Caçadora

15. Carolina

 

I

 

Dominick afastou o braço que repousava sobre seu peito. O quarto estava envolto na penumbra. Um pouco de luz se insinuava entre as cortinas semiabertas, vinda da iluminação da rua.

Saltou da cama e caminhou até a janela, onde se demorou alguns segundos, coçando a barba loura e farta que contrastava com a ausência de cabelos em sua cabeça. Bocejou devagar e voltou-se para o interior do quarto, assustado, quando a luz do abajur, no canto do cômodo, foi acesa.

— Você parece mais alto nas fotos. — Disse a mulher sentada na poltrona ao lado do abajur. Seu rosto permanecia na penumbra, mas a arma em seu colo era bastante visível e ameaçadora. — É claro que, nelas, você está usando roupas.

De repente, ele tomou consciência da sua nudez, mas não ousou se aproximar da cama para pegar o lençol ou catar uma das peças de roupas que a sua acompanhante atirou ao chão, durante as preliminares do sexo.

Deslizou o olhar para a porta. Seus guarda-costas se encontravam à postos do outro lado dela, no corredor. Se gritasse, entrariam como escavadeiras, derrubando tudo pela frente.

— Poupe-se do trabalho — a estranha atraiu seu olhar, novamente. — Seus homens estão tirando um cochilo. Aliás, recomendo que contrate profissionais melhores.

Dominick limpou a garganta, terrivelmente desconfortável pela posição em que se encontrava.

— Quem é você e o que quer? — Resolveu perguntar.

Os dedos dela tamborilaram na arma, enquanto respondia:

— Meu nome não é importante, embora saiba que, se o pronunciar, você terá uma noção de com quem está falando. Nunca fomos apresentados, mas já utilizei seus serviços.

A última frase o fez sorrir, confiante. Aparentemente, aquela inusitada visita era a encomenda de um serviço. Relaxou um pouco e catou a calça, jogada ao pé da cama. Enfiou-se nela sem pressa, questionando:

— Então, o que posso fazer por você? O que deseja? Um quadro? Uma joia? Informações? Poderia ter marcado uma reunião, em vez de invadir meu quarto dessa maneira.

— Sinceramente, não aprecio arte como a maioria das pessoas. É o mesmo em relação a jóias. Quanto a informações, prefiro obtê-las de outras fontes. E as minhas são muito boas, visto que estou aqui e não perdendo meu tempo procurando-o nas inúmeras propriedades que possui no país.

Na cama, a acompanhante ressonou alto e moveu-se, revelando seios fartos, um corpo escultural e um pênis. Ela abriu os olhos e cobriu-se assustada com o brilho da arma na mão da mulher, que agora a segurava com firmeza.

— Não quero fazer uma encomenda. Na verdade, estou aqui para lhe entregar algo. — Esclareceu a mulher.

Dominick fechou a calça, esforçando-se para ver o rosto dela. Mas, quando ela se curvou para frente, tudo o que enxergo, foi uma máscara de tecido negro como o resto de suas vestes. A invasora ergueu-se e se aproximou, revelando ser quase trinta centímetros mais alta que ele.

Confiante, guardou a arma na cintura e ofereceu para Dominick uma caixinha de veludo, também negro. Ele pegou o objeto, desconfiado. A abriu, deixando um suspiro embasbacado escapar.

— Com os cumprimentos da Caçadora — ela disse e Dominick desviou o olhar do diamante vermelho na caixa, para encontrar lindas e frias safiras nos olhos dela. Olhos tão bonitos que desejou ver o resto da sua face.

— Você não é Malena. — Observou.

Ele havia encontrado a Caçadora pessoalmente quando firmaram o acordo de se ajudarem. Na ocasião, ela não se parecia com a herdeira ehola e fugitiva que vira nos jornais, tampouco lembrava a mulher da foto que Aquiles distribuiu. Mas, também, não era a mascarada à sua frente que, apesar de não estar usando salto, era bem mais alta que a Caçadora que conheceu.

Os olhos dela se apertaram e teve a impressão de que estava sorrindo debaixo do tecido da máscara.

— A Caçadora faleceu. — Informou ela, pousando a mão sobre a pistola na cintura.

Dominick balançou a cabeça um par de vezes, compreendendo o recado, então sorriu, dizendo:

— Sendo assim, acho que não faz mais sentido oferecer um prêmio por ela.

— Muito sábio. — Carla sussurrou, satisfeita.

O ladrão a observou se afastar e sair do quarto com passos inaudíveis. Não lhe interessava quem era, realmente. No fim das contas, havia conseguido o que desejava e Malena tinha cumprido sua parte no acordo.

Depositou a caixa sobre o criado mudo e voltou-se para a cama com um sorriso malicioso, enquanto voltava a tirar a calça. Era hora de comemorar sua ascensão no mundo do crime!

 

***

 

Carla fechou a porta atrás de si e retirou a máscara, lançando um olhar de desdém para os dois seguranças no chão. Dominick continuaria sendo um alvo muito fácil, se mantivesse aqueles sujeitos como guarda-costas.

Em vez de se dirigir para o elevador, ela preferiu descer as escadas até o estacionamento. O hotel em que Dominick se hospedou, coincidentemente, pertencia a ela, assim não foi difícil conseguir acesso ao andar em que o criminoso estava.

Embora se mantivesse informada do que se passava no mundo do crime, algumas atividades poderiam expô-la, entre elas, a busca por um homem como Dominick. Teria sido muito trabalhoso e demorado procurá-lo por meios legais, porém não existiam barreiras para uma mulher como Rachel Lorenzo, que mantinha relações com os dois mundos. Bastou 24h para que ela enviasse a localização do rival de Aquiles.

 

II

 

— Elas vão se matar! — Bento se queixou para Diana. — Será que você pode dar um jeito nisso?

Ela o fitou através da porta entreaberta. O rapaz se encontrava de pijama, os cabelos em desalinho e os olhos vermelhos e inchados de sono. Estava batendo na porta do seu quarto havia algum tempo, mas como ela tinha tomado remédio para dormir, demorou para acordar.

Coçou os olhos e verificou o relógio no criado mudo. Não fazia mais que uma hora que se deitara, depois de conversar com Carla, que havia ligado para informar sobre a entrega do diamante a Dominick, como tinham combinado um pouco antes de se separarem. Na ocasião, a amiga exigira que lhe entregasse a pedra para que pudesse resolver esse assunto.

Bento estalou os dedos à sua frente.

— Você está me ouvindo? As suas namoradas vão se matar! Estão discutindo há um tempão!

— Elas não são minhas namoradas! — Diana retrucou, um pouco mais desperta.

Apurou os ouvidos e vozes exaltadas lhes chegaram:

— Vai logo! Estou cansada de mentiras! Fuja de uma vez! Deus, nem sei quem você é de verdade! — Vanessa gritava. A resposta de Cristina foi dada em um tom mais baixo e não conseguiu distinguir as palavras.

Diana encheu as bochechas de ar e abriu a porta completamente. Um tom vermelho vivo tomou o rosto de Bento, que desviou o olhar. Encontrava-se apenas de calcinha e esforçou-se para não rir da vergonha dele.

Com olhos fechados, o rapaz tirou a camiseta cinza do pijama e lhe entregou.

— Veste isso e vai lá acabar com essa tempestade! Eu quero dormir! — Lhe deu as costas e retornou para o seu próprio quarto com passos duros.

Ainda um pouco confusa, Diana vestiu a camiseta que ele lhe deu. Entrou no corredor e fechou a porta do quarto, na qual se escorou por um longo minuto. Respirou fundo algumas vezes, e desceu as escadas que levavam para o andar inferior da residência. Quando, finalmente, chegou à sala, o casal já não se encontrava.

— Que ótimo! — Murmurou para si.

Reparou na porta aberta e seguiu para a área externa, sendo recebida pelo vento e o som forte do mar. Caminhou até o portão de madeira que separava a propriedade da faixa de areia e notou as pegadas. Uma delas seguia para a direita, enquanto a outra ia em direção ao mar.

Acho que vou ter que esperar. — Bocejou.

 

***

 

Vanessa reprimiu um suspiro, admirando o corpo torneado e seminu de Diana. A ex estava em sua cama, abraçada ao seu travesseiro, ressonando como uma criança. O quarto ainda se encontrava na penumbra e acendeu a luz, mais para admirá-la melhor do que para acordá-la, que foi o que aconteceu.

— Até que enfim! — Diana falou, sem se mover.

Estava virada para a janela, mas podia ver o reflexo de Vanessa no vidro, mesclando-se com a noite estrelada além dela.

— O que está fazendo aqui?

A ladra deixou um suspiro sonolento escapar e puxou o travesseiro sobre os olhos.

— Te esperando para termos uma conversinha. — Esclareceu, preguiçosa.

— Agora você quer conversar?! Que ótimo! Cansou de me evitar? Porque da minha namorada você não foge, pelo contrário, até beija!

— Pela forma como anda tratando ela, vai acabar sendo ex-namorada! — A resposta soou abafada. E isso é uma estupidez! Além disso, qual é o problema de beijá-la, se você não anda fazendo isso? Tudo o que essa boca linda tem feito é insultá-la, então pensei em lhe dar um pouco de carinho.

— Ora sua… — Vanessa inspirou fundo, percebendo o tom provocativo. Passou a mão no rosto, afastando os ciúmes.

— Acho que toda essa raiva é porque está se sentindo excluída. — Diana continuou em tom de riso, então empurrou o travesseiro para o lado e sentou, dando uma tapinha suave no colchão, pedindo que Vanessa sentasse, todavia a morena preferiu manter uma distância segura. Ficava difícil manter o foco da raiva ao vê-la vestida daquela forma e com expressão tão frágil, mesmo que tivesse um sorrisinho cafajeste nos lábios.

— Sem palhaçada, Diana. Você não vai conseguir me deixar mais brava do que já estou.

— Eu adoraria tentar! Já te disse que você fica linda furiosa. — Fez um gesto brando, deixando o tom provocativo de lado e serenando as expressões.

Vanessa suspirou, abraçando-se. Encarou-a por um momento longo, então perguntou:

— Por que tem fugido de mim, Diana? — A mágoa transpareceu na voz, embora tivesse usado um tom mais ameno.

Não era sobre aquilo que Diana fora lhe falar, contudo foi sincera ao responder:

— Porque perto de você, tudo o que desejo é voltar no tempo e ser feliz ao seu lado outra vez. Mas não dá mais. Você tem Cristina e nós duas não somos mais as mesmas.

Limpou a garganta para afastar o nó que se formou nela e fugiu do olhar magoado que recebeu, voltando a se concentrar no assunto que a levara até ali. Esfregou os olhos e começou a falar suave, embora suas palavras tivessem muito calor.

— Eu sou a louca inconsequente aqui. Todo mundo enche a boca para me chamar de criança, mas vocês é que são. Principalmente, você! — Apontou para ela. — Você está com raiva? Ótimo! Entretanto, ouça o que as pessoas têm a lhe dizer, antes de fazer uma tempestade num copo d’água.

Indignada, Vanessa esqueceu os devaneios em que se entregou ao ouví-la confessar seus desejos e começou a andar diante da cama, gesticulando enquanto falava.

— Você maluca?! Vocês duas são um poço de mentiras e traição e eu é que sou a criança?!

Cristina surgiu na porta entreaberta e recostou-se nela, em silêncio, aguardando sua vez de expressar a decisão que tomou, após uma longa caminhada na praia. Recebeu um olhar curioso da moça na cama e um angustiado da namorada, que acabou por interromper a frase seguinte.

— Estou muito cansada dessa droga! Eu sei, é culpa minha! — Diana elevou a voz.

Estava tão séria, que se estranhou quando falou.

— Sei que sou uma cretina egoísta! Fiz uma escolha que não cabia a mim e isso nos custou uma vida juntas, mas não posso permitir que trate Cristina assim!

— Qual é o seu problema?! Você diz que me ama, enquanto me empurra para fora da sua vida em direção a outra pessoa que também diz me amar, mas tudo o que fez foi mentir para mim!

Vanessa dirigiu outro olhar zangado para a namorada, que o recebeu sem mover um músculo. A verdade era que Cristina já não se sentia com forças para continuar lutando por aquela relação. Cada dia que se passava, elas se machucavam mais. Não apenas ela e Vanessa, mas Diana, também.

— Qual é o problema de vocês? — Vanessa continuou. — Qual é o meu problema?! Eu devo ter um imã para atrair gente doida e criminosa! É isso?

Impaciente, Diana se pôs de pé. Esperou alguns segundos para se manifestar, enquanto tentava superar os efeitos do remédio que tomou para dormir. Encarou Cristina, como tinha feito naquela manhã, enquanto caminhavam pela praia. Outra vez, foi tomada por um grande afeto. Apesar de nunca terem se visto antes, da rivalidade que deveria existir, os sentimentos que compartilhavam por Vanessa eram fortes e formavam um elo entre elas.

Não a queria triste e sofrendo, assim como não desejava o mesmo para Vanessa.

— Sou tudo isso que você falou e mais um pouco. Também não sou mulher de negar meus atos. Sendo assim, Cristina não merece pagar pelas minhas escolhas. — Declarou.

A expressão de Vanessa tornava-se cada vez mais azeda com o passar dos minutos e ela quase gritou, quando perguntou:

— Do que está falando, agora?

Diana passou a mão sobre os olhos, então a escorregou pelos cabelos desalinhados.

— Apenas mais uma verdade, Van. — Deu de ombros. — Há pouco mais de seis meses, tive acesso a algumas informações. Aquiles estaria planejando usar você para me capturar.

Silenciou por um momento, tomando um pouco de ar para prosseguir.

— Sinceramente, fui um pouco inocente em acreditar que ele já não se lembrava das pessoas que deixei para trás quando me uni a sua organização.

A temperatura no ambiente pareceu aumentar dez graus, então ela abriu a janela e a porta de vidro que levava a sacada, deixando o vento entrar no cômodo suavemente, enquanto Vanessa e Cristina chegavam a mesma conclusão.

— Isso explica muita coisa. — Cristina se manifestou, enquanto a observava escorregar pela parede até sentar no chão, as pernas torneadas encolhidas, os joelhos tocando o queixo. Mais parecia uma adolescente do que uma mulher adulta.

Depois da conversa em que Carla a interpelou sobre o assunto, pegou-se a imaginar se Diana não teria sido sua empregadora, afinal, ela havia deixado muito claro que se mantinha informada sobre os passos de Vanessa e não tardou para ajudá-las quando foram sequestradas.

Vanessa sentou na cama, com as mãos na cabeça, sentindo uma dorzinha fina e irritante acima dos olhos.

— Você planejou que nós nos apaixonássemos?! — Questionou, descrente, e Cristina compartilhou do gosto amargo daquela ideia.

Um sorriso cético visitou os lábios rosados de Diana, que ergueu a cabeça e controlou-se para não rir com o absurdo que acabara de ouvir.

— Eu sou muito boa no que faço. Posso até prever algumas reações dos meus alvos, porém não sou o Cupido. Só…

Exalou forte, fitando os próprios pés por um momento.

— Só queria infiltrar alguém em seu convívio para protegê-la, caso as informações que recebi fossem verdadeiras.

Ergueu-se e caminhou até Vanessa, então ajoelhou-se à sua frente, pousando uma mão em seu joelho e a outra em seu queixo, obrigando-a a encará-la.

— Cristina a ama e não sou responsável por isso.

Esticou a mão para a moça, que se demorou a abandonar seu refúgio junto à porta. Suas mãos se encaixaram suavemente e Diana ficou de pé, tomando com a outra mão a de Vanessa e as uniu.

— Tudo ia bem, até o chefe dela me comunicar que a afastou porque tinha se apaixonado por você.

Sorriu, com um leve inclinar de cabeça. Era muito difícil o que estava fazendo, mas era o certo a fazer e o melhor para Vanessa.

— E como isso poderia ser evitado? Você é uma mulher linda, maravilhosa, inteligente, doce, sincera… Está um pouco mais malvada que a Vanessa que conheci, mas isso só a deixa mais atraente. — Riu e fitou Cristina com carinho. — Quando soube que a amava e que tinha largado seu trabalho, sua vida por ela, encerrei o contrato. Quem poderia protegê-la melhor do que alguém que a ama?

Voltou-se para Vanessa, que as fitava com uma mistura de raiva e admiração.

— Você está diante de duas mulheres que te amam acima de tudo, Van. Me desculpe, no entanto, a sua raiva não mudará isso. Eu sou o que sou porque escolhi esse caminho, mesmo sabendo que a perderia. Senti a mesma dor que você; provavelmente, com mais intensidade. Afinal, eu decidi partir, enquanto Cristina decidiu ficar por você.

Afastou-se um pouco, um ligeiro tremor nos lábios indicava a aproximação de lágrimas, porém sua face mantinha um ar alegre, quase juvenil.

— Você a ama e eu também a amo porque ela te ama.

Sapecou um beijo na bochecha de Cristina e se curvou para fazer o mesmo com Vanessa, que a recebeu com olhar marejado.

— Entendo sua raiva e o seu rancor, entretanto se continuar se deixando guiar por eles, vai perder uma mulher incrível. Não destrua algo tão bonito como eu destruí. — Sorriu, estalou um beijo em seus lábios e saiu do cômodo, desabando num choro silencioso, assim que entrou em seu próprio quarto.

Cristina e Vanessa se encararam por longo tempo. Inúmeras palavras presas em suas gargantas, mas nenhum som lhes escapou até que a distância que as separava se desfez. Uniram-se em um abraço apertado e molhado por lágrimas.

Seus lábios se encontraram em um beijo carinhoso, enquanto o vento que entrava pela janela espalhava o cheiro do mar pelo quarto.

— Eu te amo! — Cristina sussurrou.

— Também te amo. — Vanessa escondeu a face entre os cabelos dela. — Perdão pelo que disse, só queria te magoar assim como estava me sentindo magoada.

Cristina se afastou, emocionada, e a fez sentar na cama. Olhava-a nos olhos, enquanto falava esforçando-se para manter a voz firme até o final.

— Eu sei que me ama e tenho certeza de que é muito. Mas está muito claro que jamais será como a ama. — Ergueu a mão para impedí-la de falar. — Tenho pensado muito sobre isso nos últimos dias. Conversei a respeito com Diana, mais cedo, e ela tentou me convencer do contrário.

Sorriu triste, os olhos marejados.

— Você nunca a esqueceu — observou. — A história que compartilham é longa, bonita, cheia de vitórias e tristezas que tornaram o amor de vocês mais forte que o tempo e as péssimas escolhas dela.

Ergueu a mão e lhe fez um carinho, outra vez interrompendo-a antes que falasse.

— Eu te quero. Quero mais que tudo! Você me tocou como ninguém jamais conseguiu e, pela primeira vez, soube o poder que tem o amor. Pela primeira vez, desde Carla, desejei estar com alguém além do sexo. Desejei compartilhar uma vida, ter um lar, fazer planos juntas, construir uma família. Sei que se continuarmos essa relação seremos felizes, mas “ela” permanecerá entre nós, agora que sabe que está viva. Sempre que disser que me ama, será sincero, no entanto, também estará dizendo para ela.

Vanessa sufocou um soluço e escondeu o rosto entre as mãos. Cristina a puxou para si, buscando forças para continuar a falar.

— Ela “morreu” para te proteger. Não é justificativa, mas a entendo. Ela cuidou de você, mesmo de longe. Te protegeu quando precisou. E, agora, apesar de te amar imensamente, está tentando cuidar do seu coração, fazendo com que me perdoe.

Riu baixinho. Um riso curto, meio cético.

— Ela é incrível! Meio louca e arrogante. Uma mulher ímpar que você ama desde os quinze anos. Que apesar de estar magoada, ferida, humilhada, você deseja. Durante estes dias em que estivemos em sua companhia, eu a odiei, simpatizei com ela, aprendi a respeitá-la e até me apaixonei um pouco!

As lágrimas da morena molhavam seu ombro e esforçou-se para não chorar também. No entanto, as lágrimas corriam frouxas por sua face sem que tivesse percebido até aquele momento.

— Eu não quero escolher — Vanessa disse entre soluços. O coração apertado. — Não quero te perder.

— Eu sei. Por isso, estou escolhendo por “vocês”. Estou escolhendo dar uma chance a vocês e, espero, que você a aceite. — A empurrou suavemente. Era o momento mais doloroso de sua vida e, agora, compreendia um pouco do que Diana sentia. — Eu te amo! Mas está mais do que claro que não é nosso destino ficarmos juntas.

— Como pode ter tanta certeza? — Apertou-se a ela novamente. Tinha gritado com ela, pedido que fosse embora, dito coisas horríveis, mas no fundo, nunca quis perdê-la.

— Se soubesse como seus olhos brilham quando a olha! Mesmo com ódio ou mágoa, eles têm um brilho diferente quando a encontram. Você nunca me olhou assim, não com o coração, mas com a alma. O mesmo ocorre com ela.

A morena se afastou e seu olhar fugiu dela, percorrendo cada centímetro da parede branca à sua frente. Tinha tanto a lhe dizer, todavia não conseguia organizar os pensamentos que corriam frouxos em sua mente, assim como as lágrimas em seu rosto.

Queria negar cada palavra, mas pegou-se a confirmar, em pensamento, tudo que ouvira. Seu amor por ela era grande e achou que equiparava-se ao que sentia por Diana, mas sempre soube que era impossível amar alguém da mesma forma que a amava.

Odiou-se por isso.

Odiou-se por machucar a mulher maravilhosa que estava ao seu lado naquele momento e sorria, enquanto lágrimas lavavam sua dor.

Então, deitou na cama entregando-se a um choro convulsivo e Cristina juntou-se a ela, envolvendo-a em um abraço apertado pela última vez. Tinha o coração em pedaços, porém a certeza de que estava fazendo o certo e recordou as palavras de Diana, naquela manhã: “Se alguém tiver de ser seu, será” e Vanessa sempre foi dela.

 

***

 

Apesar do remédio, Diana não voltou a dormir. Viu o nascer do sol da janela do quarto, então decidiu caminhar para aclarar as ideias e planejar o encontro que Max lhe pedira. A mensagem havia chegado durante a madrugada e isso lhe deu algo mais em que pensar, além dos seus problemas amorosos.

Quando entrou na cozinha, horas depois, estava completamente molhada e com os pés cheios de areia, mas sentia-se renovada. Nadar deixava seus pensamentos claros e a ajudava a se concentrar em suas próximas tarefas.

Vanessa e Cristina estavam sentadas à mesa, cada uma com uma xícara na mão, ergueram o olhar para ela e o mesmo desconcerto as tomou ao vê-la. Pareciam cansadas, os olhos vermelhos e ligeiramente inchados e o peso das decisões que tomaram e da conversa que tiveram na noite passada, recaiu sobre os ombros de Diana por alguns instantes. Ela quase apagou o sorriso que trazia nos lábios.

Havia outra mulher com elas. Estava sentada à cabeceira da mesa com semblante sério. Os cabelos estavam mais longos e tinha ganho um pouco de peso, porém a beleza parecia ter aumentado. O olhar negro dela se fixou na sua figura e Diana não se privou de um novo sorriso.

— Carolzinha! — Chamou animada.

— Vejam só! É a ladra beijoqueira. Quase não a reconheci, já que não está grudada na boca da minha mulher! — Respondeu a outra, sem esconder um sorriso.

A ladra se aproximou com uma risada cristalina e estalou um beijo na bochecha dela, evitando molhá-la.

— Se me chamar de Carolzinha de novo, arranco sua língua! — Prometeu a visitante. — E, pelo que vejo, você ainda não perdeu a mania chata de andar pela casa molhada da cabeça aos pés e quase nua.

Com um sorriso cafajeste, Diana puxou uma cadeira ao seu lado e sentou-se, desleixada. Sempre que visitava Carla, quando ela ainda fazia parte do crime organizado, passava o dia na piscina e vagando pela casa em trajes de banho. Foi numa dessas visitas, que Carolina a conheceu. A moça ainda não sabia na época, todavia a raiva que Diana lhe inspirava era ciúmes e sua presença acabou por fazê-la se abrir para os sentimentos que a loira lhe dedicava.

— Fala como se não apreciasse a vista! — Provocou a ladra, marota.

Ela se esforçava para não olhar para o casal do outro lado da mesa. De repente, abandonou o riso e os gracejos.

— Me desculpe por essa confusão. — Pediu e surpreendeu-se quando ela lhe tomou a mão com carinho.

— Você é uma chata convencida, que adora se gabar e beijar a mulher alheia, mas é da família. Se não fosse por você, talvez tivéssemos passado o resto de nossas vidas fingindo que havia uma parede entre nós. Ela me amando, eu a odiando sem perceber que o que sentia era amor.

— Isso quer dizer que não está mais chateada por aquele beijinho? Porque, se não estiver, nós podemos… — calou-se ao receber uma tapinha no ombro.

— Será que você só pensa nisso?! — Carolina indagou com um risinho.

— Penso em outras coisas, também. — Afirmou a ladra, com um sorriso sem-vergonha.

Carolina voltou a sorrir e perguntou para Vanessa:

— Como é que você conseguiu namorar ela?

A morena se empertigou e tentou não sorrir com o desconcerto que tomou Diana, contudo o vermelho que se espalhou pela face da ex-namorada, era algo raro e muito bonito.

Tinha adormecido nos braços de Cristina, cansada de tanto chorar. Quando o dia raiou, tiveram outra conversa longa e regada a lágrimas. Cristina se mantinha irredutível e Vanessa, que, por um breve momento, teve esperanças de que o sono a tivesse feito mudar de ideia, terminou por aceitar sua decisão. 

Não que isso lhe doesse menos, mas não podia forçá-la a permanecer ao seu lado.

Ponderou muito sobre o que dissera. Havia chegado, erroneamente, à conclusão de que as amava na mesma medida, mas Cristina havia tocado em um ponto forte. Seu amor por Diana nunca morreu, ela esteve presente em todos os relacionamentos que teve, em cada boca que beijou e sorriso que deu. Mesmo odiando-a pelo que tinha feito, a amava muito mais agora que entendia seus motivos.

De certa forma, a conversa daquela manhã a fez se sentir leve pela primeira vez, desde que se reencontraram. Deu um sorriso travesso e charmoso, como havia muito não fazia.

— Ela sabia ser charmosa, quando queria. Além disso, sempre escondia bombons de chocolate e avelã na minha mochila, com uma frase de um de seus poemas preferidos. Foi impossível não me apaixonar.

Diana mordiscou os lábios, as bochechas ardendo. Fazia muito tempo que não pensava nisso e sentiu-se, outra vez, a menina que roubou um beijo dela embaixo de uma escada com o coração batendo tão forte que temia morrer de tanta felicidade.

Carolina a encarou com uma sobrancelha arqueada e um sorriso jocoso.

— Você era fofa?! Nunca me ocorreu que fosse fofa! — Riu alto, com o vermelho que se tornou mais intenso na face dela

Diana se empertigou. Ergueu-se, e se encaminhou para fora da cozinha.

— Tive meus momentos. E já que está tão interessada na minha adolescência, por que não aproveita para saber como era a sua esposa nessa época? A primeira namorada dela, está bem aí do seu lado.

Carolina gargalhou mais alto, ignorando o incômodo na face de Cristina. As duas mulheres a encontraram na cozinha com Bento, alguns minutos antes da chegada de Diana e não chegaram a trocar mais que meia dúzia de palavras.

— Nunca pensei que alguém conseguiria deixar você sem graça! — Gritou a visitante para a ladra, que já subia as escadas para o andar superior.

Não precisava saber como Carla era na adolescência, pois a conheceu quando ela tinha dezessete anos e, depois de casadas, não havia nada que não soubesse sobre a esposa. Cristina não lhe causava tanta curiosidade quanto Vanessa que, pelo que a esposa lhe contou, era o grande amor da vida de Diana.

 

***

 

Carolina a aguardava, quando saiu do banho. Ela lhe admirou as formas por alguns segundos e sorriu sem malícia.

— Sabia que você tinha uma quedinha pelo meu corpinho. — Diana brincou, esfregando a toalha no rosto com força para tentar disfarçar os olhos vermelhos.

Não gostava que a vissem chorar, mas vinha desmoronando facilmente diante das pessoas. Quase o fizera na mesa do café. Estar perto da ex-namorada era mais que torturante e precisava de um tempo para recuperar a Diana que era. Por isso, ficou grata por poder se afastar um pouco para encontrar Max.

— O seu maior defeito é não ter olhos azuis. — Carolina retrucou, entrando na brincadeira, enquanto ela se vestia e sentava ao seu lado na cama.

A ladra lhe admirou o semblante leve, bem diferente de três anos antes, quando vivia imersa no ódio que cultivava pela mulher que agora era sua esposa. Felizmente, ela não tinha fugido quando descobriu que esse ódio era amor e realizou o maior sonho da sua amiga. Fez dela uma mulher honesta e feliz. Uma mulher de riso fácil, bem diferente da Carla que conheceu.

— Aquela loira cretina não me falou sobre isso.

Apontou para a barriga dela. Ainda era pouco evidente, mas tinha certeza de que Carolina estava grávida. A moça riu e pousou a mão sobre a barriga, com olhar sonhador.

— Foi difícil convencê-la. Ela não foi muito feliz quando criança e acha que não será uma boa mãe.

— Desde que ela não lhe dê pistolas em vez de sapatinhos, tenho certeza de que se sairá bem. — Diana tornou a brincar e Carolina a empurrou com o ombro, em meio a uma pequena risada.

A ladra se colocou de pé, terminando de se vestir. Jogou algumas roupas dentro da mochila sobre a cômoda e a fechou.

— Pretende ir a algum lugar?

— Tenho que encontrar um velho amigo, amanhã à noite. Depois, vou resolver um problema de família. — Estava mais do que na hora de encerrar aquela história com Aquiles.

Carolina se encaminhou para a porta, com a preocupação estampada na face. Diana, assim como Carla, tinha o hábito de querer resolver seus problemas sozinha e esperava que ela não fosse fazer uma besteira, enquanto sua esposa estava fora.

— Não se preocupe, vou me comportar. — Garantiu a ladra, adivinhando seus pensamentos e a moça revirou os olhos, indignada.

Aparentemente, Diana também tinha o mesmo poder que Carla possuía. A esposa conseguia lê-la como se fosse um livro. Em muitos aspectos, as duas amigas eram muito parecidas e isso, às vezes, a assustava, mesmo tendo convivido muito pouco com a ladra.

— Sei que vai ou Carla irá tirar o seu couro bem devagarinho.

— Ui! Ameaças não são a sua praia, gata. Deixa isso para sua mulher. — A abraçou forte. — Conversei com a loira, no celular, há alguns minutos.

Era uma mentira. A realidade era que não queria envolver a amiga nos seus problemas mais do que já tinha feito. Principalmente, agora que sabia que havia uma criança a caminho.

— Vamos nos encontrar em dois dias. Ela me fez prometer que a levaria comigo quando fosse resolver meus problemas familiares. — Era verdade, porém esperava que aquele reencontro se desse quando tudo já estivesse resolvido.

Estava, evidentemente, desconfortável com isso.

— Me desculpe, ela…

Carolina a interrompeu com um gesto.

— Ela te ama e não vai deixá-la sozinha em um momento complicado. Não tem ideia do quanto estava preocupada com você nos últimos meses.

— Eu realmente sinto muito.

— Autopiedade não fica bem em você. Sabe disso, não é?

Um sorriso sem graça surgiu no rosto de Diana.

— Tenho meus momentos, você sabe. — Retrucou.

— Você e Carla são farinha do mesmo saco. Embora tenham personalidades distintas, ambas são muito sensíveis. Cinco minutos naquela cozinha me deram uma boa ideia de como você está se sentindo…

A resposta da ladra foi acompanhada por um balançar de ombros.

— Eu legal!

— Quem sou eu para dizer o contrário? — Carolina passou a mão nos cabelos, pensativa, então chegou mais perto dela, sentando a mesma mão em seu ombro. — Só peço que traga a minha mulher de volta. De preferência, sem novas cicatrizes ou serei eu a arrancar sua pele!

— Agora senti medinho! Acho que são os hormônios da mamãe ursa entrando em ação! — Diana zombou, se afastando para pegar a mochila, a qual jogou nas costas. Então, a seguiu para fora do quarto, sentindo a dureza da arma dentro dela pressionando sua coluna.

 

III

 

Max enfiou as mãos no casaco. Ele suava, apesar do frio cortante da madrugada.

Estava sentado no mesmo banco de praça, onde havia encontrado Diana, dias antes. Contou tudo sobre isso e Aquiles o obrigou a marcar o novo encontro no mesmo lugar, para que a sobrinha não desconfiasse da armadilha.

Ele acendeu um cigarro com mãos trêmulas. Como da vez anterior, ela estava atrasada. Deslizou o olhar pela rua. Em uma van, estacionada na esquina, Gillian e seus homens aguardavam ansiosos para capturá-la, enquanto Aquiles fumava um cigarro dentro do carro parado em um beco, de onde podia assistir toda à ação.

O rapaz atirou a guimba de cigarro no chão e acendeu outro, pensando em Beatriz que tinha ficado na mansão como uma garantia de que ele não tentaria fugir ou alertar Diana. Soprou a fumaça para o vento, enquanto observava um casal se aproximar. Caminhavam abraçados, com passos vacilantes, obviamente ébrios. O homem riu alto, afundando o nariz no pescoço da companheira e acabou tropeçando. Alguns passos depois, ele tropeçou novamente e gargalhou quando Max o empurrou de cima de si, o chamando de otário.

— Vaza daqui, imbecil!

O homem quis brigar, mas a mulher o empurrou para longe, pedindo desculpas. Àquela hora, somente os bêbados perambulavam pela cidade. Max se encolheu, enfiando o nariz gelado dentro da gola do casaco e quase pulou do banco quando uma mulher sentou ao seu lado.

A luz proveniente de um poste a alguns metros lhe mostrou um rosto de nariz um pouco achatado e queixo quadrado. Os cabelos eram curtos e tinha piercings nas sobrancelhas e nariz. Não aparentava ter mais que vinte e cinco anos, mas quando falou, ele soube que era Diana.

— E aí, moleque! Sobre o que quer conversar?

Ele se empertigou, engolindo o choro que ameaçava dominá-lo por tê-la traído.

— M-me desculpe. Eu tentei te avisar no e-mail. Por favor…

Na fraca luz, ela pareceu confusa.

— Do que está falando? O que você fez?

Ele deixou o capuz do casaco escorregar sobre os ombros e a ouviu perguntar:

— O que houve com seu rosto?

— Eu não queria! Eles iam nos matar!

Um homem saiu dentre as sombras de um arbusto próximo. Ele usava máscara e roupas negras e apontou uma pistola para ela que, no mesmo instante, saltou sobre o banco, ordenando que Max corresse, mas ele estava petrificado de medo e não saiu do lugar.

Surpreso com sua reação, o capanga deu um tiro de aviso perto dos pés dela que interrompeu a corrida e se jogou atrás de uma árvore. O homem avançou e foi surpreendido quando ela deu a volta na árvore e se jogou sobre ele. Os dois rolaram pelo chão, disputando a posse da arma.

Desesperado, Max despertou de seu transe e tentou ajudá-la, enchendo-se de uma coragem que não possuía. Ele apanhou a pistola, mas antes que tivesse a chance de usá-la, Gillian e seus homens os cercaram.

 



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para 15. Carolina

  1. ola autora!!! tive o prazer de começar a ler essa historia no antigo site que encerrou…não lembro mais o nome do site…rsrsrsrs….eu to encantada eu poder continuar lendo sua historia…venho aqui declarar meu amor as suas historias e a sua escrita. beijos

  2. Adorei essa de “…podia ver o reflexo de Vanessa no vidro, mesclando-se com a noite estrelada além dela.”
    Detalhes interessantes assim me atraem, ainda mais assim tão poéticos que parecem deslocados. Dez!?

  3. Meu gzuzinho! Não dou conta de final de capítulo assim tendo que esperar uma semana pelo próximo. Isso é tortura com requintes de crueldade!

    Veeeemmm quartaaaaaa! hahaha

    Bjãoooo

  4. Tattah, sensacional!!!

    Q capitulo maravilhoso, valeu…

    Mto bom mesmoooooo… pena ter q esperar uma semana.

    Bjs,

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