DAKOTA

11. A EUFORIA DE ESTAR FAZENDO ALGO PROIBIDO

— Não fiz nada! Isso não é justo — Nando reclamou.

Alice pousou a mão no ombro dele, apertando-o de leve. Olhou para Dakota, que apoiou as costas no sofá concentrada em deslizar o dedo pelos contatos do celular. Estava incomodada com a tranquilidade que ela agora demonstrava, como se tudo que acabou de ser exposto não tivesse importância.

— Vamos chamar a polícia — disse para o irmão. — Vai ficar tudo bem.

Sentada na outra ponta do mesmo sofá que Dakota ocupava, Isadora pontuou:

— Se isso funcionasse, não estaríamos nesta situação. Tenho certeza de que Isabella não deixou de procurar as autoridades quando se viu em risco.

Nando suspirou forte, concordando com ela.

— Não é da polícia que Nando precisa, é de alguém como ela — apontou para a mulher ao seu lado e atirou o cartão de visitas, que ela lhe deu pela manhã, sobre a mesinha de centro.

Dakota olhou para o cartão com um sorrisinho no canto da boca, nem um pouco surpresa por ela não ter resistido à curiosidade de apontar a câmera do celular para o QRcode e descobrir um pouco mais sobre a sua pessoa.

— Você tinha razão, às vezes, eu gosto de ir até a última página — Isadora admitiu para ela, mal escondendo o nervosismo que a tomava diante daquela situação estranha e perigosa.

— Já estou cuidando de tudo — Dakota anunciou, calmamente, deixando-a ver a tela do seu celular, onde uma conversa por mensagens com alguém chamado Dani, se desenrolava. Das poucas linhas que Isadora conseguiu ler, ela estava falando muito sério.

Dakota bloqueou o aparelho e escorregou para a beirada do sofá, apoiando os cotovelos nas coxas. Fitou Alice, que tinha pego o cartão de visitas e o inspecionava com uma sobrancelha arqueada.

— É assim que as coisas vão acontecer: Nando vai me levar até Isabella e…

O rapaz se empertigou, desconfortável. Não queria se indispor com a amiga, tampouco, trair sua confiança mais do que já tinha feito até o momento.

— Eu prometi para ela… — começou a dizer, interrompendo-a.

— Não importa o que você prometeu, nós iremos até ela — endireitou-se. — E depois que eu avaliar esse esconderijo, se achar que é realmente seguro, você ficará com Isabella até que essa confusão se resolva.

Um pouco intimidado, Nando aceitou com um balançar de cabeça. Satisfeita, ela se dirigiu aos outros:

— Para todos os efeitos, Nando se encontra ausente da fazenda porque foi viajar, está com uma namorada nova, emprego novo… Escolham a melhor opção. Combinem a história que irão contar e não fujam dela, pois uma mentira mal contada pode custar a vida dele ou a de vocês.

— Mas do que você está falando?! — Alice ficou de pé, desnorteada. — A sua solução para o problema é que ele se esconda?! Até quando? Como? Isso não faz o menor sentido pra mim! Acho melhor procurarmos a polícia agora.

— A mesma que, praticamente, não existe em Cascabulho?

— Você já usou esse argumento comigo, Dakota. Não vai funcionar desta vez.

Dakota se colocou de pé, enfiando o celular no bolso da calça jeans rasgada na altura dos joelhos. Não parecia incomodada com a relutância de Alice. Na verdade, até já esperava por isso, só que imaginou que a resistência viria por parte de Nando ou Rosana.

— É mais sensato tentar descobrir com quem estamos lidando antes de espalhar essa história por aí — ela justificou, porém Alice não estava disposta a engolir aquela ideia facilmente.

— Olha, eu entendo, tá? Você e Tonho eram muito amigos. Você só está tentando descobrir quem o matou e está perseguindo a sobrinha dele, mas o meu irmão não tem que pagar pelos erros de Isabella.

Notando a agitação da ex-namorada, Isadora e Dona Rosana tentaram acalmar os ânimos. A primeira, porque sabia o quanto Alice podia ser cabeça-dura; a segunda, porque estava pensando nas reais consequências para Nando.

— Não é hora de procurar culpados, Alice. O fato é que esses homens acham que Nando tem a informação que eles querem e, com certeza, retornarem à Mimosa é uma possibilidade. Seja sensata!

— Diante do que já foi exposto, me parece que Nando estará mais seguro longe daqui — Dona Rosana completou, tentando soar firme diante da situação e da presença da neta naquela casa, após décadas de afastamento.

Teimosa, Alice acusou a madrinha:

— Está concordando com ela, apenas porque deseja abrir caminho para o seu perdão.

— Estou, apenas, pensando no seu irmão. Ele poderia estar em sérios problemas, se Jaime não tivesse suspeitado do que viu e nos avisado!

A resposta de Alice estava na ponta da língua, porém Dakota interferiu:

— Não vamos nos desviar do assunto que está sendo tratado aqui — soou fria. — A vida do seu irmão está em perigo, não acha justo tentar salvá-lo, ainda que isso signifique uma separação momentânea?

O silêncio incidiu eles, enquanto Alice se dava conta de que era minoria naquela tomada de decisão. Fitou o irmão, que estava entretido com o celular e o cartão de visitas, que largou sobre o sofá momentos antes.

— Espero que você faça um desconto família, porque acho que não vou ter dinheiro para pagar os seus serviços — disse ele, ainda fitando a tela onde o logo da Bellator Segurança Privada pairava um pouco acima de uma foto de Dakota com cabelos longos e usando um elegante terninho risca de giz, cuja legenda a apresentava como Diretora de Segurança Estratégica. — Gostei do seu cabelo comprido.

Rindo, ela respondeu:

— Eu diria que você está com sorte por estar incluso no pacote “Isabella”. Mas precisar da ajuda de alguém como eu significa que você está muito ferrado ou é um riquinho excêntrico e paranóico.

Nando encolheu os ombros, mais tranquilo depois de descobrir que a sua vida não dependia de uma parente meio maluca, e sim, de alguém que podia mesmo protegê-lo e a Isabella.

— Eu vou pegar as minhas coisas — decidiu e foi para o quarto preparar uma mochila.

— Isso é loucura! — Alice murmurou, tomando o lugar dele no sofá.

— Eu não discordo — Dakota balançou os ombros. — Mas garanto que vou descobrir quem está por trás disso.

— E o que vai fazer quando isso acontecer? Matá-lo?

— Se for realmente preciso… Tudo depende das circunstâncias, Alice. No entanto, não sou avessa à polícia como você acha. Apenas, prefiro lidar com policiais que estejam realmente empenhados em descobrir o autor de um crime.

— E se esses bandidos vierem à procura de Nando, o que vai ser de nós quando não o encontrarem?

As mãos de Dakota deslizaram para os bolsos da calça, enquanto ela assumia uma postura séria e profissional.

— É por isso que, a partir de amanhã, a Mimosa terá novos funcionários. No mais tardar no fim da tarde uma equipe de segurança assumirá seu posto na fazenda. Não se preocupem, serão discretos — ela antecipou o questionamento de Rosana. — Para evitar perguntas e suspeitas dos moradores da vila, eles irão assumir funções comuns. Um deles pode ser ajudante do Jaime.

— Eu não preciso de ajudante, dou conta do serviço!

Ela deu um sorriso nasal.

— É apenas um disfarce, Jaime. Você sempre foi muito capaz, mas será interessante que um dos agentes finja ser seu ajudante, pois você é o capataz da fazenda. Tudo por aqui passa por você. Por favor, não faça questão de fingir estar velho e sobrecarregado com o trabalho por alguns dias.

O homem cruzou os braços, com cara de quem não gostou da ideia. Todavia, acatou.

— Outros dois agentes irão assumir as funções de vigias — ela prosseguiu. — Um durante o dia, o outro à noite. Usem como desculpa uma invasão, digam que flagraram homens tentando roubar esta casa ou a de algum funcionário, ou mesmo, peças do maquinário da usina. — Passou uma mão pelos cabelos, afastando uma mecha dos olhos.

Isadora estava impressionada com a facilidade e rapidez com a qual ela formulou as justificativas para a presença de cada pessoa da equipe na fazenda. A palavra “estratégica” no título do seu cargo na Bellator fazia muito sentido, agora.

 — E você, Alice, contratou uma consultoria para um novo investimento que pretende fazer na fazenda. Essa pessoa, que será o quarto integrante da equipe, ficará hospedada nesta casa por alguns dias.

— Mas que droga! — Alice quase berrou. — Você não pode voltar, depois de todos esses anos, e bancar a manda-chuva da Mimosa, como se a madrinha e eu não fôssemos nada!

Dakota voltou a enfiar a mão no bolso.

— Caso você ainda não tenha entendido, Alice, estou tentando salvar a vida do seu irmão e evitar que pessoas boas, como Jaime e Matilde, sejam expostos ao perigo. Então, fique chateada o quanto quiser. Isso vai acontecer.

***

Isabella parecia bem, apesar da aparência deprimida e do número excessivo de cigarros que fumou durante a hora e meia em que conversaram. E foi com alívio que Nando ouviu Dakota dizer que ia embora.

Ele não entendia como a amiga podia se preocupar tanto com alguém e, ao mesmo tempo, ser tão grossa e malcriada com essa pessoa. Pois, durante o diálogo, ela não se poupou de atirar farpas diretas e indiretas para Dakota que, por sua vez, aparentava não se importar. Ao menos, era essa a impressão que passava e isso parecia deixar Isabella ainda mais irritada com ela.

— Por que não me procurou depois que Tonho foi baleado? — Dakota perguntou para ela, em dado momento.

— Por que eu deveria, se você não se importou em saber o que estava acontecendo quando ele te ligou?

Depois disso, cada pergunta que Dakota fazia recebia uma patada verbal como resposta. Mesmo assim, ela conseguiu arrancar toda a história da moça.

Em uma noite de sábado, Isabella e algumas amigas foram convidadas para irem a uma festa no iate de um ricaço, o qual ela sequer sabia o nome, mas era amigo ou primo de um de seus colegas de faculdade. Ela não estava a fim de ir, mas foi vencida pela insistência das amigas.

Agora se arrependia de não ter sido mais determinada.

Havia muita gente na embarcação, pessoas de todas as idades, claramente abastadas e importantes. Foi fácil reconhecer alguns empresários e até políticos, que estavam mais presentes na mídia. A festa só tinha duas regras: celulares eram proibidos e tudo em relação a drogas e álcool estava liberado, assim como, o sexo.

— Coletaram nossos celulares no embarque. Etiquetaram e disseram que seriam devolvidos quando o barco retornasse — contou. E, em seguida, definiu o evento como o “mais louco” em que já esteve.

Na verdade, Isabella era uma moça muito tranquila. Rebelde em alguns pontos, mas pé no chão. Gostava de festas, como qualquer jovem da sua idade, porém bebia pouco e não se drogava. Ter participado de algo assim, realmente deixou Dakota surpresa.

Segundo relatou, a certa altura da festa uma de suas amigas começou a passar mal e elas entraram em uma cabine em busca de um banheiro. Enquanto estavam lá, homens entraram na cabine e começaram a conversar. Eram quatro, no total, falando sobre negócios e muito dinheiro.

As duas moças preparavam-se para deixar o banheiro e retornar para a festa, quando um dos seguranças entrou no cômodo com outro homem. O sujeito estava alegre, mas não embriagado e cumprimentou a todos com um sorriso. Foi quando a amiga de Isabella, que se chamava Andréia, sacou o celular, que tinha conseguido contrabandear para dentro da embarcação, e começou a filmar a conversa que acabou com a morte do recém-chegado.

O segurança recolheu o corpo e os homens deixaram a cabine logo depois. Isabella e Andréia saíram em seguida e passaram as quatro horas seguintes ansiosas para sair daquele iate. Quando chegaram à terra firme, decidiram que era mais seguro fingirem que nada aconteceu. A amiga apagou o vídeo e elas nunca mais tocaram no assunto.

Então, Andréia foi assassinada em um suposto assalto e, no dia seguinte, em um ponto diferente da cidade, Isabella quase perdeu a vida da mesma forma. Por sorte, ao perceber o que aconteceria, ela acelerou o carro e cruzou o sinal vermelho. Os bandidos dispararam contra o veículo, mas nada lhe aconteceu.

Dias depois, alguém invadiu o apartamento dela. E, naquele ponto da narrativa, ela deixou a agressividade de lado e agradeceu Dakota por tê-la obrigado a fazer aulas de defesa pessoal. Ao lutar com o invasor, causou muito barulho e chamou a atenção de um dos vizinhos, que entrou no apartamento e acabou espantando o agressor.

Depois disso, Isabella não teve dúvidas de que essas desventuras eram uma tentativa de queima de arquivo. Fugiu para o interior e, após muita insistência do tio, acabou contando o que se passou. Foi quando Tonho ligou para Dakota. Pouco depois, homens invadiram sua casa e atiraram nele quando ofereceu resistência para que ela pudesse escapar.

Diante da porta da residência humilde, em um pequeno sítio nos arredores da cidade de Velhinhas, que ficava a poucos quilômetros de Passo Doce, Dakota olhou para o céu noturno antes de descer dois degraus e ir até a picape. Ela pegou a mochila no banco traseiro e retornou para junto dos jovens. Ambos encostados no umbral da porta, ocupando todo o espaço da passagem como se, assim, pudessem impedi-la de entrar na casa outra vez.

Da mochila, ela tirou uma pistola e ofereceu para Isabella, mas foi Nando quem a pegou. Graças a Jaime, ele sabia atirar com espingarda, e com meia-dúzia de palavras assimilou as instruções para usar a pistola.

— Isso é para se manterem por uns dias — ela tirou um maço de notas de valor alto de uma dos bolsos da mochila. Isabella continuou se negando a receber o que lhe era oferecido. Nando enfiou o dinheiro no bolso. — Usem apenas se for extremamente necessário. Evitem ir até a cidade. Vou enviar alguém de confiança para ficar de olho em vocês e trazer mantimentos.

— Não quero um dos seus mercenários! — Isabella resmungou.

— Neste momento, você não tem querer! Se deseja continuar viva, vai fazer o que estou mandando.

— Estava indo muito bem sozinha — afrontou.

— E por isso, seu amigo poderia ter morrido esta tarde!

A frase doeu como um soco no estômago de Isabella. Ainda assim, ela reuniu forças para gritar:

— Eu te odeio!

Dakota desmanchou a expressão sisuda para sorrir.

— Mesmo assim, eu estou aqui.

Nando notou o rubor tomar a face desconcertada da amiga antes dela dar as costas e entrar na casa pisando duro.

— Me dá seu celular — Dakota pediu para ele, que o entregou, reticente. Ela o colocou no bolso e lhe deu outro aparelho. — Nada de ligar para os amigos ou Alice, nada de mídias sociais e e-mails. Suas vidas dependem disso. O meu número está na discagem rápida. Quando enviar alguém até aqui, irei avisar.

— Hm… obrigado — ele enfiou o celular no bolso livre, sua calça tinha vários. A acompanhou até o carro. — Não fique chateada, Bela só está nervosa e com medo.

Ele escorou na carroceria sem se importar com o fato de que estava completamente enlameada. 

— Não se preocupe, já estou acostumada com a agressividade gratuita de Isabella.

Nando coçou a cabeça.

— Por que isso? Ela se preocupa contigo, mas age como se você fosse a pior pessoa do mundo.

Com um suspiro, ela também escorou no veículo.

— Ela não te contou?

Nando balançou a cabeça com veemência.

— Perguntei, quando ela ficou nervosa ao saber que você estava em Cascabulho, mas ficou em silêncio.

Dakota cruzou os braços enquanto o vento frio balançava as árvores em volta da casa. Prestou atenção no rosto jovem, cuja curiosidade não podia ser disfarçada. Varreu o chão com o pé.

— Quando Isabella tinha nove anos, o pai dela morreu e Mônica passou por um momento muito conturbado, psicologicamente falando. Seu tio, Álvaro, nunca foi muito confiável em momentos em que o suporte familiar pode fazer a diferença, arranjou um trabalho em outro Estado e se mandou. Então, Tonho teve que cuidar da irmã sozinho. E Isabella era jovem demais para esse tipo de carga emocional, entende? Perder o pai e ser reduzida a uma mera espectadora do definhamento da mãe… Ela precisava ser uma criança e não a cuidadora de Mônica.

O rapaz levou o olhar para a porta da casa, de onde vinha o som alto de um aparelho de TV.

— Tonho não sabia o que fazer e me pediu ajuda, então levei Isabella para morar comigo. De início, seria só por alguns meses, mas ela ficou por seis anos.

Fez uma pequena pausa para umedecer os lábios com a ponta da língua. A mente vagou pelo passado, atraindo um sorriso estranho para o seu rosto.

— Ter uma criança por perto foi uma das fases mais complicadas da minha vida. E também foi uma das melhores.

Nando sorriu com isso, percebendo o carinho dela por Isabella.

— Mônica parecia satisfeita com esse arranjo. Teve muitos altos e baixos ao longo dos anos, a recuperação foi muito lenta. Contudo, não reclamava sobre a ausência da filha. Dizia que ela estava melhor longe dos seus problemas. Mas quando essa tempestade, assim ela costumava chamar, passou, exigiu o retorno dela — suspirou forte, deixando que ele imaginasse o resto por um momento. — Nos apegamos demais e Isabella não queria ir.

— Mas ela precisava, porque era a mãe dela e você não podia fazer nada sobre isso — ele concluiu. — Então, ela meio que te culpa por, sei lá, abandoná-la?!

— É por aí.

Isabella acreditava que Dakota abriu mão dela facilmente e não tinha noção do quanto seu coração ficou partido por se separarem. Sequer imaginava o esforço que ela fez para tentar convencer Mônica a mudar de ideia.

Nando ficou em silêncio por muito tempo, como se tivesse organizando as informações em um fichário mental. Quando voltou a falar, o assunto era completamente diferente:

— Então… mercenários?

— Ela só estava tentando me chatear — riu baixinho. — Não trabalho com esse tipo de gente.

— E como funciona? Você é tipo Kevin Costner em “O guarda-costas”?

— Minha nossa, garoto, que idade você tem? Existem exemplos mais atuais.

Foi a vez dele rir, passando a mão na barbicha.

— A madrinha, você sabe — justificou, sem graça.

— Coitado. Rosana deve ter te obrigado a ver todos os romances clássicos e melosos do cinema — supôs.

— Ah, até que eu gosto — deu de ombros. — Ela é um pouco difícil, mas tem bom gosto para filmes. Aposto que você prefere os de ação com os brucutus.

— Acabamos de nos conhecer, não vai arrancar meu gosto cinematográfico tão fácil.

Ele riu novamente, mais tranquilo depois do dia assustador que teve. Dakota resolveu responder a pergunta superficialmente:

— Sim, às vezes temos alguns guarda-costas clássicos, mas o nosso trabalho é um pouco mais refinado e exclusivo que isso.

Ele estava curioso, mas preferiu mudar de assunto outra vez.

— Hm… e você acha que ficaremos aqui por muito tempo?

— Não sei, Nando. Não posso te prometer rapidez, mas garanto que vou resolver esse problema. Até lá, você pode aproveitar o tempo para tentar sair da friendzone.

Nando ficou corado e ela deu um soquinho camarada no seu ombro. Poucos minutos na presença dos dois foram suficientes para perceber que o rapaz estava apaixonado e Isabella não fazia a menor ideia disso.

— Ah, eu não tenho chance — encolheu os ombros. — Bela também gosta de garotas, já vi ela ficando com uma. E está tudo bem, gosto de ser amigo dela.

— Você é um fofo, mas é meio desligado. Isabella é pansexual. Então, não tire seu time de campo ainda — piscou.

***

Alice estacionou o carro diante do portão da chácara e Isadora fez menção de sair do veículo, mas acabou desistindo quando ela colocou a mão sobre a sua.

— Eu sinto muito, Isa.

Dakota fez questão de levá-la para casa, antes de partir com Nando, contudo Alice se prontificou a fazer isso. A fazendeira estava de cabeça quente, mas ainda desejava se acertar com a ex-namorada.

— Eu não duvido disso, mas sentir muito e continuar agindo como uma cafajeste são coisas muito distintas.

Alice engoliu em seco, soltando a mão dela. Tinha muito a dizer, mas depois de perceber a mágoa naquelas palavras, compreendeu que Isadora ainda não estava preparada para ter aquela conversa. Talvez, fosse mesmo uma criatura insensível e egoísta, como Nando fez questão de acusá-la.

— Eu quero te perdoar, Alice, quero poder olhar para trás e só enxergar os bons momentos que tivemos. Mas não posso fazer isso agora, entende? — mostrou-se desolada. — E o mais engraçado e, principalmente, triste é que eu tenho me perguntado se eu realmente te amei durante esse tempo que ficamos juntas ou se quis, apenas, me apegar a algo que idealizei em você. Qualquer que seja a resposta, ainda não a alcancei.

Sentiu o toque de Alice, dessa vez, em seu queixo. Virou o rosto para encará-la.

— Com certeza eu te amei e ainda amo, Isa, mas não do jeito que você desejava e merecia. O meu maior erro foi querer fazer da minha melhor amiga, uma namorada. Tome o tempo que precisar.

Beijou o rosto dela e Isadora se viu livre para partir.

***

Passava da meia noite quando Dakota entrou em casa e encontrou Isadora adormecida no tapete do seu quarto com Sissi deitada aos seus pés. Era o único lugar da residência que tinha TV, e o aparelho estava ligado em um canal de documentários.

Sissi fez festa para ela e recebeu carinho nas orelhas. Depois disso, Dakota tentou ser o mais silenciosa possível para não acordar Isadora. Colocou o cobertor sobre ela e foi tomar um banho, antes de ir em busca de algo para comer.

Quando saiu do banheiro, meia-hora depois, Isadora não estava mais no quarto. A encontrou na cozinha, com olhos sonolentos e um sorriso gentil, enquanto segurava um prato com um sanduíche.

— Isso é pra mim? — perguntou, puxando uma cadeira e sentando.

— Achei que estaria com fome — depositou o prato sobre a ilha e, enquanto Dakota dava uma mordida generosa no sanduíche, abriu a geladeira e pegou uma cerveja.

Isadora abriu a garrafa e entregou para ela.

— Cerveja para finalizar um dia estressante — anunciou, recordando o que lhe disse há alguns dias, com a sensação de que as horas que marcavam esse tempo eram, na verdade, semanas.

Um brilho de satisfação visitou os olhos da outra, cujos lábios arquearam suavemente. E Isadora ficou feliz por ver aquele pequeno sorriso. Tinha percebido que, às vezes, ele dizia muito mais do que os sorrisos largos e as gargalhadas que ela dava, vez ou outra.

Dakota tomou um gole longo da bebida enquanto ela deu a volta na ilha e sentou-se ao seu lado.

— Poucos dias e você já me conhece tão bem. Isto está tão gostoso que você até merece um beijo.

— Então, talvez você deva me beijar — Isadora devolveu no mesmo tom jocoso.

— Talvez eu faça isso — sorriu de lado, após um pequeno momento contemplativo, no qual se perguntou se podia mesmo beijá-la. Vontade não lhe faltava.

A boca de Isadora esticou-se em um sorriso brejeiro.

— Você está bem? Hoje foi um dia agitado.

Ela encolheu os ombros, pensando no que realmente significava “estar bem”. Certamente, não era estar em Cascabulho, procurando vingança por um amigo morto e tentando manter a sobrinha dele viva, enquanto lidava com questões familiares que pensou ter deixado no passado e fingia não dar importância para a crescente atração que estava sentindo por Isadora, apesar do pouquíssimo tempo de convivência.

— Agora que sei onde Isabella está e no que se meteu, me sinto mais tranquila. O que não quer dizer que a minha preocupação diminuiu — assumiu. — Pensarei mais sobre isso amanhã. Obrigada por se preocupar.

Ela mastigava devagar, os olhos fixos no reflexo de ambas que a luz sobre suas cabeças incidia na janela. Mesmo sorrindo, Isadora parecia estranhamente desconfortável.

— E você, como está? Como foi a carona com Alice? — a fitou diretamente.

— Silenciosa e incômoda, como não poderia deixar de ser — na verdade, não estava a fim de falar de Alice ou do seu relacionamento fracassado. Mas o pouco que conversaram naquele carro, amainou muitos dos seus pensamentos mais tristes, porém não a afastou da sua mente, tampouco libertou da frustração.

Dakota finalizou o sanduíche e tomou mais um gole da cerveja.

— Ela tentou algo? — buscou interpretar o incômodo nas feições dela.

Do pouco que observou e sabia de Alice, achava que ela não faria tal coisa. Até porque ela havia afirmado que não estava mais interessada em Isadora, romanticamente.

— Não — falou suave. — Alice tem seus defeitos, mas não é disso. Na verdade, pela primeira vez em muito tempo, ela parecia sincera. Só queria conversar. — Apontou para o prato e perguntou: — Você quer outro?

Dakota negou com a cabeça, mais interessada no assunto.

— E conversaram? — quis saber ela.

— Um pouco, mas não do jeito que ela obviamente queria — brincava com a ponta do pano de prato que deixou largado sobre a ilha. A mão de Dakota escorregou até a dela e fez um carinho ligeiro antes de ser recolhida e voltar a segurar a garrafa de cerveja.

Isadora teve a impressão de que ela desejava dizer ou fazer mais que aquilo. Todavia, sentiu-se grata por aquele pequeno gesto de apoio. Até onde se lembrava, ninguém nunca foi tão gentil e cuidadoso com ela sem a conhecer direito.

— Você parece cansada — observou, após um minuto inteiro em que a assistiu beber em silêncio.

— Estou mesmo — reconheceu, uma gota de cerveja deslizando pelo seu queixo.

Afinal, teve de dirigir por aquela estrada infame três vezes no espaço de 12h horas. E uma dessas vezes foi durante a noite. Pois, apesar do perigo que a rodovia oferecia, ela não queria passar mais uma noite em Passo Doce. Principalmente, após a perseguição daquela tarde. E aí, pensar em Isadora sozinha e vulnerável na chácara também pesou na decisão de retornar à Cascabulho o mais rápido possível.

Acanhada, Isadora levou o polegar até o queixo dela, enxugando a gota de cerveja como se ela fosse uma criança. Recebeu um sorriso de gratidão. Então, Dakota terminou a cerveja e foi pegar outra na geladeira, regressando com passos lentos após tomar metade da nova bebida de um único gole. 

— Vai com calma! A bebida não vai fugir da garrafa.

— Estou com sede — justificou com aquele ar meio sério, meio provocativo, que fez Isadora se perguntar se era disso mesmo que ela tinha sede.

— Pelo menos, beba devagar — notou que outra gota escorreu pelo queixo dela e despencou até a curva de um dos seios. Desviou o olhar, sentindo uma pequena onda de calor nas bochechas.

— Sim, mãe! — provocou-a, usando o pano de prato para se enxugar,

A outra balançou a cabeça e revirou os olhos para a brincadeira. Deixando o gracejo de lado, Dakota aproveitou o momento para informá-la:

— Depois de tudo o que aconteceu hoje e o que descobri, precisarei me ausentar da cidade.

O ânimo de Isadora murchou.

— Quando?

— Amanhã, depois que deixar a equipe que solicitei na Mimosa. Mas não precisa se preocupar, arranjarei para que, pelo menos à noite, um deles venha lhe fazer companhia. Será, apenas, por um ou dois dias. Vou enviar alguém pra ficar aqui o dia inteiro.

A decepção de Isadora era perceptível.

— E quando voltará?

— Eu não sei, — encolheu os ombros — espero que seja logo. Preciso conversar com Rackie e me inteirar do que ela descobriu. Agora que encontrei Isabella e sei do que ela está fugindo, posso me dedicar à solução do problema.

— Entendo… — mordiscou o lábio, baixando a vista para as próprias mãos. — Falando nisso, encontrei um pacote para você na porteira. Está no seu escritório.

— Verei amanhã. Obrigada.

Ela meneou a cabeça e ficou de pé.

— Eu já vou indo. Vê se vai descansar depois dessa, está bem? — apontou para a cerveja. — Nos falamos amanhã.

Fez menção de ir embora, mas, por puro reflexo, Dakota segurou o seu braço, impedindo-a de se afastar, então deixou a cadeira e beijou a bochecha dela.

— Obrigada pelo sanduíche. Boa noite! — a soltou e escorou na ilha, voltando a olhar para os seus reflexos na janela. Levou a garrafa aos lábios, como se nada tivesse acontecido.

Isadora não se moveu. Em vez disso, passou aqueles poucos segundos admirando-a, enquanto sentia o calor dos lábios dela em sua bochecha dissipar. E à medida que isso acontecia, a ideia de que o companheirismo que dividiram naqueles dias iria acabar, se assentou como algo desagradável e indesejável.

Num impulso, ergueu a mão, tomando a garrafa dela e pousando-a sobre a mesa. Então, fixou seu olhar, onde uma ligeira surpresa transparecia. Naquele momento, se deu conta de que achava o castanho daqueles olhos muito bonito. E com essa convicção, deixou-se ser atraída para os lábios dela.

Isadora não tinha certeza do que estava fazendo, mas queria continuar a fazer. E agora precisava lidar com o fato de que a boca de Dakota estava grudada à sua e todos seus sentidos estavam voltados para ela. O gosto do seu beijo, o cheiro do banho recente, a mão que subia pelas suas costas enquanto a outra deslizava até a cintura, grudando-a ao corpo dela.

E foi surpreendente descobrir que o encontro dos seus lábios tinha a sensação da euforia de estar fazendo algo proibido, mas tão agradável e divertido, que se tornava irresistível.

E quando a necessidade de respirar colocou um espaço entre elas, Isadora só conseguiu pensar que queria continuar beijando Dakota, porém foi justamente o contrário que fez. Como uma adolescente, mostrou um sorrisinho meio bobo e se dirigiu para a porta.

Parou no limiar da passagem com a certeza de que não queria passar os próximos dias naquela casa em companhia de um estranho. Voltou a olhar para ela.

— Sobre a sua viagem…

Ainda embriagada pela emoção do beijo que trocaram, Dakota levou alguns segundos para reagir.

— Sim?

— Eu ainda tenho alguns dias de férias, então…

Era uma ideia inconsequente, assim como aquele beijo, e Isadora não estava nem aí.

— Estava pensando se você não precisa de uma acompanhante. Sabe, alguém para te dizer quando parar de provocar, afinal, você é uma encrenqueira profissional.

Dakota não quis pensar muito no que aquele beijo ou essa proposta significavam, nem no quanto a vida amorosa e os sentimentos de Isadora estavam bagunçados. Tampouco levou para a balança seus problemas atuais e as resoluções de não alimentar a atração que estava sentindo por ela.

Talvez, se não tivesse tido um dia tão conturbado, se não estivesse tão física e mentalmente cansada, se ainda não estivesse sofrendo os efeitos do calor dos lábios dela contra o seus, talvez, sua resposta fosse diferente:

— Eu adoraria.



Notas:

Como estamos?

Boa semana para vocês!

Beijos e xêros!




O que achou deste história?

4 Respostas para 11. A EUFORIA DE ESTAR FAZENDO ALGO PROIBIDO

    • Haha será que termina em casório?
      Tudo é possível.
      Mas sentimentos existem.

      Xêro, Marta!

Deixe uma resposta

© 2015- 2023 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.