CORRENTES

Capítulo 3

Capítulo 3 — 

Antes que Megan pudesse terminar a frase, Etzel estendeu sua mão e a segurou pelos cabelos, derrubando o corpo de estatura menor sobre o dela. Assaltou a boca tagarela, calando-a num beijo sedento. Megan tentou se desvencilhar, mas foi vencida pelo desejo.

Etzel vagueava sua mão, pelo corpo curvilíneo da princesa, sorvendo em desespero, o gosto da boca carnuda. Nunca em sua vida, sentiu tamanho ardor contraindo suas entranhas, e muito menos, o enorme desejo como naquele momento. Um simples gesto. Um beijo apenas e uma loucura em sondar os traços que delineavam as formas daquela mulher. 

O suor escorria por sua face ardente e suas grandes mãos tentavam, desesperadas, despir as roupas que impediam seu corpo de sentir as nuances do outro, sobre si. Megan impediu seu ato, segurando a rainha, presa pelos punhos no espaldar da cama. Era evidente que ela não conseguiria conter a rainha se esta não quisesse, mas Etzel parou no instante em que foi presa, mirando as íris dilatadas da princesa. Megan começava a mover seu quadril, encaixada na pelve dela sobre a cama. 

A soberana, com seu corpo estirado no colchão macio, olhou a ação da general de Helad, sobre seu ventre. Parte das vestes arrancadas, deixavam os seios aparentes, com metade do corpete de couro arregaçado. Os cadarços que prendiam a peça justa do vestuário da princesa, tinham sido desfeitos pela mulher Aterai, no momento do delírio. Etzel não suportou ver os seios expostos na sua linha de visão. Tocou os lábios em um deles, sugando o bico rígido, fazendo a princesa jogar a cabeça para trás e gemer de prazer. A rainha se apressou em desfazer os laços da calça da outra, levando Megan a auxiliar, desesperadamente. Precisava sentir a rainha tomar-lhe o corpo. Ela não entendia o desvario em que se encontrava. Mal conhecia aquela mulher de face angulosa, porém todo o seu ser clamava pelo prazer que Etzel poderia lhe proporcionar.

A rainha se despiu na mesma rapidez com que tirou as roupas de Megan. Deitou-a sobre a cama e depositou beijos por todo o corpo. Apoderou-se do que sentia ser dela. Desceu através do abdômen de pele suave, entre beijos e lambidas, até chegar ao paraíso que almejava. A interseção entre as coxas da princesa, descortinou a sua frente um campo de possibilidades, fazendo a boca salivar, em desejo. Resvalou a língua entre as dobras, saboreando o gosto acre-doce. O corpo da rainha contraiu, ao ouvir outro grande gemido brotar da garganta de sua amada. Forçou a entrada e deslizou dois dedos para dentro da cavidade de Megan, sem pudores. Os gemidos eram constantes, estimulando a intensificar o movimento da língua sobre o bulbo de nervos, sincronizado aos movimentos de vai e vem, nas entranhas da princesa. Sentiu as paredes contraírem apertando seus dedos, um fluxo líquido molhar seus dígitos e um urro de prazer chegar a seus ouvidos. 

Megan relaxou sobre a cama, estremecendo diante das descargas de prazer que transpassavam seu corpo. Etzel galgou sobre ela, até chegar a face banhada em suor. Beijou-lhe delicadamente a boca rubra e sorriu. Quando a princesa abriu os olhos, para olhá-la, a rainha sentiu uma pequena vertigem, mas logo despertou para a sensação da mão de sua amada, a procurar seu sexo. A general mergulhou os dedos dentro da cavidade úmida, quente e convidativa de Etzel. 

A soberana de Daear, se viu arrastada por um turbilhão de emoções. O corpo aqueceu, como se estivesse em brasa, e sua visão anuviou. Soube somente muito mais tarde o que ocorreu a ela…

****

— Dagmar, por favor, entre!

Megan falava, aflita, para a escudeira da rainha, com a porta entreaberta. Dagmar entrou com a mão no punho da espada e encontrou a rainha desacordada. O Dhulá estava completo.

— Não se preocupe, princesa Megan, não houve nada de mais. Mas, sabe o que isso significa?

— Que eu fiz sexo com a soberana de Daear e ela desmaiou? — Falou aflita.

Dagmar gargalhou. Não se conteve ao ver a angústia no tom de voz da princesa.

— Fique tranquila. Ela só precisará descansar. Talvez durma algumas horas. O “Dhulá” consome energias muito antes de se concretizar. O desmaio não foi por vocês terem se amado. Simplesmente, ela ascendeu na sua formação corporal. 

— Era para eu me sentir aliviada com a sua explicação?

Novamente, Dagmar gargalhou. A princesa tinha um senso de praticidade que há muito tempo não via em alguém.

— Você tem que se arrumar e temos que vestir a rainha com uma bata. Kazar não demorará e não gostará de ver a rainha desacordada. Ele não poderá ver vocês assim, apenas enroladas em lençóis. Vamos ajeitar isso. — Riu da situação.

— Ai, meus Deuses! Kazar não é o general-comandante de Daear?

— Sim, e foi em uma pequena missão, mas retornará. Deixou este quarto apenas porque a rainha o intimou, porém virá ver o estado dela. 

— Então, me ajude, anda!

Assim que terminaram e Megan se adiantou para sair do quarto, ouviram batidas na porta.

— Fique calma, princesa. Abrirei a porta e, se for Kazar, deixe que eu explique a sua presença aqui.

Dagmar se adiantou para abrir a porta e quando Kazar olhou para dentro do quarto, viu a princesa de Helad. Escancarou a porta, assustado.

— O que ela está fazendo aqui?! — Gritou nervoso. — A rainha… — olhou sua soberana na cama, num sono profundo.

— Calma, general. A rainha me pediu para chamar a princesa, mas a febre tomou seu corpo. Dei a ela uma infusão para baixar.

— Ela está desacordada? Pelos Deuses! Estamos em guerra e a rainha está doente?! Mas…

Ele olhou para Dagmar. Não a conhecia e a princesa de Helad era uma inimiga declarada. Os olhos do general se tornaram duas bolas de pura ira.

— Guardas! — Chamou, segurando Dagmar e a princesa, uma em cada mão. — Se algo acontecer a rainha, vocês serão decapitadas! Guardas!

Foram jogadas no calabouço, como sacos de batata num depósito. Kazar não esperaria a rainha acordar para averiguações. Era perigoso. E se Etzel não acordasse? E se as duas tramaram para matar a rainha?

****

— “Deixe que eu explique a sua presença aqui”, foi o que você disse. — Megan falou sarcástica. — Pelo visto, você também não tem muitos créditos no reino. Etzel está desacordada; eu estou agoniada por mim, por ela e por essa guerra e, agora, não posso fazer mais nada!

— A rainha irá acordar. Vai esclarecer tudo. Bom, pelo menos o que deve ser esclarecido. — Respondeu Dagmar.

No escuro da cela, Megan viu uma luz em torno da escudeira, como se um halo estivesse reluzindo e clareando o ambiente. 

— Quem é você? — Perguntou Megan, a estranha mulher de modos pacíficos e fala segura.

— Sou alguém que não está atrelado ao destino de Daear, Helad ou a qualquer outro reino. Meu destino está atrelado à terra, ao equilíbrio e à natureza. O ego do ser humano parece que é maior que o dos Deuses.  Não conseguem enxergar o que é tão simples.

Megan viu a aura de luz aumentar nos contornos da mulher.

— Você é uma das “Orientadoras do Tablado Sagrado”?!

— Assim é.

— Mas o que…?

— O que está acontecendo para enviarem alguém e interferir no destino dos reinos? Seu pai aconteceu, princesa. E não creia que seu destino também não esteja influindo nessa guerra de forças energéticas. Quando seu pai nasceu, soubemos imediatamente que as energias de Mirintai estavam pendendo para o lado nebuloso. — Suspirou. — Não pense que há bem e mal. O que ocorre é que, para a vida fluir, tem que haver equilíbrio de forças. E se Helad for adiante com a guerra, esse equilíbrio se desestabilizará. Seu pai nasceu sobre a mesa sagrada de Torvã. Ele tem as forças de Torvã dentro dele e os conhecimentos que buscou, ao longo da vida, foram da nascente nebulosa.  Daear tem a arma de Torvã sob sua tutela. Imagine se nessa guerra, Daear resolver lançar mão da arma, com seu pai se contrapondo?

— Não tenho a menor ideia do que está falando. 

Dagmar revirou os olhos. Ao longo dos séculos, as “Orientadoras do Tablado Sagrado” se esmeraram tanto em esconder o passado de Mirintai, que os reinos caíram na ignorância dos poderes de “Torvã” e da energia do nebuloso e do transparente.

— Não importa agora. Mais tarde, talvez venha a saber. Só me deixe pensar num meio de sair daqui, caso a rainha demore muito a acordar do sono de “Duhlá”. Não temos muito tempo até seu pai atacar Daear.

****

— Pelos Deuses! Você não sabe o que ela tem?

Perguntava Kazar, aflito, para o mestre-curandeiro. Etzel continuava desacordada e nada do que fizessem, despertava a rainha. 

— Sinto muito, general. Isto, — apontou em direção a rainha, — não é parecido com nenhum veneno que eu conheça. Não posso tratar algo de que não tenho conhecimento. Parece que ela está enfeitiçada.

— Que merda! Eu não devia ter aceitado as imposições de Etzel. Se estivesse junto com ela…

— Cale a boca, Kazar… — a rainha falou com a voz fraca. — Mandou Atair em segurança levar a mensagem até Helad? — Tossiu.

— Etzel, pelos Deuses! Você está consciente? 

O general se aproximou da cama e, antes que pudesse tocá-la, foi questionado novamente.

— Onde está a princesa Megan?

— É… Mmm… No (É… mmm… no) calabouço, minha soberana.

— O quê?!

Etzel berrou e ergueu seu corpo, em um só movimento, se amparando no espaldar da cama.

— Do que está falando, Kazar? Por que a princesa Megan está no calabouço? Espero que sua explicação seja bem respaldada, pois se…

— Calma, Etzel. Você estava desacordada e, aquela que você empossou hoje como escudeira estava aqui no quarto, junto com a princesa. O que queria que eu fizesse? Entende que você está acamada há horas, sem qualquer movimento, e que estamos em guerra com o pai da princesa?

Ele se apressou a explicar, diante do gesto brusco da rainha. Etzel meneou a cabeça, negativamente. Inspirou fundo para não segurar a garganta do seu general e amigo e, estrangulá-lo com uma só mão. Tinha que conter seus sentimentos por aquela que lhe despertara no “Duhlá” e fizera seu corpo e sua força, se completar. Não poderia deixar que desconfiassem do que lhe ocorrera.

— Escute, Kazar. Eu não lhe contei antes, para que não se apavorasse e não interferisse nos nossos planos. O que me aconteceu foi simples. Fui picada por um “escorpião das rochas”, em Verves. 

— Um escorpião das rochas?!

Tanto o mestre-curandeiro como o general se alarmaram.

— Eu não poderia deixar que essa notícia se alastrasse diante da nossa situação, entende? Consegue imaginar o que poderia acontecer se soubessem que eu fui picada por um escorpião das rochas? 

— Por Torvã, Etzel, você poderia ter morrido!

— Vim direto para o castelo, passei pela sala de medicamentos e peguei um antídoto para tomar. Infelizmente, os efeitos são muitos. Desacordei, após conversar com a princesa Megan e Dagmar. Você não estava aqui e queria conversar com elas. Tinha que ter certeza, que mesmo que eu estivesse inconsciente, o nosso plano seguiria.

Etzel dava a explicação, que fora educada a dar, caso um dia pessoas que não pudessem saber do segredo dos Aterai, a pegassem desprevenida. Escorpiões das rochas eram extremamente raros e os efeitos do antídoto, nunca foram descritos, pois cada pessoa reagia de uma forma. Muitos morriam pela sua picada, mesmo após tomarem o antídoto.

— Agora vá e liberte Megan e Dagmar. Depois, se junte ao esquadrão de Zênite. Preciso que você seja minha mão no exército. Quando Atair chegar, eu estarei inteira para a batalha, se acaso o rei de Helad recusar a oferta.

— Vou agora, Etzel, mas está se sentindo bem? 

— Estou melhorando. Acho que o antídoto funcionou.

— Eu ficarei aqui com a rainha, general. Vou acompanhá-la na recuperação. Há muitos anos não temos ninguém picado por escorpião das rochas. Descreverei os efeitos, lógico, se a soberana me permitir…

Etzel sorriu, diante da curiosidade de seu mestre-curandeiro. Não se sentia bem mentindo, mas não tinha outra escolha. As coisas voltaram ao controle de suas mãos. Estava satisfeita.

— Permito, até a princesa chegar. Preciso delinear estratégias e terei muito a conversar com ela. — Sentenciou.

****

— Etzel, você está bem?

As palavras da princesa saíam aflitas pela boca. Correu até o leito, depois que o mestre-curandeiro saiu. Etzel sorriu. Reparara nos olhos em desespero da general e viu que não havia sido algo que atingira só a ela. Chegara a duvidar que existisse o “Duhlá”. Seu peito inflou com um sentimento de plenitude, como se estivesse inundado de uma sabedoria milenar. Entendeu completamente a história de seus ancestrais. Agora confiava plenamente na sua amada.

— Eu estou bem. Você não sabe o que aconteceu, ou sabe?

— Sim, eu sei… mais ou menos. Dagmar me contou e confesso que não entendi muito bem, mas sei o que está alojado aqui em meu peito, e agora, tenho clareza do que meu pai fez.

A rainha lhe sorriu. Olhava a face da princesa e seu coração se enchia de alegria. Tocou-lhe o rosto, acariciando suave a face da sua amada. Megan fechou os olhos, sentindo o carinho(,) gostoso e amoroso da grande mulher à sua frente.

— Não poderemos fazer muita coisa, até Atair chegar com a resposta de seu pai. Não temos como provar a traição dele em relação a você, ainda. Kazar seguiu com ordens minhas para a fronteira leste e disse que me manteria informada. Até lá, o que posso fazer é me recuperar do “Duhlá” e orar a Torvã, para que seu pai não tome nenhuma atitude extrema.

— Você usaria a arma de Torvã contra o exército de meu pai? Aqueles soldados que estão à frente são inocentes; são como crianças que só fazem obedecer a ordens, Etzel.

— Ah, Megan… como gostaria que nada disso estivesse acontecendo, mas tem que me entender. Meus soldados também são inocentes e foram lançados nessa batalha. É meu dever defender meu povo. Tudo que puder fazer para evitar, eu farei, mas se o comando do exército de Helad atacar, nós estaremos em desvantagem em número e em armas. Não vou deixar que um massacre ocorra com minha gente. Espero não precisar, e oro para que Atair chegue logo.

Megan baixou a cabeça. Sentia-se triste e desolada pelas atitudes do pai, e mais triste ainda por saber que ele não a considerava. Sempre soube que era um estorvo, mas isso? Ele a traíra, mesmo sabendo que poderia haver consequências se fosse descoberto e provado. Inspirou fundo e olhou a rainha diretamente. Viu nos olhos de Etzel compaixão pela sua situação.

— Eu sinto muito, Megan…

— Não fale nada. Só me beije…

Aproximou seus lábios, sendo recebida pela boca de sabor convidativo da rainha. O beijo era doce e confortador, fazendo o peito acalmar e o coração aquecer. Etzel não queria transformar aquele momento em algo luxurioso, mas as ondas de Duhlá pareciam ainda estar vivas por suas veias. Ou seria a paixão que fora despertada com o Duhlá? Não sabia. Se deixou levar no momento em que a princesa se acomodou sobre ela, num abraço acalorado, onde as mãos, ansiosas, se deslizavam pelo corpo. Suas barreiras foram por terra, ao ouvir o gemido proferido entre os lábios unidos das duas.

— Vira para mim…

O pedido feito para a rainha foi atendido prontamente e, mais gemidos brotaram da garganta da princesa, tomada pelas costas. Etzel se apoiava no dorso de Megan, deslizando seu corpo e unindo seu sexo nos glúteos bem formados da general, aumentando a excitação de ambas. Livraram-se das roupas indesejadas, voltando a se unir, numa dança sensual e estimulante. 

— Ah, Etzel, acabe com a minha agonia.

Megan pedia ávida, na expectativa do gozo fenomenal, que tinha certeza que a rainha lhe proporcionaria. A soberana afastou as pernas da princesa, principiando a mão entre as dobras molhadas. Friccionou o bulbo de nervos, colhendo a cada movimento, o líquido do amor que escorria por seus dígitos, abundante. Urrou como louca, quando compreendeu que poderia se apossar de todas as partes do corpo da princesa, que lhe aprouvesse. Não era mais o Duhlá, era simplesmente a luxúria de amantes apaixonadas, na ânsia de aplacar o desejo incontrolável, de sentimentos maiores que suas próprias almas. 

Pressionou seu dedo, forçando-o levemente. A rainha temia machucar a princesa, com sua lascívia, mas seu cuidado foi por terra, quando Megan jogou seu quadril para trás, empurrando seus glúteos, fortemente, de encontro ao dedo voluptuoso da soberana. Gemeram como loucas, e quando o apêndice acomodou na cavidade, úmida e quente, Etzel amparou o corpo de dimensões menores, colado a ela. Ajoelhadas na cama, com seus corpos colados, a rainha abraçou a mulher amada, passeando a outra mão, pelos seios, ventre e abdômen, até chegar ao empíreo entre as coxas de Megan. Massageou o clitóris, delicadamente, movendo o outro apêndice encaixado por trás. O frenesi corria pelas entranhas da soberana e ardia como fogo, no ventre da general, que a custo, conseguia conter o gozo, bravamente, para prolongar os prazeres que precipitaram naqueles lençóis. Desabaram sobre a cama acalentadora, na explosão do deleite que chegou, inadvertidamente, e que havia abrigado o amor das duas.

****

O sol já havia despontado no céu, quando Dagmar bateu na porta. Etzel, contrariada, levantou, colocou a bata e foi atender. Sentia-se cansada, mas extremamente feliz. Dormiu, envolvendo o corpo de Megan, que para ela era frágil, levando em consideração o seu tamanho. Suspirou, sabedora de todos os problemas que as aguardavam. 

— Desculpe-me, minha soberana. — Fez uma mesura, com um sorriso cínico nos lábios. — Trouxe o desjejum, mas a verdade é que preciso conversar com vocês.

Dagmar tinha que ser imparcial, nas relações que envolviam os reinos que faziam parte da terra de Mirintai, no entanto, tinha suas opiniões. Gostava de Etzel e gostava mais ainda da aliança entre ela e Megan. Pensava que, se os planos do “Tablado Sagrado” fossem adiante, Mirintai estaria equilibrada e poderia voltar para seu lar, seu marido e filhos. Megan havia contado quem era Dagmar e Etzel se sentiu segura, sob os olhos das “Orientadoras do Tablado Sagrado”.

— Entre, Dagmar. Deixe-nos apenas nos arrumar.

Banharam-se e tomaram o desjejum necessário, sob os olhos da mulher que lhes daria condições de enfrentar essa briga energética.

— Agora que o reino de Daear e Helad, parecem próximos a ruptura, ou a completa união, vamos traçar as linhas que decidirão o equilíbrio de Mirintai, ou a extinção dele. — Falou Dagmar, categórica.

Eram três mulheres distintas em aparência. Uma completamente Aterai, com todas as características físicas que alguém do povo poderia trazer; Uma mulher sagrada, metade sangue Aterai, metade sangue das terras do norte de Mirintai, pele negra como a noite, olhos astutos como uma águia. A última, uma mulher do sul, estatura alta, mas não tanto quanto os Aterai, morena como se o sol fosse o primeiro a dar um beijo na pele, quando nasceu. Havia um elo ligando-as, que nem elas mesmas sabiam. Nasceram com um único destino: dar a vida a tudo, ou a morte de tudo.

****

A batalha havia começado(,) e Etzel liderava as tropas a oeste. Megan se apressara, para destronar seu pai, mediante a negativa escrita do rei Raver. A princesa partira desolada para Helad. Seu pai seria acusado, por ela, de perfídia de sangue real. Ele seria condenado à morte. Ela sabia e sofria com isso, mas não deixaria que Mirintai perecesse, pela ganância e ódio desmedido de seu pai. A princesa lembrava, a cada galope, das palavras escritas no pergaminho. “Não cederei. Megan não representa o reino de Helad. Pode fazer o que quiser com ela. Por que acha que a deixei de fora dessa guerra? A arma de Torvã não me assusta. Torvã está comigo. Vamos à batalha!” No fundo, sempre soube que, um dia, seu pai a trairia. Sentia, a cada ano, o desprezo vindo dele crescer mais. Não entendia por que, mas agora não tinha mais volta.

****

— Arqueiros, disparem! Cavaleiros, protejam o flanco direito!

As ordens eram dadas por Etzel, enquanto o esquadrão avançava. O descampado, depois das rochosas do desfiladeiro de Verves, não permitia que nem um exército e nem o outro, escondessem suas táticas. A guerra seria definida no “corpo-a-corpo”, na batalha direta entre os exércitos. Etzel queria chegar até o comandante Rarut. Se ele morresse, as tropas de Helad ficariam enfraquecidas moralmente, mas parecia que o comandante, não queria se expor. Batalhava protegido por um esquadrão inteiro de guerreiros leais. Entre lutas e espadas afiadas, Gerdal chegou até Etzel. Batalhavam, protegendo um as costas do outro.

— Não conseguiremos chegar a ele, Etzel, e estamos perdendo muitos homens! — Gritou.

— Kazar está vindo com metade do outro contingente. Zênite conseguirá segurar a meia-dúzia de guerreiros que Helad deixou lá. — Respondeu.

— Mesmo assim. Precisamos nos reagrupar!

— Recuem! Recuem! — Gritava Etzel para seus esquadrões. — Avisem a cavalaria para que façam uma barreira. Temos que recuar!

A carnificina abrandou. Helad recuava também, certos que o recuo de Daear seria uma condução para pegá-los em algum artifício. Os exércitos fizeram uma barreira, um em cada lado do descampado, observando as manobras do outro. Espreitando e apenas isso. 

A noite caiu e as fogueiras de acampamento se fizeram.  Etzel, tinha um mapa aberto na mesa da tenda armada para o comando. Olhava seu contingente disperso em uma grande área, enquanto o exército de Helad tinha uma massa compacta de guerreiros, catapultas, cavaleiros, na mesma proporção de área, do outro lado do descampado.

— Estamos em desvantagem, Etzel. — Falou Gerdal.

— Kazar está chegando. Deixe-me pensar.

Ela tinha uma certeza. Se começasse a perder muitos homens e não chegasse nenhuma mensagem de Megan, lançaria a arma de Torvã. Não deixaria o povo de Daear perecer. Ela não começara a guerra e deixou claro para Dagmar que não admitiria a escravidão de seu povo, novamente.  Não importava o que as “Orientadoras do Tablado Sagrado” dissessem. De que adiantaria Mirintai existir, se o seu povo fosse dizimado e escravizado, de novo, pela ganância e orgulho de outros? 

Quando o contingente, comandado por Kazar chegou, a noite já se fazia alta. Etzel mandou que descansassem. As tropas de Helad estavam acampadas, sendo vigiadas também. A madrugada terminava e Atair chegou ao acampamento, ao lado de Dagmar. Foram direto para a tenda de Etzel. 

— Fale, Atair! — Pediu aflita a rainha, que não havia dormido um segundo sequer.

— O rei Raver caiu e a princesa Megan mandou mensagem para que o exército recuasse.

— Pelos Deuses! — Suspirou Etzel, aliviada. — Como eu amo essa mulher. — Sorriu, relaxando da tensão.

— Não é tão simples assim, Etzel. — Falou Dagmar. — Muitos do alto comando do exército de Helad, não apoiavam Megan. Temos que saber se eles irão acatar as ordens.

— Não é possível que façam uma rebelião contra a soberana do reino! — Exclamou Etzel.

— Lembre-se que o comandante Rarut apoiava Raver e, talvez, não se sinta inclinado a obedecer à Megan.

— Deuses! Quando acham que a notícia chega até o exército de Helad?

— Não sei, mas Megan conduzia as tropas que ficaram em Helad para falar, pessoalmente, com seus comandados, na frente de batalha.

— Ela está louca! — Exasperou-se, Etzel. — Podem atraiçoá-la. 

— Talvez os que estejam aqui, mas os que vem com ela, são fiéis ao reino. Vi com meus próprios olhos, minha rainha. — Explicava Atair. — Se revoltaram com a ação do rei Raver.

Etzel voltou para a mesa, revendo novamente o mapa.

— Atair, chame Kazar e Gerdal. Depois, fique aqui e preste atenção em cada palavra que eu falar. Posso contar com você?

— Claro, minha rainha.

****

No meio da manhã, as tropas estavam posicionadas em fileiras, esperando a ação de Helad. O acampamento inimigo estava alvoroçado. A general Megan, agora rainha interina de Helad, havia chegado e deixou os esquadrões que trouxera com ela recuados, na retaguarda do acampamento do comandante Rarut. Cavalgou até a frente de batalha e gritou. 

— Exército de Helad e de Daear, escutem!

— O que… O que está fazendo, princesa? — Gritou Rarut.

— Cale-se, Rarut! Você não está mais falando com a princesa, ou a general Megan! Meu pai foi destituído na noite de ontem por “perfídia de sangue” e “traição ao reino”! Portanto, sou a soberana de Helad, agora! Curve-se!

Um sorriso delineou nos lábios da rainha de Daear. Gostou de ver o homem que ela mais odiava na vida, ser rebaixado perante os seus, pela mulher que ela mais amava.

— Do que está falando, princesa? Seu pai é um homem honrado! Preza por nossos costumes.

— Meu pai é um traidor, comandante. Aqui está a declaração do conselho de Helad! 

Estendeu o papiro ao meirinho do exército, que leu a declaração em voz alta, para que todos a ouvissem. Alguns soldados recuaram e fizeram a reverência real para a rainha instituída, Megan.

— Ordene que os esquadrões recuem, Rarut. Esta guerra acabou aqui!

— Nunca! Tropas, não recuem. Esta víbora tramou contra o rei!

Exclamou desesperado, sabendo que seu destino, em breve, seria a forca. Ajudou o rei nessa empreitada e a morte estaria certa em seu caminho. Etzel se adiantou. Tinha certeza que Rarut não aceitaria a sentença de morte embutida nas ações de Megan.

— Faço um desafio sagrado, Comandante Rarut. Olhem! — A rainha de Daear gritou, apontando o alto da ravina, na borda direita, antecedente ao descampado. —  Aquela é a arma de Torvã. Se desafiarem a rainha de Helad, não hesitarei em usá-la.

Todos os olhos do exército de Helad e de Daear se voltaram para o alto. Atair segurava um artefato em ouro, com uma pedra negra na ponta. Os olhos se arregalaram.

— Vocês sabem bem o que aconteceu no passado. Fomos amaldiçoados à segregação, por termos utilizado esta arma de Torvã na rebelião. Custou-nos dez séculos de separação do restante do povo de Mirintai. Fomos escarnecidos, minimizados e sobrevivemos unicamente com nossos recursos. Nesta década, terminaria a nossa dívida. Mas acreditem, eu a utilizaria e amaldiçoaria, novamente, o meu povo, caso visse que pereceríamos sob a tirania do seu exército. 

Um rumor correu nas tropas de ambos os lados.

— Mas vamos facilitar e encurtar essa guerra. — Continuou o discurso. —  Faço o “desafio sagrado” ao general Rarut, em defesa da rainha Megan. Se ele vencer, poderão avançar sem que utilize a arma de Torvã, mas se ele perder, significará que a rainha Megan é a rainha legítima de vocês, e ela ditará a ação do reino de Helad!

Todos olharam para o comandante. O seu grande general era desafiado e esperaram ávidos a resposta, pois um homem corajoso e honrado, não declinaria de um “desafio sagrado”. O suor bordava a fronte do comandante.

— Você lutará comigo? Pois a meu ver, quem desafia é o combatente.

O general falava provocando, mas observava o grande corpo da rainha de Daear, com receio.

— Assim é, general. — Olhou-o diretamente. — Quer trocar por um outro oponente de meu exército? — Provocou, fazendo seus companheiros de armas gargalharem.

— Vamos acabar com essa brincadeira agora! Torvã estará comigo!

Rarut bradou com a face transtornada em ira, galopando em direção à rainha. Não haviam escolhas para ele. Ou ele acabava com a rainha de Daear, ou ele morria nas cordas da forca de Helad.

A refrega começou. O comandante lançou a espada sobre a cabeça da rainha, fazendo-a esquivar com seu cavalo para o lado. O fio passou cortando o ar, assustando ambas as montarias. Etzel, brandiu a sua espada no alto, para amparar outro golpe, que o general desfechava em direção a ela. Conteve a força da espada, ao mesmo tempo que chutava a perna de apoio do general, retirando a mesma do estribo.  Etzel não lutava bem sobre montarias. Preferiu derrubá-lo, empurrando o corpo de Rarut com o seu próprio corpo. O general-comandante desequilibrou, caindo de seu cavalo. A rainha aproveitou, apeando e, com um só movimento, atacou a cabeça do general, ainda caído. Ele rolou para o lado, levantando e colocando-se em guarda. Os dois se estudavam, e Rarut provocou a rainha para desestabilizá-la.

— Quem diria que eu teria o prazer de terminar a missão de anos atrás, hum?! — Escarneceu. — Não sabe o prazer que me deu, enquanto esquartejava o corpo de seu pai. — Gargalhou.

O sangue subiu até o topo da cabeça da rainha, mas ela teria que se concentrar. Queria esmagar aquele verme com suas mãos, mas aquilo não era apenas uma vingança pessoal. Milhares de vidas dependiam dela. Lançou um golpe, estocando no meio do tronco do homem, que rechaçou com a espada, mas Etzel girou sobre o corpo, no mesmo movimento e lançou, novamente, a espada pelo alto, fazendo o general pular para trás e amparar o golpe com a sua espada. A força de Etzel fora sentida pelo general que, a custo, resvalou para o lado e, ofegante, deixou as espadas deslizarem para o chão.

Rarut dava sinais de cansaço. Ele sentiu a vantagem da força e do tamanho da rainha. Chutou a perna de apoio dela para desequilibra-lá e, em seguida, chutou o abdômen para tentar fazê-la cair. Tinha que se afastar da soberana para recobrar as forças. Mas ele não contava com algo que jamais compreenderia. Não era apenas a força física, e sim a vontade por trás daqueles olhos. Quando a chutou, ele olhou o brilho no olhar dela e um vislumbre de satisfação em seu semblante. “Pelos Deuses!” Foi o último pensamento do general. A lâmina da espada de Etzel cortou o ar transversalmente, ceifando a cabeça do comandante. Seu corpo desabou inerte e a cabeça, voou até cair nos pés dos soldados de Helad, que rodeavam o local da disputa.  O silêncio se fez, momentaneamente. Depois, os gritos de vitória pelo lado de Dear, despertaram murmúrios no exército de Helad.

Megan ainda estava montada em seu cavalo, ladeada por seus companheiros de armas mais fiéis. Deixou a respiração suspensa sair de seus pulmões e o ar a tomar novamente. Relaxou o corpo em alívio. Olhou para o céu e depois para o alto da escarpa. O menino escudeiro de Etzel não estava mais lá com a arma de Torvã. Olhou à sua volta, vendo que seu exército esperava pelas suas ordens. 

— General Hadgan, assuma o comando e supervisione a nossa retirada das terras de Daear. Enquanto isso, vou falar com a rainha Etzel para fechar o acordo de paz.

O general Hadgan acenou com a cabeça. Megan passava entre os guerreiros de Daear com o cavalo e todos a olhavam, afastando-se, para dar-lhe passagem. Admiravam a nova rainha de Helad. Parecia que a partir do reinado dela, Daear não mais precisaria se preocupar com invasões de seu vizinho. Será que o ódio, depois de séculos, finalmente acabaria entre os dois reinos?  

Etzel caminhava até sua tenda, vendo que Megan se aproximava. Atair a esperava do lado de fora, prostrado na frente da abertura. 

— Devolveu a arma de Torvã para Dagmar, Atair?

— Sim, minha soberana, como a senhora me pediu. Eu tive um medo dos infernos segurando aquilo.

A rainha gargalhou ao ver o menino tremendo. Passou a mão pelos cabelos do rapaz, em um afago carinhoso. Gostava do garoto. Ele tinha algo raro. Era sincero no olhar e tinha um bom caráter, além de uma vontade enorme de aprender. Desprendeu a bainha da cintura, tirou as pesadas luvas de malha, entregando-as ao rapaz para que guardasse.

— Diga a Kazar que não quero ser interrompida por ninguém e… Vou lhe contar um segredo. A arma de Torvã não poderia ser disparada por você. — Sorriu maldosa. — Há um feitiço nela, mas isso é uma outra história. Um dia eu lhe conto…

Entrou na tenda, acompanhada de Megan que se juntara a ela. Dali por diante, teriam muito trabalho, principalmente em fazer os reinos de Helad e Daear aceitarem a união das duas.

FIM.



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