DAKOTA

6. Ao som dos trovões

O resto da noite foi terrível para Alice. 

Ela se sentia horrível, dominada pela tristeza por Tonho e a culpa por ter magoado Isadora. Assim que entrou em casa, percebeu que as luzes da cozinha estavam acesas. Dona Rosana a esperava.

A madrinha nada disse, quando ela puxou uma cadeira à sua frente, apoiou os cotovelos na mesa e escondeu o rosto entre as mãos. Rosana, apenas, tomou mais um gole da xícara que segurava. O cheiro do chá de camomila invadiu as narinas de Alice, que disse:

— Você já sabe? — baixou as mãos.

Rosana tinha visto, pela janela do seu quarto, a movimentação de Isadora.

— Vi quando ela saiu.

— Por que não a impediu?

— Por que eu deveria fazer o que você não foi capaz? Melhor, por que eu tenho que tentar consertar os seus erros?

Um forte rubor tomou a face alva de Alice. Ela sentiu-se uma criança, outra vez. Dona Rosana não foi condescendente.

— Você já está bem grandinha para assumir as besteiras que faz. E esta, é a maior que já fez! Você é uma mulher dedicada, Alice. Não tenho do que reclamar sobre a fazenda e a devoção que dá a estas terras, mas no quesito relacionamentos, você é pior que o seu irmão. Ao menos ele faz questão de permanecer solteiro e não ilude seus casos com promessas vazias de romance.

— Eu não fiz isso com a Isa! — defendeu-se.

— Difícil acreditar. Porque tudo que vi, nos últimos dois anos, foi aquela moça chorando por sua causa — empurrou a xícara para o lado. — Eu realmente gosto de Isadora. Acho que ela foi uma verdadeira companheira para você, que desejou estar ao seu lado, trabalhar e construir um futuro. Mas não a culpo por, depois de tantas decepções, ter escolhido amar a si mesma e partir.

Ficou de pé e se dirigiu para a porta. Envergonhada, Alice abaixou a cabeça, fitando o tampo da mesa com lágrimas nos olhos.

— Me pergunto se você pensou a mesma coisa quando Lara foi embora daqui.

Rosana interrompeu os passos, apoiando uma mão na porta. Um arrepio percorreu seu corpo. Pelo visto, sua sinceridade havia magoado Alice ao ponto dela lhe dar um golpe baixo. Seus lábios tremiam, quando falou:

— Meus erros são só meus. Não tenho medo de assumir isso, tampouco tive de tentar mudar. Quem sabe, um dia, Lara volte e eu possa mostrar isso a ela.

— Ela nunca vai voltar. Eu não voltaria — ergueu-se e foi até ela, entrando no corredor sem lhe dirigir o olhar.

***

Isadora não conseguiu dormir. Primeiro, porque costumava estranhar uma nova cama. Segundo e, principalmente, por tudo que aconteceu desde a tarde do dia anterior. Então, deitada em uma cama estranha, de uma casa que não lhe era familiar, pertencente a uma mulher que mal conhecia, ela remoeu sua tristeza até o dia amanhecer através das frestas da janela.

Havia começado a chover forte no meio da madrugada, o vento se infiltrava pelas frestas e portas entreabertas, levando o frio a se espalhar pela residência. Entre os lençóis, porém, a temperatura era agradável. Na verdade, o quarto também era e o simples fato de Alice não estar ao seu lado naquele momento, o tornava ainda mais aconchegante. Principalmente, por não ter mais que fingir que as coisas entre elas estavam bem, e isso, diminuiu aquela estranha pressão que sentia em seu peito constantemente.

Era um alívio. Era assustador também.

O celular vibrou sobre o criado mudo. Esticou a mão para pegá-lo, temendo encontrar uma mensagem de Alice. Felizmente, era apenas a notificação de uma rede social.

Ainda era cedo, mas decidiu levantar, ciente de que não estaria sozinha. Pois, quase uma hora antes, tinha ouvido os passos de Dakota e o som das patas de Sissi arranhando o chão do corredor. Assim que deixou o aposento, notou que a porta do quarto em frente estava aberta.

Seu olhar foi imediatamente atraído para Dakota, sentada sobre um tapete com as costas apoiadas na cama e uma manta jogada sobre as pernas. Sissi repousava a cabeça sobre seu colo, e as duas estavam completamente alheias à TV, ligada em um canal qualquer que exibia um desenho animado. Ela tinha a cabeça inclinada para trás e os olhos cerrados, como se estivesse cochilando. No entanto, a mão acarinhava a cabeça da cadela da raça Rottweiler devagar.

Parecia tão serena, que Isadora apenas a observou em silêncio por um minuto quase inteiro. Estava certa de que sabia da sua presença ali, visto que a porta do seu quarto rangeu alto ao ser aberta.

— Bom dia! — disse, por fim, e se aproximou da entrada do aposento.

Dakota abriu os olhos e se endireitou, olhou-a e sorriu de um jeito estranho, porém amigável.

— Bom dia! — falou com a voz rouca de quem ainda não tinha exercitado a fala nas primeiras horas do dia.

Isadora tentou retribuir o sorriso, mas tudo que conseguiu foi uma pequena careta. Sentia como se tivesse tomado um grande porre em uma festa e, no dia seguinte, acordado na casa de uma completa estranha. Era um momento constrangedor. Dirigiu o olhar para a TV, cujo volume estava tão baixo, que quase não podiam ouvir os sons do desenho.

— Então, você gosta do Pica-pau — observação boba para o início de uma conversa, a qual pareceu divertir Dakota.

— Nós temos muito em comum. Ambos adoramos causar discórdia e entrar em encrencas — brincou, percebendo o desconforto natural dela. — Dormiu bem?

— Ah, sim… — começou a dizer, mas logo resolveu ser sincera. — Não. Na verdade, não preguei o olho. Muita coisa para pensar.

Encolheu os ombros e escorou no umbral da porta, deixando o olhar vagar para além da janela aberta, cujo alpendre que circundava parte da casa mantinha a chuva afastada. Quase se perdeu nesse momento contemplativo, mas logo obrigou-se a trazer o olhar de volta para a mulher de cabelos curtos, sentada no chão.

— Obrigada, de novo, pelo abrigo — achou necessário dizer. Baixou a cabeça e os óculos escorregaram até a ponta do nariz, usou o indicador para recolocá-los no lugar.

Dakota achou o gesto gracioso. E reparando bem, Isadora tinha mesmo um jeitinho delicado, acentuado pela clara timidez. Era fácil notá-lo, quando não estava tendo uma crise de ciúmes ou chorando por Alice.

— Quando a chuva passar, eu vou procurar um lugar para ficar até que o contrato do meu inquilino acabe e eu possa voltar a viver na minha própria casa — cruzou os braços, a pele arrepiando de frio, pelo vento gélido que invadiu o quarto.

— Vai ser uma tarefa difícil, não existem muitos imóveis para alugar em Cascabulho. Pelo menos, não com o conforto que deve estar acostumada.

— É verdade, mas qualquer lugar será um palácio longe de Alice — arrependeu-se do que disse imediatamente, não queria passar a ideia errada para Dakota. Estava magoada com a ex-namorada, mas não a odiava. — Eu… desculpe, não quis…

— Eu entendi.

Mesmo assim, ela se explicou. Um pequeno silêncio preencheu o espaço entre elas. Enquanto isso, os olhos de Isadora deslizaram pelo cômodo, impecavelmente limpo e arrumado. A chuva engrossou lá fora, Sissi suspirou profundamente e os dedos de Dakota escorregaram até as orelhas dela.

— Você já pensou em reabrir a pousada do Gota Serena? Que tal me ter como inquilina por uns meses? — brincou, todavia a ideia não era ruim.

A outra arqueou os lábios.

— Não se ofenda, mas depois de tanto tempo fechado, o lugar é um risco à saúde pública. Se tornou o lar de várias camadas de poeira, mofo, ácaros e aranhas — fez uma pequena careta. — Não seria uma estadia agradável para você. Além disso, penso em fazer uma pequena reforma nos próximos dias. Mônica e Álvaro não têm intenção de vir para cá para cuidar de um negócio que não lhes interessa, então desejam vender a propriedade. Farei alguns reparos e anunciarei a intenção de vender.

— Mas o bar não é seu também?

— Não exatamente. Andei exagerando um pouco nessa história — fez uma expressão travessa, como se estivesse prestes a confessar uma traquinagem para uma amiga de brincadeiras. — Na verdade, eu emprestei o dinheiro para o Tonho abri-lo, mas nunca tive interesse em fazer parte do negócio, embora ele fizesse questão de me chamar de sócia e de enviar parte dos lucros mensalmente. Cansei de rejeitar e tentar devolver o dinheiro. Então, simplesmente, o deixei fazer o que desejava. Enfim, por enquanto, manter o bar aberto é apenas conveniente.

Isadora se abraçou mais. Ainda estava se acostumando com a ideia de nunca mais voltar a ver o amigo e não queria enveredar por um assunto tão triste e revoltante naquele momento. Preferiu mudar o rumo da conversa.

— Você parece cansada. Também não conseguiu dormir?

— Dormi um pouco, não tanto quanto o meu corpo gostaria — passou a mão livre pelos cabelos curtos, observando-a com apuro.

Era certo que Dakota não era o tipo de pessoa que se deixava levar apenas por aparência, e ela bem sabia que relacionamentos eram complicados. Entretanto, achava que Alice era idiota. Com uma mulher tão atraente ao seu lado, se atrever a olhar para os lados, era burrice.

Não que Isadora fosse uma supermodelo, na verdade, ela era um pouco cheinha e tinha algumas cicatrizes de acne nas bochechas. Contudo, suas feições eram muito agradáveis. Os cabelos eram longos, lisos e negros. A pele morena e bronzeada formava um belo contraste com a camiseta branca que estava usando. Ela certamente tinha um sorriso largo e encantador, mas até aquele momento, só havia lhe mostrado sorrisos de desconforto. E, por trás das lentes de grau, os olhos de formato amendoado, eram de um tom castanho claro que beirava o mel.

— Você não precisa se apressar para ir embora, Isadora.

— Eu não quero incomodar mais do que já estou incomodando.

— Se você fosse um incômodo, acredite, não teria lhe convidado para passar a noite aqui.  Apenas tire o dia para descansar direito, colocar seus pensamentos e sentimentos em ordem. Relaxe um pouco.

Relaxada era tudo o que Isadora não estava. Havia tantos pensamentos contraditórios rondando sua mente que, na verdade, sentia-se uma bomba prestes a explodir.

— Por que está me ajudando? Não me entenda mal, é só que você não me parece o tipo caridosa, que sai por aí oferecendo abrigo para quem mal conhece e, ainda por cima, te ofende.

— Preferia que eu ameaçasse pôr fogo em você? — um dos cantos da boca dela entortaram para o alto.

— Com certeza, não — mostrou um pequeno sorriso, recordando o medo dos invasores, na noite passada.

Dakota fitou a madeira da porta. Ficou assim por alguns segundos, depois encolheu os ombros e respondeu:

— Eu poderia dizer que é porque tive pena, ou porque podia, ou ainda, porque não estava a fim de assistir você e Alice discutindo no meu quintal. Mas a verdade é que me identifiquei contigo.

Isadora quase riu disso, elas não tinham nada em comum.

— Eu já estive no seu lugar, Isadora. Por mais vezes do que gostaria de contar e sei o quão difícil é se reestruturar após um rompimento complicado. Principalmente, se ainda tiver que dividir o mesmo teto com a sua ex, mesmo que por uma noite.

— Você não me parece o tipo que já foi chifrada.

Dakota riu alto e Sissi ergueu a cabeça do seu colo para olhá-la, como se esse fosse um som muito raro vindo da sua tutora.

— Venha aqui — ela pediu, fazendo um gesto com o dedo indicador. — Venha!

Devagar, Isadora entrou no quarto, ao passo que ela deu uma batidinha no tapete.

— Senta aqui — ergueu a manta.

Antes de se acomodar ao lado dela, Isadora notou que estava de short e também possuía uma tatuagem na coxa que, assim como a do braço, a preenchia completamente. Quando sentou, Dakota lhe cobriu as pernas e deu uma batidinha suave sobre elas. Foi inevitável não se sentir grata por aquele pequeno cuidado, embora estivesse muito envergonhada por se mostrar tão frágil diante de alguém que mal conhecia.

— Já aconteceu de levar um par de chifres, uma ou duas vezes. Talvez mais, não andei contando o número de vezes que fui corneada — falou naturalmente, como se achasse a situação tão leviana, que não merecia mais que um comentário divertido. — Mas relacionamentos não se tratam apenas de fidelidade, não é mesmo? Mesmo que ela exista, ainda há uma gama de situações que podem torná-los ruins.

As lágrimas se avizinharam nos olhos de Isadora, que reprimiu um soluço enquanto amassava a manta entre as mãos.

— Eu… — a voz falhou.

— Vai levar um tempo para a ferida sarar, Isadora, mas ela vai. E será horrível, não vou mentir. Mas ao fim desse ciclo você estará muito mais forte.

Isadora a fitou de perfil, reparando que tinha um pequena cicatriz na orelha. Sardas discretas salpicavam seu rosto e pequenas rugas se formavam ao lado dos seus olhos quando sorria, denunciando que já não era jovem. Provavelmente, tinha passado dos 40 anos ou estava perto disso.

— Espero que a pessoa que ferrou seu coração tenha percebido o erro que cometeu — disse, sem pensar direito.

— Ah, ele já foi machucado de tantas maneiras, Isadora, que quando encontrei alguém que quis remendá-lo, tive muito medo.

Sorriu de um jeito triste, os olhos se fixaram na mão que acarinhava Sissi.

— Felizmente, ela era cabeça-dura demais para aceitar as minhas negativas.

— Então? — a curiosidade falou mais alto. Dakota virou o rosto para fitá-la. Por baixo da manta, seus pés roçaram um no outro, acidentalmente.

— Então ela virou minha cabeça e o meu coração.

— Parece uma mulher e tanto.

— Ela era — concordou.

— Oh, eu sinto muito pela sua perda.

Ela não respondeu a isso. Parou de fazer carinho em Sissi e juntou as mãos no colo. Assim como Alice, Isadora tinha interpretado errônea e naturalmente, a sua escolha de palavras.

— Graziella colocou uma aliança no meu dedo e fez de mim uma encrenqueira honesta, se é que posso falar assim — mostrou um novo sorriso, um pouco torto e charmoso, os olhos brilharam cheios de carinho. — E por um tempo tudo correu bem. Eu a amei tanto… ainda amo. Mas ela me fazia mal. Nós fazíamos mal uma à outra. De alguma forma, estávamos sempre nos ferindo. Bastava uma palavra dita com uma entonação um pouco diferente, para uma discussão surgir…

Assim como veio, o sorriso morreu e ela virou o rosto para o outro lado, apenas para organizar os pensamentos. Voltou a fitar Isadora, que notou seus olhos úmidos, mas, quando piscou, a umidade desapareceu.

— Nós concordamos que nosso relacionamento funcionaria melhor se ficássemos longe uma da outra. Hoje, compreendo que, enquanto estávamos juntas, falhamos em nos comunicar. Ela não sabia expressar o que realmente sentia e desejava para si, enquanto eu não soube como escutá-la.

— Eu sinto muito.

— Eu não. Sabe, apesar de tudo, Grazi me deu tantos momentos bons e carinho, que só consigo me sentir feliz ao pensar nela. Ainda nos encontramos, vez ou outra, para tomar uma cerveja e falar da vida que estamos levando. Aliás, hoje Grazi prefere o pronome “ele” e responde por Giovanni.

— Ah… uau! — foi tudo que Isadora conseguiu dizer por um tempo.

Dakota deu um pequeno sorriso, ao passo que se perguntava o motivo de estar falando sobre a sua vida tão abertamente para ela. Havia comentado algo com Alice, na noite passada, mas nada tão abrangente.

— Acho que eu disse algo parecido quando ela me contou — virou-se um pouco na direção dela. O suficiente para conseguir erguer o braço até a beirada da cama e apoiar a cabeça nele, sem desalojar Sissi da sua perna.

— E você está mesmo bem com isso? — Isadora quis saber. Dakota limitou a resposta a um dar de ombros ligeiro. — E você não… sei lá, se envolveu com outra pessoa depois dela? Eh… dele?

— Romances passageiros. Nada muito sério. 

— Hum… e… e se te quisesse de volta?

— Eu ficaria feliz, mas diria não.

— Por que agora é “ele” em vez de “ela”? — o rubor queimou suas bochechas ao findar a frase. — Desculpa, estou sendo enxerida. Não precisa responder.

Um sorriso gracioso, uma leve coçadinha na testa e Dakota falou:

— Giovanni ou Graziella, ele ou ela, sempre será a pessoa que amei. Porém, como disse antes, não nos fazíamos bem. É melhor que continuemos assim.

Embora fossem circunstâncias completamente diferentes, essa conversa deu, para Isadora, alguns pontos a mais para pensar sobre o seu relacionamento com Alice e o término dele. E se pegou a imaginar se chegaria o dia em que também falaria tão naturalmente sobre isso, sem rancores ou tristeza.

— Eu realmente não sei porquê estou te contando essas coisas, Isadora. Acho que Alice me contaminou com o desejo de desabafar com alguém que não me conhece tão bem. Ou, vai ver, essas lentes de grau estejam escondendo seus olhos de feiticeira.

Uma risada baixa escapou de Isadora, que jogou para as costas alguns fios de cabelo que caiam sobre o seu rosto. Enquanto isso, o celular de Dakota vibrou sobre a cama e ela esticou-se para pegá-lo. Leu a mensagem que havia acabado de receber, respondeu e voltou a colocá-lo de lado, contando:

— Era uma mensagem do Júlio. A chuva forte fez o nível do rio subir, não dá para cruzar a ponte até a cidade. Então, você está presa comigo por mais um tempinho — piscou.

Depois daquele papo, Isadora já não se sentia tão incomodada com isso. A chuva também era um ótimo motivo para Alice não vir à sua procura, pois as estradas deviam estar em péssimas condições.

Ouviram um trovão, ela se sobressaltou e até soltou um gritinho. Envergonhada, pediu desculpas, mas quando outro trovão ocorreu, segundos depois, a reação foi semelhante.

— Parece que você e Sissi têm algo em comum. Ela também não gosta de trovões.

Inspirando fundo algumas vezes e mostrando um sorriso nervoso, Isadora desabafou:

— É um pouco vergonhoso. Já sou adulta, mas é assim desde a infância — sentiu o rosto arder quando ela sorriu. — Alice também ria de mim por isso.

— Não estou rindo de você, apenas pensando na natureza do medo. Não tente me entender, às vezes deixo a mente vagar por questões estranhas.

— Você e toda a humanidade.

— E assim caminhamos… —  ergueu um dedo e sorriu um pouco mais. — Sinto muito por te deixar ainda mais desconfortável sobre isso. E já que estou no modo sincero, como forma de desculpa, vou confessar que tenho pavor de aranhas.

Ela falou tão tranquila, que mais parecia não se importar com o que dizia. Naturalmente, Isadora duvidou:

— Acho difícil acreditar. Você me parece alguém que não tem medo de nada.

Dakota franziu o cenho, com ar de deboche. Mudou de posição novamente, pousando no colo a mão em que apoiava a cabeça, enquanto a outra voltava a fazer carinho em Sissi.

— A ideia de uma pessoa sem medo, me parece horrível. Quando não se tem medo, não se valoriza certas coisas.

Isso pareceu profundo demais aos ouvidos de Isadora, que limitou-se a fazer um gesto divertido, piscando.

— Ok. Então são aranhas. Lembrarei disso. Se uma aparecer, pode contar comigo para te defender.

— Minha heroína! Mas não são apenas elas que me aterrorizam. Também tenho medo de andar do lado da calçada que tem postes, em dia de chuva. Me apavora a ideia de um fio arrebentar e ocorrer uma tragédia.

— Você tá brincando, né?

— Não! Já vi acontecer.

Isadora riu baixinho, sem acreditar. Encolheu-se quando ouviram novo trovão.

— Me dê sua mão — Dakota pediu e ela obedeceu, mais atenta do que gostaria à maciez dos dedos que envolveram os seus. Um calor suave se espalhou por suas bochechas e colo. — Pronto. Agora você e Sissi estão protegidas.

— Você é uma figura — baixou o olhar para suas mãos unidas, estranhando o contato, mas se sentindo confortada.

— Vou entender isso como um elogio. Afinal, que graça tem ser igual às outras pessoas?

— Isso até que faz sentido — reconheceu. Era fácil conversar com ela, quando não estava projetando ideias erradas sobre seu contato com Alice. Dakota lhe fez um carinho na mão, usando o polegar e passaram um bom tempo assim, olhando para a tela da TV sem volume e ouvindo a chuva lá fora se tornar cada vez mais furiosa.

— Dakota, você não tem medo de se machucar nessa busca por vingança?

Ela inclinou a cabeça para trás, na exata posição em que estava quando Isadora lhe desejou bom dia. Fechou os olhos.

— Tenho mais medo de que algo tenha acontecido com Isabella.

— Você parece se importar muito com ela. Isabella tem muita sorte.

— Hm… não sei se ela pensaria assim. Aquela garota me odeia.

Isadora enrugou a testa, confusa. Pensou em perguntar o motivo disso, mas o silêncio que Dakota fez a seguir, serviu de indicativo para não prosseguir.

— Espero que esteja tudo bem com ela — disse, por fim. E sentiu um leve tremor na mão dela, um contrair involuntário de dedos, que se refletiu em um pequeno aperto de lábios.

— Eu também.

Resignada, Isadora continuou assistindo ao desenho. Aos poucos, relaxou, e o peso da noite insone se abateu sobre si. Os olhos foram ficando pesados e acabou adormecendo com a cabeça apoiada no ombro de Dakota. Quando despertou, horas mais tarde, estava deitada no tapete, a cabeça repousava sobre uma almofada, a manta a cobria completamente e Sissi estava encolhida aos seus pés.

Apesar do leito não tão confortável, ela se sentiu bem consigo mesma, pela primeira vez em muito tempo.



Notas:

Então, como estamos?

Bom domingo, amores!




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