Desde sempre

Capítulo 14

Capítulo 14 –

Liz sentou-se na poltrona de novo e tentou sentir o que restava do perfume dos cabelos de Fabiana. Nada. Como nada significava o seu sentimento para Fabiana. Não tinha mais jeito. Ela tinha que se livrar desse encosto, dessa sina maldita de amar e, amar e, amar de um jeito que jamais seria correspondida. Naquela hora, Liz tomou uma decisão.

Durante dias elas não se falaram e se ignoraram como duas crianças emburradas. Entravam e saiam de um mesmo ambiente caladas, sem jamais se olharem. Um dia, Fabiana chegou mais cedo do que de costume. Coisa estranha para alguém tão metódica. Sem nada para fazer até um pouco mais tarde, Liz estava à vontade de shorts e camiseta sentada em frente à tv.

– Liz? – Fabiana chamou para a surpresa da loirinha.

– Sim – Liz respondeu tentando disfarçar o salto que o seu coração dera ao ouvir Fabi dirigir-lhe a palavra.

– Eu gostaria de conversar com você.

Repentinamente, como se adivinhasse que algo importante e desagradável viria daquele pedido de Fabiana, a loirinha saiu metralhando palavras numa velocidade alucinante.

– Que bom que você iniciou essa conversa Fabiana. Eu também tenho que falar com você. Olha, eu vou morar com a Taís. Eu sinto muito. Sei que não foi isso o que combinamos, mas aconteceu e pelo modo como vão as coisas entre nós ultimamente, acho que isso é o melhor a fazer e…

– Liz!

A loirinha se calou de súbito.

– Só para variar. Cale a boca!

Mudez.

– Eu vou me casar.

Coração no chão.

– Caio vai fazer uma especialização nos EUA e me pediu em casamento.

Coração, alma, peito, tudo no chão.

– Tudo aconteceu muito rápido. Viajaremos daqui a uma semana. Você ouviu?

– E o seu curso? – Liz conseguiu falar tirando um fio de voz não se sabe da onde.

– Nossa intenção é ficarmos três anos. Quando voltarmos, eu termino a faculdade. Além disso, não preciso ficar sem fazer nada por lá, não é mesmo?

– Claro. Primeiro o valoroso cavalheiro, depois a bem-educada dama.

– Liz, pare com isso! Apesar de toda a nossa…confusão e tudo. Eu…Bom, você é muito importante para mim e …pare de me olhar desse jeito, Liz. Caramba! Eu vou me casar!

– E daí?

– E daí que eu vou me casar e depois vou embora. Gostaria que…Gostaria que…

– Fala, Fabiana!

– Gostaria que você fosse minha madrinha.

– Nunca!

– Liz…

– Você deve ser louca, Fabiana. Depois de tudo o que aconteceu entre a gente e depois de tudo o que eu te falei você me vem com uma proposta dessas!

– Você é a minha melhor amiga. Eu achei que nós pudéssemos esquecer toda aquela loucura que aconteceu e…

– Cala a boca, Fabiana. Não diga mais nada, pelo amor de Deus!

Liz caminhou nervosa pela sala, esfregando o rosto com as mãos com uma força do tamanho da sua angústia.

– Olha, eu estou muito bem com a Taís, sim. Eu vou morar com ela e realmente quero que tudo dê certo porque ela merece e, porra!, eu também mereço. Mas, por favor, Fabiana, tenha respeito por mim.

– Eu te respeito, Liz.

– Fabi, será que você percebeu mesmo o que aconteceu naquela praia, o que aconteceu nesta droga de apartamento? Não foi uma loucura. Foi real. Existiu! E você estava presente. Ô, se estava. Eu ainda sinto o calor dos seus…

– Liz!!

– Está vendo? Por quanto tempo você vai negar o que existe, o que existiu entre a gente? Chamar de loucura os nossos momentos? Negar a intensidade dos nossos beijos?

– O que existe entre a gente é uma grande amizade, Liz.

– Também. E também mais. Muito mais. E você sabe disso.

– Eu…não posso.

– Ah, Fabiana. Eu gostaria tanto, tanto de conseguir ao menos desgostar de você. Eu gostaria tanto que Deus te tirasse do meu coração. Só isso.

– Não diga isso – Fabiana falou já tomada por soluços.

– Me liberte, Fabi. Por favor.

– Não diga isso – Fabiana saiu pela mesma porta que entrou, desta vez, como se fugisse da própria sombra.

– Fabiana…

Fabiana saiu andando pelos jardins do campus com passos rápidos e sentou-se na escadaria do enorme prédio da biblioteca ainda aberta, mas com pouco movimento. Passou a mão nervosamente pelo longo cabelo e olhou para o céu expirando com força, tentando entender o que estava se passando.

Ela poderia ter impedido Liz. Poderia ter findado aquele beijo num instante. Poderia ter gritado que aquilo era um absurdo e tê-la afastado de si! Sim, poderia…Mas, não o fez ou demorou demais a fazê-lo. Por quê?

Agora, sozinha e pronta para entender o que estava se passando com ela mesma, não havia necessidade de sabotar o entendimento dos próprios sentimentos. A verdade mais absurda era o fato incontestável de que os beijos de Liz pareciam capazes de causar-lhe uma insanidade momentânea, um calor, uma excitação flamejante que a destituía de raciocínio.

De fato, fora assim desde o primeiro beijo…Sim, ela se lembrava. Ela se lembrava daquele primeiro beijo no jardim durante a festa dos seus quinze anos. Nunca admitira isso nem para o espelho, mas se recordava com vívidos detalhes do primeiro beijo da sua vida e da emoção profunda que ele lhe causara. De início, sentira vergonha durante vários dias de ter beijado e se deixado beijar daquele jeito por uma menina, depois, com o passar do tempo da mais plena normalidade de seu relacionamento com a melhor amiga, passou a atribuir o abandono com o qual se entregara aos lábios de Liz não só aos goles generosos de champanhe, mas também ao fato de sentir-se sempre tão segura e querida ao lado dela. Por fim, passara a se lembrar daquele episódio com menos pejo, embora de vez em quando se pegasse sonhando com o beijo, sobretudo naqueles momentos que antecedem o sono, quando a realidade e sonho se misturam na tênue linha entre o onírico e o desejo sem censuras.

Contudo, tinha que admitir que embora se sentisse sempre segura ao lado de Liz, isto não significava que se sentisse sempre confortável em sua presença. O termo conforto é bastante abrangente em termos emocionais. Havia momentos em que Liz a deixava extremamente nervosa, desconcertada. Sempre foram amigas e compartilhavam da intimidade habitual das amizades jovens e sinceras, mas o fato é que quando Liz a tocava sutilmente em ocasiões como, por exemplo, quando lhe amarrava o biquíni com os dedos resvalando a carne sensível das costas ou quando colocava uma mecha rebelde de cabelo negro atrás da orelha e lhe roçava delicadamente a face com os dedos ou quando encostava o nariz de leve no pescoço para sentir o cheiro de uma nova fragrância, ela não se sentia confortável. Não. Na verdade, enrijecia-se sensivelmente, arrepiava-se de modo incontrolável e normalmente começava uma brincadeira para disfarçar o embaraço.

Havia dias em que, chegando tarde da noite, encontrava Liz já dormindo daquele seu jeito enrodilhado na cama como se alguém ainda pudesse vir acordá-la com pancadas e Fabiana sentia uma vontade premente de tocá-la, de se deitar e abraçá-la como naquele acampamento em que dormiram tão grudadas que parecia que tinham nascido para dormir assim. Aliás, não se lembrava de jamais ter dormido tão bem em toda a sua vida a despeito da falta de comodidade.

E por último, a sua reação violenta à confissão de Liz de que namorava a irmã do seu namorado. O que fora aquilo? Tudo bem que ficara surpresa, talvez chocada, mas a confissão de Liz lhe soara como uma agressão. Por quê?!!

Imagens de Liz desde que se conheceram lhe atropelaram a cabeça até aquele momento, instantes atrás no apartamento, em que pouco ou nada faltara para que Liz a chamasse de hipócrita. Hipócrita? Será? O que realmente sentira quando soube que Taís a namorava? Por que se ressentia tanto com o tempo que Liz despendia com a namorada? Por que não resistira veementemente aos avanços de Liz, mas ao contrário, fora tomada por uma mal contida expectativa?

“Que loucura, meu Deus!”.

Estava a um passo de se casar com um bom homem, de formar uma família, de tornar palpável um futuro sólido e promissor – tudo para o que fora educada durante toda a sua vida. Poxa!

Estava prestes a deixar o país com o seu marido e talvez ficar anos sem voltar. Anos sem ver Liz…

Pela primeira vez, Fabiana percebeu esta perspectiva em sua real dimensão e foi como se uma faca longa e aguda perfurasse-lhe o peito. Levantou-se imediatamente de onde permanecera pelo longo tempo de suas reflexões e seguiu a passos resolutos para algum lugar.

Já entendera o que se passava.

**********

Madrugada. Liz tentava dormir depois de chorar novamente por quase uma hora e de chamar a si própria de otária pela enésima vez por causa disso. Havia dois dias que tinham discutido. Fabiana não voltara para casa. Nesse ínterim, Liz já entendera o recado mais do que claro e já ajeitara a maior parte das suas coisas para se mudar para a casa de Taís. Foi então que escutou a porta do apartamento se abrir. O susto e a surpresa quase a fizeram soltar um grito abafado. Ouviu Fabiana entrar, ir até o banheiro e tomar um banho rápido. Percebeu o momento em que ela voltou ao quarto e esperou que ela se deitasse discretamente como sempre. Mas isso não aconteceu. Com calma e decisão, Fabiana caminhou até a cama de Liz, puxou a coberta e, sem pedir licença nem nada, deitou-se com a loirinha. Impossível fingir que estava dormindo.

Assim, Liz virou-se para a amiga para indagar da ação inusitada quando, ao roçar-lhe o corpo tão próximo, a pulsação aumentada a ponto da taquicardia anunciou-lhe algo inimaginável. Incrédula, Liz levou lentamente a mão para tocar a mulher dos seus sonhos e ela estava nua. Nua! A mulher da sua vida estava nua em sua cama. Liz olhou para cima tentando ver os olhos de Fabiana através da penumbra do quarto, mas levou um beijo na boca.

– Fabi…

– Não fale – Fabiana sussurrou roçando os lábios na orelha de Liz.

– O que você…?

Impaciente, Fabiana deu-lhe outro beijo intenso e Liz não perguntou mais nada. Trouxe-a para cima de si, passando as mãos ansiosas pela extensão das costas morenas e apertando o corpo de Fabiana contra o seu enquanto a beijava quase com fúria.

Surpreendentemente determinada, Fabiana introduziu as mãos por dentro da camiseta de Liz na intenção clara de despi-la. Enfeitiçada, Liz deixou-se despir primeiro da camiseta e depois da calcinha, subjugada por aquela energia e iniciativa que a loirinha só havia visto Fabiana despender nos esportes e que agora como num acontecimento mágico estava direcionado apenas para ela.

Fabi a olhou e mesmo na semiescuridão, Liz percebeu o brilho urgente naquele azul quase negro que lhe fitava de uma forma que nunca havia feito outrora. Sentiu a veemência daquele olhar e soube que jamais em toda a sua existência se esqueceria dele.

Abraçou a sua Fabiana.

Deitaram-se e os corpos nus se enroscaram perfeitamente e com uma imprevista calma dado o tempo em que levaram para se encontrar. Exploraram-se mutuamente com um prazer lento, bem perto do torturante. Roçaram-se. Navegaram uma no corpo da outra provocando encontros deliciosos de seios com seios e costas e bocas. Sexos com sexos e bundas e coxas.

Percorreram-se, atravessaram-se como nautas sôfregas por terra desconhecida e encantada.

Liz beijava cada pedaço daquele corpo exato com a simplicidade acariciante dos encontros naturais, e quando os seus lábios encontraram com inefável delícia a parte interna da coxa firme de sua amada, Fabi gemeu e o mexer incontido dos quadris telegrafou à loirinha o pedido irrecusável: Liz abocanhou-lhe o sexo com firmeza e suavidade, delicadeza e volúpia. Beijou, sugou, lambeu-lhe o suco, o cheiro e o calor. Ouviu, fascinada, os sons irreprimíveis do prazer sensual que vinham da boca da mulher da sua vida, e então principiou o passar da língua cheia de lascívia no clitóris rijo de excitação com pungente lentidão para depois acelerar num crescente de força e ritmo até que a voz de Fabiana entrecortada por espasmos involuntários desatou num gemido longo o nome de Liz em meio a um gozo intenso.

A loirinha admirou Fabiana, sorvendo com os olhos a visão maravilhosa de sua amante de olhos fechados, rosto corado, respiração descompassada, lânguida e bela com os cabelos negros espalhados pelo travesseiro. Fabi abriu os olhos. Olhou para Liz com um desconhecido domínio e comandou com a voz rouca:

– Deite-se de costas.

Liz obedeceu e descobriu depressa o porquê da ordem. Fabiana debruçou-se sobre a sua bunda, beijando, mordendo, lambendo com uma volúpia intensa. Deitou-se por sobre a loirinha, encostou o púbis em suas nádegas e começou a se mover em requebros sensuais enquanto mordia o pescoço de Liz. A respiração descompassada em sua nuca, o corpo nu de Fabiana deslizando sobre o seu…nem em seus sonhos mais ardentes, Liz poderia supor a sensualidade daquele momento. Excitada à loucura, Liz virou-se de frente e agarrou a fonte do seu desejo com braços e pernas beijando-a com furor. Sentia vontade de ser consumida. Com uma compreensão intuitiva, Fabiana desceu a mão longa pela cintura de Liz e afagou seu sexo encharcado. Liz se contorceu de tesão. Fabiana massageou a fenda úmida enquanto sentia os movimentos impacientes do corpo de sua pequena amante. De repente e sem aviso, Fabiana penetrou-a com firmeza e a loirinha pensou que fosse desfalecer. Liz arremeteu o quadril em direção aos dedos longos e fortes sentindo o prazer subindo em ondas convulsas, trespassando-lhe o corpo como um dardo, tremendo nas pernas sem controle até o orgasmo.

Fabiana a abraçou.

Ficaram caladas sem palavras para o que havia acontecido. Fabiana acariciava com ternura os cabelos loiros abundantes. Liz passeava a mão pelo belo rosto moreno, pensando vagamente que tudo parecia uma película surreal. O dia começava a clarear. Liz firmou-se nos cotovelos com mil perguntas inscritas em seu rosto delicado.

– Fabi…

Fabiana a calou colocando a mão ternamente na boca de Liz.

– Não falemos agora, Liz. Por favor. Basta você saber que eu estou aqui e que sou sua.

– Minha?

– Sua.

Liz olhou para a mulher à sua frente.

– Minha – disse e beijou-lhe um e depois o outro olho de fartos cílios negros. – Minha – continuou beijando-lhe as faces e a boca adorada. – Minha…

A risada baixa e contagiante de Fabiana, quando Liz começou a beijar-lhe o corpo fazendo cócegas provocantes em cada pedacinho de pele acobreada soou como a música aos ouvidos da jovem loira.

Beijaram-se por horas, fizeram amor, brincaram, riram como garotas que eram cheias de uma alegria quase insana. Dormiram agarradas ainda sorrindo.

Liz acordou no meio da tarde sem ninguém ao lado. Levantou sem jeito, um pouco tonta e seguiu até a cozinha procurando Fabi em todo canto. Na mesa, um bilhete. No peito um coração batendo um terrível presságio.

“Não volto mais. Vou me casar amanhã cedo com Caio numa cerimônia simples somente para os familiares. Não me procure, por favor… e me perdoe se puder. Essa é a minha vida. Mas, você foi a primeira. Sempre será”.

“Eu te amo por toda a minha vida”. “Fabi”.

¹ Cena e diálogo retirado ipsis litteris de Estranhos no Paraíso de Terry Miller. Mais uma singela homenagem.



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