Caçadora

17. Rachel

Revisão: Naty Souza e Néfer


 

I

(Dezoito horas antes)

 

Diana atirou a mochila no banco traseiro de um Troller laranja, estacionado ao lado de um SUV preto e um Corolla prata, na garagem. Perdeu-se, momentaneamente, na vontade de ficar e esquecer, de vez, o tio e a vingança.

Queria paz.

Ansiava ser uma mulher normal outra vez. Desejava pôr uma pedra sobre o passado e esquecê-lo, mas não seria assim enquanto o tio continuasse vivo.

Seus planos, no início, eram de se vingar tirando tudo o que Aquiles mais prezava: prestígio, dinheiro, fama, nome. Obviamente, não se tratava apenas disso. Ela nunca teve estômago para tirar uma vida e orgulhava-se desse fato, mesmo não se incomodando em ver Carla matar com tanta facilidade. Com efeito, tinha esperanças de que, ao arruinar o tio, seus inimigos fariam o trabalho sujo por ela.

Entretanto, o tempo passou e Aquiles ainda era poderoso o suficiente para manter os inimigos longe. Sendo assim, havia chegado o momento em que ela teria de sujar suas mãos de sangue e isso a deixava aterrorizada.

Seu encontro com Max seria naquela mesma noite e não na noite seguinte, como dissera à Carolina. Optou pela mentira, pois sabia que ela falaria para a esposa e não queria Carla interferindo.

Aquilo era algo que precisava resolver sozinha.

Estava ciente de que o encontro era uma armadilha do tio. Max nunca abreviava as palavras usando o “internetês” e jamais assinava suas mensagens com seu nome completo. O rapaz havia sido esperto, embutindo uma segunda mensagem na mensagem original e isso a deixou muito orgulhosa dele, mas, também, apreensiva. Afinal, Aquiles não se contentou em capturá-lo, mas também arrastou uma amiga de Vanessa para aquela confusão.

— Não vai se despedir?

Vanessa a fitava, recostada à porta que dava acesso ao interior da residência. Tê-la tão perto e, ao mesmo tempo, tão inalcançável lhe tomou o ar por alguns instantes. Sorriu, encenando confiança e enfiou as mãos nos bolsos do jeans, encostando na porta do carro.

— Não irei muito longe e não pretendo demorar — respondeu.

Vanessa tinha os braços cruzados. Sentia-se estranha ao admirá-la como uma mulher livre. Estava se acostumando ao sentimento de culpa por desejar outra, enquanto mantinha um relacionamento com Cristina. Contudo, ainda sentia o peso da separação recente e isso a impedia de lhe oferecer mais que um sorriso charmoso e amigável.

— Me desculpe por ontem. Não tenho sido eu mesma desde que essa história começou e os meus pensamentos andam bastante nublados.

 — Sou eu quem tem de se desculpar. — Abandonou seu refúgio junto ao carro e se aproximou. — Cristina é uma boa mulher e estou, sinceramente, feliz por você tê-la.

Tocou-lhe os cabelos de cachos pesados e longos, em um carinho singelo e rápido.

— Apesar de todas as minhas burradas, acho que a deusa¹ resolveu me agraciar com um acerto. — Sorriu, abrindo os braços e Vanessa se encaixou neles, aspirando o perfume dos seus cabelos com os olhos cerrados e o coração descompassado e, assim como ela, prolongou o contato o quanto pôde.

— Precisamos ter uma conversa séria! — Vanessa comunicou quando se afastaram, sentindo o vazio que a ausência do calor dela lhe trazia.

Seguiria os conselhos de Cristina; daria uma chance ao seu coração de tentar perdoar e ser feliz ao lado de Diana, outra vez. A possibilidade de, finalmente, poder construir uma vida ao lado dela a deixou sem ar por alguns instantes.

Contudo, o peso do fim do relacionamento com Cristina fazia com que mantivesse os pés no chão. Diana não era mais a “sua” Diana. Aquela diante de si, era uma mulher vivida, conhecedora de inúmeros caminhos tortuosos e com muitos pecados na bagagem.

Seu maior desafio não seria voltar a entregar-lhe o coração, seria confiar nela outra vez.

— Está insinuando que não sei conversar com seriedade? — A ladra questionou, exibindo um sorriso quando, na verdade, queria fugir dela e da dor que lhe tomava por saber que as coisas jamais voltariam a ser como antes.

— Tenho mesmo que responder?

— Não. — Deu um passo atrás com o projeto de um sorriso que não se concretizou. — Conversaremos quando regressar, está bem?

Ok.

Afastou-se em direção ao carro, devagar, ouvindo a porta conectada a residência se abrir com bruscamente. Voltou-se, imaginando que encontraria apenas o branco frio da porta, porém Vanessa permanecia de pé no mesmo lugar. Ao lado dela, Carolina a fitou com olhos marejados, contudo não chorava. Ela tinha o celular nas mãos e a voz soou aflita quando falou:

— Carla sumiu.

Assustada com a notícia, Diana a levou para o interior da casa e a fez contar o que se passava com calma.

O gerente de um dos hotéis que pertenciam ao casal, havia ligado para informar que o carro de Carla, que tinha estado no hotel na noite anterior, visitando um “amigo”, fora encontrado naquela manhã com as portas abertas e chaves na ignição. Depois disso, as câmeras de segurança revelaram as cenas de um sequestro, em que a loira foi abordada por homens armados e enfiada em outro veículo.

— Que inferno! — Diana esbravejou, escondendo o rosto entre as mãos. Respirou fundo, assistindo Carolina afundar no sofá e depois se abrigar nos braços de Bento.

Tomou o celular dela e ligou para o tal gerente. Apresentou-se como sendo do departamento de gerenciamento de crises das empresas da amiga. Exigiu que o sequestro não fosse relatado à polícia e, muito menos, a imprensa, pois tomaria as devidas providências para isso e solicitou as imagens das câmeras de segurança.

Meia hora depois, analisava os vídeos ao lado de Bento e Cristina. Enquanto isso, Vanessa, preocupada com o estado emocional de Carolina diante da sua gravidez, tentou levá-la para a cozinha com a desculpa de fazer um chá para acalmá-la. Todavia, a moça se negou a ir, ainda que estivesse agradecida com o cuidado.

— Desgraçada! — Diana falou, erguendo-se da cadeira. — Eu sabia que ela ia se intrometer! Loira cretina e idiota!

— Do que está falando? — Cristina a questionou, ligeiramente assustada com o rompante dela. Entretanto, foi Bento quem respondeu:

— Carla se deixou capturar. Ela fez de propósito.

Diana chutou o pé da mesa.

— Filha da mãe! — Berrou, passando a mão nos cabelos, nervosa.

— Por que ela faria isso, gente? — Cristina voltou a perguntar, descrente. Contudo, conhecendo a Carla de dezesseis anos atrás, sabia que era verdade.

Bento deu de ombros. Nem sempre os planos dela ficavam claros, mas sabia que a esposa da sua melhor amiga não costumava dar pontos sem nós. E se tinha se permitido ser capturada, era porque sabia que podia lidar com os sequestradores.

— Não sei — disse, cofiando a barba por fazer. — Mas tenho pena dos caras. Essa mulher é quase uma máquina mortífera.

Depois do que havia acontecido na casa do lago, Cristina concordava.

— Ela fez por você — Carolina respondeu. — Por que mais seria?

Mirava Diana com seriedade, mas não parecia furiosa, como era de se esperar que estivesse. Pelo contrário, aparentava estar aliviada.

— Se ela foi porque quis, significa que irá voltar logo. — Suspirou, curvando os ombros para frente, obrigando-se a não pensar nas intenções assassinas da esposa ao tomar tal atitude. — Odeio quando ela me assusta assim!

Ao seu lado, Vanessa perguntou:

— Isso é loucura! Por que se arriscar assim?

Diana jogou-se no sofá, com a cabeça entre as mãos.

— Ela fez  porque acha que eu não consigo matar o meu tio. — Deixou as mãos caírem sobres as coxas, erguendo o olhar para a ex-namorada.

Um silêncio pesado e sufocante tomou conta do ambiente até que Carolina o quebrou. Caminhou até a ladra e sentou ao lado dela, observando o olhar atormentado que ficou ligeiramente marejado.

— Não é que ela não a ache capaz de matar o homem que tirou a vida do seu pai… — Pousou a mão sobre a de Diana, revelando que sabia dos fatos. Um sorriso triste lhe tomou os lábios, enquanto falava.

— Apenas não quer que “você” o faça — Vanessa concluiu.

Recordou as palavras de Carla quando as salvou na casa do lago. Ela tinha deixado claro que protegeria Diana a qualquer custo, até de si mesma se fosse preciso. De repente, sentiu uma profunda admiração pela assassina.

Desde que Carolina entrou na cozinha, algumas horas antes, e se apresentou como esposa dela, perguntava-se como alguém tão fria podia conquistar o amor de uma mulher como aquela. Agora, entendia que ela e Diana eram muito parecidas e, de um modo estranho, possuíam os mesmos valores e anseios.

Diana se pôs de pé. Olhou Carolina, com os lábios crispados, e voltou a pegar as chaves do Troller.

— Me desculpa, Carolzinha, mas a sua mulher é uma loira irritante, cabeça dura, estúpida e… Droga! É a melhor amiga que já tive! — Riu, abanando a cabeça. — Só que agora me deixou um grande problema.

— Como assim?

Com voz levemente exaltada, explicou a situação. Contou sobre o encontro com Max e aguardou uma explosão de Vanessa, mas esta se limitou a abrigar-se ao lado da janela, mirando o oceano.

— Não tenho dúvidas de que Carla possa sair ilesa de toda essa história, mas ela não sabe sobre Max e Beatriz.

Bento fez um careta, enfiando as mãos nos bolsos da bermuda. Baixou a cabeça, encurvando-se levemente, o que o fez parecer ainda mais magro que o normal.

— Eles podem acabar morrendo. — Concluiu ele, ao entender o raciocínio de Diana.

Ela brincou com as chaves por alguns instantes, fazendo-as tilintar incomodamente.

— Pretendia resolver essa confusão sozinha. — Esclareceu. — Mas, agora, vou precisar de ajuda.

Enquanto contava sobre a mensagem de Max, Cristina voltou a assistir as imagens do sequestro, deixando um vinco se formar na testa quando ergueu as sobrancelhas. Falou:

— Talvez, as coisas não sejam tão ruins. Podemos ter ajuda especializada.

Ela mostrou a tela do notebook para que todos pudessem ver a imagem congelada de outro carro seguindo o dos sequestradores. No ponto em que o vídeo parou, era possível ver uma mulher no volante.

— Essa é… — Ela começou a explicar, porém Diana completou:

— Rachel Lorenzzo, sua ex-chefe. — Soltou o ar com força. — Afinal, Carla planejou as coisas direitinho. Que cretina!

 

II

 

Max e Beatriz foram envolvidos em um abraço apertado que quase lhes tomou o ar. Mal podiam acreditar que estavam com Vanessa.

— Que bom que estão bem! — Ela os soltou. Usava roupas largas e negras e tinha uma máscara, da mesma cor, nas mãos.

Max ainda tremia, um pouco assustado, e sentou num dos bancos de uma van semelhante a que ele e a mulher que pensava ser Diana tinham sido transportados. Não sabia em que momento a troca aconteceu, mas quando Gillian ordenou que fossem levados de volta para o esconderijo, quatro dos sete capangas no transporte eram, na verdade, Diana, Bento. Vanessa e Carolina limitaram-se a seguirem o veículo de forma discreta e de um distância segura e só puderam fazer isso após muitos protestos.

Diana e Bento se misturaram entre os demais capangas, aproveitando-se do fato de que as máscaras e roupas largas ocultavam suas identidades. Conhecedora das táticas de ação de Gillian, Diana os preparou para assumirem esses papéis e durante a captura de Cristina e Max livraram-se de dois deles e tomaram seus lugares.

Bento conduziu Max para seu quarto, com um dos capangas verdadeiros e o nocauteou quando lá chegaram. Com sua ajuda, encontraram Beatriz e retornaram para a van estacionada fora da propriedade, onde Vanessa e Carolina aguardavam. Sair da casa não foi difícil e nenhum dos capangas verdadeiros os parou. Assim que alcançaram a parte externa da propriedade, dirigiram-se para um dos portões laterais.

Um homem mal-encarado meneou a cabeça à sua passagem. Aos pés dele, o verdadeiro vigia daquela saída, estava caído.

O homem no portão era um mercenário. Um dos quatro contratados por Carla para ajudá-la naquela empreitada. Ele e amigos haviam passado a noite em um furgão que estava estacionado nos arredores do imóvel. Eles aguardavam o sinal verde de Carla, que seria dado através de um sinal de rádio embutido no relógio dela, para invadirem a chácara. 

Longe de serem criminosos, como os que ela comandou no passado, aqueles homens já tinham servido seus países nas forças armadas. Agora, lutavam por quem pagasse o maior preço, entretanto, se davam ao luxo de escolherem somente o que consideravam causas nobres. E, embora trabalhassem com Rachel Lorenzzo, não faziam parte da empresa que ela comandava.

Foram contactados de forma repentina para uma tarefa especial. Acharam a investida estranha, mas Rachel fez questão de dizer que estava pagando um favor e que eles seriam bem recompensados por isso.

No meio da manhã, ela entrou em contato anunciando a presença de outros participantes na ação. Informou sobre os reféns na casa e que estes seriam resgatados pelos novos companheiros, depois disso, deveriam prosseguir com o plano original.

— O caminho está limpo para vocês. — Bento disse para o sujeito, que quase sorriu ao ouvir o apito do relógio anunciando o sinal verde que Carla enviou.

Max se encolheu no fundo da van, aliviado por não estar mais sob a mira de uma arma. Por um breve momento, o rapaz até imaginou que estava participando de um filme de ação, mas logo o peso da realidade lhe caiu. Contudo, a felicidade de reencontrar Vanessa e saber que estava bem, afastou seus medos.

Ele sorriu para a amiga e depois para a moça que a acompanhava, notando ansiedade desta. Carolina fez menção de abrir a porta do veículo com intenção de sair, mas Bento a impediu.

— Onde pensa que vai?

— A espera está me enlouquecendo. Preciso de ar.

Ele riu, balançando a cabeça e a puxou para o banco ao seu lado.

— Você precisa é ficar quieta. Já correu perigo demais vindo até aqui. Não irá se arriscar indo lá fora. Já fizemos o que tínhamos combinado. Agora, é com Diana, Cristina e o pessoal da tal Rachel.Fica na sua e relaxa.

— Como se fosse fácil! — Fez um muxoxo e ele segurou-se para não rir.

Vanessa compartilhava da sua ansiedade, afinal, as duas mulheres que amava estavam no meio daquela confusão, arriscando suas vidas. Assim como Carolina, queria correr para ajudá-las, no entanto, estava bem consciente de que não possuía as habilidades necessárias para contribuir naquela situação mais do que já tinha feito.

 

***

 

Gillian apontou a arma para Diana, mas antes que efetuasse o disparo, Cristina o golpeou. Ela chutou a parte de trás de seu joelho, atirando-o no chão. Apesar do tamanho avantajado, ele rolou pelo chão com uma cambalhota e voltou a se pôr de pé, com a arma em punho.

Sorriu para Cristina, antevendo o buraco da bala que cravaria em seu peito, então algo grande o atingiu. Carla havia lançado a cadeira que ocupava nele, desarmando-o e lacerando seu rosto.

Por um breve instante, Diana se distraiu com a luta e Aquiles avançou. Os dois se chocaram contra a parede, brigando pela posse da arma. Ele segurou firme o objeto e esmurrou sua barriga atingindo, em cheio, o ferimento ainda em fase de cicatrização. Ela soltou a arma e deixou-se cair sentada no chão, quando ele efetuou o disparo. Usou as pernas como uma tesoura, trazendo-o para o chão também e a arma escorregou pelo cômodo até a base da porta de vidro que levava a sacada.

O tio jogou-se sobre ela, envolvendo seu pescoço com ambas as mãos. Diana o socou no pescoço e ele caiu de lado. Enquanto erguia-se, buscando o ar que ele lhe tirou, viu o quarto ser invadido por mais dois capangas e Cristina, com mão firme, os alvejou com a arma do capanga que ela tinha nocauteado. Enquanto isso, Carla e Gillian trocavam socos.

O grandalhão era forte, mas Carla era ágil. Quando ele tentou socar o rosto dela, achando-se em vantagem por tê-la encurralado, a ex-mafiosa esquivou-se e o golpe atingiu a parede. O som dos ossos da mão dele se partindo ecoou pelo cômodo. Gillian recuou, contendo um grito de dor, e ela lhe atingiu com um soco no queixo, depois outro nas costelas e mais um no estômago.

Ele retribuiu, atirando-a contra a parede outra vez e chutando seu ventre. Quando principiava um novo chute, ela lhe travou a perna. Com um sorriso malvado, desceu o cotovelo no joelho dele. Um urro gutural escapou do capanga quando, em seguida, ela o golpeou na virilha.

Gillian caiu, mas Carla não soltou sua perna. Em vez disso, girou-a com força e, outra vez, o som de ossos quebrados se fez ouvir. Ele esticou o braço bom e pegou a arma que estava caída ao seu lado, mas ela esmagou sua mão pisando-a forte. O grandalhão gemeu, um som esganiçado, quase tímido. Por sua vez, mostrou um sorriso vermelho e chutou o rosto dele, que cuspiu sangue e saliva.

Gillian tentou se afastar dela, mas estava bastante ciente de que o seu fim era inevitável, então parou abruptamente e a encarou sem piscar os olhos, enquanto ela encostava a arma na sua testa.

— Nos vemos no inferno. — Ele disse.

Carla sorriu, o costumeiro sorriso distorcido que sempre lhe vinha a face na hora de matar. Balançou a cabeça e puxou o gatilho.

Nesse meio tempo, Diana caminhou até a arma junto à porta. Abaixava-se para pegá-la, quando Aquiles jogou-se sobre ela novamente. Atravessaram o vidro, caindo sobre dezenas de cacos. O sangue dos dois misturava-se no chão, formando uma massa escorregadia e cortante.

Ela se pôs de pé primeiro, desorientada graças a pancada. A visão estava ligeiramente borrada e, quando, finalmente, conseguiu focalizar algo, o tio tentava cravar um pedaço de vidro em seu peito.

Ela cambaleou para o lado e, como avançava em um grande impulso, ele passou direto sobre a balaustrada.

Quando chegaram ao térreo, o encontraram se arrastando até uma árvore, havia uma fratura exposta na perna. Um de seus braços estava estranhamente retorcido.

Não havia mais capangas de pé para protegê-lo. No caminho até ali, os dois últimos que escaparam dos mercenários e ainda estavam acordados e sãos, desceram as escadas rolando, graças a Carla e Cristina. 

Diana se aproximou do tio, claudicante. Uma pistola na mão, a qual apontou para o peito dele. Às suas costas, as duas amigas aguardavam o desfecho daquele embate. Aquiles sorriu, cuspindo sangue. Mal dava para reconhecê-lo, graças aos cortes na face.

Diana tremia pela mistura intensa de dor física e os sentimentos que se digladiavam em seu interior pelo que estava prestes a fazer.

— Por que você o matou? — Questionou com voz entrecortada. Tinha passado o último ano se perguntando os motivos de ter perdido a pessoa mais importante da sua vida, o homem que a criou e lhe ensinou sobre valores que, nos dias atuais, eram raros e motivo de deboche. O homem que a amou incondicionalmente e respeitou seu coração quando lhe disse que amava uma garota, que fez troça do seu jeito de moleca apaixonada, que lhe ensinou a lutar por seus sonhos e buscar sua felicidade com respeito e dignidade.  — Por que matou o meu pai?

Aquiles riu, expulsando uma grande quantidade de sangue pela boca. Sabia que havia perdido. No fim, ele havia se tornado a caça da sua preciosa Caçadora. Era irônico que tudo acabasse assim.

— Muitas coisas nos separaram — falou, a voz pastosa. — Poderia citar uma dezena delas, mas só uma interessa.

Riu outra vez, enquanto Carla se aproximava mais da amiga.

— Por quê?

Ele ergueu o olhar para o céu. As cores do amanhecer começavam a afastar o negro da noite.

— Porque ele me deixou. Ele me abandonou. Primeiro, foi pela sua mãe, depois por você. Eu era o irmão dele e ele traiu o sangue que nos unia! — Foi interrompido por um acesso de tosse. — E você fez o mesmo, depois de tudo que lhe ensinei e dei. São farinha do mesmo saco, afinal!

Era absurdo, quase ridículo que toda a dor pela qual passara se resumisse àquilo. A vida do seu pai foi salva para, depois, ser arrancada dele pelo ciúme de um homem mesquinho e inescrupuloso como o que tinha diante de si.

Nunca sentiu tanto ódio quanto naquele momento. Era um sentimento tão intenso, tão doloroso e cruel que corrompia suas forças.

Lágrimas lhe chegaram aos olhos, embaçando a visão. Tentou enxugá-las com as costas da mão, mas só conseguiu piorar seu estado, já que esta sangrava fartamente, graças a um corte. Então, usou a gola do casaco para limpar-se e, quando voltou a mirar o tio, ele ainda sorria.

— Você não tem coragem. Você não sabe matar, mas é bom aprender. Se me deixar vivo, irei gastar cada segundo do meu tempo para caçá-la. Eu vou te pegar…

As mãos dela tremiam, violentamente. Ele tinha razão, Carla tinha razão, todos tinham razão. Ela não fora feita para a morte, mas iria matá-lo, pois, como havia prometido a si mesma, não permitiria que ele lhe tirasse mais alguém querido.

No entanto, era muito difícil apertar o gatilho.

A amiga se aproximou mais, envolvendo sua cintura com uma das mãos e pousando a outra sobre a arma.

— Você não precisa fazer.

— Sim, preciso — sussurrou em resposta.

Carla a puxou para mais perto.

— Olhe para mim — pediu e, com muito custo, Diana a mirou e surpreendeu-se com os hematomas em sua face. Gillian a castigara, mas nunca duvidou que ela pudesse vencê-lo. — Uma das coisas que mais admiro em você é a vida que vibra em cada um dos seus gestos, até mesmo nas piadinhas infames. Quando se mata alguém, morre-se um pouco também. É por isso que estou aqui, para carregar esse fardo por você. Estou aqui para fazer o que você não é capaz de fazer, assim como você esteve “lá” por mim e fez aquilo que eu não podia e nem tinha capacidade.

Ela lhe sorriu, dona de uma serenidade inquietante.

— Ele destruiu a minha família — retrucou, os lábios trêmulos.

— “Nós” somos a sua família e ele não destruiu isso. Nem irá.

Diana voltou a mirar Aquiles. Passou um ano inteiro sonhando com aquele momento, mas acreditando que lhe tirar seus bens e orgulho era a melhor vingança. Agora, tudo pelo que passou e o que fez, lhe parecia insignificante e estúpido.

É só puxar o gatilho”, pensou. Mas continuava sem forças para fazê-lo.

Voltou a olhar para a amiga. Ainda estava escuro, mas viu-se refletida no azul dos olhos dela; uma lembrança de uma época distante em que lhe prometeu cuidar e proteger a qualquer preço.

O preço de uma morte sobre os seus ombros, lhe parecia alto demais. Contudo, para Carla, era nada. Com um suspiro doloroso, cedeu ao choro. Entregou a arma a amiga e buscou abrigo entre seus braços.

Carla a embalou por alguns segundos, sussurrando que tudo ficaria bem, então mirou Aquiles com desdém e, pela primeira vez em sua vida de assassinatos, não estava sorrindo quando atirou.

 

________

¹ Diana refere-se a deusa grega Ártemis, cuja versão romana deu origem ao seu nome. Como revelado em outro capítulo, a referência a deusa da Caça e da Lua é uma espécie de piada entre ela e Vanessa.

 

 


Uau!
Sabia que vocês iam tirar esse desafio de letra! Hehe… Vão desculpando a hora da postagem, mas tive alguns imprevistos durante o dia e foi a hora que deu. Mesmo assim, espero que tenham curtido o capítulo e espero que estejam preparadas para as emoções finais do capítulo que vem.

Beijo grande e carinhoso! Tenham um ótimo fim de semana!



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para 17. Rachel

  1. Uau! Menina, que extra foi esse?! Lendo quase sem respirar, muito bom.
    Pena que já está acabando.

    Abrs, o/

  2. Adorooooooooo

    Vc tá acabando com a minha tecla F5, modo atualização ansioso por esse extra!

    Genteeeeeeee, eu não lembrava dessa treta toda que Carla arma, mas amei num grau elas acabando com essa mala desse tal de Aquiles.

    Não creio que já está acabando?! Não estou preparada! hahaha Riso de nervoso!

    Bjãooooo

  3. Lindo cap., esse romance se trata acima de tudo da
    AMIZADE, um amor tão profundo q ultrapassa as dores
    q elas sentem. Carla e Diana são amigas de alma.

    Valeu Tattah, boa noite, bjs…

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