Caçadora

5. Aquiles

Revisão: Naty Souza e Néfer

 


 

Por um momento, Vanessa pensou ter entendido errado, então o homem repetiu o nome e ela não conteve uma risada de descrença.

— É a coisa mais estúpida que já ouvi! — Declarou. — Diana morreu há mais de dez anos. Essa mulher, seja lá qual for o seu nome, não é ela. Você cometeu um erro!

Na tela, a sombra de Aquiles acendeu um cigarro, deixando seu rosto à vista por um breve momento. Cicatrizes profundas o marcavam; uma delas traçava caminho sobre o olho direito, que permaneceu fechado. Os lábios dele se curvaram em um sorriso de desprezo e chegou mais perto da câmera.

— Você tem um túmulo para provar isso, não é mesmo? — Disse ele, destilando seu sarcasmo.

Os lábios dela tremeram, adivinhando o que diria depois e sentindo o peso doloroso daquela verdade.

— Tudo o que você tem é um túmulo com um caixão vazio, que já deve ter virado pó. — Ele continuou, soltando uma lufada de fumaça entre os lábios.

— Ela morreu — Vanessa afirmou, indignada e incapaz de acreditar no absurdo que estavam vivendo. Tinham sido sequestradas por um louco.

Seu olhar encontrou a face alva e confusa de Cristina, cujos olhos castanhos tinham um brilho inquieto, ora fixando o rosto marcado de seu sequestrador, ora fitando a namorada. Havia dúvida naquele olhar e Vanessa compreendia o motivo, afinal, nunca lhe contou sobre Diana.

Vanessa lhe falou sobre relacionamentos anteriores, até mesmo sobre Mariana, porém nunca mencionou o nome de Diana. Não porque tivesse decidido guardar a memória da namorada morta ou tivesse receio que Cristina percebesse que ela ainda amava um fantasma, mas sim, porque era doloroso. A morte dela permanecia uma ferida aberta no seu peito.

Vanessa ergueu o queixo, tornando a encarar o homem na tela. Declarou:

— Seja lá quem for esse fantasma que está perseguindo, não o encontrará através de mim.

O sorriso de Aquiles aumentou. Aquela conversa começava a se tornar divertida.

— Ah, você tem a mesma paixão no olhar que ela. Tão intensa, tão cheia de vida — ele riu, alisando a gravata cinza que contrastava com a camisa preta. — Toda essa vontade de manter a imagem dela imaculada, de negar a possibilidade de ter sido enganada e abandonada é, no mínimo, bonito e estúpido também.

Ele fez uma pausa, colocando o cigarro nos lábios, escondendo, por um segundo, o sorriso cínico.

— Pessoalmente, não compreendo essa chama que as pessoas nomeiam de amor. Para mim, não passa de fraqueza e distração. E é isso que você é: a fraqueza dela.

— Mas que droga, Diana está morta! — Vanessa repetiu, os punhos cerrados.

— Com certeza, você prefere que seja assim. É mais fácil do que aceitar que ela partiu e a abandonou com uma mentira tão cruel. — Aquiles alfinetou.

Ela apoiou as mãos na mesa, ficando mais próxima do computador e Aquiles admirou as esmeraldas em seus olhos, recordando as inúmeras vezes em que flagrou Diana fazendo o mesmo com uma fotografia velha e amassada dela, no primeiro ano de sua parceria.

Ele fingia não notar, desde que Diana permanecesse concentrada em suas missões, todavia não perdia a oportunidade de recordá-la de que o passado deveria ser apenas isso: passado. Apegar-se a ele prejudicaria seu caminho e acabaria por lhe tomar a liberdade e a vida. E, aos poucos, ele a moldou, trouxe à tona sua frieza e desejos mais sombrios. No fim, Vanessa ficou no esquecimento quando Diana passou a desfrutar do lucro do seu trabalho.

Pelo menos, era o que ele pensava até descobrir, anos depois, que se mantinha informada sobre a ex.

— O corpo nunca foi encontrado. — Relembrou ele.

— Ela está morta! Quantas vezes terei que repetir?! Você não tem o direito de desenterrá-la desta forma! — Vanessa gritou, as mãos varrendo os papéis sobre a mesa e jogando-os no chão.

Miles se adiantou, no entanto um gesto do chefe, acompanhado de algumas palavras em francês, fizeram o capanga retornar para o seu lugar, ao lado de Gillian, que estava recostado na porta.

— Ora, Vanessa, você é mais esperta que isso. Tire-a do pedestal em que a colocou e analise as informações que estou lhe dando com frieza.

Ela baixou o olhar, ligeiramente marejado pelo ódio que Aquiles lhe inspirava por macular as boas lembranças que tinha de Diana. Mas não estava disposta a permitir que continuasse com isso. Ao seu lado, Cristina pegou a mão dela, percebendo que estava trêmula. Lhe pediu calma, claramente preocupada. No entanto, Vanessa não conseguiu se conter e gritou para o monitor:

— Já chega! Você não passa de um louco mentiroso! Armou este circo para nos contar uma lorota. Brincar com nossas emoções! Que tipo de homem é você?

O vento soprou pela janela entreaberta, fazendo com que os papéis no chão se espalhassem ainda mais. Por um longo minuto, Aquiles fitou o rosto de tez morena e expressão furiosa, com interesse desmedido. Pela primeira vez, acreditou que aquela era, realmente, a outra metade de Malena.

Não estava jogando palavras ao vento quando disse que ela tinha a mesma paixão no olhar que sua ex-protegida, mas agora, também enxergava a mesma coragem e o desafio nele. Estava “diante” de uma mulher completamente diferente daquela descrita nos relatórios de vigilância e fotografias que recebia semanalmente.

Esse encontro estava lhe saindo melhor do que imaginava. Coçou o queixo, sorrindo, e continuou como se ela não tivesse dito nada:

— Em um rio, tudo é possível. O corpo pode ter sido arrastado pela correnteza e ficado preso no fundo… Foi o que ouviu do resgate, certo? Quantas vezes isso acontece mundo afora? Pessoas morrem assim o tempo todo. E quem vai duvidar de que estão mesmo mortas?

— Já disse para parar com isso. Chega das suas mentiras! Nos liberte ou nos mate, mas pare com esse teatro maldito! — Vanessa gritou.

Outra vez, Aquiles fingiu não tê-la ouvido.

— Sabe, na verdade, foi simples. Malena… Desculpe! Diana só precisava parecer triste e depressiva por alguns dias; deixar uma pista, aqui e ali, do seu desequilíbrio mental. Jogar o carro da ponte foi um pouco mais arriscado, entretanto deu tudo certo. Quer saber como ela escapou?

Chegou um pouco mais perto da câmera, percebendo a curiosidade no rosto furioso dela. Começava a perceber a dúvida em seu olhar. Logo, essa hesitação se tornaria uma certeza e ele teria alcançado um de seus objetivos.

— Havia um mergulhador esperando por ela. E, alguns metros adiante, um barco os resgatou. Com toda a comoção pelo acidente, ninguém notou o barco se afastando do local. Pessoalmente, apesar de ter sido simples, achei o plano um pouco exagerado, todavia estava curioso sobre o que ela faria. E foi divertido!

— Você devia vender esse roteiro para Hollywood. Ficaria rico! — Vanessa escarneceu, cada vez mais convencida da insanidade dele. No entanto, algo dentro de si admitia que o que ele dizia fazia sentido e, embora fosse um plano insano, era perfeitamente plausível.

Abanou a cabeça, afastando tais pensamentos. A possibilidade de que aquilo pudesse ser verdade fez a ferida em seu peito pulsar. Não! Diana jamais a trairia dessa forma. Ela nunca destruiria a história que viveram e o amor que dividiram, de um jeito tão insano, covarde e despropositado. Que motivos teria para fugir e fingir-se de morta?

— Hollywood imita a vida, Vanessa. Não se iluda. Tirando todos os efeitos computadorizados e o excesso de explosões, o que resta é uma boa parcela da realidade.

Vanessa inspirou profundamente e passou a mão na face, afastando alguns fios negros e ondulados do cabelo volumoso, que insistiam em lhe cair sobre os olhos.

Devia estar tentando negociar sua liberdade, em vez disso, tinha se deixado arrastar pela imaginação fértil daquele homem estranho, desfigurado e, com certeza, muito perigoso. Quem quer que ele fosse, tinha se dedicado a investigar sua vida, escavando seu passado, dores e amores.

Seus lábios se comprimiram em uma expressão de ódio, mas quando falou, a voz soou suave e calma.

— Se o que você diz… — ela limpou a garganta, decidida a permanecer no assunto até conseguir arrastá-lo para a realidade e, assim, tentar escapar daquela situação com Cristina. De preferência, ilesas. — Se ela está viva, então por que não foi embora, simplesmente? Por que ter todo esse trabalho?

Voltou a fitar a tela e ouviu a risada debochada dele, que lhe trouxe uma sensação de desagrado. Apesar das janelas abertas, a temperatura na sala ampla e decorada com requinte, pareceu aumentar dez graus e o suor escorreu pela nuca dela, encontrando abrigo no tecido fino da camiseta que usava.

Diana havia morrido imersa no desespero de sua própria dor, uma dor da qual não tinha sido capaz de tirá-la, apesar de todo o amor que lhe dedicava. Vanessa amargaria aquela tristeza e impotência até o fim de seus dias. Se ela estivesse viva e naquela sala, provavelmente, estaria rindo até às lágrimas após ouvir tantos absurdos.

E, por um momento, a lembrança do riso da namorada falecida invadiu os sentidos dela, inundando-a de saudades. Então, foi tomada pela culpa quando Cristina aumentou a pressão das mãos que seguravam a sua. A amava e era um sentimento puro e sincero, mas era fato de que jamais voltaria a amar e se entregar a alguém como tinha sido com Diana. Prova disso era o estado de nervos em que se encontrava naquele momento, sendo obrigada a tirá-la de suas lembranças e pronunciar seu nome como, havia muito tempo, não fazia.

— É uma ótima pergunta! — Aquiles a arrancou de seus conflitos internos. — E a resposta é mais simples do que parece. Morta ela poderia ser quem quisesse, ir aonde desejasse, estaria livre para fazer o que nasceu para fazer.

— E o que seria? — A voz de Vanessa saiu estranhamente rouca, arranhando as cordas vocais.

— Ser uma lenda no mundo do crime.

Por um segundo, ela pensou ter ouvido mal, então Aquiles repetiu a frase e, de repente, uma gargalhada escapou dos lábios dela.

— Diana?! Uma lenda no mundo do crime? Você é mesmo um doido! Agora chega, de verdade. Por que não paramos com essa brincadeira estúpida e voltamos para nossas vidas? — A cabeça dela latejava, cada vez mais forte, acompanhada por uma vertigem.

A mulher que amou, aquela de sorriso fácil, de palavras doces, que jurou amar até o fim dos tempos, não era a mulher de quem ele falava. Toda aquela situação era o fruto dos delírios de um louco e, pela primeira vez, Vanessa temeu por suas vidas.

— Diana era uma mulher honesta e trabalhadora que morreu de uma forma violenta e triste. Por favor, pare com isso… — As palavras dela perderam a força, quando Aquiles exibiu uma fotografia diante da câmera.

— Parece familiar? — Ele indagou.

O ar faltou à Vanessa, por um instante, e ela soltou a mão de Cristina. Na foto, duas mulheres conversavam, caminhando pela praia de mãos dadas. Uma delas era loira e alta, o vento jogava os fios longos e claros na face, impossibilitando que visse seu rosto com clareza.

A outra, era morena. Usava um biquíni preto, expondo a pele dourada e a tatuagem nas costelas. Um desenho que Vanessa conhecia muito bem, afinal, o tinha feito. Sua vertigem aumentou ao direcionar os olhos para o rosto dela. Aquele sorriso e olhar eram inconfundíveis.

Era Diana.

— Alguns anos mais velha, mas inconfundível, não é mesmo? — Aquiles baixou a foto.

Vanessa balbuciou algo ininteligível, dobrando-se um pouco. A cabeça latejou mais forte e toda a cor fugiu da sua face.

— Você está bem? — Cristina questionou, puxando seu rosto com delicadeza, todavia Vanessa não a enxergava naquele momento.

Era Diana, ela estava mesmo viva! Seu coração palpitou mais forte e experimentou uma mistura de alegria, confusão e raiva.

— Onde? Quando? — Vanessa indagou, quase sussurrando.

Não podia ser verdade, mas era. Poderia alegar que era alguém muito parecida, mas aquela tatuagem desmentiria suas palavras. Era mesmo Diana e desejou poder ver a foto mais de perto, entretanto Aquiles sorria, arrogante, abanando-se com ela.

— Caçadora. É assim que ela é conhecida no mundo do crime — ele balançou a foto diante da câmera rapidamente. Os olhos negros irradiando um brilho malvado. — Ela não gosta muito desse apelido. É uma pena, pois acho que combina perfeitamente.

— O que ela caça? — Vanessa desejou perguntar, mas foi Cristina quem deu voz à pergunta e Aquiles pareceu notá-la pela primeira vez.

— Relíquias. Tesouros. Tudo que é belo, especial, único e caro! — Balançou os ombros quando riu. — Arte é sua especialidade. Aliás, ela sempre gostou de dizer que o que faz é arte. Devo concordar, ela é a melhor do ramo. Para ela, o que interessa é o desafio. Quanto mais difícil e perigoso, melhor.

Ele passou a mão pelos cabelos negros, voltando a mirar Vanessa.

— Você me perguntou que tipo de homem sou. Aqui vai sua resposta: sou um caça-talentos oportunista. Malena é o maior talento que encontrei, — deslizou a ponta dos dedos pela face marcada — e o meu maior erro também. Erro que pretendo corrigir com a sua ajuda involuntária.

Ele baixou a vista para a foto, suspirou e disse:

— Esta fotografia é antiga.

— Quão antiga? — Vanessa indagou, recuperando sua voz.

Ele deu de ombros, atirando a fotografia sobre a mesa que ocupava, antes de alisar a gravata distraidamente.

— Foi tirada há seis anos, em um momento muito raro. — Explicou ele, que fez um gesto à frente do rosto, como se estivesse conversando com alguém.

Na sala, Gillian se adiantou, retirando do bolso um envelope e entregando-o para Vanessa, então retornou para junto da porta.

— Ela costuma ser cuidadosa. Nunca se deixa fotografar, pelo menos, não com sua real aparência. Imagino que o motivo, na ocasião, tenha sido a companhia.

Por um minuto, Vanessa encarou a tela, evitando olhar a fotografia que tinha retirado do envelope. Mas não conseguiu resistir por muito tempo e, involuntariamente, deslizou o dedo sobre o rosto de suas recordações mais felizes e mais tristes também.

— Não consigo acreditar… — Ela disse e repetiu.

Sem conseguir segurar as lágrimas, se deixou consolar por Cristina, que parecia tão perdida quanto ela, porém a envolveu em um abraço apertado que lhe devolveu a sobriedade. Após um minuto silencioso, Vanessa se afastou dos braços da namorada para analisar a foto, minuciosamente.

Diana parecia feliz e olhava para a mulher que a acompanhava com carinho, da mesma maneira que costumava olhá-la quando namoraram. E, mesmo depois de tantos anos, do choque daquela descoberta e da raiva que sentia pela traição, não conseguiu evitar o ciúme que a tomou. Amassou a foto, engolindo o que restou de suas lágrimas.

— Não importa se você acredita ou não. — Aquiles declarou. — O fato é que Malena ou Diana, não interessa o nome, virá à sua procura. Quando isso acontecer, irei pegá-la. Posso garantir, ela irá morrer de verdade.

O verde dos olhos de Vanessa tornou-se mais escuro e Aquiles reconheceu o tom carregado de ódio na voz de timbre suave:

— Se vier, como você afirma, quero cinco minutos com ela. 

Ele teve vontade de rir daquela inocência, mas se conteve, dizendo:

— É justo.

Vanessa ergueu-se da cadeira que ocupava e Cristina a acompanhou, claramente na dúvida se aquela estranha reunião havia chegado ao fim, no entanto, ninguém as impediu quando se dirigiram para a porta.

— Vanessa — Aquiles a chamou e ela interrompeu seus passos, voltando-se para fitá-lo uma última vez.

O vídeo e o local escuro onde ele se encontrava como, também, a aparência, deu a ela a impressão de estar vendo um filme de terror. E quem poderia lhe dizer o contrário? Todas as suas certezas tinham acabado de desmoronar e um fantasma estava retornando do túmulo.

— Sim?

— Eu disse que irei matá-la. Não se importa?

Ela baixou o olhar para a imagem amassada entre suas mãos. Um turbilhão de emoções revolvia seu interior, porém tinha uma certeza e a expôs sem qualquer inflexão na voz:

— A Diana que conheci já está morta, senhor. Essa mulher não passa de uma estranha.

Quando Miles as levou de volta ao quarto, Aquiles ainda ria daquela resposta atrevida e Gillian esperou, paciente, que o patrão se acalmasse para questionar, fazendo uso de um direito que tinha conseguido após tantos anos de trabalho e fidelidade:

— Senhor, por que contou tudo isso para ela?

Do outro lado da transmissão, Aquiles soprou uma nuvem de fumaça, exibindo uma fileira de dentes perfeitos antes de amassar o que restava do cigarro em um cinzeiro.

— Há muitas maneiras de derrotar um inimigo, Gillian. A Caçadora ama aquela mulher. Ela é a sua maior, aliás, a única fraqueza. É a ladra perfeita, forte, inteligente, fria, todavia nunca conseguiu se desapegar do passado e isso será a sua ruína. Quando Malena chegar, quero que ela veja o ódio no rosto da mulher que ama, que sinta sua ira e rejeição. Essa será a minha vingança. Então, a farei assistir a morte de Vanessa, destruirei seu coração e alma ao mesmo tempo — na tela, um sorriso quase diabólico se formou em meio à fumaça que se erguia do cinzeiro. — Só então, a matarei também.

 

***

 

Diana estacionou no acostamento e fez o resto do percurso a pé.

Ia devagar, atenta a todos os detalhes do muro em volta da mansão, localizada em um bairro nobre. Era uma propriedade enorme e bem guardada, circundada por uma área de mata fechada.

As imagens que Max lhe deu, a levaram até o bairro e o seu conhecimento sobre Aquiles a levou até aquela casa, que estava registrada em nome de Adrian Rivera, um dos muitos codinomes que seu ex-empregador usava para adquirir propriedades.

Ela passou o dia anterior escondida na mata,  observando o movimento de entrada e saída da casa, assim como a troca da guarda e localização das câmeras. Um dos seus contatos conseguiu a planta da propriedade, entretanto ela estava certa de que o local já não era da forma indicada no documento, visto que Aquiles costumava fazer reformas significativas em todas as suas propriedades. Mesmo assim, o traçado a ajudaria a se situar.

Diana não se iludia. Era óbvio que se tratava de uma armadilha. A facilidade com que encontrou o lugar, era mais que prova disso. Se Max não tivesse lhe dado as filmagens, ela teria encontrado o paradeiro de Vanessa de qualquer forma, só levaria um pouco mais de tempo.

Era o início da noite e o trânsito era intenso naquele momento, mas nada que impedisse as pessoas de praticarem um esporte ao ar livre. Diana se agachou junto ao meio-fio, ajustou os cadarços do tênis e iniciou uma corrida leve. Seguia com passadas ritmadas e a respiração regular de alguém que se exercitava com frequência.

Estava concentrada, cada passada a deixava mais próxima do seu objetivo, mais perto de Vanessa. Naquele momento, fazia jus ao apelido que Aquiles lhe deu, era uma caçadora e Vanessa era a presa.

 

***

 

Will desligou o celular com irritação. Era a quarta vez que ligava para a namorada, mas ela não atendeu. Estava chateada por ter descoberto mais uma de suas traições. O que fazer? Ele era homem e tinha necessidades. Todos os homens tinham. Mas Paulina não queria entender isso.

Vagou o olhar pelo quarto minúsculo, no porão da mansão, e exalou, entediado. Um conjunto de monitores tomava, parcialmente, a parede à sua frente. Ele se reclinou na poltrona, deslizando o olhar por cada um deles. Não havia nada de anormal, então fez uma nova tentativa, selecionou o número de Paulina na agenda do celular e esperou.

Ouvia os toques de chamada com o olhar fixo no único monitor que tinha movimento. Acompanhava o progresso de uma esportista. Chateado e esperançoso, manteve sua atenção ali.

Por que Paulina tinha de ser tão inflexível? As outras não significavam nada. O último toque cessou e uma mensagem gravada pediu para que deixasse um recado. Irritado, atirou o celular sobre a mesa e bagunçou os cabelos, enquanto liberava uma grande quantidade de ar entre os lábios finos.

No fundo do vídeo, o brilho de um farol surgiu, enquanto a mulher prosseguia sua corrida.

Ele apertou os olhos. Para piorar, não podia dar uma saída rápida para ver a namorada e resolver as coisas. Tinha certeza de que seria como sempre, iriam discutir e acabariam na cama, se reconciliando com um sexo louco e selvagem. Paulina reclamava, contudo não conseguia lhe resistir.

Tamborilou os dedos na mesa, imaginando se poderia escapar por uma hora ou duas durante a madrugada. Afinal, quais as chances de algo acontecer? Estavam naquele estado de atenção redobrada havia dias, todavia nada além de gatos virando latas e fazendo barulho, tinha acontecido. Nem sinal daquela tal de Malena.

Coçou o queixo, fazendo uma careta. O carro seguia em alta velocidade, chegando cada vez mais próximo da mulher.

Will sorriu. Estava decidido, iria escapulir para ver Paulina e, foi com os pensamentos nela e na tatuagem que tinha no ventre, que ele assistiu ao atropelamento.

 

***

 

Gillian tomava uma xícara de café na cozinha, perguntando-se que tipo de presente deveria dar à sua irmã. O aniversário dela seria na próxima semana e ele torcia para que aquele trabalho não durasse tanto. Estava com saudades de casa e da sua família. Não era um bom homem, mas tinha pessoas que o amavam.

Sentado à sua frente, Juan brincava com um pacote de amendoins, enquanto conversava uma quantidade absurda de besteiras. Os arranhões que Vanessa lhe causara, formavam um conjunto de listras escuras em cicatrização, que o deixava ainda mais ameaçador.

Gillian tinha aprendido a exercitar sua paciência quando estava com ele, ao contrário de Miles que estava sempre com a mão na arma e um olhar assassino. Podia apostar que o amigo sonhava em rasgar a garganta daquele idiota e, só não o tinha feito ainda, por causa daquele trabalho. No entanto, algo lhe dizia que não demoraria muito para que Juan encontrasse seu fim.

Não importava a forma, desde que Miles não o fizesse durante aquele trabalho. Aquiles não costumava perdoar esse tipo de falta.

— Cara, achei que a vigilância fosse chata, mas esperar está sendo muito mais. Estamos com a professorinha há uma semana e nada — Juan reclamou, chamando sua atenção.

— Você reclama demais — Miles falou, entrando na cozinha com um olhar de poucos amigos. Encheu uma xícara com café e também se sentou à mesa, massageando o cabo da pistola em sua cintura.

— Ela virá. — Gillian afirmou, interrompendo a frase com um gole de café.

— Como tem tanta certeza?

— Eu não tenho, Aquiles tem. E nós sabemos que ele nunca erra.

Juan jogou um punhado de amendoins na boca, comentando:

— Mas errou quando a deixou viver. Viram o que ela fez no rosto dele? Parece uma colcha de retalhos! — Riu, malvado. — Ainda assim, continuo achando que a cretina teve sorte.

Miles revirou os olhos e escondeu uma careta atrás da xícara.

— Malena não tem sorte, idiota! Ela é a própria sorte. Cria oportunidades onde não tem nenhuma. Ela virá pela professorinha, é a única pessoa que lhe resta.

— Como assim? Havia mais alguém? — Juan perguntou, curioso. As sobrancelhas grossas unidas, tornando-o uma visão ainda mais desagradável para Miles.

Gillian cofiou a barba e sorriu da ignorância do rapaz. Toda aquela desatenção ainda lhe custaria a vida. Lhe tomou o pacote de amendoins e jogou um punhado na boca, dando de ombros.

— Havia — respondeu, simplesmente, e Miles complementou:

— Malena tinha uma protetora que, felizmente, morreu. Se ainda estivesse respirando, seria Aquiles quem estaria se escondendo e não a Caçadora.

Juan sorriu, debochado.

— Sério? Gostaria de ver isso. O “poderoso chefão” com medo de uma garota! Me falem sobre ela, era tão ruim assim?

Miles sorriu, seu olhar cruzando com o de Gillian. Tomou um gole do seu café, recordando a mulher em questão e respondeu:

— Sou capaz de apostar que ela já deve ter matado o Diabo e está reinando no inferno! — Riu e Gillian o acompanhou.

Confuso, Juan ergueu um dedo, prestes a fazer outra pergunta, mas as luzes se apagaram, surpreendendo-os. Gillian pegou o rádio, que repousava sobre a mesa, e exigiu informações. Segundos depois, o rádio fez um ruído e ouviram uma conversação confusa entre os homens que vigiavam a propriedade.

— Aqui é o Will, falo da sala dos monitores. Houve um atropelamento diante do portão principal. Um carro atingiu uma mulher que corria pelo acostamento, girou e atingiu o poste que fornece energia para a mansão.

O rádio chiou outra vez.

— Aqui é o Dimas. Estou no portão principal. Está uma loucura aqui fora, faíscas para todo lado! O cara do carro fugiu. Estou indo verificar a garota.

Gillian pegou o celular e ligou a lanterna, focalizando os rostos curiosos dos companheiros. O olhar de Miles revelava os mesmos pensamentos que os seus.

— É ela — afirmou ele.

— Malena está aqui — Gillian completou, pegando o rádio outra vez.

Finalmente, ela tinha chegado. O capanga sorriu, antecipando o sucesso. Logo, iriam capturá-la.

— É um truque! Quero todo mundo em alerta, vasculhem a propriedade. Quero cada centímetro deste lugar revirado! Quero um homem na porta do quarto da professorinha, agora!

Houve alguns segundos de silêncio, enquanto Juan e Miles se colocavam de pé, com armas em punho, e seguiam Gillian pelo corredor.

— Acha que é mesmo ela? — Juan questionou.

— Não tenho dúvidas. Ela fez algo parecido quando roubou um Monet de um colecionador americano. Eu estava lá, a ajudei com os preparativos.

Outra vez, o rádio interrompeu o silêncio.

— Aqui é o Rico, estou na porta do quarto. Parece tudo normal.

— Espere por mim, estou a caminho! — Gillian berrou e prendeu o aparelho na cintura, enquanto ouvia os homens reportando a situação de seus respectivos setores. — Não esperava que ela usasse um truque antigo para entrar. De qualquer forma, estejam preparados.

— O que aconteceu nesse roubo de que falou?

— Era noite. O cara atropelado era um dos nossos. Quando as luzes do quarteirão se apagaram, ela entrou na casa. Tinha cinco minutos antes que o gerador fosse ligado. Enfim, os seguranças estavam mais preocupados em prestar socorro à vítima e quando o resgate chegou, a equipe também era nossa. Malena foi embora com ele, vestida como uma socorrista.

Os três homens iam a passos largos e apressados. Entraram no corredor, onde ficava o quarto em que Vanessa e Cristina estavam confinadas, e avistaram Rico parado diante da porta. Era um sujeito magro e de cabelo ensebado, tão branco que parecia um fantasma sob a luz de led da lanterna que Gillian pegara no caminho até ali, substituindo a do celular.

Ninguém tinha permissão para entrar naquele quarto. Gillian tinha providenciado para que somente ele ou Miles entrassem em contato com as duas mulheres, depois que Juan ameaçou matar Vanessa. Ele era esquentado e desobediente demais, então Gillian concordou com Miles, quando este sugeriu manter o rapaz afastado delas.

— Tudo bem por aqui? — Miles perguntou.

— Sim, senhor. A porta está trancada, a testei assim que cheguei. — Deu um passo para o lado, liberando a passagem para eles.

— Ótimo!

Gillian retirou a chave do bolso.

— Permaneça aqui. Vamos esperar Malena lá dentro. Se atirar, que seja apenas para ferir. — Abriu a porta e, ainda debaixo do umbral, direcionou a luz para o interior do quarto em uma volta completa. Deu um passo adiante, liberando a passagem para os companheiros e Juan se adiantou, entrando no banheiro.

Gillian engoliu em seco e um calafrio percorreu a espinha de Miles ao ouvi-lo dizer:

— Está vazio! Elas fugiram!

O rádio cortou o silêncio que se estabeleceu entre eles.

— Senhor, Dimas falando. Encontrei a moça atropelada. Ela está morta. 



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para 5. Aquiles

  1. Amo essa história…
    Diana e seu passado.

    Uma romance maravilhoso com mulheres magnificas.

    Parabéns Tattah.

    • Hehe, eu fico muito feliz em ler isso, moça! Tu sempre me agraciando com a sua presença nas minhas histórias. E que bom que você e a Preguicella gostam de reler. rs…

      Beijos!

  2. Caraaaaaaa! Eu tava muito doida pra reler essa históriaaaaa! Muito doidaaaa! Eu vivo de reler as histórias que gosto. Na verdade tem um tempão que eu estou pra te perguntar se não ia publicar ela novamente, mas sempre fui deixando passar e eis que vc começa a publicar de novoooo! hahaha

    Releva a histeria de uma fã apaixonada por Diana e Carla! hahaha

    Bjuuuuuu

    • kkkkkkkkkkkkk…

      Sua alegria é minha alegria, Preguicella! Que bom te encontrar por aqui, também! rs… Nossa! Esse texto tava guardadinho, só esperando a oportunidade de se mostrar para o mundo! rs.

      Beijo enorme pra tu, visse?

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