2.

Marcos Alvarenga acendeu o terceiro charuto da noite, enquanto observava a lua.

“Um cenário romântico”, ele pensou, e teria rido de si mesmo se não estivesse tão furioso e ansioso. Voltou-se para o interior do seu escritório, deixando que seu olhar pousasse na foto sobre a mesa, uma mulher lhe sorria carinhosamente.

Ele era um criminoso, já havia causado muito sofrimento e colocado fim a muitas vidas, mas havia amado aquela mulher no retrato com todas as forças do seu ser. Por isso, quando ela morreu, continuou cuidando da enteada, Carolina. Lhe deu do bom e do melhor que o dinheiro poderia comprar e, ao invés de agradecê-lo, ela o roubou e fugiu com um empregadinho qualquer.

Mesmo não sendo sua filha, tinha afeto por ela. Contudo, era seu lema, traição era algo punido com a morte. Essa rigidez o manteve à frente dos negócios por muito tempo. Era odiado, era um fato, mas também era respeitado e temido. Foi assim que construiu seu império e, mesmo lhe doendo pôr fim a única lembrança que tinha de sua esposa, faria de Carolina um exemplo.

A porta escancarou-se para dar passagem a um homem careca e elegantemente vestido. Em poucos passos, ele venceu a distância da porta até sua mesa, o suor lhe brotava da fronte e cofiou o cavanhaque negro e farto algumas vezes antes de sentar-se na cadeira em frente a que Marcos ocupava.

— Ela fez de novo! — cuspiu ele venenosamente, esmurrando a própria perna.

Marcos sabia muito bem de quem falava, mas optou por manter-se em silêncio. A implicância de Santiago com Carla era irritante.

— Aquela víbora loira, que você insiste em manter ao seu lado, um dia vai acabar matando a todos nós — continuou Santiago.

Marcos deu uma última tragada em seu charuto e o apagou no cinzeiro sobre a mesa, enquanto dizia, tranquilamente:

— Você é o meu braço direito, Santiago, Carla é o esquerdo — a forma como sua voz soou baixa e rouca serviu de aviso para que Santiago não continuasse.

O capanga manifestava sua repulsa por Carla Maciel sempre que podia. Ele tinha verdadeira aversão a moça loira e de olhar inexpressivo que dedicava seus serviços àquela organização havia mais de dez anos e já a teria enviado para as profundezas da terra se tivesse encontrado uma boa oportunidade para fazê-lo.

Santiago temia Marcos, pois sabia que o chefe era um homem vingativo e explosivo. Conseguia ler o patrão facilmente, no entanto, o mesmo não ocorria com Carla que sempre exibia uma frieza marmórea em seus gestos e atitudes cuidadosamente calculadas. Isso só aumentava seu desafeto pela moça.

— Acabei de receber uma ligação do Antunes, ela matou o Miguel. Como posso fazer o meu trabalho direito se ela mata meus homens como se fossem moscas?

Marcos cruzou as mãos e esticou as pernas.

— Se isso aconteceu, ela deve ter tido um bom motivo — concluiu pacientemente.

— Motivo? Àquela mulher mata por esporte, não precisa de motivos.

Uma batida rápida e leve chamou sua atenção para a porta que se abriu para dar passagem ao objeto de seus comentários. Ela cruzou a sala com passos cadenciados e seguros, o elegante terninho preto que usava, estava manchado por algo viscoso e cheio de areia e sua visão causou repulsa nos dois homens, embora tenha sido causada por motivos distintos.

— E então? — Marcos questionou.

— O rapaz está morto — ela parou diante da mesa dele e Santiago voltou a cofiar o bigode, nervoso com sua presença.

— Essas não foram as minhas ordens.

— Ele cometeu a idiotice de atirar em nós, Antunes revidou e o corpo caiu no rio — informou ela sem qualquer emoção.

— Carolina?

— Na clínica do Dr. Pontes.

Santiago se pôs de pé.

— Deveria tê-la trazido para cá!

Carla limitou-se a olhar para Marcos, sem nada dizer. Já estava acostumada aos rompantes de Santiago e pouco lhe interessava o que ele achava ou deixava de achar.

— Por que não a trouxe? — Marcos quis saber.

— Não poderia interroga-la se ela sangrasse até a morte.

Marcos respirou fundo e olhou rapidamente para o retrato da esposa, assentindo devagar.

— É grave?

— A bala atravessou o ombro e ela perdeu muito sangue, mas o médico informou que não atingiu nenhum órgão vital. Deverá estar à nossa disposição em algumas horas.

— Lhe dei ordens para não a machucar — recordou Marcos.

— Não a machuquei. Fugiu e Miguel atirou.

Os olhos de Santiago faiscaram quando ouviu o nome do capanga.

— Você o matou! — acusou ele.

Pela primeira vez, desde que adentrou naquela sala, ela lhe dirigiu as íris de um azul cristalino como as de um felino.

— Matei — sua voz não era mais que um sussurro, mas deixava claro que não havia arrependimento, nem espaço para discussões a respeito e o capanga deu um passo atrás, a fim de aumentar a distância entre os dois.

Marcos deu um meio sorriso, divertido com a cena. Santiago ciscava como um galo de briga, mas sempre se encolhia na presença de Carla e devia mesmo fazê-lo.



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