7.

Carolina destacou a folha do caderno, amassou-a e a atirou no lixo deixando um longo e pesado suspiro escapar de seu íntimo. Precisava conversar com alguém, mas como não havia ninguém em quem pudesse confiar, recorreu ao velho hábito de escrever, entretanto, rasgava as folhas assim que terminava seu desabafo e as atirava ao lixo.

Quando criança, tinha um diário, mas sua mãe o leu e, embora ela tenha sido muito compreensiva com algumas de suas travessuras, Carolina decidiu não recorrer a ele outra vez. Quando tinha algum segredo importante, algo que não conseguia suportar sozinha, o dividia com Bento, seu melhor amigo.

Mas, ele era mais que isso, também. Por um tempo, foram namorados, amantes, companheiros. No entanto, a amizade superou qualquer outro sentimento e, embora não fossem mais namorados, haviam se tornado muito mais ligados. Ele era uma parte boa dela que havia sido arrancada de forma dolorosa e trágica, deixando uma cicatriz em sua alma que jamais sararia.

Olhou para a bola de papel amassado no fundo da lixeira e enxugou uma lágrima, expulsa de seu íntimo pela força de seu ódio. Bento não estava mais lá para ouvi-la e a culpa era de Carla e de seu desprezo pela vida. Antunes havia puxado o gatilho, mas Carla nada fizera para impedi-lo, a morte a acompanhava aonde quer que fosse.

Sabia que ela era cruel, mas jamais imaginou que fosse capaz de usar o amigo morto para aterrorizá-la. Isso jamais perdoaria. Não conseguia olhá-la nos olhos desde a ida ao cemitério para o sepultamento de Bento, um mês antes. Sempre que tentava, seu coração pulsava de raiva e esse sentimento era tão forte e assustador que a sufocava e, à noite, ele lhe deixava acordada na cama até a madrugada, imaginando formas de mata-la, tentando encontrar a oportunidade certa.

Desde àquele dia, sua vida havia se resumido a uma rotina cuidadosamente planejada pela loira diabólica. Ia e voltava do trabalho na transportadora, pela qual Carla era responsável, com ela. Obviamente, o negócio, apesar de regular, era usado para transporte de drogas. Uma das artimanhas do padrasto.

Era um trabalho diferente do que exercia anteriormente, quando gerenciava um restaurante que Marcos utilizava como ponto de encontro com associados quando estes exigiam um lugar público para negociar.

Sua sala ficava em frente a de Carla cuja porta nunca estava fechada. De sua mesa, ela podia observar todos os passos dela e vice-versa. Embora se sentisse incomodada com a situação, Carolina aproveitava para observar sua carcereira e aprender tudo o que podia sobre ela e encontrar uma brecha para fugir outra vez e se vingar por Bento.

Havia se passado um mês que ali estava e tudo que tinha descoberto sobre Carla, era que ela levava a sério seu trabalho e passava o dia concentrada em pilhas de papéis e ao telefone. O negócio era uma fachada para Marcos transportar suas drogas, mas durante aquele mês, Carolina ainda não havia descoberto como era feito. Todos os documentos que chegavam às suas mãos, demonstravam a seriedade e legalidade de todas as transações e transportes.

Não era à toa que Marcos havia lhe dito, certa vez, rindo, que Carla o havia deixado ainda mais rico do que já era e de forma legal.

Por vezes, até pensava estar trabalhando com alguém normal. Mas, quando a hora de partir para casa chegava, a realidade a esmagava e deixava-se abater pela solidão, imaginando quando sua carcereira e o padrasto se cansariam daquela brincadeira. Esperava que não fosse antes de obter sua vingança.

Ainda olhava para o papel amassado em sua lixeira quando Carla adentrou na sala, seu perfume tomando todo o ambiente. Distraída, Carolina ergueu o olhar para ela e surpreendeu-se ao notar que parecia incomodada, mas foi uma impressão momentânea, pois quando piscou, seu olhar era o mesmo de sempre, duro e sem calor.

— Sim?

— Pegue suas coisas, estamos indo.

Carolina verificou as horas no relógio em seu pulso, estavam no meio da tarde. Normalmente, só saíam um pouco antes do anoitecer. Curiosa, desligou o computador, pegou seus objetos pessoais e a seguiu.

Saíam do estacionamento quando um carro bloqueou a passagem e quatro homens fortemente armados desceram dele. O líder do grupo era um homem de, aproximadamente, trinta e cinco anos, dentro de um terno italiano preto que parecia justo demais já que seus músculos davam forma ao tecido fino. Ele sorriu, enquanto colocava no lugar os cabelos longos, até os ombros, que se debatiam contra o vento. Caminhou até a lateral do carro com um gingado malandro e enfiou as mãos no bolso do paletó como.

Carolina nunca o havia visto pessoalmente, mas sabia quem ele era. As descrições que ouvira, eram bem fiéis. Joaquim Rodrigues era um traficante, assim como seu padrasto. Aliás, era o poder de Marcos e seus negócios que ele almejava, mas nunca teve poder o suficiente para usurpar o “trono” dele.

Joaquim se aproximou da janela de Carla, enquanto um de seus homens se posicionava do lado em que Carolina se encontrava com uma metralhadora brilhando ameaçadora nas mãos e um sorriso debochado.

— Boa tarde! — disse Joaquim, o sorriso se ampliando em uma tentativa de parecer charmoso e Carolina notou a fina cicatriz que cortava sua barba bem aparada desde a costeleta direita até o queixo. — Desculpe o jeito.

Carla se recostou no banco, puxando o freio de mão do carro e retirou os óculos escuros que usava, deixando que as frias safiras em seus olhos pousassem sobre ele com algum impacto.

— Qual o motivo da visita, Joaquim? — foi direta.

— Estava passando por aqui e pensei em dar um “oi”.

— Neste caso, não se importará de tirar o carro da frente e nos liberar a passagem já que seu “oi” foi dado. A não ser que tenha algo mais.

Joaquim se encostou na janela e Carolina, apesar de um pouco distante, pôde sentir o cheiro de álcool que ele exalava. O capanga ao lado da sua janela, seguiu o exemplo do chefe colocando metade da arma para dentro do carro quando se encostou nele e piscou para Carolina, provocando-a.

Carolina chegou a torcer para que ele tivesse um dedo nervoso e acabasse disparando em Carla, então se deu conta de que aquilo não era o que realmente queria. Carla encontraria a morte em suas mãos. Além disso, se morresse ali, provavelmente, teria o mesmo fim que ela.

— Você me pegou — disse Joaquim, olhando com interesse para Carolina.

Carla permaneceu imóvel, os olhos fixos nele. Tinha consciência do capanga na janela ao lado de Carolina e que Joaquim, embora estivesse com uma pose relaxada, segurava uma arma no bolso do paletó. Mais três homens o acompanhavam, dois deles estavam diante do seu carro, com armas em punho e o terceiro, havia ficado ao volante do carro em que vieram.

Era uma situação complicada e não tinha certeza se poderia sair dela sem levar um tiro, caso fosse necessário. Além disso, havia Carolina. O reflexo no vidro da guarita um pouco à frente do carro, permitia que visse o capanga ao seu lado tocar os cabelos dela com um sorriso malicioso e apertou com força o volante, o que Joaquim interpretou como medo, mas estava muito longe disso.

— Sabe, estou atrás de um ladrão e gostaria de saber se você poderia me ajudar — informou Joaquim.

Ele esperou alguma reação de Carla e pareceu decepcionado quando sua postura não se alterou.

— Continue — ela pediu.

— Ontem à noite, alguém roubou minha carga em um armazém perto da rodoviária.

Ele aguardou um instante para que ela se manifestasse, o que não aconteceu, pois estava com o olhar fixo no reflexo na guarita. Carolina havia tentado se afastar, mas o capanga ainda segurava uma mecha dos cabelos dela com um sorriso malicioso e até percorreu um dedo em sua face.

Irritado, Joaquim deixou o sorriso simpático morrer e apertou com mais força a arma no bolso, isso não passou despercebido à Carla.

— É a segunda vez que isso acontece este mês — continuou ele. — Você saberia de alguma coisa?

— Não.

— Tem certeza?

— Duvida da minha palavra? — ela soou perigosa e Carolina percebeu o quanto ele se sentiu incomodado com isso.

Joaquim sabia que tinha de temer àquela mulher. Não era estúpido, sabia que, mesmo estando em vantagem numérica, aquilo nada significava para Carla. Cujos feitos haviam chegado aos seus ouvidos antes mesmo de conhecê-la, cinco anos antes.

— Não, não duvido. Mas gostaria que desse um recado ao seu chefe.

Carolina escorregou um pouco mais para o lado, a fim de escapar da mão boba do capanga que agora escorregava por seu ombro. Ele lhe sorria malicioso sempre que tentava se afastar.

— Não sou garota de recados — Carla informou.

Joaquim sorriu, apaziguador.

— Eu sei. Me desculpe se passei a impressão errada. Gostaria de lhe pedir o favor de dar um recado ao seu chefe.

Ela assentiu devagar.

— Diga-lhe que, estamos convivendo em paz nos negócios há muito tempo e que, espero, continue assim — ampliou o sorriso.

— É só isso?

Ele meneou a cabeça.

— O recado será dado — ela afirmou.

Satisfeito, Joaquim se afastou da janela.

— Ótimo! Não queremos que hajam mal-entendidos, não é mesmo? Coisas ruis acontecem nesse ramo por falta de um bom diálogo ou, simplesmente, por não sabermos quais linhas nãos devemos ultrapassar — sorriu. — Bem, foi muito bom conversar com você — ele deu outro passo atrás.

— Digo o mesmo — ela sorriu e ele sentiu um calafrio, pois já tinha ouvido muito sobre aquele sorriso. — Espero que não se importe, mas vou quebrar a mão boba do seu capanga agora.

O homem em questão, não havia se afastado da janela do carona e sorria malicioso e distraído para Carolina, ainda com a metralhadora repousando sobre a porta. Em um movimento rápido, Carla a puxou e o braço dele foi junto. Carolina ouviu o estalar dos ossos da mão dele com um misto de agonia e alívio. O homem gritou se afastando do veículo, dando passos apressados para trás até perder o equilíbrio e cair no chão.

Então, com movimentos lentos, Carla entregou a arma para Joaquim que a pegou tentando não demonstrar espanto com o que acabara de acontecer.

— Ensine seus homens a manter as mãos nos locais certos — ela aconselhou. — Obrigada pela visita.

Ele balançou a cabeça em concordância, sorriu amarelo e se afastou do carro, novamente, ordenando com um gesto que o motorista do carro em que viera, liberasse a passagem. Carla acelerou e seguiu seu caminho com Carolina que ainda não havia se recuperado do susto quando percebeu que estavam se dirigindo para a mansão de Marcos.

— O que foi isso? — ela tomou coragem para perguntar, após alguns minutos.

— Um aviso — Carla respondeu sem tirar o olhar da estrada.

Vinte minutos depois, Carla estacionou diante da casa que foi o lar de Carolina desde que tinha seis anos e ela relembrou a última vez que estivera ali, fazia pouco mais de um mês, e temeu por sua vida outra vez.

— Fique aqui — Carla ordenou, enquanto saía do carro.

Carolina inclinou a cabeça, concordando. Não tinha a menor intensão de cruzar com o padrasto e dar motivos para ele finalizar o que começou.

Como um cão farejador, Santiago surgiu à porta e, assim que avistou Carolina no carro, perguntou:

— O que ela faz aqui?

Carla o empurrou para o lado, sem lhe dar atenção, e adentrou na casa. Indignado e furioso, Santiago a seguiu, voltando a repetir a pergunta que tornou a ser ignorada. Marcos estava tomando uma dose de uísque em uma mesa no jardim do outro lado da mansão e sorriu quando os viu se aproximar.

Sem cerimônia, ela puxou uma cadeira e sentou ao lado dele e Santiago quase a fuzilou com o olhar já que ele mesmo não tinha essa liberdade para com o chefe.

— Algum problema? — Marcos questionou.

Geralmente, Carla só ia até sua casa quando era convocada por ele ou quando necessitava lhe falar sobre negócios. Ela tinha total autonomia para agir e tomar decisões, mas gostava de se reportar a ele quando eram de grande importância para sua organização.

Ela cruzou as pernas e se recostou na cadeira.

— Recebi uma visita de Joaquim Rodrigues hoje.

Santiago enrijeceu sua postura ao lado do patrão, enquanto Marcos arqueou uma sobrancelha.

— Qual o motivo? — Marcos inquiriu.

— Gostaria de lhe falar sobre isso em particular — ela pediu, olhando com desdém para Santiago que abriu a boca para falar, mas calou-se quando, com um gesto, Marcos o dispensou.

Ela ainda aguardou um minuto para falar, enquanto observava Santiago se afastar. Então, contou sua história.

— Ele acha que estamos envolvidos nos roubos e deixou claro que haverá uma guerra caso continuem — Marcos concluiu.

— Exatamente — Carla confirmou. — O problema é que o mesmo nos aconteceu.

Marcos juntou as sobrancelhas negras e espessas. O maxilar quadrado contraindo-se.

— Como assim?

— Também invadiram um de nossos armazéns, há dois dias — ela explicou, os dedos tamborilando na madeira do braço da cadeira que ocupava.

Marcos depositou o copo que segurava na mesa, com violência.

— Por que não me comunicou antes?

— Porque nada foi roubado, realmente.

— Então?

— Alguém invadiu o lugar e deixou meia tonelada de cocaína lá.

Ele colocou os cotovelos sobre a mesa, escondendo parte do rosto entre as mãos.

— Estão tentando nos incriminar — concluiu.

— Sim — ela concordou. — Alguém está brincando conosco, querendo armar uma guerra entre nós e o Joaquim.

— Mas, quem?

Ela serviu outro copo de uísque para ele e ficou de pé.

— Tenho uma ideia de quem seja o responsável — informou, o vento bagunçando alguns fios de se cabelo que haviam se soltado do seu rabo de cavalo.

— E quem é? — ele perguntou, a voz carregada de ódio.

— Por enquanto, são apenas suspeitas e gostaria que me desse liberdade para tratar isso em segredo. Não quero correr o risco de pegar a pessoa errada.

Ele afrouxou a gravata, ponderando sobre suas palavras. Se ela estava dizendo que ia encontrar o culpado, com certeza, o faria.

— Tudo bem. Faça o que puder.

— Obrigada.

Ela o observou sorver parte do uísque no copo. Marcos era o que era, um homem que não se deixava abater por nada ou ninguém, implacável. Muitas vezes, era desprezível, mas ele era muito mais do que se deixava mostrar e era esse algo a mais que ela respeitava.

— Gostaria de lhe pedir para manter isso entre nós, por enquanto.

Ele alisou o bigode e concordou com um inclinar de cabeça.

— O que você fez com a droga? — quis saber.

— Queimei.

Ele a olhou curioso.

— Você queimou meia tonelada de cocaína?

— Era uma porcaria! Não sei como Joaquim consegue vender aquilo. Enfim, não podia arriscar. Se alguém a colocou lá, tinha um objetivo claro, nos comprometer. Para todos os efeitos, o armazém estaria vazio pelos próximos três meses, ninguém tinha motivos para ir até lá. Ficaríamos no escuro até a bomba estourar.

— E como soube?

— Sistema de segurança. Mandei instalar alarmes em todos os armazéns sob minha responsabilidade.

Ele riu, satisfeito.

— Sabe, às vezes, quando olho para você, me pergunto o que teria acontecido se tivesse te matado naquele dia.

Ela enfiou as mãos nos bolsos da calça, era um gesto que repetia com frequência.

— A vida teria seguido e você seria menos rico — ela respondeu com um dar de ombros. Marcos ainda ria, quando ela lhe deu as costas para partir e foi com alívio que Carolina a viu se aproximar.

Santiago estava rondando o carro havia alguns minutos, até que se aproximou com um sorriso malvado e a arma em punho. Recostou-se na janela do lado do motorista e piscou para ela.

— Está se divertindo com a víbora? — ele questionou.

Carolina o ignorou, o coração aos pulos. Odiava Carla, a temia, queria destruí-la, mas ela havia poupado sua vida. Santiago, por outro lado, queria vê-la debaixo de sete palmos de terra a todo custo.

— Então, como é ser a prostituta dela? — continuou ele.

Carolina se endireitou no banco.

— Vá embora — pediu, enojada com as palavras dele.

Ele riu alto.

— É tão ruim assim? Falta algo, não é mesmo?

Ela o mirou, cheia de raiva.

— Você é nojento!

Suas palavras o fizeram rir mais alto, divertia-se às suas custas.

— Talvez. Só me pergunto quanto tempo levará até ela se cansar de brincar de casinha com você e quebrar seu lindo pescocinho.

Carolina apertou o tecido da calça que vestia com força. O ódio por ele, quase a cegando.

— Me deixe em paz!

Ele sorriu, lustrando o cano da arma com a ponta da gravata.

— Sabe, poderíamos deixar nossas diferenças de lado e nos tornar amigos.

Carolina deixou o queixo cair por um breve momento, mas logo se recuperou.

— Você bebeu? Há um mês queria meter uma bala na minha cabeça.

Ele fez um bico e ela o imaginou como uma ave de rapina. Os olhos negros e miúdos brilhando cheios de maldade.

— Para ser sincero, sim. Um ótimo conhaque, na verdade — deu de ombros. — Mas, isso não é importante. O caso é que acho que nós dois poderíamos nos ajudar muito.

— Não vejo como — disse irritada.

— Mas eu vejo e acredito que seria muito vantajoso para ambos.

— E o que você quer?

Santiago sorriu, satisfeito com o interesse dela.

— Preciso saber os passos da víbora e você quer sua liberdade. É uma troca justa.

Carolina afastou uma mecha de seus cabelos que caíam sobre os olhos e o fitou com interesse.

— Está sugerindo que a espione?

Santiago riu, um riso forçado e sem graça.

— Sugerindo, não. Estou querendo fazer um acordo com você em troca de algumas informações.

Ela ponderou por um instante e ele aguardou, quase salivando de satisfação.

— Só se você me fizer um favor antes — ela disse, por fim.

Ele sorriu, satisfeito. Havia conseguido.

— E qual seria?

— Vá para o inferno! — ela gritou.

Mesmo que desejasse a liberdade com toda a sua alma, jamais se aliaria a Santiago. Preferia se arriscar ao lado de Carla, apesar de seu ódio e dos planos de vingança.

O rosto dele se contorceu em uma careta de ódio e apontou a arma para ela.

— Você é, realmente, uma estúpida! — ele cuspiu as palavras, a mão tremendo de raiva, o dedo no gatilho.

— Atrapalho? — Carla perguntou, logo atrás dele.

Carolina observou o brilho de ódio no olhar dele dar lugar ao que julgou ser medo. Santiago se voltou para Carla e sorriu, guardando a arma.

— De modo algum. Estávamos, apenas, batendo um papo amigável — ele respondeu com cinismo na voz.

Carla sorriu e, outra vez, Carolina observou o rosto de Santiago se transformar. Assim como fizera um mês antes, ele se afastou dela o mais rápido possível, sumindo no interior da casa com a desculpa de que necessitava tratar de alguns negócios com Marcos.

— Imbecil — Carla sussurrou, enquanto se acomodava no interior do carro e Carolina escondeu um sorriso, afinal, concordava com ela.

Já era quase noite quando chegaram em casa. Durante todo o trajeto, o silêncio reinou entre elas, mas quando entraram em casa e Carla se afastava em direção ao seu quarto, Carolina a chamou.

— Sim?

Carolina não conseguia deixar de lado a ideia de que, de uma forma tosca, Carla a havia defendido por duas vezes àquele dia.

— Santiago queria que eu a vigiasse — contou, achando assim, que estava quitando sua dívida. Tinha certeza de que, se ela não tivesse surgido, Santiago teria atirado nela e arranjaria uma desculpa convincente para se safar.

Carla a observou em silêncio por um longo segundo.

— E você vai fazê-lo? — questionou.

Carolina imaginou que a pergunta era quase uma ameaça e apressou-se em responder:

— Definitivamente, prefiro a morte antes de ajudar aquele verme.

Carolina viu, com espanto, a boca pequena e carnuda dela se curvar em um sorriso. Era um sorriso diferente, era realmente bonito, caloroso e não havia malícia nele. Então, lentamente, ele se foi e Carla voltou a ser a mulher que conhecia.

Quando ela ia se retirar novamente, Carolina, ainda abalada pelo efeito do seu sorriso a chamou outra vez.

— Mais cedo, na transportadora… — calou-se, buscando as palavras, mas só havia uma que se encaixava com perfeição. — Obrigada por ter me defendido.

Desta vez, Carla não sorriu. Inclinou a cabeça em um gesto quase imperceptível e entrou no quarto e Carolina fez o mesmo, jogando-se na cama, cansada. Ciente de que havia acabado de presenciar algo muito raro e, definitivamente, bonito.



Notas:



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