriso singelo.

— Isso deve ter te deixado feliz, recordo que sempre quis saber do paradeiro dela.

Novamente, Carla concordou com um gesto.

— Foi… Ah, não sei bem como descrever o que sinto. Feliz e aliviada, acho. É bom saber que ela conseguiu seguir adiante e escapou de uma vida de miséria.

— Sei que isso vai parecer horrível, mas acho que preciso agradecê-la por te meter em confusão com aquele traficante. Graças a isso, nos conhecemos.

De modo algum, a frase pareceu desagradável para Carla. Afinal, as más decisões de Cristina e as suas próprias, a fizeram trilhar um caminho ruim, porém encontrou o amor da sua vida nele, além de pessoas queridas, como Diana. Então, também era grata a Cristina.

Compartilharam o silêncio por algum tempo, enquanto admiravam o crepúsculo.

— Como você está lidando com essa situação? — Carla perguntou baixinho. — Digo, além de sair beijando todo mundo.

— Está se sentindo excluída? Sabe que estou sempre aqui para você!

A loira riu e passou o braço sobre os ombros dela, puxando-a para perto.

— Sabe que te amo, mas o nosso tempo passou. 

— Foi um tempo bom, né? — Diana fez uma pequena careta, travessa. — Você matava, eu roubava, no fim, tudo terminava na cama!

— Odeio quando você fala assim, me sinto um personagem de videogame, cuja única função é tirar vidas. — Apesar da queixa, ela sorriu.

O vento do fim da tarde soprou forte e a temperatura começou a cair. A ladra se aconchegou ao corpo dela, saudosa.

— Você viu como estou lidando. Isso tudo é uma droga! Não deveria estar acontecendo. Vanessa nunca deveria ter descoberto sobre mim e Aquiles jamais deveria ter conseguido se aproximar dela. Quer saber como me sinto, de verdade? Sinto que estou no meio de um turbilhão de sentimentos e, quanto mais força emprego para sair dele, mais forte ele me prende.

Escondeu o rosto entre os cabelos dela. Com Carla tudo parecia calmo, tranquilo. Mesmo em silêncio, sua presença e calor eram suficientes para sossegá-la.

— Sabe que sou uma péssima conselheira amorosa, né? — Carla riu, suave.

— Você é horrível! Se não fosse por mim, ainda estaria sonhando com o amor da Carolina, parada no tempo. — A provocou. — Mas só de ter você por perto, já me sinto melhor e dou graças ao universo, por fazê-la vir à minha procura.

Carla lhe fez um carinho e pediu:

— Me conte a verdade, Di, por que não foi me procurar?

Ela respirou profundamente, recostando a cabeça em seu ombro.

— Porque eu quero tirar tudo que Aquiles ama.

— Ele só ama o dinheiro. — Carla observou.

— Exatamente! Ele está falido ou quase. Roubei tudo o que pude. Esvaziei suas contas na Suíça e Ilhas Cayman, os cofres de todas as suas residências e esconderijos conhecidos. Entreguei informações para Interpol sobre seus clientes e objetos roubados…

A amiga a afastou, carinhosa, e perguntou:

— Por quê?

O olhar dela brilhou, levemente marejado, quando respondeu:

— Porque ele matou o meu pai.

 

 


 

Gente, o babado ficou forte! rs…

Graças a isso tenho um novo desafio pra vocês e esse é ainda mais fácil que o anterior. Tudo o que têm a fazer é clicar na carinha “amei” aqui abaixo. Isso, claro, se tiverem mesmo curtido o capítulo. Se este capítulo tiver 100 cliques na carinha “amei” haverá capítulo extra no sábado.

Se eu fosse vocês, já ia clicando, pois o capítulo seguinte está cheio de emoções! Hehe…

Ó, beijo grande e aquele xêro!



Notas:



O que achou deste história?

18 Respostas para 12. Cristina II

  1. Sabe que dia é hoje? Sábado!
    SÁBADO! ???
    Um lindo sábado de sol, com mais de 100 carinha ?.
    Nunca demorou tanto pra chegar, mas está aí. Agora é só esperar feliz da vida.

    • Bemmm… O dia aqui começou chuvoso e preguiçoso, mas se tornou ensolarado com o passar das horas. Hehe… Infelizmente, não deu para ser mais cedo, mas o capítulo foi postado, então espero que tenha uma boa leitura.

      Beijos!

  2. Reli o capítulo e estou com a pulga atrás da orelha em relação ao fato de alguém ter pago uma segurança pra proteger a Vanessa. Uma das minhas teorias é que foi o Aquiles, pra proteger a única pessoa que faria a Diana se submeter a ele.
    117 ?. Só vem, sábado!

    • Haha… De boca fechada não escapa spoiler, então ficarei aqui, quietinha, no meu cantinho. Rs… Beijos!

  3. Tô adorando a história e amando a Cristina. Confesso que passou pela minha cabeça lendo este capítulo, que talvez poderia rolar algo entre a Cris e a Diana (pq deu pra sentir a química entre elas, coisa que eu não sinto cm a Vanessa) e a Vanessa poderia encontrar outra pessoa. Mas enfim, é só algo que passou pela minha cabeça rsrsrsrs.

    • Oi, Leandra!

      Tudo bem?

      Feliz que esteja curtindo “Caçadora”. Eu gosto muito da Cristina, na verdade, costumo ter uma queda pelas minhas personagens secundárias mais do que pelas protagonistas. rs…

      Bem, também acho que seria um casal interessante, mas ainda tem muita história para rolar até o final. Quem sabe, daqui até lá, você acabe curtindo mais a Vanessa? Rs…

      Te aguardo no próximo capítulo!

      Beijo grande!

  4. Véi… me explica de onde tira tanta imaginação
    Curtindo aqui cada personalidade dessas suas crias
    A Cristina/Júlia foi um bela surpresa. Adorei a forma como você nos falou tanto sobre ela em tão pouca descrição ?
    100? ?

    • Kkkk… Isinha, não sei…

      Tu sabe que meus tico e teco, neurônios, não regulam muito bem. Hehe… Então, me divirto com eles do jeito que dá e levo um pouco dessa diversão pra vocês.

      Hehe… Quanto a Cris, é um personagem que eu gosto muito, embora ela tenha sido suprimida de Crimes do Amor. Ela aparecia na versão original de Crimes, que escrevi em 2005 [vixe, faz tempo pacas! rsrs]. Quando Diana ganhou a vez dela, achei que seria legal dar uma resposta sobre o paradeiro da Júlia. rs…

      100, sim! Sou boazinha, não quis abusar da boa disposição das leitoras, rs… Será que consigo os 100? rs…

      Xêro pra tu!

  5. Tattah!!!????

    Sensacional…???
    Que cap. maravilhoso, tô amando tudo isso,???
    e creio q as meninas tb. Cristina/Julia… amei.???

    Bjs,????

  6. Terminei de ler e acho que a Diana, a Cristina e a Vanessa tem que darem as mãos e viverem felizes para sempre juntas. Pronto! Problema resolvido, como a Diana mesmo disse, tem Diana pra todo mundo ???.
    Já deixei a minha carinha ? e espero que cheguemos a 100 (no mínimo).

    • Haha, ótima! Uma menina que acredita no amor em todas as suas formas! Adorei!

      Nos encontraremos no capítulo de sábado, espero.

      Beijo, moça!

  7. Tchê,tava atualizando a página de 10 em 10 minutos. Dei um pulo de alegria quando atualizei e o capítulo estava postando.
    Agora vou ler ele kkkkk

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