DAKOTA

9. BOA COMPANHIA

*

O Cabaré da Gilda já concentrava um bom número de clientes, quando elas cruzaram a porta. Dakota preferiu sentar-se em um banco junto ao balcão, de onde podia observar todo o salão. Isadora pediu um coquetel sem álcool, visto que já estava um pouco alegre depois do vinho que tomaram durante o jantar.

A amiga de Dakota era uma figura bastante conhecida na região, herdeira de fazendas, negócios e uma carreira na política que passou por gerações. Amanda Vilela era a prefeita de Passo Doce e fez festa para as duas, quando as viu entrar em seu restaurante. Dakota não avisou que estaria na cidade, então a conversa delas foi breve, visto que a prefeita tinha outros compromissos.

Contudo, naqueles poucos minutos, Isadora percebeu que a mulher estava bastante inteirada sobre o que aconteceu com Tonho e Isabella. E de maneira discreta, estava auxiliando Dakota em sua busca pela sobrinha do amigo morto.

— Não aceitamos bebidas de fora — o barman apontou para a garrafa de vinho que Dakota colocou sobre o balcão.

— E eu não estou disposta a desperdiçar um bom vinho em um lugar como este — retrucou ela. — Me dê uma cerveja.

O rapaz fez cara feia, mas obedeceu.

— Você é um poço de simpatia — Isadora mexeu com ela.

Às vezes, achava engraçado aquele jeito dela de ir da agressividade gratuita à gentileza exagerada. Não que ela fizesse isso com frequência.

— Faz parte do meu charme.

As bebidas chegaram e elas fizeram um brinde rápido.

— Então, a prefeita… — Isadora começou, estava morrendo de curiosidade. Porém, durante o jantar, fez questão de manter o foco em outros assuntos. Naquela hora e meia no restaurante, não falaram do passado de Dakota, nem do seu desejo de vingança pela morte do amigo, tampouco sobre Alice. A conversa seguiu por caminhos aleatórios e agradáveis.

Ficou claro que ambas preferiam dar continuidade à ela e ao momento de relaxamento, em vez de se enfiarem em um local de clientela duvidosa, como aquele. Entretanto, foi para isso que tinham ido até Passo Doce. Não podiam desperdiçar a oportunidade.

— Estou surpresa que tenha demorado tanto para perguntar — Dakota tomou um gole da cerveja, fazendo uma careta para o sabor aguado. Deixou-a de lado, pois aquela ressaca não valia a pena. Após algumas taças de vinho, ela parecia mais relaxada e propensa às provocações saudáveis.

— Não pode me culpar, você é como um livro de mistério. Quanto mais leio, mais quero saber.

— Vou tomar isso como um elogio — apoiou um cotovelo no balcão, passando os olhos pelo lugar.

A iluminação era tão ruim que não conseguia enxergar alguns pontos do salão. Surpreendeu-se quando, de repente, um holofote acendeu e iluminou um palco que, de tão pequeno, só comportava o músico que dedilhava o violão naquele momento.

— Amanda e eu estudamos juntas. O pai dela era um frequentador assíduo da Mimosa, amigo e parceiro de negócios do meu avô. Então, ela estava sempre comigo, Tonho e Estela.

— Vocês…? — fez um gesto, gerando um arquear de sobrancelhas dela.

— Sempre foi amizade entre nós, Isadora. Hoje ela está casada com um cara muito irritante, mas já namorou mulheres. Mesmo passando tantos anos longe daqui, nunca perdemos o contato. Entretanto, ficamos anos sem nos vermos e só voltamos a estreitar a amizade quando, há um tempo atrás, ela precisou dos meus serviços profissionais.

— Por que ela precisava de uma barwoman encrenqueira?

— Porque eu faço o melhor coquetel de frutas do mundo, claro.

— Do mundo? Seu ego é realmente gigante, Dakota!

— Garanto que faço algo melhor do que esse “troço” que você está bebendo.

Para provocá-la, Isadora tomou uma boa quantidade do drinque. De fato, não era dos melhores e foi obrigada a admitir isso em voz alta, o que fez outro sorriso delinear os lábios rosados da companheira.

— Não vai me falar o que faz para viver, não é?

— Não, é divertido ver você tentando descobrir. E nem é tão difícil de adivinhar.

— Se me der as informações certas…

— Você já as tem. Só precisa juntar as peças — tamborilava os dedos no balcão, com ar de troça, o que a fazia parecer bem mais jovem. — Não precisa ter pressa, Isadora. Me deixe ser a estranha misteriosa, na verdade, quase misteriosa, por mais um tempo.

Uma mecha dos seus cabelos deslizou para a testa, ocultando a cicatriz que tinha ali.

— É perigoso, exige um temperamento frio, um bom poder de observação e uma licença para usar armas. Policial? Não. Com toda a certeza você não está do lado certo da lei.

Nova risada e outra mecha de cabelos despencou para a testa dela. Isadora ergueu a mão e colocou-os no lugar, percebendo a maciez dos fios e da sua pele. Dakota segurou a mão que a tocava, prendendo-a entre as suas por um tempo longo demais. Foi nesse momento que Isadora se deu conta de estar gostando daquele flerte brincalhão.

— Sou uma encrenqueira profissional — Dakota soltou sua mão e se endireitou sobre o banco que ocupava. — Voltando para o assunto Amanda, a resposta é sim. 

— Sim o quê? — Isadora lamentou seu afastamento.

Ela mostrou aquele sorriso provocativo, outra vez. Naquela noite, Isadora estava vendo muito daquele sorriso.

— Sim, Amanda e Estela foram namoradas. E eu segurei essa vela para as minhas amigas, completamente apaixonada por uma delas.

— Que droga!

— Ao menos, pude contar com o apoio do Tonho que, aliás, era louco por Amanda.

— Que droga! — Isadora repetiu.

— Um verdadeiro dramalhão mexicano — definiu, o olhar perdido no teto. — Éramos adolescentes, tudo parecia mais intenso do que realmente era. E quando Amanda decidiu terminar com Estela, eu cometi o erro de achar que tinha uma chance de conquistar o amor dela. Me confessei e fui penosamente rejeitada.

Uma moça de cabelos vermelhos passou ao lado delas, lançando um olhar interessado para Dakota, que deixou o ar saudoso de lado para retribuir o interesse dela com um sorriso charmoso. Involuntariamente, Isadora colocou a mão sobre a dela no balcão, trazendo sua atenção de volta para si.

— E como ficou entre vocês? — afastou a mão e segurou o copo com a sua bebida.

Dois homens entraram no cabaré e passaram por elas, sem notá-las. Sentaram em uma mesa próxima e Dakota sorriu de um jeito malvado quando reconheceu os dois como parte do grupo que invadiu sua casa.

— Não ficou. Quando sua melhor amiga confessa estar apaixonada por você, não há como as coisas voltarem a ser o que eram antes disso. Mas nós tentamos continuar a amizade. E aí, Rosana descobriu que Estela era lésbica e achou que ela estava tentando “contaminar” a neta dela com a sua “depravação”. Definitivamente, não a ajudei a mudar de ideia quando confessei estar apaixonada por Estela. Depois disso, tudo piorou. Ela deu um jeito de tirar Estela da fazenda e a jogou para aquele desgraçado do Jonas. E aqui estamos!

Ela falava pausadamente, de um jeito estranhamente relaxado. Todavia, Isadora sentia a tensão em sua postura.

— Você culpa Dona Rosana pela morte de Estela — supôs.

Os olhos de Dakota deixaram de passear pelo salão para se fixarem nela.

— Eu culpo Rosana por não se esforçar para entender quem eu era. Ela não precisava me aceitar, só tentar entender que existem muitas formas de amar e que fugir da ideia de normalidade imposta pela sociedade não torna o que você, Alice e eu sentimos, um ato criminoso e hediondo. Não há nada de vergonhoso em amar, desde que não estejamos ferindo ou abusando de alguém. Por manter a mente e o coração fechados, Rosana empurrou Estela para aquele monstro e destruiu o carinho que eu tinha por ela.

Agitou-se sobre o banco, fazendo uma pausa breve.

— Honestamente, Isadora, Rosana deixou de ser importante para mim no dia em que me olhou nos olhos e disse que eu não seria mais sua neta, se insistisse com aquela “nojeira”.

Isadora estremeceu ao imaginar tais palavras na voz de Dona Rosana. Quando desejava ofender, a velha senhora sabia usar as palavras e entonação ideais. Perdeu as contas de quantas vezes a viu ganhar uma discussão com Alice após meia dúzia de palavras. A ex-namorada lhe contou que foi difícil se assumir lésbica para a madrinha, ante o histórico dela com Lara. Mas, surpreendentemente, com o passar do tempo e muita conversa, Dona Rosana acabou se mostrando aberta a aceitação. Para Isadora, a idosa era uma boa amiga, que estava sempre disposta a apoiá-la em seu relacionamento com Alice.

Era realmente difícil imaginá-la da forma que Dakota descrevia.

— Mas não posso culpá-la completamente pelo que aconteceu — Dakota continuou. — Havia muita pressão sobre Estela, naquela época. Os pais dela, seus irmãos mais velhos, vizinhos, as amizades que se afastaram como se ela fosse contagiosa, a ideia do que era ser uma mulher “normal”. Estela acabou se perdendo no meio disso tudo e acreditando que o casamento era a solução para os seus problemas. Amanda, Tonho e eu, tentamos fazê-la desistir. Até preparamos uma fuga, mas ela rejeitou a ideia e casou.

Escondeu o rosto entre as mãos, por um instante.

— Rosana me proibiu de vê-la, mas eu sempre dava um jeito de ir até Estela. E cada vez que a encontrava, ela parecia mais distante, mais triste. E às vezes, ela tinha hematomas. Até mesmo quando engravidou, mal dava para notar a barriga, pois ela estava definhando. E então, Jonas a matou.

Pegou a cerveja e, mesmo desgostando do sabor, tomou metade da bebida em um único gole, apenas para desfazer o nó que se formou na garganta.

— Isso acabou comigo. Ver o que Jonas fez para ela e que todas aquelas pessoas fingiram não ver porque Estela amava diferente… Foi a primeira vez que odiei alguém. Era um sentimento tão intenso e assustador, que teria me consumido se eu não pudesse compartilhá-lo com Tonho e Amanda.

Ela finalizou a cerveja com um sorriso torto e que não tinha o charme dos sorrisos costumeiros.

— Esses seus óculos escondem mesmo um olhar de feiticeira, Isadora. Eu não gosto de falar dessas coisas, mas você me fez tagarelar sobre elas tão facilmente. — Fez uma pequena careta, mordiscando o lábio inferior e surpreendeu-se quando foi puxada para um abraço. Primeiro, se sentiu incomodada. Depois, relaxou e se permitiu ficar um minuto inteiro entre os braços de Isadora, como se ela fosse um porto seguro com perfume suave e amadeirado. Ninguém no lugar parecia interessado nas duas e, mesmo que estivessem, elas não se importariam.

Quando se afastaram, havia resquícios de lágrimas nos olhos de Isadora, os quais ela enxugou com um guardanapo. De repente, Dakota desejou estar a quilômetros dali, em um lugar calmo e silencioso para que pudesse mostrar para Isadora que estava tudo bem e não precisava se preocupar tanto com aquela história, pois era passado. Contudo, ela mesma nunca conseguiu se desapegar disso.

Ela formulou um discurso alegre para desfazer o clima estranho que se instalou, mas acabou dizendo um simples:

— Obrigada.

Então, beijou o rosto de Isadora, tão próximo aos lábios, que a moça ficou muito grata pela péssima iluminação do lugar não ser capaz de mostrar o quanto estava corada. E após alguns segundos se recompondo em silêncio, Dakota anunciou:

— Eu já volto — instantes depois, ela puxou uma cadeira e sentou ao lado dos dois homens que invadiram sua casa. Um deles tinha um curativo no braço, no exato local em que Sissi o mordeu. O outro exibia um olho roxo e os lábios cortados.

— Boa noite, rapazes!

Os dois homens se entreolharam.

— Não queremos confusão, moça — Olho Roxo falou.

— Não se preocupem. Não vim aqui para arranjar encrenca, não com vocês. Apenas sejam idiotas bonzinhos e me digam se o sujeito que os contratou está aqui.

Eles investigaram o salão com o olhar e balançaram a cabeça em negação.

— Vocês têm certeza? Sabem que eu não lido bem com mentiras.

— Ele não está aqui, senhora — Olho Roxo garantiu.

— É verdade. Nós juramos! — acrescentou Braço Enfaixado.

Com os nós dos dedos ela deu uma pequena batidinha na madeira da mesa. Não esperava mesmo ter tanta sorte na primeira tentativa.

— Falamos a verdade, naquela noite — Olho Roxo gaguejou. — Ele vem aqui raramente e não sabemos o nome dele, mas aquela moça, — ele apontou com o queixo — aquela junto ao balcão, talvez saiba de algo. Já vi ela com o sujeito algumas vezes.

Dakota fitou a mulher, que era uma das garçonetes do estabelecimento. Um rosto jovem, nem bonito nem feio, cuja idade real estava mascarada por uma maquiagem exagerada e quase vulgar. Ficou de pé.

— Se estiverem tentando me enganar, volto aqui e quebro suas mãos.

Isadora acompanhava seus passos com o olhar e juntou-se a ela, quando abordou a mulher indicada pelos dois bandidos.

— A descrição é um pouco vaga — a mulher falou, encarando as duas com ar enfastiado.

Dakota se virou para a mesa em que os dois homens estavam, gesticulou para eles se aproximarem e os fez descrever o sujeito que procurava.

— Ah, esse cara… Esses bobos estão me confundindo com a minha prima. Ela trabalhava aqui antes de mim, e saía mesmo com um playboy parecido com o que descreveram. Não lembro do nome dele, mas posso perguntar. Contudo, acho que só conseguirei essa informação amanhã. Ela está trabalhando no turno da noite de uma fábrica em outra cidade.

Com um dar de ombros resignado, Dakota dispensou Olho Roxo e seu amigo. Então, depositou algumas notas na mão da mulher, junto com um cartão com o seu número de celular. A mulher arregalou os olhos, surpresa com a quantia. 

— Tenho algumas destas para a sua prima, também. Me ligue quando tiver a informação. Estarei na cidade até o meio-dia de amanhã.

A mulher sorriu, prometendo:

— Pode deixar!

Dakota se voltou para Isadora:

— A escolha é sua. Ficamos aqui, ouvindo música ruim e tomando bebidas de péssima qualidade ou voltamos para a pousada e abrimos aquela garrafa de vinho — apontou para a garrafa sobre o balcão fazendo Isadora desmanchar-se em um sorriso.

***

A meia-noite se aproximava quando elas chegaram à pousada. Estava uma noite abafada e Isadora decidiu tomar um banho antes de abrirem o vinho. Dakota desejava fazer o mesmo, e enquanto esperava sua vez, debruçou-se na janela, observando a movimentação dos bares da rua.

Pegou o celular, o qual havia ignorado durante todo o dia. Encontrou várias mensagens de Alice, uma de Júlio e alguns e-mails de trabalho. Respondeu Júlio, desprezou Alice e optou por replicar os e-mail apenas no dia seguinte, quando estivesse completamente sóbria.

Ia largar o aparelho sobre a cama, quando recebeu uma chamada de vídeo. Pensou em rejeitar, mas essa atitude resultaria em mais chamadas até que atendesse. O dedo ainda oscilou entre o botão vermelho e verde antes de pressionar este último. A tela exibiu o rosto alvo de um homem bem apessoado. Giovanni lhe sorriu, dizendo:

Ciao bella!

Mesmo não querendo, Dakota sorriu.

— Oi, meu bem! Como está?

Com saudade. Sempre.

— Mentiroso — ela acusou, desprezando aquele friozinho na barriga, que sempre aparecia quando se falavam. Mesmo após anos separados, Gio ainda mexia consigo.

Nunca menti para você — fingiu indignação, após mais um sorriso galante. Ela percebeu o tom arrastado, de quem tinha tomado algumas doses de uísque a mais. Como se quisesse confirmar essas impressões, Giovanni levou um copo à boca. — Queria saber como você está. Já tem alguma notícia de Isabella?

Ela lançou um olhar para a porta entreaberta do banheiro. O chuveiro tinha sido desligado há algum tempo, mas não parecia que Isadora iria retornar ao quarto naquele momento. Sentou-se à mesa e apoiou o celular no arranjo que a decorava.

— Até agora, nada.

Giovanni tomou o cuidado de parecer decepcionado e Dakota até ficou grata por isso, já que ele não era um fã de Isabella. A garota sabia ser desagradável quando queria, não podia culpá-lo.

— Hm… sinto muito.

Ela fez um gesto de agradecimento.

— Olha, Rachel descobriu algo e me pediu para te enviar. É coisa séria, então mandei por um mensageiro.

— Por que um mensageiro?

— Você vai entender quando ver. Não dá para enviar algo assim pela internet e não deixar algum tipo de rastro. Ele deve chegar nesse fim de mundo amanhã. Rachel está tentando descobrir mais alguma coisa, porém precisou resolver uns problemas… você sabe, da Angel — fez uma careta.

— Se você revirar mais os olhos, vai ficar digno de um papel no próximo filme de “O Exorcista” — caçoou.

— Engraçadinha!

— Dá um tempo para a sua irmã, Gio. Depois que Samuel morreu, ela se afundou no trabalho e na bebida. Essa “amizade colorida” com Angel está trazendo ela de volta para a gente.

Giovanni bufou.

Amizade colorida? Rachel está de quatro por aquela pirralha! Eu não me importaria, se a garota não estivesse enfiada em confusão até o pescoço. Você sabe quem é o ex-namorado psicopata dela?

— Não, mas se precisar de ajuda, Rackie sempre terá o meu apoio.

— Você sempre amou Rachel mais que a mim — fez um biquinho.

— Você é sempre tão dramático e ciumento — mexeu com ele. — Mas não está errado, Rackie é o amor da minha vida.

— Você está muito engraçadinha hoje. Andou bebendo?

Ela enfiou a mão nos cabelos, úmidos de suor.

— Algumas taças de vinho — contou.

Deve ser uma ocasião importante. Você só bebe vinho quando quer comemorar algo ou está bem acompanhada. Qual das duas opções?

Dakota limitou-se a sorrir, e sabendo que insistir não traria resultados, Gio retornou ao assunto anterior.

— Tudo bem, amor. Prometo parar de criticar a minha irmã e o relacionamento dela, quando ela largar do meu pé pelo mesmo motivo.

— Vou me abster de opinar sobre isso — ergueu as mãos.

— A sua opinião importa, você sabe.

Prefiro não entrar nessa fogueira. Não é saudável, para você ou para mim, opinar sobre os seus relacionamentos. Mesmo achando que você tem um péssimo gosto para mulheres, com exceção de mim, é claro.

Gio caiu na risada e brindou a isso.

— O que me recorda que, faz um tempo, ando enrolando para te contar uma coisa — seu riso desvaneceu e ele pareceu desconcertado, enquanto passava a mão pelos cabelos claros. — Eu vou me casar.

Dakota prendeu o ar nos pulmões, tentando se mostrar completamente indiferente àquela notícia, ainda que sentisse seu interior revirar. Soltou o ar devagar, forçando um sorriso.

— Parabéns — falou, tentando dar um tom firme à voz.

É… eu estava torcendo para que Rachel tivesse te contado antes e me poupasse desse constrangimento. É que a gente ficou tanto tempo junto, ainda é um pouco difícil me imaginar casado com outra pessoa.

— Você se acostuma.

— Acho difícil. Estamos separados há anos e nunca me acostumei com a sua ausência.

— Você se acostuma — ela repetiu, as mãos cerradas por baixo da mesa. — Olha, Gio, está tarde e eu estou cansada. O dia foi bem longo. Avisa para a sua irmã que entrarei em contato assim que receber o pacote.

Ele balançou a cabeça, um sorriso estranho deformando o cavanhaque de pelos claros e bem aparado. Tomou o resto da bebida em seu copo e disse:

— Você é sempre tão malvada! Podia, ao menos, demonstrar um pouco de ciúmes!

Dakota encolheu os ombros, suave. Já imaginava onde aquela conversa ia dar. Poderia, simplesmente, ignorar o que ele disse. Porém, não resistiu a falar algumas verdades:

— Eu não tenho ciúmes de você, Gio. Um pouco de inveja da pessoa que está com você hoje, talvez, mas não posso ter ciúmes do que não é e nunca foi meu.

Ele pareceu indignado, mas foi apenas charme. Isso sempre a deixou irritada.

— Eu sempre fui seu, meu coração ainda é seu. Você só precisa estalar os dedos e corro para o seu lado.

— Espero que tenha deixado isso claro para a coitada com quem vai se casar — retrucou ela.

Sofia, assim como eu, adora a ideia de um terceiro travesseiro — sorriu, sacana. — Esse é o nosso lance.

— Fico feliz por você, mas esse nunca foi o meu lance. Você bem sabe — foi ríspida.

Alguns segundos se passaram, enquanto ela respirava fundo e devagar. Quando se encontravam pessoalmente, a conversa costumava ser bastante tranquila. Raramente o assunto era voltado para o relacionamento que tiveram. Mas quando, eventualmente, falavam por telefone ou videochamada, discutir seus sentimentos parecia ser uma obrigatoriedade.

Era desgastante.

Ela correu os olhos pela noite além da janela, em busca de algo mais para dizer. Não havia nada e ficou feliz quando Isadora decidiu que já estava na hora de sair do banheiro.

— Dakota, você já pode ir — disse ela, o olhar sendo atraído para a tela do celular sobre a mesa.

Dakota se virou para olhá-la, desfazendo a máscara de seriedade ao vê-la dentro de um pijama preto, com a bandeira do arco-íris estampada na altura do peito.

— Ah, obrigada, Isadora. Só um minuto, por favor.

Ela retornou a atenção para o celular, Giovanni estava muito sério agora.

— Conversamos depois, Gio. Boa noite.

— Namorada nova? — ele perguntou.

— Preciso mesmo ir agora, Gio. Parabéns pelo noivado! — ele ainda tentou dizer algo, mas Dakota encerrou a ligação e depositou o celular na mesa com a tela voltada para baixo. Escondeu o rosto entre as mãos.

— Desculpe interromper… — Isadora se apressou a dizer.

— Está tudo bem. Você ouviu muita coisa? — ficou de pé, o celular vibrou e ela voltou a pegá-lo. Na tela, um pop-up com a seguinte mensagem de Giovanni surgiu:

Então não era uma comemoração,

mas sim, uma boa companhia.

— Ouvi o suficiente para, me desculpe por isso, achar seu ex meio babaca!

Dakota arqueou os lábios e balançou os ombros levemente, antes de arrastar a mensagem para o lado sem se dar ao trabalho de responder.

— Eu te disse, nós temos um gosto parecido.

— Oh, desgraça! — sentou na beirada da cama para observá-la, enquanto tirava o pijama da mochila. — Você ainda gosta desse cara, né?

— E você ainda gosta de Alice? — a fitou de esguelha, derramando ironia nas palavras.

— Situações bem distintas, Dakota.

— Não tanto, se você ouviu bem a conversa — começou a se dirigir para o banheiro, porém, Isadora falou:

— Você não respondeu a pergunta dele sobre o vinho.

Dakota colocou a mão no umbral da porta, com jeitinho descrente. De tudo o que ouviu, foi aquilo que atiçou a curiosidade dela?

— Gio não me conhece tão bem quanto pensa. O vinho é sempre por estar em boa companhia.

Isadora meneou a cabeça, deixando a imaginação correr solta. E não sabia bem o que queria ter como resposta ao perguntar, em seguida:

— E há segundas intenções, quando você toma uma segunda garrafa em boa companhia?

Com calma, Dakota se permitiu percorrer a figura dela com o olhar. Demorou-se no rosto sério e nos cabelos úmidos que caíam em cascata sobre os ombros seminus, assim como as pernas. Uma mecha de cabelo havia deslizado para o interior da camiseta dela, enfatizando a curva entre os seios fartos. Isadora era adorável e o pensamento “Alice é uma idiota” passou pela sua mente algumas vezes, antes de formular uma resposta.

Embora não tivesse certeza de que aquela pergunta queria dizer o que estava imaginando, lançou o desafio:

— Se quiser descobrir, vai ter que abrir aquela garrafa.



Notas:

E aí, como estamos?




O que achou deste história?

4 Respostas para 9. BOA COMPANHIA

    • Que bom que deu para compensar um pouco do atraso. Prometo um pouco mais de ação para os próximos capítulos.

      Beijos!

    • Tá mesmo rolando algo entre elas. Agora, o que virá disso… te conto nos próximos capítulos! Hehe…

      Beijos!

Deixe uma resposta

© 2015- 2023 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.