14.

Carla aceitou a taça de vinho que Diana lhe ofereceu com grande prazer. O dia havia sido muito cansativo e a bebida lhe cairia bem.

A conversa que teve com Marcos foi longa e cheia de momentos tensos para ambos, mas ele lhe dera um voto de confiança e ela sabia que, se não fizesse as coisas direito, ambos encontrariam um trágico fim.

As taças tilintaram quando se tocaram durante o brinde que fizeram e se recostou na janela observando Diana sentar sobre a mesa com um sorriso relaxado, passando o dedo na borda da taça em movimentos circulares, arrancando dela sons lamuriantes.

— Você nadou? — perguntou, já sabendo a resposta.

O tom mais escuro de sua pele bronzeada deixava claro que havia passado parte do dia na piscina.

— Como se estivesse participando de uma maratona em alto mar — respondeu com um sorriso de orelha a orelha.

Diana sempre encontrava na água a paz de espírito que muitas vezes perdia e Carla sabia disso. Nadar clareava sua mente e a deixava concentrada para executar seu trabalho com perfeição.

— Você parece estar precisando de um mergulho também, consigo sentir a tensão que a rodeia daqui e nem preciso decifrar sua expressão para tal.

Carla confirmou com um inclinar de cabeça e sorveu um farto gole de vinho, ainda vislumbrando o olhar assassino de Marcos quando lhe contou o que havia descoberto nos últimos dias. Culpando-se por ter sido um pouco negligente.

Estava tão envolvida com os acontecimentos que trouxeram Carolina para sua casa, tentando ajudá-la a se encontrar, se perdoar, ser a mulher que conheceu e pela qual se apaixonou que alguns detalhes lhe escaparam.

Não seria fácil obter as provas de que precisava para comprovar sua inocência, mas já havia dado alguns passos na direção certa e com a ajuda de Diana tudo ficaria bem.

— Como está Aquiles? — questionou, afastando as lembranças do dia.

— Ainda coletando almas para o inferno. Ficou bem surpreso com sua ligação, afinal, você não é do tipo que quebra promessas, ainda mais uma que promete muita dor e sofrimento a alguém como ele.

Carla deu alguns passos em volta da mesa sentindo um cansaço físico incomum. Compreendia que se encontrava em um nível de pressão desgastante, mas já havia se encontrado em situações piores e nunca se sentiu daquela forma. Então, pousou seu olhar no brilho do anel em sua mão, a união das alianças dos pais que formavam o número oito na horizontal, o símbolo do infinito.

Desde que começou a trabalhar para Marcos, nunca se sentiu tão tensa e desgastada diante de um problema, porque nunca teve alguém que ansiava proteger a qualquer custo. Agora, havia Maria, com quem dividiu àquela casa e uma amizade sincera por cinco anos e, também, Carolina. Eram sua família, mesmo Carolina não se dando conta disso e querendo fugir dali.

Ansiava mantê-las seguras e o faria a qualquer custo.

Parou sua pequena caminhada diante de uma estante repleta de livros, analisando os títulos distraída, enquanto Diana continuava com sua irritante obra musical na taça. Encontrou apoio para suas costas na madeira fria da estante, voltando ao foco da conversa.

— Se um dia ficarmos frente à frente novamente, quebrarei todos os ossos do corpo dele até que me implore pela morte. É simples assim — deu de ombros. — No entanto, não considero contato telefônico como uma quebra de promessa. Ele é um fornecedor de serviços dos quais necessito no momento.

Sorveu todo o conteúdo da sua taça de uma só vez e a entregou para que Diana a enchesse novamente.

— São só negócios, nada pessoal — afirmou.

Diana assentiu com um sorriso satisfeito. Iria adorar repetir aquelas palavras para o chefe. Vê-lo tremer um pouco seria divertido, afinal, Carla não fazia promessas vazias. Embora fosse um homem muito perigoso, havia poucas pessoas a quem temia e Carla estava no topo da lista.

— Estaria mentindo se dissesse que estou triste com isso — admitiu.

Carla voltou a dar de ombros. Aquiles era o melhor que o dinheiro poderia comprar, mas havia falhado com ela terrivelmente e o erro que cometeu jamais seria perdoado. Esticou o braço e Diana encaixou a mão na sua com carinho.

A amava e era amada por ela na mesma medida, embora seu relacionamento pudesse ser considerado uma estranha amizade com benefícios sexuais. Contudo, houve uma época em que quiseram que fosse mais que isso.

— Você está bem? — quis saber, sentindo o perfume dos cabelos dela, quando a puxou para um abraço e Diana se encaixou nela com um sorriso.

— Ao seu lado estou sempre bem — apertou-se mais a ela.

— Sabe o que quero dizer.

Diana se afastou e voltou a sentar na mesa, um pouco cabisbaixa.

— Sim, estou bem, graças a você. Acho que não demonstrei muito bem a minha gratidão da última vez em que nos encontramos. Desculpe por isso.

Carla deu-lhe as costas e observou a noite fria e quase sem estrelas por alguns instantes. Aquiles havia sido estúpido o suficiente para querer punir Diana por quebrar uma de suas regras mais preciosas e se envolver diretamente com uma cliente, ela. Havia sido ainda mais estúpido em querer fazer isso na sua frente.

Ao contrário do que sua aparência demonstrava, Diana não era frágil e sabia se cuidar, mas contra a fúria de Aquiles, a ajuda de Carla foi crucial.

— Por que estou aqui? — Diana quis saber, assim como Carla, abandonando as lembranças de seu último encontro. Balançava as pernas com ar despreocupado, mas Carla pôde notar a curiosidade em seu olhar e o desejo de se aventurar na missão que ela planejava quando se voltou para fita-la.

— Está aqui porque é a melhor e, também, porque não confiaria em ninguém mais para o trabalho.

— Mmmm, posso inflar meu ego agora, “tia”? — perguntou sapeca, recordando a frase de Carla pela manhã, e recebeu uma piscadela desta. — Muito bem, chefinha, o que quer que seja, considere feito.

— Adoro a sua animação! Ainda nem sabe o que quero que faça ou as dificuldades que terá e já está quase salivando de emoção.

Diana sorveu um pouco de vinho sorrindo, lembrando-se de quando a conheceu três anos antes. Carla era sempre séria, sempre altiva, suas emoções estavam sempre ausentes e ela adorou descobrir que, entre quatro paredes, ela era exatamente o oposto.

— Alguns usam drogas, outros álcool, eu gosto de adrenalina. Do que precisa?

— Não será um grande desafio para você. Que roube um banco.

A risada de Diana ecoou pela sala, divertida, agradável, cheia de vida.

— Eu não roubo, o que faço é arte — explicou ainda sorrindo, despejando mais vinho nas taças vazias.

Carla concordou. De fato, Diana era uma artista em seu ramo. Então, lhe contou sobre seus problemas e do quanto dependia do sucesso de sua missão e ela ouviu tudo com atenção, sentindo uma apreensão genuína pela moça loira e sisuda que quase roubou seu coração e ocupava uma grande parte dele.

— Você poderia ir embora daqui — sugeriu.

— E passar o resto da minha vida fugindo?

Cabisbaixa, Diana reconheceu que aquele não era o estilo dela.

— Mas, e depois?

— O depois depende do quão boa você é — provocou.

— Não me insulte! — saltou da mesa e se aproximou dela que ainda mantinha-se junto a janela. — Você mesma disse, sou a melhor.

— E a mais convencida também — brincou, ganhando um beliscão dela, então voltou a ser séria. — Existe a possibilidade de que quando você fizer o que lhe pedi, talvez não me encontre aqui.

Diana deu um passo atrás, compreendendo ao que se referia com um peso no coração.

— Não quero ouvir isso!

— As coisas estão acontecendo muito mais rápido do que imaginei e não sei quanto tempo terei antes dessa bomba estourar de vez. Além disso, não conheço todos os detalhes e odeio ficar no escuro.

Afastou-se da janela e abriu uma das gavetas da mesa, retirando três grandes maços de notas.

— Isto é seu para qualquer coisa que necessite.

— Sabe que quando contrata os nossos serviços, transporte, mapas, vigilância, entre outras coisas, estão inclusas no pacote.

— Eu sei, mas isto é para você. Sei que tem seu próprio dinheiro e espero que esteja sendo esperta o suficiente para mantê-lo longe dos olhos e alcance de Aquiles, mas seu contrato com ele irá acabar daqui a dois anos e quero que tenha uma garantia financeira caso necessite. É apenas uma quantidade insignificante diante do que está nesta conta — lhe entregou um cartão e Diana reconheceu o nome como sendo o mesmo que usava quando a conheceu.

Emocionada, pousou a mão sobre a dela com carinho.

— Obrigada por cuidar de mim.

Carla lhe sorriu, vacilante, e beijou-lhe a mão.

— Você cuidou de mim também, lembra?

— Eram circunstâncias diferentes e você não teria levado um tiro se tivesse confiado em minhas capacidades.

— Fui tola, admito — apertou a mão dela e deixou um suspiro escapar, apagando a lembrança da noite a qual ela se referiu. — Sei que não tenho o direito de lhe pedir isso…

— Você pode me pedir qualquer coisa — voltou a abraça-la.

Carla cheirou seus cabelos, recordando-se da aventura que foi conhecer Diana e se apaixonar por ela. Havia sido como encontrar uma luz no fim do túnel escuro em que vivia e sabia que ela se sentia da mesma forma. Confiavam uma na outra cegamente.

— Se eu não estiver aqui quando voltar, quero que cuide de Maria e Carolina. No cofre há uma carta com instruções sobre o que deve fazer. Deixe-as seguras e fique segura também.

— Eu prometo — a beijou com carinho.

Permaneceram abraçadas por um longo e carinhoso minuto, conversando através de sussurros. Diana procurava deixa-la relaxada e Carla buscava a calma que a sua presença sempre lhe trazia, embora também lhe trouxesse algumas tempestades.

Dando um passo atrás, Diana lhe sorriu, prendendo seu olhar por um momento, acariciando sua face e escorregando a mão por sua pele até encontrar a alça da sua camiseta.  Carla pousou a mão sobre a dela, impedindo-a de continuar, compreendendo suas intensões.

— Diana…

— É só sexo — sorriu marota. — Pelo que me lembro, você adorava isso.

Carla lhe sorriu fracamente. Já havia dividido a cama com muitas mulheres, mas Diana havia sido única e a fazia imaginar coisas absurdamente prazerosas com um olhar, como naquele instante.

— Vamos! Te deixo me imaginar como a sua doce Carolina e, prometo, quando fechar os olhos, saberei que estou com você, mas em minha mente você terá uma linda pele jambo e magníficos olhos verdes. Seus cabelos loiros e lisos serão negros e crespos.

Carla apertou sua mão com carinho.

— Isso me parece muito triste — disse.

— E é, mas sempre funcionou entre nós — escorregou a mão livre até os botões da calça dela.

— Sempre?

Diana riu jogando a cabeça para trás.

— Sempre funcionamos muito bem juntas, mesmo sabendo que nossos corações tinham donas diferentes. Para ser sincera, gostaria que tivesse dado certo entre nós. Nos últimos oito anos, diante das escolhas que fiz, da vida que escolhi, você foi a única pessoa que conseguiu me tocar de verdade, que me viu de verdade. E gosto de pensar que também fui assim para você. Além disso, sempre teremos Madri.

Carla riu.

— Madri? Ser presa por atentado ao pudor não é uma lembrança romântica para mim.

Diana voltou a sorrir com malícia.

— Eu precisava de um álibi. Além disso, você adorou o que fizemos depois.

A beijou sensualmente, mordiscando seus lábios suavemente e Carla retribuiu com prazer. Nunca conseguiu resistir a Diana por muito tempo, embora tivesse tentado por uma boa quantidade de vezes. O seu romance poderia ser resumido a momentos de intenso prazer e fúria, pois eram, definitivamente, donas de personalidades singulares, mas de corações semelhantes. Ambas amavam intensamente, para sempre e somente a uma pessoa.

Exatamente por isso, nunca mergulharam muito fundo nele.

Carla deslizou a mão por seu pescoço e escorregou seus lábios até ele, ouvindo-a sussurrar coisas provocantes, então lembrou-se do calor da pele de Carolina quando a beijou pela manhã, do lago negro em seus olhos e se afastou delicadamente com um pedido de desculpas no sorriso que lhe dirigiu e Diana a apertou em um abraço forte e caloroso.

— Eu sei. Você só tem olhos para ela agora. Mas não custava provocar um pouquinho.

— Está sempre brincando comigo — se queixou quando ela se afastou.

Diana brincou com uma mecha de fios loiros que lhe caía sobre a face.

— Porque é uma delícia fazê-la abandonar essa postura dura e séria. Você nem imagina o quão lindos seus olhos ficam quando alcança o clímax — riu. — Além disso, tínhamos uma plateia — informou, sapeca.

Havia visto a sombra de Carolina se insinuando pela parede, alongada pela lâmpada às suas costas no corredor.

— Carolina?

— Sim — sussurrou em resposta. — Maria não é bisbilhoteira e se tivesse algo a nos dizer bateria na porta e entraria com um sorriso de orelha a orelha.

Carla concordou em silêncio, deixando os ombros caírem por um momento.

— Me provocou porque queria que ela nos visse — adivinhou.

Diana piscou o olho e voltou a sentar-se na mesa, se apossando de sua taça novamente.

— Queria ver a reação dela.

— Você tem o superpoder de enxergar através das portas agora? — perguntou, um pouco irritada.

— Saindo do sério, gata? — provocou.

Carla endureceu sua postura, recordando-se de que não havia motivos para ficar apreensiva com o que quer que Carolina tivesse visto, já que não havia nada entre elas e, provavelmente, nunca haveria.

— Por que queria isso?

— Porque acho que ela gosta de você.

Se encostou na parede, com um sorriso incrédulo. Diana, como exigia a profissão a que se dedicava, era dez vezes mais observadora do que as pessoas comuns, entretanto, desta vez, ela havia se enganado completamente.

— Esses olhinhos lindos estão vendo coisas que não existem. Acredito que ela possa sentir atração, o notei hoje quando me encontrei em uma situação em que tive de me trocar diante dela. Vi que percorreu meu corpo com olhar guloso e ficou deliciosamente vermelha quando o percebi, mas é só isso. Existe uma grande diferença entre achar alguém atraente e se sentir realmente atraída por esta pessoa. Ela me odeia, Diana. Quer ver uma faca cravada em minhas costas, são suas próprias palavras.

— Não foi o que me pareceu hoje cedo, durante o café da manhã. Acho que esta crisálida que você usa para se proteger e se manter insensível para executar o seu trabalho também a deixa um pouco cega. Bom, não em relação a mim, afinal, você enxerga a beleza e a perfeição…

— E o convencimento também — observou, então retornou ao assunto. — Acha que ela ouviu nossa conversa?

— Falávamos baixo, creio que deve ter capturado algumas frases, mas nada concreto. Por que não quer que ela saiba?

Carla escorregou a mão pelos cabelos e acabou por soltá-los, impaciente.

— Não quero que se precipite. Ela não andou fazendo as escolhas mais acertadas nos últimos tempos e pode acabar achando que esta é uma boa oportunidade para fugir outra vez e acabar se machucando.

Diana deu de ombros.

— Sinceramente, não sei o que você viu nela. Não nego que é atraente, tem um papo interessante, mas é só isso.

— Vida. Eu vi vida nela. É difícil explicar, mas sei que você sabe o que quero dizer.

E ela sabia mesmo, pois antes de ser uma aventureira no mundo do crime, havia sido uma mulher comum cheia de desejos e anseios que amou e foi amada intensamente.

— Sim — concordou, com os ombros caídos. — Enfim, pense sobre o que lhe disse. Ela sente algo por você.

Carla balançou a cabeça, descrente, e Diana continuou:

— Acho que ela se preocupou tanto tempo em te odiar que acabou gostando de você sem perceber.

— Não — negou outra vez, incapaz de acreditar que seu sonho poderia se realizar.

— Você está há muito tempo sonhando com ela e já se acostumou com seu desprezo e não percebe a forma que te olha.

— Com raiva, ódio, desprezo, é assim que me olha.

— Cabecinha dura, dizem que existe uma linha tênue entre o ódio e o amor. Acho que essa linha já se partiu para Carolina há muito tempo, ela só não percebeu ainda.

II

Carolina cruzou os braços sentindo o frio envolve-la, arrepiando sua pele como se fosse uma leve carícia. Seu corpo tremia levemente, mas não era resultado do frio. Minutos antes, havia se sentado naquele banco no jardim, ouvindo a noite, sendo acariciada por ela, sentindo-se parte dela após sair da casa de maneira intempestiva.

Outra vez, suas emoções estavam bagunçadas graças a Carla. Esperava ter uma conversa sincera e tranquila com ela àquela noite, no entanto foi testemunha de uma conversa sussurrada, sorrisos, beijos e carícias ousadas entre ela e Diana.

Era como se estivesse vendo um filme cuja a atriz principal havia passado anos interpretando outro papel e agora retornava as telas diferente, causando estranheza no público.

Carla sorria com facilidade e seus olhos, que eram sempre frios e inexpressivos, brilhavam carinhosos para Diana. Seus gestos duros, eram delicados com ela e a viu mudar completamente quando mergulhou em seus lábios e pescoço com avidez, escorregando as mãos pelas costas dela, insinuando-as por baixo de sua blusa.

Incomodada, Carolina preferiu partir.

As observava do corredor, pela porta entreaberta e pouco conseguiu capturar da conversa, mas algumas frases a pegaram de surpresa. Aparentemente, Carla estava encrencada, mas pretendia zelar por sua segurança através de Diana, o que não lhe agradou nenhum pouco, e as palavras de Maria naquela tarde lhe assaltaram impetuosas.

Será que era mesmo tão estupida ao ponto de se deixar cegar pela raiva que sentia e não a via como era de verdade? Será que era desta Carla que sua mãe lhe falava?

Ainda se negava a acreditar, era tão mais fácil odiá-la. Se a enxergasse de outra forma, iria querer conhecê-la e isso abriria espaço para coisas que não queria sentir, coisas que andava reprimindo, ocultando por trás de seu ódio desde que a tinha visto quebrar a mão de um dos capangas de Joaquim porque ele a estava assediando. Coisas como as que estava sentindo naquele momento em que suas mãos tremiam, seu coração batia acelerado e sua mente se negava a relembrar as cenas de carinho entre as duas mulheres.

Cerca de uma hora se passou, enquanto ela admirava a noite, sentindo o frio em seus ossos, mas se negava a entrar em casa, pois não queria ter de passar diante do escritório, caminho para seu quarto, e ver ou ouvir algo do que se passava lá dentro e não queria pensar sobre isso também.

Um movimento chamou sua atenção e quase estapeou Diana pelo susto que lhe deu quando sentou ao seu lado, silenciosa como um felino.

— Cruzes! Quase me matou de susto! — reclamou e a ouviu rir, enquanto cruzava as pernas longas e musculosas.

Procurou enxerga-la melhor na fraca luz que vinha da piscina e deu-se conta de que ela parecia diferente de minutos antes. Algo em seu rosto, seus cabelos, o jeito como riu e sentou ao seu lado. Parecia outra mulher.

— Desculpe, é que estava saindo quando a vi aqui e resolvi dizer “tchau”.

Arqueou a sobrancelha e observou a mochila que ela havia colocado aos seus pés quando sentou.

— Mas, chegou esta manhã — observou.

— Tenho um trabalho a fazer e não posso perder tempo.

— Então, só veio dar uma “rapidinha”? — disse, maldosa. A presença dela a irritava, principalmente, porque sentia que havia algo de falso em sua postura. Além disso, ela fazia com que Carla agisse diferente, fosse diferente e isto a irritava muito mais.

Diana riu com gosto e lhe deu um toquinho camarada no ombro. Uma hora antes, havia dito à Carla que não sabia o que ela tinha enxergado em Carolina para a amar tanto. Suas palavras, na ocasião, eram reflexo de um pouco de ciúme.

Sim, ela sabia o que a atraía em Carolina. Embora parecesse irritantemente infantil às vezes, a moça tinha uma personalidade forte. Era dona de gestos delicados e um bom coração, apesar de, pelo que Maria havia lhe contado mais cedo, andar um pouco negro ultimamente.

— É falta de educação espionar os outros, sabia?

Carolina sentiu o rosto afoguear por ter se entregado daquela forma e tentou negar.

— Eu não estava…

— Nos espionando meia hora atrás? Claro que não. Tenho certeza de que só estava passando pelo corredor e resolveu ficar parada junto à porta do escritório, de bobeira, por vinte minutos — riu.

Carolina cerrou os punhos, irritada consigo mesma por ter sido pega.

— Relaxa, Carolzinha! Não ficamos zangadas, aliás, você saiu no melhor da festa…

Carolina se pôs de pé em um rompante.

— Não me chame de Carolzinha e me poupe dos detalhes das suas… — procurou as palavras, mas elas se perderam em sua mente diante do brilho divertido nos olhos de Diana que também ficou de pé.

— Carícias? — completou. — Foi apenas isso que aconteceu naquela sala.

— Estão chamando assim, agora?

Diana riu, outra vez, balançando a cabeça. Novamente, Carolina teve a impressão de que estava conversando com outra mulher.

— Me pergunto qual das duas é mais cega, mas vou chutar que seja você.

— Do que está falando?

Com outro sorriso, ela deu de ombros e catou a mochila no chão.

— Nada, não estou falando de nada. Mas, vou te dar um conselho: não demore muito para admitir a verdade para si mesma, o destino gosta de brincar com as possibilidades, principalmente, aquelas que começam com “e se”. Falo por experiência própria.

Carolina franziu o cenho, confusa.

— O quanto de vinho você tomou?

— O suficiente para ter uma ótima noite de sono, mas não para ficar bêbada. Pena!

A buzina de um carro se fez ouvir diante do portão e Carolina pôde observar um sorriso diferente se espalhar pela face dela, enquanto seu corpo ficava mais ereto. Tinha um semblante um pouco esnobe, naquele momento e colocou óculos de grau no rosto e uma boina de lã vermelha na cabeça e a Diana de segundos antes desapareceu.

— Minha carona chegou — falou com um sotaque francês, apagando de vez a mulher que conheceu naquela manhã. — Me faça um favor, não deixe que ela faça uma loucura.

Ainda surpresa com sua transformação, Carolina questionou:

— Sério, você precisa parar de beber. O que a faz pensar que Carla é capaz de cometer uma loucura e que eu possa ter alguma influência sobre ela?

Diana já se afastava quando se voltou para responde-la.

— São momentos raros, mas ela comete algumas loucuras, afinal, arriscou a própria vida para salvar a sua. Acredite em mim, você tem muito mais poder sobre ela do que imagina.

A viu desaparecer nas sombras se perguntando quem era ela realmente e, enquanto absorvia suas palavras, retornou com passos lentos para seu quarto.



Notas:



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